Boletim Letras 360º #439

DO EDITOR

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2. Você pode adquirir um dos livros neste bazar (aqui no Facebook e aqui no  Instagram). Caso não se interesse pelos livros, saiba, a partilha é já uma maneira de ajudar. Caso sim e não disponha de conta no Facebook, pode solicitar a lista através do e-mail informado a seguir.

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Julian Barnes. Foto: Graham Jepson.

 
LANÇAMENTOS

Eleito um dos melhores livros de 2020, romance conta como a morte do filho teria inspirado Shakespeare a escrever Hamlet.
 
Poucas informações sobre a biografia de William Shakespeare resistiram ao tempo. Filho de um luveiro caído em desgraça de Stratford-upon-Avon, uma pequena cidade da Inglaterra, casou-se com uma mulher mais velha, detentora de um generoso dote. Tiveram uma filha e um casal de gêmeos, em um matrimônio marcado pela distância imposta por seu ofício. Além disso, a família foi abalada pela morte precoce do filho, ocorrida em uma época em que a nação era assolada por surtos de peste bubônica. É a partir dessas referências que Maggie O’Farrell cria magistralmente a trama protagonizada por Agnes, uma mulher excêntrica e selvagem que costumava caminhar pela propriedade da família com seu falcão pousado na luva e tinha dons extraordinários como prever o futuro, ler pessoas e curá-las com poções e plantas. Após o casamento, Agnes se torna uma mãe superprotetora e a força centrífuga na vida do marido, que seguira para Londres com o objetivo de se estabelecer como dramaturgo. A vida do casal é severamente abalada quando o filho Hamnet sucumbe a uma febre repentina. Um retrato brilhante de um casamento, uma evocação devastadora de uma família destroçada pelo luto e pela perda e uma reconstituição delicada e memorável de um menino cuja vida foi esquecida, mas cujo nome intitula uma das peças mais celebradas de todos os tempos. Hamnet é encantador, sedutor, impossível de largar. A tradução publicada pela editora Intrínseca é de Regina Lyra.
 
Chega ao Brasil um terceiro romance da escritora portuguesa Patrícia Portela.
 
Quando uma nova e misteriosa doença começa a fazer as crianças da Flandia caírem em um sono sem fim, os flans demoram a perceber que há algo de podre na nação mais desenvolvida do planeta. Mas apesar do algoritmo que administra o governo tentar mascarar a crise com números e slogans, logo se inicia um movimento de emigrações ilegais rumo ao selvagem Olival, também conhecido como resto do mundo. Nesse cenário caótico, vivenciamos o desespero da viúva Ofélia, que tenta manter a filha acordada; e a esperança da enfermeira androide Maria do Carmo, que tenta compreender os humanos. E em meio a tudo isso, só nos resta saborear e digerir este genial romance-banquete de Patrícia Portela, utopia-distópica assustadoramente atual e repleta de hífens que, ao mesmo tempo, tanto separam quanto aproximam. Hífen é publicado pela editora Dublinense.
 
Um livro produto do encontro do poeta chileno Huidobro e o multiartista franco-alemão Arp.
 
Não se assuste o leitor se dissermos logo de início que “para a perfeita compreensão da nossa história, aqui devemos terminar nossa história”. É que para melhor se compreender essas três imensas novelas de encontros inesperados e paradoxais, o melhor é ouvir os silêncios, os intervalos, as fissuras que sobrevivem ao término da performance. Embora marcadas pelas vanguardas históricas, estas novelas, escritas em 1931, buscam uma outra experiência da temporalidade, como se a destruição humana já tivesse se consumado e vivêssemos uma espécie de pós-vida, pós-histórica, que começasse pelo fim. No entanto, ali onde termina, sobre as ruínas do mundo burguês e da insanidade da guerra continuada na paz capitalista — sempre à beira de uma nova catástrofe — começa a possibilidade de uma outra acoplagem de realidades, um universo super-real (mais surrealista que o “surreal”) que se produz pela montagem e desmontagem dos mundos. Como fruto vanguardista do encon­tro de um poeta chileno (Huidobro) e um multiartista franco-alemão (Arp), as micronarrativas aqui reunidas contam a história de quando as palavras eram capazes de surpreender todos os sentidos e embaralhá-los entre os pensamentos e os afetos. Retomam um plano mítico de quando “um grande relâmpago vindo das alturas se afastou crescendo como o mais belo juramento de amor”. Nestas imensas, embora curtas, novelas, os crimes são de toda a humanidade e a solução do mistério depende da nossa capacidade de aprofundá-lo ainda mais. É o que fazem muitos Antônios anônimos que respondendo pelas dores do mundo se tornam (e nos tornam) os verdadeiros artistas. Do vazio de sentido à interconexão de todas as coisas, da repetição mecânica ao deslumbre, essas complexas narrativas vão desenhando uma paisagem falante em que os tempos são intercambiáveis, as imagens são coisas e as coisas, palavras. Aqui, o delírio e a razão, a guerra e a paz, a história e a paródia, o natural e o tecnológico, compõem o mesmo delicioso prato de novelas entrelaçadas. Ou melhor, aqui, “os estimados artistas e queridos colegas Huidobro Arp e Hans Vicente arrancaram as pedras de neve de seus olhos e as substituíram com estandartes de lírios e lótus que imediatamente fincaram raízes nessa boa terra vegetal e cresceram como quatro antenas recebendo as ondas de valsas guerreiras das últimas batalhas”. Nessas trocas e substituições infinitas onde tudo pode ser outra coisa, as duas histórias de Huidobro que encerram o volume pintam dois países fantásticos com suas idiossincrasias e arbitrariedades. No entanto, eles se diferenciam, entre outras coisas, porque no primeiro “o presidente declarou de maneira retumbante: em Oratônia ninguém conspira senão eu”, enquanto no segundo, como todos os habitantes foram se transformando em gângsteres, “acabaram-se assim os gângsteres em Peterúnia”. Em tempos de certezas polarizadas entre presidentes e gângsters é um alento beber na fonte do absurdo em um livro finamente traduzido e com um instigante posfácio. É que a retomada desse espanto nos alerta para a parte inaceitável da violência histórica cotidiana e, ao mesmo tempo, para a possibilidade de tocar o enigma constitutivo da nossa experiência e da invenção de outras realidades. Estas novelas são imensas pelo que nelas ressoa pelo avesso, pelas bordas, pelos intervalos entre os mundos que começam quando cai a cortina e, para salvar os nossos olhos, se abre a imaginação. A tradução de Três imensas novelas é de Jorge Henrique Bastos. O livro é publicado pela Iluminuras.
 
Romance de estreia da francesa Pauline Delabroy-Allard.
 
Sarah é isso conta a história de um amor arrebatador, com uma intensidade tal que nos desnorteia e nos deixa num estado febril, tal a voracidade poética condensada nas 144 páginas, as quais uma vez iniciadas, são impossíveis de abandonar até a última linha. Escrito e descrito em fragmentos, o amor entre duas mulheres vai se construindo e gerando um delicioso estado de “latência” até se precipitar sobre nós como uma tempestade. “Após a primeira noite de amor, viver longe dela é uma aberração”, nos diz a narradora. Com uma coragem desmedida e um domínio absoluto da linguagem, “Sarah é isso” renova de forma originalíssima o tema amoroso, numa chave que evoca Marguerite Duras e seu clássico O amante, desta vez, transportados para o corpo de duas jovens mulheres descobrindo o que amar quer dizer. A tradução é de Raquel Camargo e o livro publicado pela Editora Nós.
 
Este livro causou furor na Argentina entre 2017 e 2019; no ano seguinte, esteve entre os finalistas do International Booker Prize.
 
“Foi o brilho”, assim começa As aventuras da China Iron. A história conta o renascer de Iron, mulher mestiça que escapa do marido acompanhada da cadela Estreya. Elas encontram Liz, uma inglesa com quem cruzarão a pampa argentina rumo ao delta do rio Paraná. Tudo nesta narrativa é intensificado sob a luz pampeana: cores, saberes-sabores, o amor lésbio, a linguagem prismática e a comunicação interespécies. A paródia do Martín Fierro, livro fundador da literatura argentina, alcança aqui seu princípio modernizador: uma relação dialética faz do modelo um antimodelo ao criar sentidos textuais novos e muito além da imitação. É algo único o estilo de Gabriela Cabezón Cámara. Mas acaba por filiá-la a uma particularíssima família de refundadores do espanhol rio-platense: Una excursión a los indios Ranqueles, de Mansilla; Zama, de Antonio di Benedetto; Gualeguay, de Juan L. Ortiz; Eisejuaz, de Sara Gallardo; El entenado, de Saer. Poucas vezes um livro inadiável recebeu de seus contemporâneos o reconhecimento imediato por parte de críticos e público. As aventuras da China Iron é um desses casos excepcionais. Causou furor na Argentina entre 2017, 2018 e 2019. Em 2020 esteve entre os finalistas do International Booker Prize. Por sorte, podemos recebê-lo agora no Brasil, não muito distante do ano de seu lançamento original. E se no princípio “foi o brilho” caberá dizer que o primeiro do resplendor nem sempre é a cegueira. As aventuras da China Iron é um livro luminoso nas mãos de quem o percorre. Uma aventura inesquecível, escrita em ritmo cinematográfico que nos leva a reter imagens na memória. Publicado pela Editora Moinhos, o livro tem tradução de Silvia Massimini Félix.
 
Sob todos os pontos de vista, O homem do casaco vermelho é um livro que comprova que a realidade pode de fato ultrapassar a ficção.
 
Somente Julian Barnes seria capaz de semelhante façanha: a partir da análise do retrato pintado de um médico francês – célebre em seu tempo, porém desconhecido do público atual —, elaborar um esplêndido e abrangente mosaico da cultura francesa e inglesa do começo do século XX. O homem do casaco vermelho não tem apenas um protagonista, o pioneiro da moderna ginecologia Dr. Samuel Jean de Pozzi, e sim uma verdadeira constelação de estrelas das letras, das artes cênicas, das artes plásticas e, evidentemente, da medicina que quebraram todos os paradigmas criativos e comportamentais da época, desbravando caminhos que ainda trilhamos hoje em dia. Sarah Bernhardt, o maior mito do teatro de todos os tempos, foi uma das suas muitas amantes; Adrien e Robert Proust (pai e irmão do escritor) foram seus colegas médicos, enquanto o próprio Marcel foi seu amigo, assim como Oscar Wilde, o conde Robert de Montesquiou, Joris-Karl Huysmans e Jean Lorrain, todos precursores no combate à homofobia. Por intermédio de John Singer Sargent, autor da pintura que dá título ao livro, e do próprio Dr. Pozzi (grande colecionador), Julian Barnes aborda um dos seus temas preferidos: a arte, cuja análise ele transforma em radiografia de toda a sociedade. E ao analisar as vidas e as obras de outros escritores célebres, como Guy de Maupassant, Barbey d'Aurevilly, Gustave Flaubert e os irmãos Goncourt, ele compõe um esplêndido e irretocável painel da vida cultural da Belle Époque, no qual não faltam os toques dramáticos do modismo dos duelos e dos assassinatos de médicos por pacientes insatisfeitos. A tradução é de Léa Viveiros de Castro. E o livro é publicado pela editora Rocco.
 
Nova edição de Dez dias num hospício, de Nellie Bly.
 
Em 1887, Nellie Bly tinha 23 anos quando recebeu do editor do jornal World a missão de se infiltrar como paciente no famigerado “asilo de lunáticos de Blackwell's Island”, em Nova York. Munida apenas de sua audácia, a jovem repórter soube usar sua sagacidade para convencer médicos, policiais e juízes de sua insanidade simulada. A ironia desse fato não escapou à jornalista, que denunciou o despreparo dos profissionais que selaram seu destino e de tantas outras mulheres. Uma vez internada, a situação se agrava: “desde o momento em que entrei no hospício da ilha, não fiz nenhum esforço para me manter no suposto papel de louca. Falei e agi exatamente como faço no meu dia a dia. Por incrível que pareça, quanto mais eu agia e falava com lucidez, mais louca me consideravam”. As páginas que se seguem à internação de Bly são repletas de relatos que nem mesmo seu estilo espirituoso é capaz de atenuar. Enfermeiras sádicas, instalações precárias, médicos despreparados e pacientes indevidamente internadas são alguns dos horrores que a levam a concluir: “à exceção da tortura, que tratamento levaria uma pessoa à loucura com mais rapidez?”. Depois de resgatada, Bly escreveu a série de reportagens reunidas neste livro, clássico do jornalismo investigativo norte-americano e documento incontornável da luta antimanicomial. Mais de 130 anos depois de sua publicação, Dez dias num hospício continua assustadoramente atual. O livro é publicado pela editora Fósforo com tradução de Ana Guadalupe.
 
A incursão de Javier Cercas pelo romance de mistério.
 
Um terrível crime assola a pacífica comarca da Terra Alta: os proprietários da maior empresa da região, a gráfica Adell, aparecem assassinados, e seus corpos indicam que foram vítimas de longas e atrozes torturas. O jovem policial Melchor Marín é o encarregado local pelas investigações. Vindo de Barcelona para a Terra Alta há quatro anos, Melchor esconde um passado sombrio, graças ao qual se tornou uma lenda entre seus colegas de corporação. Mas a Terra Alta mostrou-se algo além de um refúgio: Melchor se apaixona pela bibliotecária da vila, e com ela tem uma filha chamada Cosette — como a de Jean Valjean, o protagonista de seu romance favorito, Os miseráveis. Terra alta é um romance ágil, repleto de personagens memoráveis a escrito com a maestria típica de um dos maiores autores contemporâneos. Traz uma lúcida reflexão sobre o valor da lei, a possibilidade de justiça e a legitimidade da vingança, mas, acima de tudo, sobre a epopeia de um homem em busca de seu lugar no mundo. A tradução é de Mariana Marcoantonio e o romance é publicado pelo selo Tusquets Editores / Planeta de Livros Brasil.

Obra inédita de J.R.R Tolkien, editada por Carl F. Hostetter, especialista no autor.
 
O livro apresenta escritos nunca publicados sobre o universo da Terra-média e abrange assuntos que vão muito além da história de O Senhor dos Anéis, respondendo algumas das dúvidas que os fãs debatem há anos. Mesmo após a publicação de O Hobbit e, posteriormente, O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien jamais deixou de escrever sobre seu mundo imaginário. Para ele, a Terra-média era parte de um mundo inteiro a ser explorado, e os escritos compilados em A natureza da Terra-média revelam alguns de seus esforços para compreender e aprimorar sua criação única. Tratando de temas mais abrangentes, complexos e profundos, como a metafísica da imortalidade, a reencarnação élfica e os poderes dos Valar, até assuntos mais específicos, como a fauna e a flora de Númenor, as especificidades geográficas de Gondor e quais espécies tinham barba, este livro é um verdadeiro tesouro que oferece aos leitores a chance de observar de perto a imaginação de um dos mais brilhantes escritores de fantasia da História. Com tradução de Gabriel Olivia Brum, Ronald Kyrmse e Reinaldo José Lopes, o livro é publicado pela HarperCollins Brasil.
 
O burburinho de uma história é sempre universal.
 
A revolução alemã de 1919, obscurecida pelo desenlace da Primeira Guerra Mundial, é o cenário de Munique 1919 — Diário da revolução, feito de anotações do filólogo Victor Klemperer (1881-1960). Trata-se de um testemunho histórico inestimável. Aos acontecimentos históricos conturbados, somam-se as agruras – e mesmo os pequenos prazeres – do cotidiano em tempos de guerra. Desde 1995, quando os diários que Victor Klemperer manteve ao longo de várias décadas foram publicados em livro, eles se tornaram uma fonte inestimável na historiografia contemporânea, cobrindo o período que se inicia ainda nos tempos do Império, passando pela República de Weimar, o Terceiro Reich e a República Democrática da Alemanha (ou Alemanha Oriental, de regime comunista pró-soviético). A edição apresenta os textos de Klemperer referentes à revolução de 1918-1919, que só vieram à público recentemente na Alemanha. A obra compõe-se de uma mescla de textos retirados dos diários de Klemperer e das cartas que enviou como correspondente do jornal Leipziger Neueste Nachrichten, de tendência conservadora e contrarrevolucionária, não muito distante das convicções do autor. A primeira parte do livro, “É para rir e chorar ao mesmo tempo”, foi redigida por Klemperer em 1942, resgatando, na forma de um diário, os acontecimentos que presenciou durante a revolução de 1919 em Munique, onde lecionava. São textos que permaneceram inéditos (não foram incluídos em sua autobiografia Curriculum vitae). A segunda parte, “Diário da revolução”, também é composta majoritariamente por material inédito. Trata-se dos relatos do período revolucionário escritos por Klemperer, sob o pseudônimo de “Colaborador A. B.” (Antibavaricus), no calor do momento, para serem publicados na imprensa, mas apenas um terço desse material efetivamente veio a público na época. A tradução e o posfácio são de Mário Luiz Frungillo. O volume abre com um ensaio histórico de Wolfram Wette, historiador militar e professor da Universidade de Friburgo, seguido de um prefácio de Christopher Clark, historiador e professor da Universidade de Cambridge. O livro é publicado pela editora Carambaia.
 
O terceiro livro de Estela Rosa é publicado pelas Edições Macondo.
 
Como a maioria dos cinemas de rua do Brasil, o Cine Studio 33, em Miguel Pereira, também foi desativado e, depois de abrigar uma boate, virou uma igreja evangélica. Mas as histórias que foram contadas, na tela e fora dela, antes de se dissolverem, viram outra coisa. É o que encontramos em Cine Studio 33, de Estela Rosa, um livro que parte da imagem do antigo cinema e a utiliza como guia para explorar e explodir as memórias de uma família, que se confundem com as memórias de uma cidade. Trabalhando o corte, a montagem e o movimento das imagens, Estela Rosa nos apresenta uma reunião de textos entre a poesia e a prosa, entre o diário e a criação ficcional, que nos convidam a pensar sobre as histórias que nos contam, as histórias que contamos e aquelas que ficam suspensas. E é a partir dessas histórias, agora projetadas na tela escrita do Cine Studio 33, que podemos também chegar no pertencimento a algum lugar.  Se as narrativas são os que nos mantêm colados ao mundo, esse novo livro de Estela Rosa chega para nos transportar para outros lugares e modos mínimos de existência, esses que só são enxergados quando colocamos alguma lente, real ou não, cinematográfica ou poética, sobre nossas próprias memórias.

REEDIÇÕES
 
Nova edição do romance com o qual Margaret Atwood recebeu o Booker Prize em 2000.
 
A irmã mais velha de Laura Chase, Iris, casou-se aos dezoito anos com um industrial politicamente influente. Agora, aos oitenta e dois anos de idade, morando em Port Ticonderoga, uma cidade dominada por sua outrora próspera família, tem de enfrentar problemas de pobreza e saúde. Enquanto aprende a lidar com um corpo não confiável, Iris reflete sobre sua vida, pouco exemplar e, em especial, sobre os eventos relacionados à morte trágica da irmã. Dentre eles, o mais importante foi a publicação de O assassino cego, um romance que garantiu a Laura Chase não apenas a fama, mas um devotado culto. Um culto cujos reflexos atingem a própria Iris, que admite viver na “longa sombra projetada por Laura”. Sexualmente explícito para o seu tempo, O assassino cego descreve um arriscado amor entre uma jovem rica e um fugitivo, nos turbulentos anos 1930. Durante seus encontros secretos em quartos de aluguel, os amantes criam uma trama folhetinesca ambientada no planeta Zicron. Enquanto o leitor acompanha a narrativa inventada por um verdadeiro labirinto de sacrifícios e traições, a história real se desenrola. Ambas parecem perigosamente próximas e projetam-se na direção da guerra e da catástrofe. Simultaneamente dramático, sedutor e engraçado, O assassino cego é um romance marcado pelo microscópico poder de observação de Atwood. A um tempo natural e sofisticadamente elaborada, a prosa de Atwood é capaz de transformar detalhes em impressionantes metáforas, repletas de humor vigoroso, requintado e excêntrico. É Margaret Atwood em sua melhor forma. A tradução é de Léa Viveiros de Castro.
 
Segunda edição de Trilha estreita ao confim, de Matsuo Basho.
 
“Dias e noites vagueiam pela eternidade, assim são os anos que vêm e vão como viajantes que lançam os barcos através dos mares ou cavalgam pela terra. Muitos foram os ancestrais que sucumbiram pela estrada. Também tenho sido tentado há muito pela nuvemovente ventania, tomado por um grande desejo de sempre partir.” O poeta japonês Matsuo Basho (1644-1694) contemplava num harmonioso entardecer uma tranquila lagoa quando uma rã saltando sobre a água rompeu subitamente sua lisa superfície. Não com um forte ruído, mas com um som claro e distinto. Ao ouvir esse som cristalino, o poema fluiu quase que involuntariamente, Basho criaria neste momento o mais famoso de todos os haikais: “velho lago / mergulha a rã / fragor d’água”. Basho percorreu os caminhos como poeta errante. Apresentamos aqui o ciclo completo de seus três principais relatos de viagem, traduzidos, pela primeira vez, diretamente do original: “Visita ao Santuário de Kashima” data de 1687 e consiste num pequeno relato repleto de haikais. Basho lança-se a pé pelas estradas e atravessa o país com o simples intuito de contemplar a lua cheia nascendo sobre o sagrado templo. No ano seguinte escreve “Visita a Sarashina”. Neste relato que descreve a subida de uma íngreme montanha, podemos vislumbrar todo o processo de iniciação ao zen-budismo com suas duras provas e dificuldades na trajetória, em que o neófito em meio a ferrenha luta consigo mesmo percorre a escarpada senda rumo ao despertar, aqui representado pelo clarão da lua cheia. Trilha estreita ao confim que teria a duração de quatro anos, se inicia em 1689 quando Basho, não resistindo ao chamado dos deuses da estrada, é impelido às remotas províncias do norte, passando por paragens ainda hoje consideradas como longínquas e misteriosas. Nesta obra manifesta-se o fluir contínuo e errante através da eternidade, a cosmopulsante unidade estabelecida entre o elemento efêmero e mutável (Ryuko), e a imutável e eterna essência (Kyo). Traduzidos magistralmente por Kimi Takenaka e Alberto Marsicano, este livro é um convite ao leitor para mergulhar na extraordinária experiência de um poeta fundamental para a poesia contemporânea. O livro é publicado pela editora Iluminuras.
 
O segundo título da coleção especial com obra da Clarice é um livro com seleção das crônicas confessionais que a escritora escreveu no Jornal do Brasil, entre agosto de 1967 e dezembro de 1973.
 
Muito embora tenha afirmado que jamais escreveria sua autobiografia, Clarice produziu diversos textos confessionais no período em que colaborou com o Jornal do Brasil, entre agosto de 1967 e dezembro de 1973, conforme salientou seu filho e curador do seu legado literário, Paulo Gurgel Valente, no depoimento por ele concedido ao Instituto Moreira Salles em 2014, de fácil acesso no site do IMS ou por intermédio do YouTube. Foi a partir deste conjunto de crônicas que montei Aprendendo a viver como uma espécie de “autobiografia involuntária” de Clarice, desde a primeira infância no Recife na década de 1920, até seus derradeiros anos no refúgio da praia do Leme, na década de 1970. Organizado por Pedro Vasquez, o livro é publicado pela editora Rocco.
 
DICAS DE LEITURA
 
1. Manhã submersa, de Vergílio Ferreira. A Magnum opus deste que costuma aparecer entre os nomes mais importantes da literatura portuguesa do século XX não foi a escolhida pela Editora Moinhos para fazer chegar este autor aos leitores brasileiros. Mas, entre Aparição e o romance agora publicado este está longe de ser um romance dispensável. Estabelecido no limite entre a estética neorrealista e o existencialismo, o livro de 1954 favoreceu ao seu autor o Prêmio Femina quase quatro décadas mais tarde. A narrativa de Manhã submersa é contada por António Santos Lopes que revisita o seu passado a começar por um acontecimento que terá afetado todo curso de sua vida: a ida para o seminário.
 
2. Mainha, de Tiago D. Oliveira. O título deste livro do poeta baiano é escrito com uma marca muitíssimo nordestina, o diminutivo carinhoso que utilizamos para designar nossas mães. Todo afeto que esse vocábulo simples expressa é explorado pelo poeta com algumas das marcas já evidenciadas no seu trabalho anterior — As solas dos pés de meu avô, também editado pela Patuá e finalista do Prêmio Oceanos em 2020. Podemos afirmar que os poemas aqui são uma deriva do trabalho anterior; um tema tão grandioso era incapaz de caber apenas na extensão de um livro com outros interesses a tratar. Pela memória familiar, feita ora de um gesto, ora de um objeto, ora de uma circunstância — algumas tão particulares, outras tão universais — o que estes poemas constroem à sua maneira é um retrato ou um poema-retrato sobre a figura-título do livro que também é nossa mãe.
 
3. Artigos e textos jornalísticos, de Zelda Fitzgerald. Quem acompanha o Letras no Instagram pôde visualizar na semana uma sequência de stories com o passo a passo de recepção deste livro publicado pela Ponto Edita e citado neste Boletim desde a pré-venda. Essa experiência, embora partilhada, só pode ser vivida integralmente por quem adquire o livro: as imagens ou que possamos descrever não acompanham a noção de acessar um trabalho pensado aos mínimos detalhes, como carinho e o respeito devidos para com o objeto-livro. O leitor encontra nesta antologia textos até agora inéditos entre nós e só há pouco descobertos no espólio da escritora estadunidense: são peças de forma e conteúdo diverso — resenha, conto, sátira, crônica. Os treze textos formam um diálogo com outras três leituras: um prefácio de Marcela Lanius; e as intervenções artísticas de Clara Averbuck e Bruna Maia. A tradução é de Mauricio Tamboni. Se o interesse por este livro existe, é bom correr: a edição tem tiragem limitada a trezentos exemplares.
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
1. Em 1972, nas celebrações do 50.º aniversário da Semana de Arte Moderna, evento realizado em fevereiro de 1922 no Teatro Municipal, em São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) promoveu uma grande exposição, intitulada A Semana de 22: Antecedentes e Consequências. Neste vídeo, o registro da visita de Tarsila do Amaral ao evento. Apesar de não participar da semana, ela se tornou uma das figuras mais importantes para o “nascente” modernismo. 
 
2. No dia 6 de agosto de 2021 passaram-se duas décadas sobre a morte de Jorge Amado. Na seção de vídeos de nossa página no Facebook, dentre algumas publicações do tipo já partilhadas, está este com a passagem de abertura do filme Tieta do Agreste, de Cacá Diegues, em que o próprio escritor faz uma leitura da introdução do romance.
 
BAÚ DE LETRAS
 
1. Nas nossas outras redes, preparamos dois caminhos para saber um pouco sobre a obra e a biografia de Jorge Amado: este card em nossa página no Facebook; e este fio no Twitter. Algumas passagens dos itinerários se encontram, mas há novidades em cada um deles.
 
2. Em junho de 2020, Pedro Fernandes leu As solas dos pés de meu avô, de Tiago D. Oliveira e escreveu sobre o livro aqui. Acompanha esta post outros materiais, como a leitura que o seu autor faz de alguns poemas do poeta baiano.
 
3. Já sobre Vergílio Ferreira, o autor também com obra recomendada na seção Dicas de Leitura, recomendamos duas publicações do blog: este perfil sobre o escritor português; e uma resenha de Pedro Belo Clara sobre... Aparição.
 
4. Ainda derivações das recomendações da seção 3 deste Boletim. Da galeria Os Escritores, este perfil sobre Zelda Fitzgerald. Você pode conhecer um pouco mais dos multitalentos assumidos por uma mente inquieta e que viu na arte sempre um território fértil de criação.

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