Boletim Letras 360º #436

 
 
DO EDITOR
 
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Leonardo Fróes. Publica-se a poesia completa do poeta. 


 
LANÇAMENTOS

O quinto e último volume das mil e uma noites com histórias inéditas em português.
 
Envolvido pela voz de Sherazade, heroína que sobrevive noite após noite contando histórias ao sultão, o leitor irá se deliciar com essas narrativas que atravessaram séculos em manuscritos na mão de copistas e na boca de contadores de histórias. Neste volume, o público terá a chance de ler aventuras que reverberam em histórias posteriores da literatura universal, como o Decamerão, Dom Quixote, Gulliver e muito do que há no romance moderno. Vai encontrar também descrições de cenas aventurescas que se aproximam da narrativa de fantasia. As histórias do Livro das mil e uma noites — Volume 5 contam a saga do sultão Umar Annuman, em um grandioso épico que pode ser lido do início ao fim como uma história completa. As histórias das noites desconhecem as classificações familiares às letras ocidentais, e resultam em uma narrativa que surpreende as expectativas o tempo todo. Partindo do cotejo dos manuscritos mais antigos em que constam essas histórias, Mamede Jarouche recria uma fabulação literária grandiosa, dando voz em português a um monumento da literatura universal. Ao fazer isso com rigor, posiciona este trabalho como um dos grandes feitos da tradução em nosso tempo. O livro é publicado pela Biblioteca Azul.
 
Após cobrir batalhas das forças do Eixo na Segunda Guerra Mundial, Curzio Malaparte publicou este livro que rapidamente se tornou um best-seller internacional.
 
Em junho de 1941, Curzio Malaparte seguiu para a Ucrânia como correspondente de um jornal italiano, transitando entre as tropas germânicas e russas e cobrindo as batalhas das forças do Eixo na Suécia, Polônia, Romênia, Finlândia, Alemanha, a antiga Iugoslávia, Rússia e Ucrânia. Sua jornada por cidades e vilas arrasadas, presenciando a fome, o terror e a degradação da população, deram origem a Kaputt. O livro logo se tornou um best-seller internacional, sendo traduzido para vários idiomas e inspirando filmes e obras de arte. Kaputt impressiona pelas imagens que evoca com histórias que se entranham em nossa memória para nunca mais sair — o cônsul da Itália em Jassy, soterrado pelo peso frio de quase duzentos cadáveres de judeus que iam deportados num trem para a Romênia; ou as crianças napolitanas convencidas pelos pais de que aviadores ingleses sobrevoavam a cidade para atirar-lhes bonecas, cavalinhos de madeira e doces. Através dessas imagens, Malaparte desvela a impiedade e truculência do nazifascismo, a impotência e alienação da elite europeia e o horror vivido pelos mais oprimidos. Em um misto de romance e reportagem, ele constrói um retrato incômodo e vívido da insanidade que é a guerra. Esta edição traz prefácio inédito de Lucia Wataghin. A tradução é de Federico Carotti. O livro é publicado pela Alfaguara Brasil.
 
Obra reúne toda poesia de Leonardo Fróes.
 
Morando desde os anos 1970 num sítio na região de Petrópolis, no Rio, e dedicando-se ao cultivo da terra, à poesia e à tradução, Leonardo Fróes criou uma obra poética única em nossa literatura. Contemporâneo da geração beat norte-americana e da poesia marginal brasileira, é, porém, na antiga tradição dos “poetas do campo” que ele melhor se insere — aqueles que, do romano Juvenal, no século I, ao norte-americano Gary Snyder, no XX, levaram a cabo a ideia de fugir do tumulto das cidades para levar uma vida mais simples e mais plena, em harmonia com a natureza. Esta Poesia reunida abarca toda a sua produção, desde o livro de estreia, Língua franc (1968), até o inédito A pandemônia e outros poemas (2021). De entremeio, pérolas como Sibilitz (1981), que o poeta João Cabral de Melo Neto considerou “de primeira água”, Argumentos invisíveis (1995), pelo qual recebeu o Prêmio Jabuti, ou o depurado Chinês com sono (2005). A cada livro, Fróes vem maturando sua obra e se afirmando — há tempos — como um dos nossos maiores poetas, lido e celebrado por sucessivas gerações. Naturalista e montanhista amador, misto de poeta zen e Dom Quixote das letras, sábio chinês e homem da roça, Leonardo Fróes escreve com a leveza de quem sorri, e sorri com a leveza de quem fez da poesia um modo de vida.
 
O novo livro de poesia de Boaventura de Sousa Santos.
 
Boaventura é um dos mais prestigiados cientistas sociais da atualidade, uma das principais vozes na reinvenção da emancipação social e nome de referência mundial nos estudos da sociologia do direito, da democracia e dos movimentos sociais. Além de um consistente poeta. O que comprova a série de livros com sua obra publicados pela Confraria do Vento. E agora, pela mesma casa editorial, o poeta apresenta Pitaia e açaí — poemas de amor e várias canções talvez desesperadas, publicação representativa de sua maturidade poética, com tudo o que de amor, canção e desespero é permitido.
 
Edição marca o centenário de Carlos de Oliveira.
 
O escritor é um nome forte, no século XX, da poesia e da narrativa portuguesa moderna e contemporânea; a ele se devem gestos impactantes de escrita que confrontaram, no ato mesmo de sua elaboração, a concepção do que seja o “trabalho oficinal” em poesia e o compromisso com a literatura. Esta edição organizada por Ida Alves quer apresentar este poeta ainda não conhecido do público brasileiro e celebrar também o centenário de nascimento do escritor. Trabalho poético é publicado pela Editora Oficina Raquel.
 
O novo livro de André Sant'Anna.
 
Eis uma forma para descrever os textos reunidos neste volume: a metástase que está no título tem seu próprio idioma, e esse idioma pode ser voltado contra ela mesma. A literatura de André Sant'Anna nos convence de que somente a catarse gerada por uma comédia absurda com uma linguagem grotesca será capaz de expressar a realidade brasileira. Neste livro, ele não apenas dobra a aposta, como também expande o alcance da sua escrita performática. Discurso sobre a metástase é publicado pela editora Todavia.
 
Editada pela Jaguatirica, a coleção Lusofonia apresenta aos leitores brasileiros quatro novos títulos de autores portugueses.
 
1. Manual de sobrevivência para náufragos. Desaparecimento, afundamento ou perda de uma embarcação ou navio em alto mar. Assim como, insucesso, fracasso ou decadência; queda ou ruína. Literal ou figurada, a definição de naufrágio pressupõe a tragédia, um evento definido pela perda. Neste livro, o poeta Paulo Ramalho mostra-nos o antes e o depois desse acontecimento. Fala das suas personagens, dos homens e mulheres cansados que habitam esse tempo, das vítimas que originou. Sendo alguns dos poemas escritos durante o primeiro confinamento, decretado a março de 2020, o sentimento de desconcerto está presente, mas não domina. Encontramos um apelo ao recomeço, uma homenagem aos que resistem no olho do furacão. Segmentado entre “Naufrágios” e “Procedimentos de emergência”, a obra explora e investiga a gênese do poema ao falar do nascer do verso. O poeta como náufrago num mundo que é barco, e onde o poema é boia de salvação.
 
2. Sobre vivências em Barcelona. Vitor Vicente abre o seu diário de bordo até à cidade de Barcelona, cuja temporada aí vivida o autor narra ao longo desta obra de prosa firme e intensa. O autor fala-nos dos hábitos e peculiaridades catalães em confronto com um olhar português — ou emigrantuguês — enquanto partilha as suas vivências anteriores, noutros espaços e noutras épocas. Lourdes, Zé Paulo, Ricardo, Tina — feministas, senhorios, amigos, colegas de quarto, colegas de trabalho, são algumas das personagens que habitam estas páginas e o seu retrato revela as fragilidades e forças que dão complexidade ao ser humano – de quem o autor não consegue escapar, nem quando mais deseja a solidão. Este é um diário que registra as dores e sensações da deslocação da terra natal, ao melhor estilo da literatura de viagem, e vem preenchido de momentos de luta e mordacidade, mas também é tecido com alegria, ternura e esperança.
 
3. Luz de aço. Os poemas presentes neste livro de Graça Tavares, apresentam-nos a visão da poeta sobre a vida e o ser, uma reflexão acerca da nossa História, em verso. Este livro constitui um apelo à resistência do Amor sobre todas as coisas que compõem a nossa realidade. Nas palavras de António Carlos Cortez, que empresta a sua voz ao prefácio da obra, “há no mundo de Graça Tavares uma vontade de expressão que nasce, estou em crer, de uma meditação profunda sobre o que é ser-e-estar na realidade. (…) De facto, se à humanidade se afigura problemático não suportar muita realidade, talvez isso seja o insuportável necessário para que ao poeta caiba a função de libertar o humano desse excesso de realidade.” Poemas de formato díspar que pedem uma leitura dedicada, que viajam à Grécia Antiga e tanto exploram símbolos intemporais como imagens raras, numa linguagem nova, é o que podemos encontrar entre as folhas deste livro.
 
4. Todo este silêncio. Portela dos Ventos. 1964. Uma vila de criadores de gado bovino perdida no interior de Portugal, onde estão latentes os vícios e o temperamento do seu povo, seus interesses econômicos, filiações políticas divergentes, ambições desmesuradas e amores clandestinos. “Portela dos Ventos, no final do verão de 1964, era um vulcão com três chaminés ativas – igreja, filarmónicas e criação de gado”. Como pano de fundo, soletrado no jornal ou comentado na penumbra da taberna, a ditadura e a guerra colonial. Cinco décadas depois, inesperadas crateras desfiguram o chão desta terra que “não passa de uma aldeola que um dia se atreveu a erguer nas pontas dos pés para chegar a vila.” Palavras de Guilherme Paixão, eremita leitor de clássicos, que encontra no jornalista deslocado para investigar o fenômeno um ouvinte que o acompanha na sua viagem ao passado. O escritor Paulo Ramalho tece um romance aliado a um quase retrato histórico-documental da ruralidade e dos seus costumes, em contradição com o desenvolvimento ditado pelo progresso, por vezes deformado pelas feridas não saradas de outrora. A atmosfera original, aliada a uma miríade de personagens densamente exploradas pela erudição do narrador, é um convite indeclinável para esta leitura intensa da alma portuguesa.
 
O primeiro livro da escritora argentina María Gainza no Brasil.
 
Há uma linha-d’água que percorre os contos de María Gainza; uma linha tênue que esboça as delicadas fronteiras entre a arte e a vida, a beleza e o êxtase, as retinas e o mundo. A autora nos faz repensar, nestas onze narrativas sagazes que articulam memória e ensaio, as muitas formas de ver uma obra de arte; e, mais do que isso, nos ensina que também somos inadvertidamente vistos pelas imagens, somos atravessados — invadidos por elas. A tradução de O nervo óptico é de Mariana Sanchez e o livro é publicado pela editora Todavia.
 
E se a vida fosse pensada a partir da morte? E se a ironia pudesse revelar novas perspectivas sobre o fim da vida, olhando com inteligência e humor para um dos tabus mais complexos de nossa época?
 
Ginevra Lamberti, autora italiana cuja escrita se revela precisa e articulada, caracterizada por profunda capacidade de observação e leveza, não teme investigar os interstícios mais incômodos da nossa sociedade, tornando-os motores de sua busca. Misturando gêneros — o romance autobiográfico que combina realidade e ficção se entrelaça às formas da crônica e do conto —, empreende uma aventura poética e filosófica para conhecer a morte em suas múltiplas camadas: a organização de uma funerária, o mestrado em Death Studies e as práticas de uma tanatoesteta são algumas das situações relatadas pela autora que ensinam a enfrentar esse capítulo da existência sem censurá-lo. Vista de perto, a morte se torna mais humana, e a seu caráter trágico e solene se acrescentam a ironia e a leveza que permitem todo tipo de reflexão, iluminando também aqueles espaços mais escuros. Lamberti fala da poesia do cotidiano a partir de outro ponto de vista: mergulhar na vida, partindo de seu fim. A tradução de Cezar Tridapalli para Por que começo do fim é publicada pela editora Âyiné.
 
Este livro marca a despedida de uma referência incontornável para gerações de escritores e leitores.
 
No Rio de Janeiro do início da quarentena, o narrador passou a observar uma vizinha que saía de madrugada para dar uma volta no estacionamento a céu aberto. Embora ela não soubesse que estava sendo acompanhada, uma estranha cumplicidade se estabeleceu entre os dois, e sua presença simbolizava a promessa de um encontro arrebatador, ao mesmo tempo em que representava a morte pairando ao redor. Assombroso e revelador, A dama de branco foi o último texto publicado por Sérgio Sant’Anna, que faleceu em 2020, durante a brutal pandemia de coronavírus. Além da narrativa que dá título ao livro, o volume é composto por outros dezesseis contos — que tratam da solidão, da memória, do desejo e da própria escrita — e uma novela, que estava em vias de ser terminada. A dama de branco atesta que a prosa de um dos principais escritores brasileiros contemporâneos se manteve vigorosa e afiada até os últimos dias. Publicado pela Companhia das Letras, o livro tem organização e apresentação de Gustavo Pacheco.
 
Os dois primeiros dos dez volumes com a obra completa de Luiz Gama editada pela Hedra.
 
1. Democracia. Os textos e artigos incluídos neste primeiro volume foram publicados originalmente entre os anos de 1866 e 1869. Nesses artigos, Luiz Gama se manifesta publicamente sobre educação, política e direitos universais. Lançando mão de uma estratégia autoral ousada, que incluía o uso de pseudônimos, Gama defende abertamente o direito à educação universal e as obrigações do Estado em garantir um ensino público de qualidade em todos os níveis como os fundamentos da vida democrática. Ao incluir a palavra “democracia” na agenda pública, ainda sob a política da escravidão do Império do Brasil, Gama o faz, pela primeira vez, escrevendo sistematicamente em primeira pessoa e sem utilizar pseudônimos. Os temas da democracia e do direito à liberdade tornam-se então fundamentais em sua obra.
 
2. Liberdade. Os textos deste volume são fruto da campanha pela abolição radical que também visava à garantia da educação e cidadania para os libertos: o abolicionismo de Luiz Gama exigia cidadania e igualdade de fato e de direito. A importância desta reunião de escritos deve-se também ao fato de que o advogado refletia sobre o processo histórico em curso, e propunha soluções políticas para o tempo presente, revelando sua natureza intelectual até hoje pouco conhecida e quase sempre não reconhecida. Liberdade registra o surgimento de um tipo de literatura de combate que exigia a imediata abolição da escravidão. Compreende o período de 1880 a 1882, último período da vida do escritor. Apesar da recorrente temática abolicionista na obra de Gama presente desde o primeiro volume de suas Obras Completas, é somente em 1880 que a campanha pela liberdade ganha uma dicção específica.
 
Um clássico de Zora Neale Hurston que conta a história épica de Janie Crawford em sua busca por uma identidade. Uma jornada sobre o amor, as alegrias e as tristezas da vida.
 
Aclamado como o mais belo romance da literatura negra norte-americana de sua época, Seus olhos viam Deus descreve a trajetória de Janie Crawford, uma heroína afro-americana que enfrenta o tabu de escolher o próprio destino na Flórida da década de 1930. Hurston não escreve, especificamente, sobre a discriminação num mundo dominado por brancos — o que lhe rendeu algumas críticas de militantes pelos direitos dos negros —, mas é precisa na construção da tensão dos relacionamentos. O uso de dialetos e da linguagem coloquial em Seus olhos viam Deus atraiu para a escritora a crítica de outros autores negros, que a acusavam de uma atitude paternalista em relação aos brancos. Para estes, Hurston concedia aos brancos os estereótipos culturais negros esperados pela classe dominante. A escritora, que chegou a ganhar uma bolsa de estudos da Fundação Guggenheim em 1937, foi recebida com certa resistência por autores ligados ao Renascimento do Harlem e praticamente ignorada nos anos 1950 e 1960. Anos mais tarde, no entanto, quando as lutas dos movimentos negros abriram espaço para a literatura negra nas universidades dos Estados Unidos, o talento literário de Zora foi reconhecido ao lado de grandes figuras do feminismo negro, como Audre Lorde e Alice Walker, e a admiração tomou o lugar da crítica. Surgia assim um amplo movimento liderado por pensadoras e ativistas afro-americanas, dedicadas a traçar as matrilinhagens da intelectualidade negra, e que reverenciam Seus olhos viam Deus como uma “obra-mestra” (ou maestrapiece, como propôs Alice Walker). Seus olhos viam Deus acompanha o retorno à terra natal, depois de uma longa ausência, de Janie Crawford. Seus compatriotas, principalmente as mulheres, são desinteressantes e nada amistosos, sempre fofocando, engalfinhados em cochichos na porta de casa. O assunto preferido de Janie são suas aventuras amorosas: casada aos 12 anos com um homem muito mais velho — e muito mais rico —, por intervenção da avó, ela foge em busca de um caminho próprio. A heroína de Seus olhos viam Deus incorpora o inconformismo com o status quo. Uma revolta contra o que se espera de uma mulher pobre e negra. Ela denuncia a violência contra as mulheres em geral e as negras em particular. Casada três vezes e acusada de matar um dos maridos, Janie Crawford atrai para si a inveja das mulheres e o ódio dos homens. A miríade de emoções que a volta da filha pródiga causa aos moradores da pequena cidade nos confins da Flórida leva Janie a tentar se justificar, abrindo seus segredos para a amiga Pheoby. A tradução de Marco Santarrita é publicada pela editora Record.
 
Mais uma vez, Ana Paula Maia consegue trazer para o centro da narrativa os mais dilacerantes conflitos humanos e explorar com requinte literário as nuances do bem e do mal.
 
Edgar Wilson trabalha recolhendo animais mortos. Ele é responsável por levar as carcaças até um grande depósito onde um triturador dizima os despojos. Contudo, quando o país entra em colapso e começa a enfrentar situações cada vez mais inusitadas, ele acaba usando seu conhecimento para tentar dar sentido ao caos e encontrar uma forma de sobreviver à barbárie. Ao juntar-se a Bronco Gil e ao ex-padre Tomás, os três anti-heróis passam a rodar pelas estradas testemunhando a atração exercida pelo ocaso da realidade, desafiando tanto poderosos locais quanto instituições que não são bem o que eles imaginavam. Em um misto de romance de aventura e narrativa psicológica, Maia constrói personagens brutalizados, mas absolutamente humanos, que buscam seu lugar no mundo. De cada quinhentos uma alma é publicado pela Companhia das Letras.
 
O novo livro de Flavio Cafiero.
 
Estudo violento do ressentimento amoroso, Diga que não me conhece é um livro curto e impressionante. Numa escrita lancinante, a um só tempo lírica e realista, o livro deixa o leitor sem fôlego diante do ritmo imposto, com enorme perícia, por Flavio Cafiero. Como que mimetizando o próprio centro da cidade, o autor traz para estas páginas a delicadeza e a ignomínia, a agitação e a busca por transcendência, o amor e o mais fundo desprezo. O livro é publicado pela editora Todavia.
 
O trânsito dos livros. Da França a Portugal, de Portal ao Brasil.
 
Este Livreiros do Novo Mundo: De Briançon ao Rio de Janeiro acompanha a trajetória de alguns comerciantes franceses que se tornaram livreiros em Portugal, no século XVIII, destacando-se no universo do livro. Dois deles, Paulo Martin e Jean-Baptiste Bompard, vieram ao Brasil e aqui continuaram a atividade entre os anos de 1808 e 1828, tornando-se protagonistas do nascente mercado do livro e da imprensa, contribuindo para a transmissão de conhecimentos e ideias. Escrito em linguagem simples e direta, procura examinar as diversas facetas do processo de formação do mercado livreiro que se constituiu entre França, Portugal e Brasil desde o final do século XVIII. Destaca também o papel que assumiram na vida cultural, política e editorial do período, as práticas políticas e culturais do mundo luso-brasileiro do fim do século XVIII até inícios do XIX. A obra é ilustrada e traz uma importante contribuição aos estudos sobre a circulação literária e a história das livrarias. A tradução é de Leila V. B. Gouvêa é publicada coletivamente pela Editora Unicamp, EdUsp e Editora da Unesp.
 
O novo livro de João Paulo Cuenca.
 
Qualquer lugar menos agora, crônicas de viagens para tempos de quarentena reúne textos sobre as visitas feitas por ele a diversos destinos. Com uma escrita ágil, ele transporta os leitores para bares em Nova York e Tóquio, manifestações de rua em Paris e Istambul, pistas de dança em Cabo Verde e no Vietnã, e karaokês em Bangkok e no Rio. Há também quadros em movimento — como o moto-táxi em Mossoró, o trem noturno Paris-Milão, as caminhadas noturnas em Macau e Buenos Aires — e encontros surreais e inesperados: com a raposa epifânica na madrugada em Berlim, com um fantasma em Portugal ou um mosteiro budista em Hong Kong. Os textos, afirma Cuenca, não são sobre turismo, mas sobre viajar. A diferença? Viajar sempre esconde a esperança de uma revelação — e esse livro está cheio delas. Est é a primeira obra do autor a ser publicada pela Record.
 
Com sua prosa precisa e econômica, a argentina Selva Almada é uma das vozes mais originais da literatura de língua espanhola contemporânea.
 
Seu universo também é peculiar: a autora não fala da cosmopolita Buenos Aires. Seu ambiente é o mundo interiorano, onde vilarejos quase esquecidos no mapa abundam em histórias em que a violência, os laços familiares e velhos costumes ainda são decisivos. É o caso deste novo romance, Não é um rio, um livro que trata da amizade e seus segredos. Durante uma pescaria entre três homens, a complexidade com que se forjam os afetos é revelada como o próprio curso de um rio. Enero Rey e Negro levam Tilo, o filho adolescente de Eusébio (o amigo morto dos dois), para pescar. Enquanto bebem vinho, cozinham, falam e dançam, eles lutam com os fantasmas do passado e do presente. Esse momento íntimo e peculiar que conecta a trajetória desses três homens também os liga à vida dos habitantes locais nesse ambiente cercado de água e regido por suas próprias leis. Há perdas e mortes prematuras. Mas há também a teimosa vitalidade da natureza: um matagal coberto de árvores centenárias, animais, pássaros; o rio trazendo vida nas suas entranhas; as gentes nascidas e criadas nessa paisagem que a protegem com unhas e dentes contra os intrusos. Humano, mas ao mesmo tempo animal e vegetal, este romance flui como uma conversa entre seres que se amam. A tradução é de Samuel Titan Jr. E o livro é publicado pela editora Todavia.
 
O novo livro do poeta Paulo Mielmiczuk.
 
“espantosa opacidade do além-visto”. A frase aparece no último poema do livro e narra sobre quando não conseguimos ver muito longe de onde estamos, e, pior do que isso, não queremos ver. Penso que isso nos dá uma pista sobre qual é a preocupação do Paulo nesse livro: fazer a gente ver além.  O procedimento mais comum do livro é a paródia, que vai do Hino Nacional até Vinicius de Moraes passando por contratos, inclusive com linhas para serem preenchidas, e, pasme, até um boleto, com código de barras e tudo mais. Mas por que tanta paródia? A paródia tira ideias cômicas ou no mínimo inusitadas de um poema anterior. O que num soneto de Dante era a beleza indescritível da saudação de sua amada, vira, na paródia do Paulo, um político tentando conseguir votos. Nessa brincadeira, somos colocados para enxergar coisas bem diferentes das que estão ali no original. E há uma razão para isso. Depois que nos acostumamos a ver além das aparências políticas ou do sistema literário, fica difícil olhar para as coisas do mesmo jeito. “espantosa opacidade do além-visto”. (Matheus de Souza). Noturno é publicado pela Kotter Editorial.
 
Mestra na arte da narrativa curta, Ana Maria Machado nos mostra como as alegrias e dissabores do presente podem ser vestígios de tempos passados.
 
Algumas das onze histórias que compõem este livro começaram a ser elaboradas por Ana Maria Machado há muitos anos. Independentes entre si mas conectadas pelos fios das relações familiares, elas versam sobre as nossas escolhas e memórias afetivas e sobre a passagem do tempo. Os personagens são pessoas comuns em situações cotidianas — uma mãe que nunca conseguiu expressar o amor que nutre pelo filho; duas irmãs que disputam a atenção do pai; uma jovem recém-casada que vai morar num país estrangeiro; uma avó convivendo com seus netos; uma mulher de meia-idade diante de uma infidelidade; um jovem que não consegue confiar em ninguém. Com lirismo e profundidade, estas narrativas nos fazem confrontar naturalmente nossas próprias escolhas e suas consequências. Em resumo, Vestígios é um livro que atesta a incomparável capacidade de Ana Maria Machado em se comunicar com o leitor. São onze histórias que expressam uma visão íntima e profunda da existência, fazendo de Vestígios uma obra ímpar da literatura contemporânea.

REEDIÇÕES
 
Neste romance que consagrou definitivamente o prêmio Nobel de literatura William Faulkner, duas histórias paralelas colidem em um enredo marcado pela brutalidade e a religiosidade da região rural do Sul dos Estados Unidos.
 
Em 1932, enquanto os Estados Unidos convulsionavam após a crise de 1929 e a violência racial persistia em toda sua crueldade, William Faulkner publicou um dos seus romances mais pungentes. Escrito no olho do furacão, situado num Sul arcaico, violento e marcado pela tradição oral e por uma religiosidade fervorosa e delirante, Luz em agosto pulsa com vitalidade a cada página. Lena Grove, abandonada grávida pelo marido, percorre o país a pé e de carona numa jornada atrás do pai da criança. Enquanto isso, acompanhamos o órfão Joe Christmas, foragido após atacar o pai adotivo. Apesar da pele clara, Christmas suspeita que possui ancestrais negros, submergindo em uma crise identitária no coração de um país radicalmente segregado. Faulkner conduz com maestria esses dois pontos de vista, compondo um panorama impiedoso de uma nação atormentada pela Guerra Civil e pelo racismo. A tradução de Celso Mauro Paciornik é publicada pela Companhia das Letras.
 
Nova edição de algumas das melhores representações literárias do pensamento existencialista do escritor e filósofo Jean-Paul Sartre.
 
Produzidos às vésperas da Segunda Guerra Mundial, enquanto Jean-Paul Sartre assistia ao colapso do mundo que conhecia, os cinco contos de O muro são algumas das melhores representações literárias do pensamento existencialista do escritor e filósofo francês. Dando título ao livro, a primeira história nos põe ao lado de três prisioneiros à beira da execução. Somos, então, confrontados com os sentimentos, reflexões e inquietações dos confinados. As outras narrativas, sem jamais abandonar uma profunda ironia, seguem nos empurrando a situações-limite do corpo e da alma para refletir sobre questões como liberdade, subjetividade, propósito, finitude e os paradoxos da existência. O livro é publicado pela editora Nova Fronteira.
 
O segundo volume da sequência Tragédia Burguesa, de Octavio de Faria ganha reedição.
 
Podiam ter vida diferente da que já tinham? Quem, desde aquela idade, se habituava àquelas concessões, quem passava a olhar como naturais, como “humanas”, todas aquelas pequenas misérias, aquelas renúncias humilhantes, aquele espírito de canalhismo, de devassidão, jamais poderia valer alguma coisa? Em uma sociedade ensombrada pela mentira e hipocrisia, onde a esperteza para com o próximo e a satisfação dos prazeres carnais são a lei básica da existência, cada indivíduo é confrontado nos momentos decisivos da vida a tomar uma decisão interior, uma decisão que influirá sobre o resto do seu destino. É com esse ambiente que Branco e Pedro Borges, dois jovens estudantes de um colégio carioca, se deparam no limiar da juventude, quando a vida ainda corre mansamente, como se nada mais existisse senão aquela espera carregada de promessas, aquela ilusão sem maior importância, para adentrarem o mundo adulto, onde hão de trilhar o próprio caminho. Alguns se recusam a pactuar com as misérias humanas, rebelando-se contra o mecanismo cego que domina o mundo; outros aceitam, tácita e levianamente, as regras do mundo, sofrendo a terrível loucura da carne. Os caminhos da vida é publicado pela editora Sétimo Selo.
 
Considerada a rainha do terror por mestres como Stephen King e Neil Gaiman, Shirley Jackson cria uma obra perturbadora sobre a relação entre a loucura e o sobrenatural.
 
A assombração da Casa da Colina é considerada a melhor história de casa assombrada de todos os tempos e inspirou a série original Netflix A Maldição da Residência Hill. Sozinha no mundo, Eleanor fica encantada ao receber uma carta do dr. Montague convidando-a para passar um tempo na Casa da Colina, um local conhecido por suas manifestações fantasmagóricas. O mesmo convite é feito a Theodora, uma alma artística e sensitiva, e a Luke, o herdeiro da mansão. Porém, o que começa como uma exploração bem-humorada de um mito inocente se transforma em uma viagem para os piores pesadelos de seus hóspedes. Com o tempo, fica cada vez mais claro que a sanidade — e a vida — de todos está em risco. A tradução de Débora Landsberg é publicada pela Alfaguara Brasil.
 
DICAS DE LEITURA
 
1. Vivos na memória, de Leyla Perrone-Moisés. As contribuições da professora para o desenvolvimento da crítica, o nosso contato com outras poéticas e com uma parte essencial da desconstrução, sabemos, são inestimáveis. Agora, num texto limpo e situado ora entre a memória afetiva, ora no reconhecimento, podemos encontrar alguns dos bastidores dos longos anos de atividades da autora. Enquanto recorda figuras que foram essenciais na sua formação, desdobra-se uma leitura acerca dela própria, num bonito jogo de revelação indireta. O resultado é um livro para sorver aos pouquinhos sempre na hora mais livre do dia, porque essas figuras que transitam vivamente pela memória de Leyla Perrone-Moisés também são uma excelente companhia, sem quaisquer pretenciosismos. O livro foi publicado recentemente pela Companhia das Letras.
 
2. Raiva, de Monica Isakstuen. Há muito que a literatura explora do tema da mãe. Uma vistoria sobre, demonstrará mesmo uma tradição. Mas, de alguns anos para cá, com a maior permanência das mulheres no campo da escrita, outras faces têm sido exploradas, afinal, a experiência da maternidade pode até ser a mesma em toda parte, mas seus constituintes jamais, como também ser mãe neste tempo não é a mesma coisa que no passado. No caso do livro aqui recomendado, a narrativa explora como este é um acontecimento extremo e de impactos irreversíveis na vida da mulher: como viver com três filhos e lidar com a lista interminável de afazeres da casa e do trabalho multiplicado por cada um dos envolvidos nessa coletividade? A tradução é de Leonardo Pinto Silva e o livro está publicado pela editora Rua do Sabão. Com este romance, Isakstuen ganhou o Norwegian Book Award, o mais importante galardão na literatura norueguesa.
 
3. A noiva do tradutor, de João Reis. Este é um dos nomes mais novos da já designada novíssima literatura portuguesa e o livro aqui recomendado, editado pela DBA Editora, é seu primeiro trabalho entre nós. Aqui encontramos um homem fixado na zona escura da vida entre um racionalismo frio e uma necessidade de acreditar em qualquer coisa. Esse impasse faz do livro uma peça entre o mordaz e o hilário. Além do dilema subjetivo desse tradutor, o romance de Reis é uma crítica viva às circunstâncias de um mercado editorial entregue, em definitivo, aos ditames da sociedade de consumo que converteu, aos olhos do seu narrador, escritores em diletantes, editores em gananciosos de dinheiro.
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
1. Publicada em língua inglesa e a sair pela editora Quetzal (em Portugal) e pela Companhia das Letras (no Brasil), a biografia de Fernando Pessoa escrita por Richard Zenith é o maior feito do gênero nas publicações recentes. É a primeira vez que o poeta português recebe uma leitura honesta sobre sua vida diversa do poeta português, depois do vexame de um brasileiro que se preocupou com o tamanho do pênis de Pessoa. A revista Quatro Cinco Um disponibilizou esta longa e rica matéria sobre o novo trabalho de Zenith. O pesquisador é autor de outro projeto complementar a este, Fotobiografia de Fernando Pessoa (Companhia das Letras, 2011).
 
2. Para sublinhar os 70 anos da primeira edição de O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger, a editora que publicou toda a obra do escritor no Brasil prepara uma série de eventos neste mês de julho. Entre eles, três encontros para discussão sobre os livros do estadunidense e a edição limitada de uma caixa reunindo os quatro livros com nova capa para a obra motivo das celebrações. Para acompanhar o desenvolvimento dessas atividades vale sintonizar nas redes sociais da Todavia
 
BAÚ DE LETRAS
 
1. No Letras, o leitor encontra uma série de textos sobre J. D. Salinger e sua obra. Em 2019, quando foi publicada no Brasil uma nova tradução para O apanhador no campo de centeio, traduzimos este texto que situa o leitor em torno da ideia de como este romance reinventou, ou melhor, inscreveu a figura do adolescente no âmbito dos interesses da literatura.
 
2. Nathalie Sarraute, importante nome da geração criadora do noveau roman e figura lembrada por Leyla Perrone-Moisés em Vivos na memória — a professora foi a primeira no Brasil a colocar os leitores daqui em contato com a nova tendência francesa e conviveu com alguns dos seus nomes —, nasceu a 18 de julho de 1900. Recordamos dois textos sobre a obra e a escritora: este breve perfil; e esta leitura sobre Retrato de um desconhecido.

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