Boletim Letras 360º #440
DO EDITOR
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Louis-Ferdinand Céline. Foto: François Pages. |
LANÇAMENTOS
Chega ao leitor brasileiro o sexto livro de Paul Celan.
Sexto livro de Paul Celan, e o penúltimo que publicou em vida,
Ar-reverso (Atemwende, 1967) é, como escreveu o autor em carta à esposa,
a artista Gisèle Celan-Lestrange, “realmente a coisa mais densa que já escrevi,
e também a mais inapreensível”. É, de fato, uma verdadeira radicalização de seu
projeto poético desenvolvido até então. Escrito num período conturbado,
entre 1963 e 1965, quando o escritor esteve internado algumas vezes para
tratamento psiquiátricos, o livro dialoga com seu famoso discurso “O
meridiano”, que proferiria ao receber o prêmio Georg Büchner, em 1960. Nele,
Celan reflete sobre a tendência do poema ao emudecimento, o papel fulcral do
outro no fazer poético e formula, pela primeira vez, o termo com que nomeará a
obra: “Poesia: pode significar um ar-reverso”. Poeta judeu que sofreu na própria
pele a barbárie da Shoah, Celan respondeu como nenhum outro ao desafio de
“fazer poesia depois de Auschwitz”, reinventando poeticamente a língua de seus
algozes para escavar nela uma realidade própria e redentora: “Ampliar a arte?
Não. Entra antes com a arte no que em ti próprio há de mais acanhado. E
liberta-te”. A tantos desafios que esta opinião
impõe, o tradutor Guilherme Gontijo Flores responde também com rigor e rara
inventividade: “(Eu te conheço, a toda recurvada, / eu, transpassado, a ti me
submetera. / Onde arde a voz por nós testemunhada? / Tu — tão real. Eu — tão
quimera.)”. Ar-reverso é publicado pela
Editora 34 com tradução de Guilherme Gontijo Flores.
Publicado em 1973, este romance
apaixonante conta por meio de cartas a história de uma família em meio à Itália
convulsionada do início dos anos 1970. Uma lição de literatura.
Apesar de ocupar o título do
livro, Michele quase não aparece neste romance. O leitor conhece a vida do
personagem através das cartas que recebe, principalmente de sua mãe, Adriana,
da irmã, Angelica, e de amigos. Ambientado em Roma no início dos
anos 1970 — entre uma tentativa de golpe de Estado e a vitória dos fascistas —,
este livro faz com que a violência política se espalhe sorrateiramente pelo que
se narra como um gás que sufoca e cega. A clareza reticente da escrita de
Natalia Ginzburg, sua maneira implícita de contar uma história, encontra seu
auge nesta obra magnética. Caro Michele tem tradução de Homero Freitas de
Andrade é publicado pela Companhia das Letras.
Bernhard faz um retrato cômico e
implacável do meio artístico e da cultura austríaca por meio das conversas
entre dois velhos amigos diante de uma pintura de Tintoretto.
Por mais de trinta anos, Reger, um
crítico musical octogenário, sentou-se no mesmo banco diante da pintura Homem
de barba branca, de Tintoretto, no Museu de História da Arte de Viena. Ali ele
reflete, dia sim, dia não, sobre a sociedade contemporânea, seus pares, a arte
e os artistas, o clima e até o estado dos banheiros públicos. O amigo Atzbacher, um filósofo bem
mais jovem, é convocado a encontrá-lo no museu num sábado, dia sempre evitado
pelo crítico. E é através do seu olhar que passamos a conhecer mais sobre Reger — a morte trágica de sua mulher, seus temidos pensamentos suicidas, a relação
difícil com seu país e, por fim, qual o verdadeiro propósito daquele encontro. Tão pessimista como exuberante,
rancoroso e ao mesmo tempo hilário – no melhor estilo de Thomas Bernhard —, o
romance é composto de um único parágrafo que se estende por 182 páginas e
remonta uma série de conversas entre os dois amigos. Mestres antigos foi publicado originalmente em 1985 e é um retrato satírico da
cultura e da nação austríaca, discutindo questões como genialidade, classe e as
aspirações da humanidade. A tradução de Sergio Tellaroli é
publicada pela Companhia das Letras.
Com humor mordaz, o novo romance
de Andréa del Fuego apresenta a história de uma personagem muito peculiar:
Cecília, uma pediatra nada afeita a crianças.
Cecília é o oposto do que se
imagina de uma pediatra — uma mulher sem espírito maternal, pouco apreço por
crianças e zero paciência para os pais e mães que as acompanham. Porém a
medicina era um caminho natural para ela, que seguiu os passos do pai. Apesar
de sua frieza com os pacientes, ela tem um consultório bem-sucedido, mas aos
poucos se vê perdendo lugar para um pediatra humanista, que trabalha com
doulas, parteiras e acompanha até partos domiciliares. Mesmo a obstetra
cesarista com quem Cecília sempre colaborou agora parece preferi-lo. Ela fará, então, um mergulho
investigativo na vida das mulheres que seguem o caminho do parto natural e da
medicina alternativa, práticas que despreza profundamente. Em paralelo, vive
uma relação com um homem casado, de cujo filho ela acompanhou o nascimento como
neonatologista. E é esse menino que irá despertar sentimentos nunca antes
experimentados pela pediatra. O novo romance de Andrea Del Fuego, A pediatra, é publicado pela Companhia das Letras.
Uma das bíblias sobre a tradução chega ao leitor brasileiro.
A definição do que seja uma boa
tradução chega a ser quase um lugar comum: equivaleria a um texto fluente,
transparente, livre de peculiaridades linguísticas ou estilísticas a tal ponto
que reflita a personalidade, ou a intenção, ou o sentido-chave da obra
correspondente na qual se baseia. Em suma: quando ele chega a fazer com que o
leitor se esqueça por alguns momentos de que está lendo uma tradução. É na investigação
dessa imagem aparentemente plácida, mas marcada por dificuldades e
complexidades de diversas ordens, que Lawrence Venuti se detém neste livro,
desenhando um panorama do mundo das traduções, do século XVII ao presente,
muito mais rico do que a imagem usual permite supor. Com tradução de Valéria
Biondo, Laureano Pellegrin, Lucinéia Marcelino Villela e Marileide Dias
Esqueda, A invisibilidade do tradutor. Uma história da tradução é publicado pela Editora da Unesp.
Projeto editorial exclusivo
apresenta a recente versão estendida de um clássico da literatura: Drácula, de
Bram Stoker.
Três editoras, Ex Machina e Sebo
Clepsidra (ambas nacionais) e Sagarana (islandesa), em parceria com a Aleph
Bokförlag (sueca) e com o canal Fantasticursos se uniram num projeto que traz
ao público brasileiro uma descobertas das mais importantes para a literatura: o
romance Poderes das trevas (Mörkrets makter), a versão sueca
estendida de Drácula, do irlandês Bram Stoker (1847-1912). Trata-se de um achado como poucos
outros. Considerando o volume de texto, a narrativa tem o dobro da extensão da
edição inglesa, incluindo cenas e personagens exclusivos, novas implicações
políticas e sociais (como as motivações protofascistas do antagonista
vampírico, renomeado como Mavros Draculitz), além de um considerável
desenvolvimento das cenas que também constam da versão original. Publicado de
forma seriada como folhetim no jornal Dagen entre junho de 1899 e
fevereiro de 1900, o romance foi creditado a Bram Stoker, em “adaptação
sueca por A–e”. Poucos meses depois, o folhetim foi resumido em outro
jornal sueco (Aftonbladets Halfvecko-Upplaga), resumo esse que
serviu de base para uma versão islandesa intitulada Makt myrkranna (1900), com cerca de 25% do tamanho da versão sueca integral e e que é descrita
assim pelo pesquisador Rickard Berghorn: “De um só golpe, ficou
evidente que a versão islandesa era apenas uma tradução drasticamente resumida
que, ademais, carecia de pormenores e de cenas contidos no original sueco. E
que Mörkrets makter, a versão sueca, é que era a verdadeira bomba”. Além de apresentar uma tradução
exclusiva para o português (até o momento não existem outras traduções
publicadas no mundo), capitaneada por Luciano Dutra, editor e tradutor de
línguas nórdicas germânicas, este projeto traz a alentada introdução do editor
sueco Rickard Berghorn, um exaustivo Índice Geral (com entradas analíticas e
onomásticas), as notas da edição original, as notas da edição sueca moderna
(pela Aleph Bokförlag) e novas notas exclusivas da edição brasileira. Os interessados no livro podem
adquirir um dos combos do projeto no Catarse, aqui.
Um thriller que desconstrói a imagem reluzente dos Estados Unidos dos anos 1940, revelando camadas de violência, misoginia e racismo no substrato daquela sociedade.
Há muitos motivos pelo qual a dona
de casa Lucia Holley não gosta do sujeito que está namorando sua filha
adolescente: é um homem de 35 anos, casado, que parece estar cheio de
interesses escusos. Quando ele aparece morto na lancha dos Holley, Lucia não
tem escolha a não ser se desfazer do corpo e tentar preservar a aura de
inocência de sua família de classe-média. Para isso, terá que lidar com
sujeitos desagradáveis que tentarão extorqui-la, além de um detetive que parece
enxergar por trás das aparências. Retrato de uma geração na qual se
esperava que as mulheres servissem de pôster para uma família perfeita e bem
estabelecida, Fachada é um thriller que desconstrói a imagem
reluzente dos Estados Unidos dos anos 1940, revelando camadas de violência,
misoginia e racismo no substrato daquela sociedade. Com tradução de Stephanie
Fernandes, o romance de Elisabeth Sanxay Holding considerado por Raymond
Chandler “a melhor escritora de suspense” é publicado pela DBA
editora.
Antologia reúne meia centena de
contos do escritor mineiro Luiz Vilela.
Luiz Vilela publicou seu primeiro
conto aos catorze anos; aos 21 criou, com outros jovens escritores mineiros, em
Belo Horizonte, a revista de contos Estória; o livro de estreia
nesse gênero data de 1964, publicado à própria custa e vencedor do Prêmio
Nacional de Ficção — era Tremor de terra, trabalho que o fez
reconhecido. Em 1973, com O fim de tudo, recebeu o Prêmio Jabuti de
melhor livro de contos do ano. Agora, a maior parte de sua produção contística
está reunida nesta antologia com seleção do próprio autor e fortuna crítica com
cem trechos de críticas ao autor em sua longa e reconhecida trajetória
literária. 50 contos é publicado pela Faria e Silva.
Duarte faz emergir a ponta de um iceberg de histórias que o Ocidente desconhece sobre o Onze de Setembro.
Muitos livros foram escritos sobre
os eventos do Onze de Setembro, mas são raríssimos os relatos que resgatam a
experiência daqueles que, apenas por haver nascido em certos países, tiveram
suas existências transformadas, frequentemente de forma devastadora. Neste
livro eletrizante, resultado de entrevistas colhidas em primeira mão, a
jornalista Simone Duarte revela a vida de sete pessoas de quatro nacionalidades
distintas que nada teriam em comum, não fossem a tragédia do atentado às Torres
Gêmeas em Nova York em 2001 e suas consequências. Ao dar voz a essas
personagens, Duarte faz emergir a ponta de um iceberg de histórias que o
Ocidente desconhece — mesmo passadas duas décadas do instante em que o vento
mudaria de direção — e nos lembra dos perigos de aceitar uma história única. O vento mudou de direção: o onze de setembro que o mundo não viu é
publicado pela editora Fósforo.
Declaração de amor à poesia e aos
poetas e retorno de Alejandro Zambra ao romance, Poeta chileno é uma história
encantadora sobre família, literatura e paternidade.
O protagonista deste romance
magnético, Gonzalo, é um aspirante a poeta e padrasto de Vicente, um menino
viciado em comida de gatos, que mais tarde vai se recusar a ir à faculdade
porque seu sonho é seguir os passos do pai postiço e se tornar também poeta
(apesar dos conselhos de sua mãe orgulhosamente solitária, Carla, e de seu pai,
León, um tipo duvidoso que se dedica a colecionar carros em miniatura). O poderoso mito da poesia chilena — “somos bicampeões na Copa do Mundo de poesia”, diz um personagem,
referindo-se aos Nobel conquistados por Gabriela Mistral e Pablo Neruda — é
revisitado e questionado por Pru, uma jornalista estrangeira que se torna
testemunha acidental deste áspero e intenso mundo de heróis e impostores
literários. Poeta chileno, que confirma o nome
de Zambra como um dos principais narradores do continente, é um romance apaixonante
sobre poesia, sobre poetas que desprezam o romance, sobre a América Latina,
sobre os labirintos da masculinidade contemporânea (as recalcitrantes, as
novas, as que estão em transição), sobre os trágicos vaivéns do amor, sobre
famílias modernas e fragmentadas, sobre o desejo de pertencimento e, sobretudo,
sobre o sentido de ler e escrever no mundo atual. A tradução de Miguel Del Castillo
é publicada pela Companhia das Letras.
Jacques Vaché dá livre curso a seu espírito de dândi insurgente contra a arte e a guerra.
Dândi anglômano, autor sem obra e
precursor do Surrealismo, Jacques Vaché (1895-1919) inicia sua rebelião contra
a sociedade e o sistema literário burgueses já em Nantes, em 1913. A atitude
aristocrática de Vaché, além de sua capacidade em reduzir “a uma escala
derrisória” tudo aquilo que geralmente “se dava grande importância”, impactou
profundamente André Breton, que enxergava na atitude do amigo “a forma mais
evoluída do dandismo”. Não à toa, Breton redigirá no Primeiro Manifesto do
Surrealismo a seguinte asserção: “Vaché é surrealista em mim”. Será ainda
Breton que, em 1919, após a morte de Vaché, empreenderá a publicação das cartas
do amigo endereçadas a Fraenkel, Aragon e também ao próprio autor dos
Manifestos do Surrealismo. Elas aparecerão primeiramente na revista Littérature, seguida da publicação em um único volume pelas edições
Au Sans Pareil, em setembro desse mesmo ano, sob o título Lettres de
guerre. Em Cartas de guerra,
Jacques Vaché dá livre curso a seu espírito de dândi insurgente contra a arte e
a guerra. Nelas, podemos flagrar diversas passagens em que ironiza tanto a arte
e os artistas quanto a “trincheira de cadáveres”. Para isso, Vaché recorrerá a
diversas vozes pelas quais fará ecoar a sua rebelião. A polifonia, aliás, ecoa nesta
edição para além das cartas de Vaché, estendendo-se ainda nos testemunhos
poéticos acerca do nantês, dados por Marcus Rogério Salgado, Elvio Fernandes e
Paul Nougé, bem como pelos correspondentes André Breton e Louis Aragon. O posfácio, composto por Georges
Sebbag, profundo conhecedor do Surrealismo e de Jacques Vaché, encerra o
volume, que apresenta ainda ilustrações, collages e reproduções de desenhos do
autor. O livro tem tradução e notas Diogo Cardoso e é publicado pela editora
100/Cabeças.
A editora Faria e Silva publica
reunião da poesia de Eduardo Alves da Costa.
Dificilmente alguém não terá
encontrado com o poema “No caminho, com Maiakóvski”, com falsa
atribuição de autoria ao poeta russo Vladimir Maiakóvski ou Bertolt Brecht.
Este e outros poemas, incluindo os do seu período entre os do movimento “Os Novíssimos”, da Massao Ohno estão organizados em Poesia
reunida, uma antologia publicada pela editora Faria e Silva.
Nesta reunião de textos — mistura
de memórias, ensaios, anotações e crônicas —, uma das mentes mais brilhantes de
sua geração entremeia literatura, poesia, filosofia e política para refletir
sobre si mesmo, mas também sobre as transformações do mundo ao seu redor.
Entre fevereiro de 2014 e maio de
2017, Victor Heringer assinou setenta textos para o site da Revista Pessoa. Na
coluna “Milímetros”, o escritor registrou um pouco de tudo: o
cotidiano, as referências literárias, a infância no Rio de Janeiro, a mudança
para São Paulo, as novas e as velhas amizades, os sebos, as viagens, a política,
o noticiário e um Brasil em franca ebulição. Vida desinteressante traz uma
prosa situada entre memórias, ensaios, anotações e crônicas — ou anticrônicas,
como aponta Carlos Henrique Schroeder, que assina a organização e a
apresentação deste volume. São pensamentos luminosos de um escritor inquieto,
que absorvia, a quente, as transformações de um mundo trepidante e de um país
às vésperas do colapso. As reflexões oscilam entre a
ironia mordaz e a ternura funda, sem nunca deixar de lado o estilo irresistível,
perspicaz e de rara sensibilidade, que remete a Machado de Assis, Manuel
Bandeira, Oswald de Andrade, Lydia Davis, Carlos Drummond de Andrade e Hilda
Hilst. As crônicas de Victor Heringer são
publicadas pela Companhia das Letras.
O ensaio-síntese da reflexão estética de Jacques Rancière sobre a modernidade nas artes.
Publicado originalmente em 2012, Aisthesis é provavelmente a suma da reflexão estética de Jacques
Rancière sobre a modernidade nas artes — ou, mais precisamente, sobre a
emergência moderna da noção de Arte, entendida como “um regime de percepção, de
sensação e de interpretação” que, a partir da virada do século XVIII para o
XIX, entra em diálogo com a “prosa do mundo”, passa a “acolher imagens, objetos
e performances que pareciam ser os mais contrários à ideia de bela arte” e
desde então obriga todos — artistas, críticos, público — a uma incessante
necessidade de redefinição. No coração desse trabalho de
redefinição estão certas noções clássicas de tempo, ordem, corpo e narrativa,
cujas metamorfoses modernas Rancière persegue a partir das obras de arte e dos
textos críticos mais variados. O ponto de partida pode ser um trecho da
Estética de Hegel ou um artigo de jornal sobre uma trupe de acrobatas ingleses
em Paris; um romance como O vermelho e o negro ou a performance de
uma bailarina americana; os estudos de Rodin, as fotografias de Stieglitz, os
filmes de Chaplin ou Vertov — as vias que Rancière elege são as mais variadas,
mas o fio analítico e reflexivo não se perde nunca. Pois a variedade dos temas
e autores convocados não obscurece nunca o propósito polêmico que dá norte a
este livro magistral: Rancière quer escrever uma “contra-história” da
“modernidade artística”, distante da ideia de uma ascensão triunfal da “autonomia”
das artes, culminando nas vanguardas do começo do século XX. Como ele mesmo o
diz, “quinze anos de trabalho me levaram a conclusões exatamente opostas”: o
essencial da modernidade estaria no apagamento tanto das fronteiras entre as
artes como da fronteira que as separa da experiência ordinária, histórica e
prosaica. Com tradução de Dilson Ferreira da
Cruz, o livro é publicado pela Editora 34.
Quatro clássicos do repertório
teatral de Anton Tchékhov reunidos em edição comentada, com nova tradução de Rubens Figueiredo.
Anton Tchékhov é um dos principais
nomes da literatura mundial. Filho de um pequeno comerciante falido, Tchékhov
formou-se em medicina, mas, já na faculdade, começou a contribuir para revistas
literárias. Entre 1896 e 1904, ano de seu falecimento, escreveu as quatro peças
que compõem este volume — e que se tornaram clássicos do repertório teatral. Em A gaivota, um jovem
escritor enfrenta o fracasso de uma de suas criações enquanto lida com uma
decepção amorosa; já em Tio Vânia, uma cidade do interior vê seu
pacato cotidiano ser balançado pela chegada de um professor e sua filha; Três irmãs narra as aspirações e frustrações de mulheres do interior
da Rússia; e em O jardim das cerejeiras, última peça escrita pelo
autor, os dilemas entre o campo e a cidade são trazidos à tona. Sempre trabalhando com uma galeria
de personagens diversos e surpreendentes, Tchékhov explora como poucos as
frustrações humanas. A tradução, apresentações e notas de
Rubens Figueiredo são publicadas pela Penguin / Companhia das Letras.
Chega ao Brasil biografia de Roland Barthes.
Figura central do pensamento
francês no século XX, Roland Barthes (1915-1980) foi também um ser à margem. O
pai morto na Primeira Guerra Mundial, a mãe adorada durante toda a vida, a
descoberta precoce da homossexualidade logo lhe incutiram o sentimento da
própria diferença. Viveu à distância os grandes acontecimentos da história
contemporânea, mas nem por isso sua vida foi menos marcada pelos ímpetos
violentos e intensos do século que ele ajudou a tornar inteligível. Com base em
materiais inéditos (arquivos, diários, documentos pessoais), esta biografia de
Barthes lança nova luz sobre suas ideias, suas recusas, seus desejos.
Percorrendo os temas de eleição do autor — obras, criadores, linguagens,
teorias, mitos —, Tiphaine Samoyault confere coerência e substância à figura de
Barthes. Homem de sua época, ele segue falando à nossa, seja por sua prontidão
perspicaz à aventura intelectual e literária, seja ainda por sua reticência
íntima e irônica diante de todo discurso de autoridade. Roland Barthes.
Biografia tem tradução de Sandra Nitrini e Regina Salgado Campos e é
publicada pela Editora 34.
LITERATURA E MEMÓRIA
Encontrados os manuscritos
perdidos de Louis-Ferdinand Céline.
Em 17 de junho de 1944, o escritor
com salvo-conduto alemão partiu para um exílio primeiro na Alemanha e depois na
Dinamarca. Para trás deixava boa parte de seus pertences, incluindo uma
quantidade significativa de manuscritos — entre eles, o que sempre se soube, um
romance inédito. Na passagem das seis décadas sobre a morte do autor de Viagem
ao fim da noite, esse material foi reencontrado; Casse-Pipe é o título do
romance inacabado que com o seu mais conhecido livro e Morte a crédito constituiria uma trilogia sobre a guerra. O jornal francês Le Monde revelou a
descoberta perfazendo todo o rastro do arquivo desde aquele fatídico dia para
Céline e seu país até os dias de hoje. O que até agora se sabe é que no início
de 2020 o jornalista Jean-Pierre Thibaudat, um especialista sobre teatro que
trabalhou durante anos para o Libération, fez contato com o advogado
responsável pelos direitos da obra de Céline, com a informação de que um leitor
do jornal fizera a entrega dos papéis há 15 anos com a condição de só revelar
esse material depois da morte de Lucette Destouches, companheira do escritor, o
que só aconteceu em 2019, quando inteirava os 107 anos. A autenticidade dos
manuscritos foi conferida pela Biblioteca Nacional da França; aí estão 600
páginas de Casse-Pipe, um romance desconhecido intitulado Londres, mil
páginas com registros de Morte a crédito e dezenas de outros documentos que
podem chegar a ser quatro novos livros.
EVENTO
O Instituto Moreira Salles divulga a realização de exposição marcando o
centenário de Clarice Lispector.
Assinalando o centenário de
Clarice Lispector (Chechelnyk, Ucrânia, 1920-Rio de Janeiro, 1977), o
IMS-Paulista realiza uma exposição em que a obra da escritora é o ponto de
partida para a apresentação de um vasto conjunto de trabalhos de artistas
visuais mulheres, todas contemporâneas da autora. Nas artistas e em suas obras,
reconhece-se um modelo de complexidade que pode relacioná-las com a
textualidade e os temas presentes nos livros de Lispector, independentemente de
uma relação biográfica. Intitulada Constelação
Clarice, a exposição apresenta também pinturas realizadas pela própria
Clarice, obras de arte que se encontravam em sua casa, entre as quais seu
famoso retrato pintado por De Chirico, assim como fotografias da escritora
existentes nos acervos do IMS. Os curadores Eucanaã Ferraz e Veronica Stigger,
ambos escritores, conceberam a mostra como uma grande constelação de artes
visuais, em suportes tão diversificados como a pintura, a escultura, o desenho
e o vídeo. Uma singular história da arte brasileira é assim conjugada no
feminino, com obras que só o universo literário de Clarice permite reunir,
propondo relações entre elas capazes de gerar novas e surpreendentes leituras
recíprocas. O evento abre a partir de 23 de
outubro e segue até 27 de fevereiro de 2022.
REEDIÇÕES
Usina, de José Lins do Rego em nova edição pela editora Global.
Lançado em 1936, Usina é a continuação direta dos eventos ocorridos em Banguê. O livro é o
quarto do que se convencionou denominar, dentro da obra de José Lins do Rego, o
“Ciclo da Cana-de-Açúcar”, série iniciada pelo romance Menino de
engenho, de 1932. Na obra, o protagonista é Ricardo,
apresentado em Menino de engenho. Ele volta ao engenho Santa Rosa após
cumprir prisão em Fernando de Noronha e encontra o mundo que conhecia
completamente transformado pela industrialização. Essa adaptação a uma
realidade estranha, com códigos de conduta diferentes e nova organização social
se apresenta mais penosa do que os anos de reclusão na prisão. Do ponto de vista econômico e
social, Usina retrata o fim do ciclo da tradição rural nordestina
dos engenhos, o momento da chegada das máquinas e a decadência dessa economia
para toda a região. A edição de Usina publicada pela Global traz texto de apresentação de Mariana Chaguri.
O primeiro romance escrito por uma
mulher, em nova edição com textos de Preta Ferreira, Conceição Evaristo,
Fernanda Miranda e Régia Agostinho, além de mais de 60 artes de Heloisa
Hariadne.
Durante uma exaustiva viagem pelo
cerrado brasileiro, um jovem cavaleiro se acidenta. É encontrado por um negro
escravizado que generosamente o resgata e o leva sobre os ombros até a
propriedade mais próxima. Além deste laço improvável, outra ligação se forma:
entre o cavaleiro convalescente e a bela Úrsula, moradora da casa a que ele foi
levado para repousar. A obra ganha potência e singularidade com os personagens
negros e escravizados, como Túlio e Susana, que pela primeira vez na literatura
foram retratados como indivíduos de valor e interesse para a narrativa, com um
passado rico e subjetividades próprias. Mais que coadjuvantes, esses
personagens usam sua voz para ativamente denunciar os horrores do regime
escravocrata a que estão submetidos. Publicado em 1859 pela maranhense Maria
Firmina dos Reis, Úrsula foi o primeiro romance brasileiro escrito por uma
mulher. Abolicionista, a autora desafiou a sociedade fortemente escravocrata de
sua época. Um dos expoentes do Romantismo brasileiro, a obra vem sendo
resgatada de um período de mais de um século de apagamento no meio literário. A
nova edição da Antofágica conta com ilustrações de Heloisa Hariadne e
apresentação da multiartista e ativista Preta Ferreira. Os posfácios são
assinados pelas professoras doutoras Fernanda Miranda (USP), especialista na
obra de Maria Firmina dos Reis, e Régia Agostinho, pesquisadora da história
econômica das mulheres no contexto da escravidão, e pela renomada escritora
Conceição Evaristo. Extra: Ao escanear com seu smartphone o QR Code presente na
cinta, você tem acesso a duas videoaulas, uma para antes de ler e outra para
após a leitura, com Lívia Natália escritora e doutora em Teoria da Literatura
pela Universidade Federal da Bahia.
Caixa reúne conjunto de novelas de
João Guimarães Rosa.
Em 1956, dez anos após sua estreia
na literatura, João Guimarães Rosa lançou a obra Corpo de baile em
2 volumes com 7 novelas que mais tarde iriam ser distribuídas em 3 tomos.
Agora, a Global Editora junta todo o conteúdo de Corpo de baile numa caixa com arte exclusiva, além de todos os livros contarem com novo
projeto gráfico, capas e textos de apoio por renomados especialistas. A coletânea reúne os seguintes
livros: Manuelzão e Miguilim, composto por duas novelas: “Campo geral” e “Uma estória de amor”. A primeira explora o
mundo pelos olhos do menino Miguilim e seu cotidiano no seio de uma família
sertaneja. Já na segunda história, a prosa rosiana nos conduz às reflexões que
brotam do coração sofrido do vaqueiro Manuelzão, cuja aflição tem início na
festa que marca a inauguração de uma capela que ele constrói em memória de sua
mãe. No Urubuquaquá, no
Pinhém, segundo livro da caixa, conta com a novela “O recado do morro”, e
o leitor acompanha a trajetória de cinco homens enquanto eles realizam uma
travessia e vão encontrando pessoas que mudam a maneira como veem a si mesmos e
o mundo. Já no conto “Cara-de-Bronze”, o leitor vê um forasteiro chegar à
fazenda de Urubuquaquá e pegar para si a missão de fazer um retrato do velho
fazendeiro apelidado de Cara-de-Bronze, o que se prova ser uma tarefa mais
difícil do que o esperado. E, por fim, “A história de Lélio e Lina” mostra
Lélio que, ansiando por uma mulher, aporta ao Pinhém. Nessa fazenda, é com dona
Rosalina que Lélio estabelece uma sincera e profunda amizade, e acaba recebendo
repostas a perguntas ainda não formuladas. Por último, Noites do
sertão conta com duas novelas. Em “Dão-Lalalão”, o leitor
acompanha o redemoinho de sentimentos de Soropita, um homem rural que, em meio
às suas aventuras na noite de sua cidade, acaba se apaixonando por Doralda, uma
prostituta. Quando ele decide se casar com ela, desenrola-se um dilema na vida
do personagem, que opta por se mudar de cidade. Já a novela “Buriti” explora as relações que se estabelecem entre membros de uma mesma família que
residem na fazenda Buriti Bom.
O casamento, única
obra de Nelson Rodrigues escrita originalmente como romance, foi também o
primeiro livro a ser censurado num Brasil sob a ditadura militar, em 1966.
O governo viu um ataque à sagrada
instituição da família brasileira onde, na verdade, o que havia era um retrato
fiel de uma sociedade em franca decadência, como mostram os textos de apoio que
Bárbara Paz e Paulo Werneck escreveram para esta edição. Por trás dos personagens desta
história ― um ilibado pai de família de classe média alta, jovens descobrindo a
vida, mulheres honestas e castas ―, escondem-se desejos e tragédias
desmesuradas, além de eventos que eles gostariam de ver perdidos no tempo, mas
que voltam para cobrar a conta. Toda intenção politicamente
correta numa realidade urbana à beira do abismo é demolida pela pena de Nelson,
que lança luz sobre uma hipocrisia que nossa vista, por si mesma, é incapaz de
alcançar. O livro é reeditado pela HarperCollins
Brasil.
DICAS DE LEITURA
Em matéria de poesia, os leitores
guardam algumas preferências em relação aos livros: há quem prefira antologias
que reúnam a parte mais significativa da obra do poeta; quem prefira livros com
a obra completa — entre estes, que o poeta já não esteja disponível para
introduzir modificações ou ainda em pleno gozo da atividade escrita; e há quem
prefira os livros um a um, pela unidade criativa que significa o objeto em si.
Entre os brasileiros leitores de poesia (raríssimos mas existem) a preferência
parece prevalecer entre o primeiro e último grupo. O hábito pelas edições com
obras reunidas parece só agora ganhar algum interesse — prova-se pelo significativo
número de obras do tipo e pela baixa qualidade dos projetos editorais. Nas recomendações
de leitura deste boletim copiamos algumas dessas pequenas grandes bibliotecas
ambulantes que ganharam forma recentemente.
1. A universidade desconhecida,
de Roberto Bolaño. É muito comum que uma editora se dedique a publicar toda a
obra em prosa de um escritor estrangeiro; mas emperra justo nos livros de
poesia, contos, crônicas, se houver. O exemplo mais visível disso é a obra de
José Saramago: boa parte dos romances está editada e reeditada com variados
projetos gráficos, mas continuamos sem acessar a imensa produção do escritor
noutras formas literárias. O escritor chileno escapou da sina. O leitor já
encontra esta edição, que apesar de não ser a que reúne toda a sua obra poética
como fez recentemente a Alfaguara de língua espanhola, a antologia compilada e
organizada por Bolaño com poemas que cobrem desde a juventude quando se percebia
movido pela ideia de ser poeta à maturidade quando essa ideia resistia de alguma
maneira, ainda que seu reconhecimento tivesse se estabelecido com a prosa. Publicada
pela Companhia das Letras, a tradução é de Josely Vianna Baptista.
2. Poesia reunida (1968-2021),
de Leonardo Fróes. O título entrega. Não é a obra definitiva. Com mais
de cinco décadas desde a publicação do primeiro livro, Língua franca (1968),
o poeta nascido no Rio de Janeiro continua em atividade. Este é o primeiro
esforço de organização da sua obra poética completa. Os livros compilados nesta
edição da Editora 34, publicada nesta semana, são todos aqueles que compreendem
o referido título de estreia até um conjunto de poemas que se lê pela primeira
vez agora, A pandemônia e outros poemas (2021). O trabalho de organização
desta biblioteca foi do editor Cide Piquet.
3. Toda poesia, de Ferreira
Gullar. Em 2010, o poeta publicou o último livro de poemas Em alguma parte alguma.
Na ocasião sua obra estava com a José Olympio, casa que já havia publicado uma edição
com sua poesia reunida. O próprio Gullar então revisou esta antologia e acrescentou
o título aqui referido. Agora, a Companhia das Letras reeditou o livro com um texto
crítico do poeta Antonio Cicero. Em Toda poesia, o leitor encontra o
percurso de quase seis décadas de trabalho com a poesia; estão aqui, entre outros
A luta corporal, Dentro da noite veloz e o Poema sujo. Recentemente
o blog publicou um texto sobre esta edição — veja a seção Baú de Letras.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Entre os vazios deixados por
importantes personalidades da nossa cultura dois se fizeram esta semana com as mortes
de Paulo José e Tarcísio Meira, duas figuras que encarnaram muitas personagens
literárias em telenovelas, filmes e seriados para a televisão. Na galeria de
vídeos do Letras no Facebook recordamos esta interpretação de Paulo José para um
poema famoso de Carlos Drummond de Andrade — “José”.
2. A Companhia das Letras iniciou o
Festival Viva Carolina. São quatro encontros para discutir a obra de Carolina
Maria de Jesus que desde 2020 passou a ser publicada por esta casa editorial. O
evento acontece online no YouTube, onde é possível ver a primeira sessão. As
próximas acontecem às 19h dos dias 18, 25 e 31 de agosto de 2021. Vá por aqui.
3. Nosso editor, Pedro Fernandes,
leu o poema “No mundo há muitas armadilhas”, de “Dentro da noite veloz”, livro
de Ferreira Gullar também incluído em Toda poesia, recomendado na seção
anterior deste Boletim. Pode escutar o áudio aqui.
BAÚ DE LETRAS
1. No último dia 10 de agosto
recordamos em nossas redes o centenário do escritor Carlos de Oliveira. Nascido
em Belém, no Pará, este foi um dos nomes mais importantes para a literatura do
Neo-Realismo português. No Twitter, por exemplo, organizamos este fio com todos
os textos sobre o escritor e sua obra publicados no blog.
2. O texto sobre Toda poesia,
livro de Ferreira Gullar reeditado recentemente pela Companhia das
Letras e recomendado na seção Dicas de Leitura deste Boletim é este: “O poeta
inquieto”. Foi publicado aqui na última quinta-feira. A partir dele é possível
chegar a outras publicações no Letras sobre o poeta e sua obra.
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