O último filme de Woody Allen não vale muita coisa

 Por Enric González

Woody Allen nas filmagens de Um dia de chuva em Nova York com Timothée Chalamet e Selena Gomez.


 
Os filmes mais recentes de Woody Allen não valem muita coisa. Alguém pronunciou essa frase pela primeira vez há cerca de quarenta anos. Como outras grandes frases imortais — “Não é você, sou eu” ou “Este é o pior governo que já tivemos”, para citar alguns exemplos — dizer que o último filme de Woody Allen não vale muito foi usada quase ano após ano, geração após geração, sem perder sua utilidade. Isso se repete toda vez que Allen lança um filme que não é sensacional. A frase mantém plena vigência e talvez sobreviva ao próprio Allen. Eu não ficaria surpreso se o próximo século, por volta da vigésima pandemia, continue a aliviar o peso das quarentenas. Funciona muito bem para iniciar conversas bobas. Assim que alguém posta na rede, muita gente concorda. É reconfortante.
 
Fui iniciado no mantra em 1978 ou 1979, depois de ver Interiores. Cansativo. Não aparecia Allen tartamudeando ou fazendo coisas engraçadas. Não havia uma única risada. Queríamos Annie Hall outra vez! Passei por momentos angustiantes no cinema. Permito-me revelar que meu hábito de desmaiar na sala escura começou um pouco antes, enquanto assistia à exibição de Gritos e sussurros. Sim, naquilo dos cristais e da vagina. Temi até os créditos finais que a homenagem de Allen a Ingmar Bergman incluísse alguma cena desse tipo, com o consequente desmaio de um de seus servos. Mas não. Mesmo assim, Interiores me decepcionou. Este homem, pensei, não é mais o que costumava ser. (Nota: Interiores é na verdade muito bom).
 
Logo foi lançado Manhattan. Todos nós babamos. Por uma temporada, o pôster do filme se juntou ao Guernica de Picasso como um elemento decorativo fundamental em casas modernas. Como ainda não havíamos entrado na civilização, ninguém ergueu as sobrancelhas diante do fato de a personagem interpretada por Woody Allen ter se apaixonado por uma personagem feminina de dezessete anos. Aqueles eram tempos sombrios, em que você podia ler Lolita no transporte público sem ter que encobrir o livro.
 
Em 1980, ressoou um bufo universal de indignação. Woody Allen fez um filme em que parecia ironizar com seu público. Então já dizia que os bons filmes de Allen eram os antigos, os que faziam rir. Stardust Memories, desculpe a afronta, é uma obra-prima. Duas obras-primas, na verdade, se considerarmos que Charlotte Rampling está no elenco. Não vou comparar Stardust Memories com seu modelo, , de Federico Fellini, por respeito aos espíritos delicados. Acabei de dizer que Stardust Memories é melhor. Adeus, caro cinéfilo clássico que está abandona o texto por aqui. Uma coisinha: cuidado onde joga a revista, é pesada e pode machucar alguém.
 
Os anos em que Woody Allen trabalhou com Mia Farrow como atriz principal (1981-1992) são geralmente considerados uma época de ouro. Zelig, Setembro, A rosa púrpura do Cairo, Radio Days, Hannah e suas irmãs etc., quase todos engaram, exceto alguns mesquinhos que ainda continuávamos lembrando Bananas. No final do século XX, pudemos repetir tranquilamente que os últimos filmes de Allen não valiam muita coisa: obras como Poderosa Afrodite, Celebridades ou Desconstruindo Harry marcaram um certo declínio.
 
Convém aqui m parêntese. Não há muitos diretores de cinema que tenham mantido de forma duradoura o ritmo de produção de tipo industrial; poucos são os que, assinando um filme a cada ano, conseguem um bom nível médio; e são mais poucos ainda os que, com esse ritmo de trabalho, podem expor algumas obras-primas. Como não se trata de teologia, descartemos Deus: John Ford está acima das misérias humanas. Alfred Hitchcock poderia representar o melhor exemplo de um tipo prolífico e brilhante. Billy Wilder não é tão prolífico quanto Hitchcock ou tão brilhante com a câmera, mas ele é ainda mais divertido e criou algumas personagens mais humanas do que você e eu.
 
Woody Allen costuma dizer de si mesmo que é um escritor que gosta de dirigir (de forma “preguiçosa e indisciplinada”) porque isso o obriga a sair de casa e permite que ele se relacione com belas atrizes. Também diz que nunca fez um grande filme, então é melhor você não prestar muita atenção nele.
 
É verdade, porém, que seu histórico é limitado ou, para colocá-lo de forma positiva, muito específico. Sua vocação é reproduzir continuamente seus sonhos de infância, feitos de grandes apartamentos em Manhattan, dinheiro ilimitado, elegância, classe e música dos anos 1940. E fabrica miniaturas, pequenos objetos preciosos como os ovos de Fabergé ou os contos de Jorge Luis Borges. O adjetivo grandioso não combina com ele. Mesmo seus filmes mais maravilhosos são, por definição, obras menores.
 
Continuemos. No início deste século, Woody Allen estava mais ou menos acabado. Então, lançou Match Point, a primeira peça de sua trilogia britânica, e foi descoberto com grande aplauso por uma nova geração. Essa nova geração, e as anteriores, uniram-se as suas vozes no antigo coro — “Os seus últimos filmes não valem muita coisa” — e assim que viram O sonho de Cassandra e Vicky Cristina Barcelona, tão cansativas. Allen gostou de filmar no exterior, desde que fosse em cidades bonitas e ele se hospedasse em hotéis superlativos. Para ele, Paris era o Ritz ou o Bristol e algumas taças de Romanée-Conti. Muitos de nós pensamos então que funcionaria até sua morte como Winston Churchill depois de 1945: um herói idoso que viajava de chapéu em grandes iates e explorava suas glórias passadas no exterior para um público extasiado.
 
Woody Allen, no entanto, apareceu com uma iguaria suprema como Meia-noite em Paris em 2011. E em 2013, aos setenta e oito anos e — supostamente — em total declínio, lançou Blue Jasmine.
 
É um homem que, segundo sua biografia, escolhe suas companheiras sem prestar muita atenção e mostra certa desconfiança em relação à condição feminina. A primeira esposa, Harlene Rosen, o processou por zombar dela em suas piadas. A segunda, Louise Lasser, filha única, com pai e mãe suicidas, era inteligente, bonita e muito, muito propensa a colapsos nervosos. Sua terceira parceira era a suprema Diane Keaton, alguém a quem qualquer um daria a maior atenção: a questão é que Allen levou anos para descobrir sobre sua bulimia. Seguiu Mia Farrow, de quem não direi nada para evitar problemas. E, finalmente, Soon-Yi Previn, filha adotiva de Mia Farrow. Tudo um pouco desconcertante. A questão é que, um tanto paradoxalmente, Woody Allen criou uma longa série de maravilhosas personagens femininas e ganhou o Oscar de várias de suas atrizes. Cate Blanchett do Blue Jasmine pegou o dela, é claro.
 
Como os últimos filmes de Woody Allen não valem muito, fui assistir Um dia de chuva em Nova York assim que estreou. Antes falamos sobre miniaturas e contos. Esse filme seria algo ainda mais minúsculo, um conto em miniatura, com os mesmos velhos temas — Manhattan, acaso, homens mais velhos e meninas — e o ponto de esquizofrenia aparente que cresceu ao longo dos anos: o ator principal, Timothée Chalamet, tem vinte e quatro anos e empresta sua voz a Woody Allen, que tem oitenta e quatro anos no presente. Parece estranho. Quase tudo é estranho nesse filme. Há quanto tempo vimos uma personagem não criminosa fumando em um quarto de hotel? Deve parecer normal para Allen. Em sua época, se fazia isso.
 
No dia seguinte, voltei a ver Um dia de chuva em Nova York e novamente e saí com um sorriso.
 
Isso é o que geralmente acontece com os últimos filmes de Woody Allen: eles não valem grande coisa. 


* Este texto é a tradução de “Lo último de Woody Allen no vale gran cosa”, publicado aqui, em Jot Down.

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