Moldávia e outras histórias, de Timo Berger
Por Joaquim Serra
Em Moldávia e outras histórias, o
poeta e tradutor Timo Berger, nascido em Stuttgart, Alemanha, acompanha
excertos de vidas. Berger parece seduzido pelo momento de cisão, quando uma
vida sai de uma linha previsível para entrar em outra muito mais distante e
livre. A primeira história, que abre e dá título ao livro, trata de duas
experiências distintas de relacionamento e de como cada um se sente numa
relação tipicamente contemporânea.
A modernidade das relações e a
fragilidade com que suas personagens encaram o mundo globalizado não aparece
apenas no desejo da personagem Verônica, uma Argentina movida pela aventura do
mundo sem fronteiras, mas na própria relação entre esses seres vistos no
sentimento encarnado da transitoriedade a qual representam. Verônica quer a
definição das relações – uma certa exatidão que foge dela –, quer viver na
Moldávia, de que tanto lhe falaram, o amor que não sente correspondido no
relacionamento com um alemão. Depois de Verônica, num estilo muito diverso, o
narrador tenta materializar e desvendar Marie, uma incógnita cheia de símbolos.
Das duas primeiras histórias afloram os centros misteriosos do livro, a
pergunta dos corpos, do familiar e não-familiar que todos estamos sujeitos na
vida e nas relações.
Verônica parece gostar da
definição, quer saber o que é recíproco na relação com o homem ao seu lado, mas revela
os dessabores próprios de alguém que vive de aventuras. Por isso, algumas
histórias depois, Verônica volta para o familiar, para a Alemanha que ela
conhece e sabe que o café nunca será como na Argentina. O narrador parece até
aprender algo com Verônica, algo que virá dela, dessa falta de materialidade
problemática e reveladora dele, narrador, e que surgirá na última história
“Kafka e eu”.
Um motivo comum une a primeira e a
última história: a fixação. André, personagem e porta-voz da loucura é
aficionado por Kafka, dividindo com o narrador e amigo um acontecimento do qual
somos também vítimas, como somos em Kafka. Essa espécie de homenagem – muito
moderna – a vida e a obra de Kafka revela muito mais que esconde, deixando mais
à mostra, na epiderme das ações, aquilo que antes era sentido.
Todo o amor discutido nas
histórias anteriores é retomado de forma irônica, num acontecimento nitidamente
duvidoso – e a dúvida é uma das chaves aqui – da vida de Kafka. A conclusão de
André é a de que ele seria um herdeiro, principalmente espiritual, de Kafka.
Começa então a saga de André para tentar se aproximar cada vez mais do legado
físico do seu antepassado, a casa de Kafka e seus pertences.
Não é só a loucura de André, com
suas divagações interrompidas pelo narrador, que enchem a narrativa do tom
mesmo dos grandes livros de Kafka. O narrador testemunha, metido naquela
loucura, em meio a sonhos e na experiência própria de não saber o que está
acontecendo com o amigo, delineia para o leitor diversos motivos constantes na
obra de Kafka, e o faz vivendo na própria pele. Às portas do castelo – que é
casa onde Kafka viveu – André encontra um pedaço muito significativo do corpo
do escritor, algo que vai abrir um novo tom na narrativa, como se tudo de antes
pudesse ser aceitável. Nessa última história, Berger nos envolve como cúmplices,
numa história jocosa e muito imaginativa.
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Moldávia e outras histórias, Timo Berger
Douglas Pompeu (Trad.)
Edições Jabuticaba, 112p.
Edições Jabuticaba, 112p.
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