Boletim Letras 360º #433
DO EDITOR
1. Caro leitor, em nome do Letras, antes de passar às notícias que fizeram a semana em nossa página de encontros no Facebook, agradeço a companhia. Cuidemo-nos. Boas leituras!
Walter Benjamin. Foto: Gisèle Freund. |
LANÇAMENTOS
O segundo romance de Abdellah Taïa no Brasil.
Em Um país para morrer, a
narrativa é formada sobretudo por diálogos. “Só conversa quem se dispõe a estar
diante do outro. Uma mulher se prostitui para solda — dos franceses durante a
ocupação na Indochina enquanto tenta convencer um deles a acompanhá-la à Índia.
A personagem principal do livro encontra um jovem iraniano desfalecendo no
metrô de Paris e o acolhe, para depois ouvir (e ler) sua história de
perseguição e fuga. Os encontros aqui não são apenas entre pessoas. Como
diálogos pressupõem movimento, já que são um vai e vem, as personagens estão o
tempo inteiro se deslocando. O encontro que elas têm com sociedades
estrangeiras, por exemplo, nunca é pacífico. A percepção de Abdellah Taïa é
clara: países que exploram outros fazem o mesmo com os corpos estrangeiros. Apesar
de toda a violência, dos corpos que sofrem e dos deslocamentos quase sempre
obrigatórios, o romance é cheio de lirismo, passagens oníricas e sobretudo
personagens dotadas de grande sensibilidade. Como estão todas à margem, um
último movimento se impõe. É preciso virar os olhos e observar os verdadeiros
agentes da violência: os donos de qualquer poder” — observa Ricardo Lísias. A
tradução de Raquel Camargo é publicada pela Editora Nós.
O que pode, portanto, a
literatura? Neste belo e vibrante livro, ela parece poder muito.
O que pode a literatura? Que
horizontes ela é capaz de alcançar? Ou, mais especificamente, o que pode a
literatura em um mundo em colapso, assombrado pelo aquecimento global, por
pandemias, ascensão da extrema-direita, aumento da miséria, entre outras
tragédias? Em suma, em uma realidade na qual tudo parece mais urgente que a
literatura?”. Com estas perguntas, a escritora brasileira Carola Saavedra abre
o primeiro livro de ensaios de sua já consolidada carreira como romancista. São
questionamentos que dão base a todas as reflexões, notas biográficas e esboços
ficcionais que compõem estas páginas. Através de uma escrita que incorpora a
dinâmica de um “mundo desdobrável”, Carola reúne temas como o fim do mundo,
ancestralidade, permacultura, psicanálise, literatura feita por mulheres,
literatura indígena, reflexões sobre Carolina Maria de Jesus, Hilda Hilst,
Clarice Lispector e muitas/os outras/os expoentes das artes, do cinema e da
filosofia. Também comparecem Dom Quixote e o nascimento do romance moderno,
assim como a ideia da literatura além da escrita, a literatura como oráculo,
revelação e abertura de novas possibilidades impensadas. O que pode, portanto,
a literatura? Neste belo e vibrante livro, ela parece poder muito. O mundo
desdobrável: ensaios para depois do fim é publicado pela Relicário Edições.
Biografia de Bocage ganha
edição brasileira. O livro fez sucesso em Portugal, porque apresenta algumas
revisões sobre o poeta.
Bocage, o perfil
perdido, de Adelto Gonçalves, é biografia exaustiva e rigorosamente
documentada de Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805). Já em si
controversa, é contextualizada pelos tempos tormentosos nos quais viveu, em que
ocorreram a queda do marquês de Pombal, ação de Pina Manique, a campanha do
Rossilhão, entre outros fatos históricos. A biografia recua ao avô do poeta,
apresenta sua árvore genealógica desde os bisavôs, abrangendo toda a sua vida,
a passagem pela Índia e Rio de Janeiro, sua participação e expulsão da Nova
Arcádia. Adelto Gonçalves expõe alguns erros históricos, como o endereço da
casa onde o poeta nasceu; apresenta importantes descobertas, desde a prisão de
seu pai, e informações inéditas, como a sobrevivência da Nova Arcádia em Lisboa
até 1801. Do último período da vida de Bocage, relata suas contendas com os
censores da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros, e a
atuação como tradutor e revisor na Oficina Tipográfica, Calcográfica,
Tipoplástica e Literária do Arco do Cego. Reconstitui os últimos dias do poeta,
que morre em Lisboa em 21 de dezembro de 1805. Bocage, o perfil perdido
estende-se muito além de sua morte, restabelecendo os embates relacionados à
memória do poeta entre elmanistas, partidários de Bocage, e José Agostinho de
Macedo, seu feroz opositor. A edição brasileira é publicada pela editora
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
Reunião de textos remanescentes
da mélica de Safo, ou seja, as canções para performance ao som da lira.
Os textos aqui são traduzidos e
anotados por Giuliana Ragusa, autora que ganhou o Jabuti 2006 com um livro
sobre a lírica da poeta, a única mulher entre os grandes da época. Para esta
edição foram selecionados a única canção completa e os fragmentos mais legíveis
de canções do corpus de Safo. As anotações de leitura buscam lançar luz sobre
elementos relevantes da estrutura, conteúdo ou transmissão dos fragmentos
organizados tematicamente. Precede a tradução anotada uma introdução sobre a
poeta, sua poesia e o contexto em que se produziu e circulou, o gênero mélico,
a fortuna crítica sobre ela, a transmissão de sua obra, e as outras poetas
mulheres de que se tem notícia. Hino a Afrodite e outros poemas é
publicado pela editora Hedra.
Chiara Valerio tece, em um
provocativo panfleto, um paralelo entre matemática e democracia, duas áreas que
não se submetem à ditadura da urgência.
A matemática examinada como
prática política, e não apenas como teoria, é um formidável exercício de
democracia: como a democracia se funda em um sistema de regras, ela cria
comunidades e trabalha com relações. Como a democracia, a matemática amplia mas
não exclui. Ao estudar matemática, é possível entender muitas coisas sobre a
verdade. Por exemplo, que as verdades são compartilhadas e, portanto, os
princípios de autoridade não existem; que as verdades são todas absolutas, mas
todas transitórias, pois dependem do conjunto de definições e das condições do
entorno. Resolver um problema matemático é um exercício de democracia porque
quem não aceita o erro e não cultiva a intenção de compreender o mundo, não
consegue mudá-lo ou governá-lo. Chiara Valerio tece, em um provocativo panfleto,
um paralelo entre matemática e democracia, duas áreas que não se submetem à
ditadura da urgência. Com tradução de Vinícius Nicastro Honesko, A
matemática é política é publicado pela editora Âyiné.
As vicissitudes da maternidade.
A maternidade é um presente, uma
fonte de alegria, mas — e ninguém irá negar — também dá um trabalho imenso.
Neste livro, composto de reflexões breves e sagazes, Rivka Galchen descortina
sua experiência pessoal para mostrar a dificuldade enfrentada pelas mulheres
que não querem deixar de lado sua arte e sua personalidade para se tornarem
mães perfeitas. Pequenas resistências tem tradução de Taís Cardoso e é
publicado pela DBA Editora.
Rita Carelli conduz o leitor
com extrema habilidade pelo universo dos afetos, da inteligência e da
sensibilidade indígena.
Depois de um acontecimento
traumático, Ana deixa sua rotina de estudante em São Paulo para morar com o
pai, arqueólogo, numa aldeia do Alto Xingu. Terrapreta, o romance de
estreia da atriz, diretora de cinema e teatro Rita Carelli, conduz o leitor,
com extrema habilidade, pelo universo dos afetos, da inteligência e da
sensibilidade indígena, no qual cada gesto e cada palavra estão permeados por
uma visão mítica do mundo. Verdadeira jornada rumo ao autoconhecimento,
trata-se, como diz Ailton Krenak, que assina a orelha, de “um romance de
formação para leitores que vislumbram outras cartografias do país”. Terrapreta
é publicado pela Editora 34.
Francisco de Morais Mendes traz
ao leitor surpresa e arrebatamento com o seu estilo único de narrar.
Um homem capaz de encontrar
dinheiro no chão, a atriz que encanta o público apenas com uma leitura
silenciosa, o poeta que desperta a paixão na mulher amada com as palavras.
Talentos que poderiam ser verdadeiras dádivas tornam-se um peso para as
personagens de Sacrifício e outros contos, do premiado contista
brasileiro Francisco de Morais Mendes. Seus personagens, sempre presos em
conflitos, dúvidas e contradições, vivem encontros inesperados. Em dez
histórias, com um toque fantástico e desfechos imprevisíveis, o escritor
Francisco de Morais Mendes traz ao leitor surpresa e arrebatamento com o seu
estilo único de narrar. O livro é publicado pela editora Jaguatirica.
Nova tradução de Satíricon.
Satíricon? Sim, sim.
Temos uma coleção de fragmentos do texto latino. Mas o livro I? Eis uma grande
descoberta, o Santo Graal da literatura romana. O tradutor apresenta, pela
primeira vez em português, o primeiro livro da grande obra de Petrônio que, até
os dias de hoje, acreditava-se perdido. Numa tradução ágil e divertida,
conhecemos, em primeira mão, o que motivou Encólpio a embarcar nesta odisseia
do ciúme, da violência e do sexo que é o Satíricon. Graças às notas do
texto, chegamos mais perto da sociedade romana do primeiro século da era
cristã, e descobrimos eruditos, bandidos e aproveitadores. Isto é um mosaico
exuberante e grotesco não só do cotidiano do Império de Roma, mas também da
alma humana. Com tradução de Caléu Moraes, o livro sai pela Faria e Silva.
A editora Autêntica amplia seu
catálogo de clássicos com nova tradução para um dos títulos mais conhecidos de
Sir. Arthur Conan Doyle.
Uma terrível maldição pesa sobre
os Baskerville na velha mansão de seus ancestrais, no meio de um pântano
selvagem no interior da Inglaterra: quando um cão enorme e demoníaco, uma fera
gigantesca e faiscante aparece, é morte certa para um membro da família. As
circunstâncias dramáticas da morte repentina de Sir. Charles Baskerville e os
uivos aterrorizantes que vêm do pântano parecem confirmar essa maldição. Seria
essa morte causada por um ser sobrenatural? Ou seria ela um macabro homicídio? Henry
Baskerville, o herdeiro de Sir Charles, volta do Canadá para tomar posse de seu
título e de seus domínios. Ainda em Londres, recebe um bilhete anônimo: “Se
você dá valor à sua vida ou à sua sanidade mental, deve se manter longe do
pântano.” Apesar da ameaça e sem noção do terror que os espera, Sir Henry
decide ir para a Mansão Baskerville, acompanhado por Watson, amigo e assistente
de Sherlock Holmes encarregado pelo detetive de proteger o rapaz. Enquanto
isso, Sherlock se empenha em resolver o enigma sem o conhecimento dos outros… Escrita
em 1902, esta história fascinante, que beira o fantástico, é uma das mais
famosas investigações de Sherlock Holmes. A tradução para O cão dos
Baskeville é de Ana Carolina Oliveira; o livro tem apresentação de Lourenço
Cazarré.
Primeira incursão de Oduvaldo
Vianna Filho pelo terreno do lirismo, aborda os impasses da classe média
pós-1964 com surpreendente complexidade formal e analítica.
Um casal – Ele e Ela – vive uma
crise e discute sua separação iminente. Ela quer deixar o casamento, alegando
não o aguentar mais, ao passo que Ele resiste à ideia, menosprezando as
motivações da companheira. O conflito matrimonial desvela camadas mais
profundas do relacionamento conforme o espectador-leitor se depara com uma
sequência de flashbacks, e o passado repleto de paixão aos poucos revela
mudanças, traições, omissões, silêncios e distâncias acumulados ao longo dos
anos. Entre idas e vindas, os afetos pessoais e os conflitos agressivos do
casal se dissolvem e, em seu lugar, emerge o contexto político. Ela (mais tarde
nomeada Sílvia) recorda a antiga militância de esquerda que Ele (Lúcio) aos
poucos abandonou para tornar-se alguém oposto ao que outrora perseguia como
ideal. Escrita em 1966, Mão na luva, primeira incursão de Oduvaldo
Vianna Filho pelo terreno do lirismo, aborda os impasses da classe média
pós-1964 com surpreendente complexidade formal e analítica. Tais impasses
éticos e políticos, no entanto, típicos do momento histórico em que a peça foi
escrita, não se sobrepõem aos dilemas existenciais dos personagens. O texto
traz no subtítulo “Introdução ao homem de duas faces” a dimensão do que é
retratado: pessoas divididas entre suas possibilidades de vida, bem como entre
as consequências de suas ações e posicionamentos. Todo esse conjunto confere ao
texto caráter único na obra de Oduvaldo Vianna Filho. O livro é publicado pela
editora Temporal.
O novo livro da poeta Adelaide
Ivánova.
Estamos no mundo em 2021, e uma
crise humanitária, já há muito anunciada, se escancara. Nesse cenário, em meio
à angústia e aos destroços, como é possível pensar e fazer poesia? A poeta
Adelaide Ivánova não tem uma resposta para essa questão, mas em Chifre, seu
quinto livro, parece apontar caminhos para lidar com a situação. Sucessor de 13
nudes, o qual foi classificado pela autora como um “livrinho fofo de amor”,
esse novo trabalho retoma alguns dos poemas anteriores e os insere em outro
panorama, entre o poema de amor e o poema político. Dividido em três seções
temáticas (“raiva, euforia, cansaço”; “writer’s block” e “raiva, esperança,
ação”), Chifre é um lugar de possibilidades, e, sobretudo, um convite a
uma tomada de posição. O livro é publicado pelas Edições Macondo.
O segundo volume de uma das
obras mais inovadoras de Joyce Carol Oates.
No segundo volume Blonde,
Joyce Carol Oates apresenta a trajetória de Marilyn Monroe desde que o ícone
atingiu a fama, solidificando um retrato brilhante e emocionante da indústria
hollywoodiana ― uma cultura hipnotizada pelos próprios mitos, mas insensível às
consequências do estrelato para uma das maiores lendas do cinema. A tradução de
Luisa Geisler é publicada pela HarperCollins Brasil.
Helena Zelic nos apresenta em A libertação de Laura uma coletânea de poemas que podem ser lidos
como uma trajetória, pessoal e familiar.
A partir da descoberta de uma
antiga canção em árabe, cuja tradução mais próxima do título seria “Ó, Laura, o
seu amor”, Helena Zelic se debruça em uma investigação que resulta nessa série
de poemas reunidos agora em livro. A busca pela música desconhecida, que
funciona como metáfora para os processos de envelhecimento e como compreensão
das ascendências familiares e culturais, é também uma busca pela linguagem e,
sobretudo, por Laura, essa personagem quase mítica que se revela a partir da
canção-chave. A libertação de Laura é uma obra sobre cuidado, cuidado
esse com as memórias e as raízes migrantes de uma família. Como quem visita uma
coleção de álbuns de retratos, o livro acompanha o envelhecimento de Salua, uma
avó no final de sua vida, que, ao passar do tempo, se mostra gradativamente em
uma relação de dependência com seus familiares e com suas memórias, essas cada
vez mais distantes. Esse caminho pela memória, que revela ao mesmo tempo Laura
e Salua, suas identidades e histórias, se ancora dentro dos poemas no terreno
musical, se entrelaçando a partir das músicas do cancioneiro popular e as das
tradições pessoais. Em um jogo que se constrói entre resgate e invenção, Helena
Zelic nos apresenta em A libertação de Laura uma coletânea de poemas que
podem ser lidos como uma trajetória, pessoal e familiar. Essa, por sua vez, que
se realiza a partir dos pares: encontros e perdas, crescimento e
envelhecimento, esquecimento e eternização, tradição e modernidade. O livro é
publicado pelas Edições Macondo.
O novo livro de Eduardo Alves
da Costa.
Na apresentação de Chongas,
seu romance de estreia realizado com “mão de mestre e numa escrita idealmente
aliciante”, segundo Antonio Houaiss, também foi reconhecido como autor
criativo, erudito, denso, fluente, natural, estimulante e poético, com seu
livro A sala do jogo por veículos como O Globo, O Estado de S.
Paulo, Jornal da Tarde e Folha da Tarde), Eduardo Alves da
Costa, nos entrega mais uma obra magistral Oriente próximo, extremo oriente,
no qual vemos mais uma vez a manifestação plena de seu talento. Além de nos
remeter ao passado distante, estes contos podem ser lidos como sofisticadas
metáforas do mundo atual. O livro é publicado pela Faria e Silva Editores.
Um capítulo do percurso
subversivo e revolucionário de Benjamin Péret.
Em sua última visita ao Brasil, o
poeta surrealista Benjamin Péret visitou as tribos Xavante e Karajá — seu
relato é uma obra de extrema importância, não por se pretender um documento de
cunho antropológico, mas por ser o testemunho fascinante do poeta que demonstra
o seu vivo interesse – que é também o do Surrealismo desde seus inícios – pelo
modo de vida dos indígenas por meio de suas fotografias, descrições e
narrativas entrecortados por momentos de pungente lirismo. Na zona tórrida
do Brasil é mais um capítulo do percurso subversivo e revolucionário de
Benjamin Péret que vem aos poucos sendo descoberto pelos brasileiros. De fato,
não se pode pensar em um futuro em que tanto a vida quanto o mundo sejam
transformados se a memória e a vida pulsante das origens estiverem subjugadas
pela podridão do capital. E, mais do que ninguém, Péret soube que a grande
promessa, as possibilidades de uma mais realidade, brilham sempre nas margens e
na contracorrente. A zona tórrida do Brasil. Visita aos indígenas é
publicado pela editora 100/ Cabeças.
Após quinze anos sem escrever
um romance, o imortal da Academia Brasileira de Letras Antônio Torres retorna
ao gênero com Querida cidade.
Há escritores para quem o passado,
o presente e o futuro não existem em separado, são uma coisa só. Essa fusão dos
tempos faz com que seus personagens experimentem, simultaneamente, a vida que
já viveram, responsável por eles serem como são, e a vida que ainda irão viver,
pois a todo instante quem são hoje influencia, ou até determina, quem serão
amanhã. Antônio Torres é um desses escritores. Querida cidade acompanha
a história de um protagonista que, assim como outros personagens do livro,
deixou a pequena cidade onde nasceu — para tentar uma vida melhor, para estudar
ou mesmo para fugir de algo. Ao conversar com a mãe sobre o pai, que sumiu sem
deixar vestígios muitos anos antes, o filho rememora a sua própria trajetória
de êxodo, independência, fracasso e eventual retorno às origens. Por meio de
lembranças, projeções e referências culturais de um Brasil profundo, a
narrativa costura o onírico e o cotidiano, amor e melancolia, desalento e
aceitação. Triunfo de um grande autor em sua melhor forma. O livro é publicado
pela editora Record.
REEDIÇÕES
Nova edição de um estudo
minucioso de Alberto da Costa e Silva sobre o continente africano antes da
chegada dos portugueses.
A editora Nova Fronteira
apresenta, em dois volumes, o livro A enxada e a lança, de Alberto da
Costa e Silva, um estudo minucioso sobre o continente africano antes da chegada
dos portugueses. O ensaio começa na pré-história do continente africano, que se
confunde com a própria pré-história do homem, e termina em 1500, época em que
muitos outros livros de história começam. Somente uma frase, a última, depois
de mais de novecentas páginas, permite antever o início da era moderna, mais
próxima e mais conhecida: “Não se estranhará, por isso, que os congos, e talvez
outros povos antes deles, confundissem com baleias as formas bojudas que se
aproximavam de suas costas e traziam os portugueses”. Apoiado em vastíssimo
material arqueológico, antropológico e histórico pouco conhecido no Brasil, A
Enxada e a Lança descreve povos e etnias, técnicas agrícolas e de
navegação, expressões religiosas e artísticas, reinos extintos, cidades
desaparecidas, costumes e crenças, línguas e dialetos, tratando sempre da
África negra.
Publicado originalmente em
1958, 100 crônicas escolhidas reúne parte da produção jornalística,
escrita entre 1940 e 1950, de Rachel de Queiroz, a primeira mulher eleita na
Academia Brasileira de Letras.
Com humor, ironia e ternura
entrelaçados, os textos desta reunião de crônicas apresentam um amplo retrato
do Brasil e sua gente, tocando em diversos assuntos cotidianos. O leitor
encontrará aqui drama, comédia, crítica, folhetim, relato de sonho, prosa
poética e “núcleos e embriões de romance”, como afirmou Antonio Carlos Villaça.
Conforme o crítico André Seffrin, “A rigor, a autora destas crônicas é uma de
nossas maiores conquistas no gênero, ladeada por José de Alencar e Machado de
Assis, Antonio Torres (o de Verdades indiscretas) e João do Rio, Cecília
Meireles e Rubem Braga, Nelson Rodrigues e Paulo Mendes Campos.” Com sua
característica escrita pungente e observadora, a autora desvela histórias que
comovem aos leitores e leitoras. São chamados a uma realidade inquietante,
entre terrível e feroz, mas que também pode se mostrar bela através da intermediação
da palavra. Rachel de Queiroz costumava a dizer, com humildade, que o
jornalismo era “mais profissão que vocação”; hoje, porém, enquanto leitores de
sua obra, podemos observar como a união da jornalista e da ficcionista se deu
para o bem maior da literatura brasileira representada nesta antologia
necessária: 100 crônicas escolhidas. O livro é publicado pelo selo José
Olympio.
A Editora da UFMG e a Imprensa
Oficial de São Paulo reeditam as Passagens, de Walter Benjamin no
formato da primeira edição do livro no Brasil.
Passagens (1927-1940),
de Walter Benjamin, é uma das obras historiográficas mais significativas do
nosso tempo. A partir de Paris, a “capital do século XIX”, especialmente suas
galerias comerciais enquanto “arquipaisagem do consumo”, é apresentada a
história cotidiana da modernidade — com figuras como o flâneur, a prostituta, o
jogador, o colecionador, e os meios de uma escrita polifônica que vai desde a
luta de classes até os fenômenos da moda, da técnica e da mídia. Este texto com
mais de 4.500 “passagens” constitui um dispositivo sem igual para se estudar a
metrópole moderna, e por extensão, as megacidades do mundo atual.
Ensaio de Leonardo Fróes sobre
o poeta romântico Fagundes Varella ganha reedição.
Um outro. Varella é um
ensaio biográfico lançado originalmente em 1990; o trabalho encontrava-se fora
de catálogo e agora a editora Corsário Satã recoloca em circulação uma das mais
refinadas leituras do poeta romântico. Segundo o poeta Tarso de Melo “Fróes
persegue Varella, dialogando com seus principais biógrafos e intérpretes, para
dar conta dessa figura andarilha e fugidia. Vindo de uma família tradicional,
rica e influente, Fagundes Varella até ensaia seguir o caminho do avô e do pai,
mas não demora até que se revelem ‘as múltiplas dificuldades do [seu] espírito
diante dos papéis sociais’. O jovem estudante de Direito na pequena São Paulo
de então, já respeitado como poeta, se apaixona pela filha do dono de um circo
e larga tudo para cair na estrada, como faria diversas vezes dali em diante,
deixando um rastro de confusão e laços desfeitos para cada poema escrito. Varella
era assim: seus poemas dividiam espaço no jornal com os anúncios dos credores,
cobrando dívidas que o poeta espalhava por aí. Não é fácil, portanto, refazer
os caminhos de Varella, mas Leonardo Fróes encara o desafio, com disposição de
montanhista, e realiza diversas façanhas até seu encontro com o poeta. Este
pequeno livro retrata com precisão e paixão um grande poeta em seu tempo, mas
também faz com que sua obra converse vivamente conosco, no nosso tempo. Cada
capítulo de Um outro. Varella permite repensar a obra e a vida de
Varella em sua complexidade, porque identifica suas raízes, vasculha os
recantos de sua recepção, desfaz os nós das suas biografias e, assim, dá a ver
tudo o que germinava sob os poemas (até mesmo as marcas de uma aguçada consciência
ecológica). Neste sentido, Fróes nos convida para olhar de modo novo para
Varella, mas também para o Brasil e o romantismo, atravessando as idealizações
que pesam sobre sua época e sua geração.” O livro é publicado pela Corsário-Satã.
Um álbum de recortes da época
em que Henry Miller era um escritor estadunidense em ascensão vivendo numa
Europa pré-Segunda Guerra Mundial, período que foi decisivo para sua vida e
obra.
Em Dias de paz em Clichy,
voltamos à Paris dos anos 1930, a Paris de Trópico de Câncer, desta vez
para conhecer as perambulações de Joey, alter ego de Henry Miller. Com poucos
trocados no bolso e desfrutando com gana a liberdade sexual existente na
França, Joey celebra o estilo de vida boêmio da cidade em seus famosos cafés e
prostíbulos. Neste livro, utilizando a linguagem direta e explícita que o
consagrou, Miller inspirou-se em suas aventuras no bordel Club Melody, suas
andanças pelo subúrbio parisiense de Clichy, suas voláteis histórias de amor e
sexo e os primeiros anos de sua amizade com o escritor Alfred Perles. Em uma
novela fragmentária, que pode ser lida como várias pequenas narrativas dentro
de outra maior, ele entrelaça dois relatos de Joey, feitos em fluxo de
consciência. Ao mesmo tempo erótico e contemplativo, Dias de paz em
Clichy é um álbum de recortes da época em que Henry Miller era um escritor
estadunidense em ascensão vivendo numa Europa pré-Segunda Guerra Mundial,
período que foi decisivo para sua vida e obra. “Quando penso neste período em
que moramos juntos em Clichy, parece uma temporada no paraíso. Só havia um
problema real, e este era a comida. Todos os outros males eram imaginários. Eu
dizia isto para ele vez por outra, quando se queixava de ser um escravo. Ele
dizia que eu era um otimista incurável, mas não era otimismo, era a percepção
profunda de que, mesmo quando o mundo estava ocupado em cavar sua própria
sepultura, ainda havia tempo para gozar a vida, para ser alegre, despreocupado,
para trabalhar ou não trabalhar.” A tradução de Roberto Muggiati é publicada
pela editora Record.
DICAS DE LEITURA
Chegamos ao final de uma sequência
de recomendações iniciada na edição n. 431 com alguns dos livros publicados na primeira
metade do ano e que têm chamado nossa atenção. Começamos pela poesia, passamos
pela prosa de literatura brasileira e, agora, citamos títulos da prosa estrangeira.
1. Todos os contos, de Julio
Cortázar. A obra do escritor, um dos mais destacados na cena literária argentina,
nunca saiu de circulação desde sua chegada ao Brasil; sua recepção por aqui, parece, que sempre foi melhor que no país vizinho, onde até pouco tempo, era sinônimo
de baixa literatura. Mas, só agora, com certa febre pelas edições reunindo a
biblioteca de alguns escritores, os leitores alcançam uma reunião integral da contística
cortazariana — forma narrativa que praticou com maior maestria. A tradução de
Josely Vianna Baptista para títulos como Bestiário, Todos os fogos o
fogo, As armas secretas, Octaedro, Fim de jogo, Histórias
de cronópio e famas foi reunida em dois volumes numa publicação que é também
um ponto-alto no encolhido mercado editorial brasileiro nesses difíceis dias de
profunda crise que atravessamos. A obra reúne ainda dois ensaios de
Cortázar que se tornaram bibliografia básica nas discussões crítico-teóricas
acerca do conto enquanto forma literária — “Alguns aspectos do conto” e “Do
conto breve e seus arredores” — mais um estudo do crítico argentino Jaime
Alazraki. Os livros estão publicados pela Companhia das Letras.
2. Elias Portolu, de Grazia
Deledda. É da Editora Moinhos o esforço de apresentar alguns títulos da
escritora italiana até então escondidos dos leitores brasileiros; em 2019, a
casa editorial publicou o belíssimo A cidade do vento, recomendado nesta
seção, lido e comentado aqui no blog. Dois anos depois, o tradutor finalista do
Prêmio Jabuti William Soares dos Santos reaparece com este romance que é considerado pela crítica italiana um dos livros nesta forma literária mais
importantes depois de Os noivos, de Alessandro Manzoni. Aqui, a personagem-título
se apaixona perdidamente pela mulher de seu irmão e todo o dilema ético e moral
estabelecido a partir desse episódio se adensa e toca em questões extremamente
caras para a ordem moral e social do seu tempo.
3. Sobre a terra somos belos por
um instante, de Ocean Vuong. O escritor vietnamita aportou em terras
brasileiras com um livro de poemas tão aclamado nos Estados Unidos como este
romance que se descreve como um retrato devastador de uma família, um primeiro
amor e o poder redentor da narrativa. “Escrita quando o palestrante,
Cachorrinho, está com quase 30 anos, a carta desenterra uma história de família
que começou antes dele nascer e morar nos Estados Unidos — uma história cujo
epicentro está enraizado no Vietnã — e serve como uma porta de entrada para
partes de sua vida que sua mãe, que carrega cicatrizes da guerra, nunca teve
conhecimento, com direito a uma revelação inesquecível.” — lê-se na sinopse divulgada
pela editora Rocco, autora da publicação por aqui com tradução de Rogério W.
Galindo.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. No domingo, 27 de junho, passa-se
o aniversário de Guimarães Rosa. O escritor, começou seu itinerário pela literatura
com um conjunto de poemas — sabia? Do livro Magma, o blog da revista 7faces
copiou quatro poemas do escritor mineiro. Leia aqui.
BAÚ DE LETRAS
1. No dia 21 de junho, passou-se o
dia do nascimento de Machado de Assis, o mais importante escritor da literatura
brasileira. Aproveitamos a ocasião para recordar três publicações das mais
recentes aqui no blog: nesta, Pedro Fernandes oferece uma reflexão acerca da
iconografia do Bruxo do Cosme Velho e as leituras realizadas sobre a partir de
uma era pelo interesse de colorização do passado a preto-e-branco; nesta,
Joaquim Serra discute a partir do conhecido conto “Pai contra mãe” a
relativização da necessidade; e esta leitura acerca do ponto de vista do
cronista Machado de Assis — texto do nosso colunista Felipe de Moraes.
2. No mesmo dia de Machado de
Assis, foi aniversário de Ian McEwan. O escritor britânico nasceu em 1948. Recordamos
três textos sobre três de seus livros recentes: este, de Guilherme Mazzafera,
sobre Máquinas como eu; do mesmo autor, este sobre A criança no tempo;
e a tradução deste texto de Javier Aparicio Maydeu sobre Enclausurado.
* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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