Boletim Letras 360º #442
DO EDITOR
1. Caro leitor, numa das postagens
desta semana no Twitter foi levantada a hipótese de encerrar as atividades
deste Boletim a partir de 2022. Isso ainda não é coisa certa, mas passa pelo
horizonte dos interesses. E o motivo mais simples é: esta é a publicação mais trabalhosa e a que rende menos
retornos (quando era para ser o contrário). Basta dizer que, das editoras, por exemplo, salvas raríssimas exceções, o blog não recebe absolutamente nada — se não importunação porque divulgou-se isso e não aquilo, silêncio e porta na cara quando batemos em procura de ajuda, como fizemos ao longo dos últimos meses com nossa campanha de levantar fundos para cobrir despesas com o domínio e hospedagem do blog na web. Ou seja, querem vender e só vender. É triste, mas algumas verdades precisam ganhar forma; esse mundinho glorioso que quem está do outro da tela acredita, é puro engodo. A mentalidade do mercado editorial brasileiro é necrosada. Mais interessante que investir em espaços sérios como este, é enviar os livrinhos para mãos de um youtuber que o grau de formação é dizer da capa e do papel do livro ou reconhecer que seu livro saiu naquele jornalão que muitas delas acusam de elitista ou de participante da nossa antidemocracia. Isto é, coerência zero com algum princípio de respeito ao leitor e ao livro! Chega a um ponto que a vocação franciscana se esgota, por que isso aqui envolve tempo de vida, trabalho e dedicação. Então, se não é feito o mínimo, por que continuar, não é mesmo? Por heroísmo?
2. Bom, ainda não foi concluída a
campanha para arrecadar fundos a fim de cobrir despesas com o domínio e a
hospedagem do Letras na web — há informações aqui no Facebook e aqui no Instagram.
3. A todos que acompanham o
blog, diariamente ou não, e de alguma maneira ajudaram até agora com o seu
precioso interesse, registre-se o sempre muito obrigado!
Ariano Suassuna. Foto: Hesíodo Goes. |
LANÇAMENTOS
O novo título na coleção que reúne a obra completa de
Cornélio Penna: Dois romances de Nico Horta.
D. Ana, após engravidar e tornar-se viúva de seu primeiro
marido, Antonio, casa-se com Pedro e dá à luz os gêmeos Nico e Pedro. A vida da
família divide-se entre a cidade e a fazenda, onde estarão as duas paixões de
Nico. Dois maridos, dois irmãos, dois lugares, dois romances. Se em seu livro
de estreia, Fronteira (1935), Cornélio Penna não delineia os dois
polos criados por uma divisa, em Dois romances de Nico Horta o
signo do duplo é latente. A materialidade desse duplo se intensifica cada vez
mais. Como se encoberta pelo véu opaco de uma linguagem imprecisa, ela se
constrói entre o íntimo e o exterior, o delírio e a realidade, a memória e o
futuro, a perdição e a salvação, e, por fim, entre a vida e a morte. Nico
Horta, atormentado e incapaz de lidar com o mundo ao seu redor, oferece ao
leitor caminhos narrativos fantasmagóricos e estonteantes.
A nova edição da Revista 7faces homenageia a obra de Maria
Teresa Horta.
A obra de Maria Teresa Horta está entre as mais
significativas no quadro das literaturas de língua portuguesa do século XX —
seja pelo tratamento inovador para com a ficção, seja pela renovação do
feminino a partir de uma perspectiva do questionamento e da dissidência em
relação aos modelos culturais centrados no domínio do masculino. Uma das faces
de uma obra múltipla no conteúdo e na forma, a poesia, é contemplada na edição
23 da Revista 7faces. Este número, organizado pela especialista na obra da
escritora homenageada, Conceição Flores, reúne um dossiê com textos dela, Jorge
Marques, Michelle Vasconcelos Oliveira do Nascimento, Patrícia Reis, Luis
Maffei, Inês Pedrosa e Ana Maria Domingues de Oliveira. As leituras contemplam
obras tais como Minha senhora de mim (1971) ou As novas cartas portuguesas (escrita coletivamente em 1972 com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa
e um divisor de águas na literatura portuguesa) e perspectivas diversas como a
vivência da poeta nas redes sociais ou os diálogos que sua poética mantém com
outras obras; Inês Pedrosa, por exemplo, escreve sobre a relação da poesia de
Teresa Horta com a de outra poeta fundamental da literatura portuguesa, Judite
Teixeira. A edição reúne ainda os tradicionais cadernos de poesia, desta vez,
com a produção literária de duas dezenas poetas do Brasil, Portugal e
Argentina. A revista é uma publicação semestral, eletrônica, gratuita e pode
ser lida e descarregada aqui.
Livro reúne cinco fábulas clássicas de Hans Christian Andersen.
Hans Christian Andersen (1805-1875) é, ao lado
dos irmãos Grimm, um dos nomes centrais da tradição do conto infantil e
popular na Europa do século XIX. A versatilidade da pluma de Andersen está bem
representada neste segundo volume de suas Obras escolhidas, em novas traduções
realizadas por Heloisa Jahn diretamente do original dinamarquês. A sereiazinha e outras histórias reúne, para começar, “A princesa da ervilha”, uma
anedota concisa e deliciosa, de fina ironia humana e social. E aqui está, é
claro, “A sereiazinha”, conto mais extenso que, na pele de uma jovem sereia e
um príncipe desavisado, explora as alturas e os abismos do amor. Em “O
companheiro de viagem” e “Os cisnes selvagens”, menos conhecidos no Brasil, o
leitor trava contato com um Andersen que, mestre das fórmulas do folclore, sabe
renová-las e levá-las às vizinhanças do romance. Fechando o volume em tom
feérico mas sempre arguto, “O rouxinol” não deixará de intrigar por suas muitas
antevisões do destino da vida humana e da beleza à sombra da maquinaria a nosso
redor. Como no primeiro volume de Andersen publicado pela coleção
Fábula (O patinho feio e outras histórias, 2017), também este A sereiazinha e outras histórias é fartamente ilustrado, agora com
desenhos em preto e branco do ilustrador uruguaio Fidel Sclavo.
Verdadeiro marco da lírica ocidental, as Odes de
Horácio reúnem, em quatro livros, 103 poemas escritos em latim no século I a.C.
— obra monumental que viria a influenciar uma legião de autores na posteridade,
de Petrarca a Fernando Pessoa, de Ronsard a Bertolt Brecht.
Nessa constelação de versos, podemos vislumbrar as ideias e
os costumes dos cidadãos que viviam no auge do Império Romano, durante a Pax
Augusta, após a turbulenta época do assassinato de Júlio César e das guerras
civis. Quinto Horácio Flaco (65-8 a.C.) era filho de um modesto comerciante do
sul da Itália que enriqueceu com leilões públicos (como registra Suetônio na
Vida de Horácio, texto do século II reproduzido neste volume). Apesar da origem
humilde, o poeta tornou-se figura importante na sociedade romana, a ponto de
recusar um convite de Augusto (o primeiro imperador de Roma) para se tornar seu
secretário oficial, preferindo dedicar-se às letras, contando para isso com o
apoio do seu grande amigo Mecenas, também protetor de Virgílio. Autor também de Sátiras, Epodos e Epístolas (entre elas a
célebre Arte poética), além do Cântico Secular (criado
para os Jogos Seculares de 17 a.C. e também incluído neste volume), Horácio
resgatou em suas Odes, com graça e engenho, as variadas formas da
poesia grega antiga (Alceu, Safo, Píndaro) e alexandrina (Calímaco), propondo
uma filosofia de vida baseada tanto no estoicismo como no epicurismo, algo
eternizado num dos versos mais famosos da história da literatura, o “Carpe
diem” da ode I, 11. A presente edição, bilíngue, traz o conjunto completo das
103 odes de Horácio na inspirada tradução, fluente e musical, de Pedro Braga
Falcão, que assina também a introdução e as notas explicativas a cada um dos
poemas. O livro é publicado pela editora 34.
Ensaio investiga a consciência perturbada por aqueles que “se deixam levar pela corrente”.
“Agora que as testemunhas já morreram, tanto as vítimas
como os algozes, resta a lembrança de suas palavras e de seu rosto, os
monumentos e os livros. Eu quis tecer os fios da grande história com os da
pequena, até que emergisse um quadro do mundo de outrora, com suas porções de
sombra e de luz, com suas vidas destruídas pela megalomania dos homens, com a
vida de Lydia e Karl Schwarz, que tiveram a infelicidade de nascer no limiar de
um século maldito.” Na descoberta das conciliações de seu avô alemão com o
regime nazista, Géraldine Schwarz revela a responsabilidade dos Mitläufer em
uma ditadura: aqueles, tão numerosos, que “se deixam levar pela
corrente”. Acompanhando três gerações de sua família, ela reconstitui o
trabalho de memória empreendido na Alemanha e que é a força de sua democracia.
Ao compará-lo com as lacunas memoriais na França e em outras partes da Europa,
ela suscita uma questão crucial: fazer dos cidadãos vítimas da História em vez
de responsabilizá-los não teria aberto caminho para o populismo e fragilizado
as nossas democracias? Os amnésicos é publicado pela editora Âyiné.
O novo romance de Samir de Machado Machado.
Em 1762, Portugal recebeu um ultimato: juntar-se à Espanha e
França na Guerra dos Sete Anos ou ser invadida por eles. Sem exército e com os
cofres vazios, o reino precisa a todo custo manter a amizade com a sua mais
poderosa aliada, a Inglaterra. Para isso, o soldado brasileiro Érico Borges é
encarregado de seguir os passos da Confraria da Nobreza, uma sociedade
aristocrática que, inconformada com a ascensão social da burguesia promovida
pelo Marquês de Pombal, está disposta a tudo para manter os seus privilégios –
até mesmo sabotar o país e entregar a estrangeiros. Aliado a uma influente
“salonnière”, um soldado inglês fanfarrão e um estudante expulso de Coimbra,
Érico corre contra o tempo entre as intrigas de um palácio de madeira, as
batalhas nas montanhas, e os subterrâneos da capita portuguesa, numa aventura
em que não faltarão sangue, suor e vinho do Porto. Homens cordiais, o segundo livro da série
iniciada com Homens elegantes é publicado pela editora Rocco.
O jogo de ocultação da verdade africana nas Antilhas.
A grande camuflagem revela o jogo de ocultações
da verdade africana nas Antilhas, escondido sob as roupagens do olhar colonial.
Para Suzanne Roussi Césaire, a descoberta e reconhecimento da identidade
antilhana, — fruto de um processo histórico de “mestiçagem contínua” que lhe
confere pluralidade — demanda duas ações: transcender as antinomias
branco/preto, europeu/africano, civilização/barbárie, tão relevantes na época
em que viveu; mas também, libertar-se da mediocridade cultural geradora de “uma
literatura de redes, açúcar e baunilha”. Esta é uma
obra de escritos apaixonantes e apaixonados, isto é, de escritos dissidentes.
(Mara Viveros) . O livro tem tradução de Júlio Castañon Guimarães, posfácio de
Lilian Pestre de Almeida e é publicado pela Papéis Selvagens.
Passeios de Tamara Kamenszain entre as leituras de poesia e crítica.
Livros pequenos, de Tamara Kamenszain, narra a
historia entre esta grande poeta e ensaísta argentina e uma série de livros que
teve entre suas mãos e que não consegue esquecer. Tamara nos oferece um
percurso fragmentário e até acidentado com múltiplos desvios. Estruturado em
duas partes e um anexo, ela nos passeia entre leituras de poesia e crítica,
entre trabalhos de leitora ou docente e até nos conta os livros que compartilha
com seus pequenos netos. O “pequeno” ao longo do livro se transforma em um
conceito que confronta as ambições dos vates literários e a falsa erudição de
salão literário e faz do menor, do deslocamento, da distração e até do humor o
centro de uma ética de leitura. O livro tem tradução da Paloma Vidal e é
publicado pela editora Papéis Selvagens.
O primeiro romance de Sara Gallardo ganha tradução no
Brasil.
No Norte da Argentina, na metade do século passado,
argentinos e imigrantes trabalham na terra e com a terra em pleno verão
ardente, sob uma aparente calma. É preciso cultivar os grãos, levar o gado para
pastar, ordenhar as vacas, domar cavalos, cuidar dos porcos e da vida alheia. É
quase um hábito, assim como separar feijões, estender a roupa e dividir o mate.
Por causa disso, a protagonista de Janeiro, uma adolescente de dezesseis anos
chamada Nefer, anda muito angustiada. Desde o começo da trama, ela vive o
terror de: o que será que vão pensar? Nefer foi estuprada e está grávida. Assim sabemos, de uma
vez, do mesmo modo que arrancamos um curativo da pele. E como lidar com uma
situação dessas e, ainda por cima, em uma comunidade que não tem e/ ou nega
acesso à informação, à saúde e a qualquer possibilidade de afeto? Logo chegará
o tempo da colheita e, com ela também a barriga prenha, por conta disso, o
corpo de Nefer, quase impróprio, só espera mesmo por um milagre. Sara Gallardo, autora de Janeiro — sua primeira
obra publicada e ainda nos anos 1960 na Argentina — provavelmente não sabia o
quanto sua obra ganharia o mundo e se tornaria um marco na literatura nacional
não só pela subversão da tradição naturalista/realista, mas também por trazer à
luz alguns temas fundamentais muito antes de que estes se tornassem pautas
urgentes. Com tradução de Ellen Maria Vasconcellos,
o livro é publicado pela editora Moinhos.
O novo livro do poeta Leonardo Gandolfi.
Imagine um mundo atravessado por buracos negros, impregnado
por fantasmas estranhamente familiares e, ao mesmo tempo, crivado de ironias,
no qual o visitante é recebido num universo paralelo que, não por acaso, é aqui
mesmo. Em Robinson Crusoé e seus amigos, de Leonardo Gandolfi, quem
dá as boas-vindas é um coro surpreendente de figuras, registros e duplicidades,
diante do qual a noção de autoria é desestabilizada, as expectativas
frequentemente se invertem e a voz que lê o poema é também lida por ele, numa
espécie de looping da linguagem. Gênios em garrafas pet, Clarice Lispector, Kaváfis e Julio
Iglesias, a mosca Albertina às voltas com a Teoria da Relatividade, estas são
apenas algumas das vozes que nos assaltam neste livro inclassificável. E se o
deslocamento, o nonsense e o humor paródico permeiam todas as páginas, eles não
anulam os afetos nem as angústias, antes promovem uma ciranda na qual todos os
convidados se dão as mãos. Afinal, como bem observa Filipe Manzoni, não se
trata de simplesmente acompanhar a deriva dos fantasmas, mas de ver as coisas
quebradas e, com elas, “inventar novas formas de brincar”. Este é um livro para o século XXI. O livro é publicado pela Editora
34.
MERCADO EDITORIAL
O poeta maior sem casa editorial?
A Companhia das Letras anunciou em suas redes sociais no
final do dia 25 de agosto de 2021 que não publicará mais a obra de Carlos
Drummond de Andrade. Desde 2011, depois de adquirir os direitos de publicação
então com a editora Record, que a casa publicava a obra do poeta mineiro. Foram
54 títulos, incluindo poesia, crônica, diários, antologias e livros infantis. A
nota sublinha que esta “coleção contou com conselho consultivo, projeto
gráfico especial, novo estabelecimento de texto e posfácios encomendados para
as edições, assinados por críticos e escritores que jogavam luz sobre a
relevância de um dos principais poetas de língua portuguesa.” Observa a
variedade de atividades conduzidas para a divulgação “que buscavam celebrar
a obra e apresentá-la a um novo público de leitores.” A decisão tornada
pública se justifica “por não ver possibilidade de aceitar os termos de
renovação do contrato”. O comunicado expõe ainda que as edições
disponíveis ficarão nas livrarias por seis meses.
OBITUÁRIO
Morreu Marlene de Castro Correia.
Leitora atenta da literatura brasileira, Marlene de Castro
Correia começou a lecionar na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1955,
de onde foi professora titular, tornando-se professora emérita em 1993. “A
poesia estava no centro de sua atenção. No seu coração, para ser mais exato. E
o lugar de destaque coube a um de seus grandes amidos: Carlos Drummond de
Andrade.” — observa o poeta Eucanaã Ferraz em nota para o site do Instituto
Moreira Salles (IMS), casa pela qual organizou boa parte da extensa dedicação
de Marlene pela obra do autor de A rosa do povo. Também atuou como professora
na Espanha, onde se estabelece seu interesse por outros nomes da poesia
brasileira como Manuel Bandeira, Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto,
Álvares de Azevedo e Gonçalves Dias. É a partir de “Posse da palavra: uma
iniciação à poesia de Drummond” que se inicia uma sequência de publicações que
resultarão em livros iluminadores como Drummond, a magia lúcida (Jorge Zahar,
2002), Poesia de dois Andrades (Azougue, 2010), Drummond: jogo e confissão (o referido livro organizado por Eucanaã Ferraz, IMS, 2015) e Hamlet e a
lagartixa (7Letras, 2018). Marlene de Castro Correia morreu no dia 24 de
agosto, no Rio de Janeiro.
REEDIÇÕES
Edição especial de Romance da Pedra do Reino, de
Ariano Suassuna.
Considerado por críticos e historiadores literários como uma
dos romances mais importantes da literatura brasileira, Romance da Pedra
do Reino, de Ariano Suassuna, em 2021 completa 50 anos de sua primeira
publicação. Em comemoração a esta data, a Nova Fronteira lança uma caixa que
traz, além do romance propriamente dito, um belíssimo caderno de textos e
imagens, contendo a reprodução de vários documentos e obras de arte ligados ao
seu processo de criação e à sua divulgação, incluindo preciosidades do acervo
do escritor que fazem do conjunto um inestimável presente para os seus leitores
e os estudiosos da literatura brasileira, de um modo geral. Dentre estas
preciosidades, trechos do manuscrito “Sinésio, o alumioso”, a mais antiga
versão da narrativa de Quaderna, datado de 1958 e até hoje jamais divulgado, na
íntegra ou em parte, e o texto integral da também até hoje inédita “Conclusão”
que Suassuna escreveu para uma versão televisiva do romance, cuja estreia
ocorreu em 2007. A seleção, organização e apresentação do volume especial são
assinadas por Carlos Newton Júnior, o projeto gráfico de todo o conjunto é de
autoria de Ricardo Gouveia de Melo, e a direção de arte, bem como as
ilustrações das capas, são de Manuel Dantas Suassuna, filho do escritor.
Reedição do romance do autor responsável pela introdução e
pelo desenvolvimento da narrativa histórica em Portugal.
Eurico, o presbítero é considerado um clássico
da literatura portuguesa. Considerado por muitos estudiosos um dos fundadores
do Romantismo português, ao lado de Almeida Garrett, e aquele que o representa
de forma mais completa, Alexandre Herculano narra a conquista da Península
Ibérica pelos muçulmanos em Eurico, o presbítero. Região dominada pelos
visigodos, povo proveniente do leste europeu, a Península foi rapidamente
invadida pelos numerosos e violentos exércitos islâmicos no século VIII.
Eurico, um jovem presbítero de Carteia, vai à luta para defender sua pátria.
Com uma determinação sem igual e incrível manejo das armas, o jovem logo se
torna uma lenda. Trajando uma armadura preta, Eurico se torna o cavaleiro
negro, terror das tropas muçulmanas. Nesta clássica história de cavalaria,
Alexandre Herculano traz belíssimas descrições do território espanhol, assim
como bem pensadas e ágeis narrações de combates. Também inclui um amor trágico
e há muito não correspondido, que se torna um dos principais eixos da
narrativa. Como um romance de cavalaria romântico, Eurico, o presbítero
apresenta a idealização da mulher, a figura do herói, o espírito nacionalista,
o idealismo platônico, a presença da natureza e várias desilusões amorosas;
essas são características que certamente agradarão os leitores contemporâneos.
A nova edição é publicada pela José Olympio.
Nova edição da peça Doroteia, de Nelson
Rodrigues.
Depois da morte do filho, Doroteia resolve abandonar a
prostituição e procurar por suas primas em busca de uma vida virtuosa. As três
viúvas, no entanto, a repudiam por causa de seu passado e por julgarem que sua
beleza atrai o pecado. Para aceitá-la, elas lhe impõem uma condição: precisa
ficar feia. Doroteia, que estreou em 1950, é uma peça em que os homens estão
ausentes, só aparecendo na fala das personagens femininas. A nova edição
publicada pela editora Nova Fronteira conta com posfácio de Sergio Fonta e
orelha assinada por Santa Rosa, cenógrafo da primeira montagem.
O romance O pássaro secreto, de Marilia Arnaud,
ganha edição pela José Olympio.
Eis a história de Aglaia Negromonte. Possuída por algo que
lhe rasga o peito, sua vida toma rumos inesperados quando o grande segredo do
pai, a existência de uma filha fora do casamento, é revelado à família. A
chegada de Thalie provoca uma série de deslocamentos de afetos e certezas,
especialmente em Aglaia, que se vê confrontada com o ciúme, a raiva e a inveja,
sentimentos que a conduzirão por um caminho de violência e autodestruição.
Neste romance psicológico, Aglaia narra suas memórias de infância e
adolescência, na tentativa de compreender alguns dos acontecimentos mais
relevantes de sua vida. Assim, leitores e leitoras são envolvidos em um drama
familiar, em que questões corriqueiras, banais à primeira vista, ganham
contorno e aprofundamento psíquicos na protagonista. Para o premiado escritor
Itamar Vieira Júnior, “Aglaia é uma peregrina a se equilibrar na tênue linha da
vida entre a delicadeza e a tormenta. Um romance desestabilizador que nos leva
ao âmago da condição humana.” Nas palavras do escritor João Carrascozza, “a
primorosa construção da protagonista da trama e o registro narrativo seguro e
lírico — raros nas histórias longas, materializadas pelo diapasão épico —, a
progressão dos acontecimentos no tempo justo, a tessitura bem engendrada do
enredo (que assim contempla a complexidade humana) e a suspensão do previsível
contribuíram para a alta voltagem ficcional que O pássaro secreto consubstancia
como seus diferenciais mais expressivos”. Em duas palavras, O pássaro
secreto, de Marilia Arnaud, é um romance dilacerante e arrebatador.
A editora Nova Fronteira reedita antologia com mais uma
centena de poemas de amor.
Esta antologia reúne mais de uma centena de poemas de amor:
do amor ardente dos sonetos de Camões ao trágico amor shakespeariano de Romeu
e Julieta. O que há de eterno no amor e o que há de aéreo e fugaz no infinito
desse sentimento. O amor numa multiplicidade de vozes e traduções, da poesia
clássica à poesia moderna: de Goethe a Castro Alves, de Baudelaire a García
Lorca, de Florbela Espanca a Mário de Andrade, de Alberto da Costa e Silva a
Roseana Murray, muitos dos mais altos momentos da poesia amorosa universal.
DICAS DE LEITURA
A notícia mais comentada da semana
foi uma nota que caiu como um balde de água fria na cabeça de um desatento;
está reproduzida acima, neste Boletim. Imediatamente se levanta uma série de
interpretações para a decisão da Companhia das Letras em deixar de publicar a
obra de Carlos Drummond de Andrade e mais que isso: retirar do mercado os livros
em seis meses. Há até quem fale em cosacnaifização dos livros — referindo-se ao alto valor com que os livros editados pela extinta Cosac Naify passou a ser negociado entre livreiros — e não
tarda que muitos tenham corrido às compras para armar estoque. Bom, a decisão
está feita, mas eis três coisas: é lamentável o tratamento monopolizador das
grandes editoras para, quando não mais servir, bater em retirada; a crise no
mercado editorial brasileiro é mais profunda do que possa supor qualquer leitor
melhor informado; não há porque se desesperar, os estoques nesta ou noutra casa
são consideráveis e os livros estão longe do padrão-Cosac. Agora, mesmo assim, se o leitor não confia no que dissemos e quer mesmo adquiri algumas das publicações dentre os 54 títulos publicados pela editora, listaríamos esses:
1. Alguma poesia. Este é o
primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade; aparece em 1930, embora
boa parte dos poemas antes circulassem nos principais veículos modernistas,
como “No meio do caminho”, publicado na Revista de Antropofagia. É, sem
dúvidas, um dos melhores do poeta mineiro. A edição da Companhia das Letras
traz um texto de Eucanaã Ferraz.
2. A rosa do povo. Talvez
seja o livro mais conhecido do poeta e de alguma maneira — pelo tema e os
interesses forma par com Sentimento do mundo. Data de 1945 e está
marcado pelos ferros do seu tempo: a guerra, os impasses ideológicos e o papel
da poesia e do poeta em tempos assim iguais aos nossos de agora — “de fezes e
maus poemas”. A edição da Companhia das Letras traz um texto de Antonio Carlos
Secchin.
3. Boitempo. Menino antigo
e Boitempo. Esquecer para lembrar. Esses dois títulos constituem um
díptico e marcam uma fase da poética drummondiana centrada no tratamento da
memória. Fazem parte com A falta que ama. O primeiro reingressa pela infância
e dá conta de circunstâncias, personagens, histórias, situações refundadas pela
poesia. No segundo Boitempo a memória se lança da dimensão íntima para
sobre um domínio coletivo. Os dois livros contam com textos de apoio é de John
Gledson.
4. Antologia poética. Carlos
Drummond de Andrade sempre foi muito criterioso com a organização da sua obra. Fez
e refez antologias reunindo parte ou sua obra completa. Opinava até no
tratamento editorial de alguns dos seus trabalhos, projetando capas, por
exemplo. Uma edição que a Companhia das Letras chegou a publicar utilizando-se
de um projeto editorial muito aquém se comparada com outras edições foi a Nova
reunião. 23 livros de poesia. Em tempos de vacas gordas, este blog sorteou
dois ou três exemplares entre os leitores. Mas, para quem gostaria de uma
amostra mais sucinta e com o suprassumo da poesia do poeta mineiro, vale esta Antologia
poética; como a Reunião, o livro foi também organizado por ele. Saiu
em 1962 quando completou sessenta anos de idade de trinta anos de
atividades literárias. A edição aqui referida traz posfácio de Antonio Cicero.
5. Contos de aprendiz. Aqui
está a aventura quase única de Carlos Drummond de Andrade pela tarefa de
ficcionalização do mundo. São quinze textos que se organizam em torno do seu
reconhecido ponto de vista e criatividade: a memória, o cotidiano do interior
profundo do Brasil e o interesse de um estilo livre, aproximado da oralidade. A
edição aqui recomendada traz texto de apoio de Ana Paula Pacheco.
6. Boca de luar. Junto com
o ofício de poeta, Carlos Drummond foi um exímio cronista; atuou incansavelmente
em vários jornais. Neste livro estão os que publicaria no Jornal do Brasil,
onde encerrou sua carreira como cronista em 1984, mesmo ano quando este livro
saiu — três anos antes da sua morte. A edição da Companhia das Letras tem
posfácio de Francisco Bosco.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Em 2012, Eucanaã Ferraz, Flávio
Moura e Gustavo Rosa de Moura dirigiram para as celebrações do Dia D. no
Instituto Moreira Salles o filme Consideração do poema com leituras
de poemas de Carlos Drummond de Andrade realizadas por várias personalidades da
cultura brasileira. Marlene de Castro Correia leu “A flor e a náusea”,
poema de Drummond publicado em A rosa do povo. Veja aqui.
2. Leitor apaixonado por poesia,
mais que a prosa, cf. registrou em entrevista recolhida nos Cuadernos
Hispanoamericanos, e ele próprio autor de poemas. Julio Cortázar nasceu a 26 de
agosto de 1914. Assim, a Revista 7faces sublinha o aniversário do autor de O jogo da amarelinha. Veja aqui.
BAÚ DE LETRAS
1. Aproveitando a homenagem que a Revista 7faces dedica a Maria Teresa Horta, recordamos algumas matérias editadas neste blog sobre este nome: em 2009, Pedro Fernandes relata o encontro com a escritora portuguesa nestas notas; mais tarde, Márcio de Lima Dantas escreve sobre a obra de Teresa aqui; e editamos este texto sobre A paixão segundo Constança H., um dos seus romances.
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