Boletim Letras 360º #432
DO EDITOR
1. Outro sábado, um novo Boletim. Continuamos uma atividade que começou por aqui há 432 semanas. Esta é uma coluna fixa até
quando for possível que reúne as informações copiadas em nossa página no Facebook ou não. Obrigado pela companhia e boas leituras!
Carolina Maria de Jesus. Arquivo: Audálio Dantas. |
LANÇAMENTOS
Romance premiado consagra Mariana Enríquez como escritora fundamental do
século XXI.
Um pai e um filho cruzam a
Argentina de carro, de Buenos Aires até as Cataratas do Iguaçu, na fronteira
com o Brasil. São os anos da ditadura militar argentina, soldados armados estão
no controle e o ambiente é de tensão. O pai tenta sozinho proteger Gaspar, seu
filho, do destino que lhe é designado. A mãe do garoto morreu em circunstâncias
obscuras, em um suposto acidente. Como o pai, Gaspar recebeu o chamado para ser
médium em uma sociedade secreta, a Ordem, que se relaciona com a Escuridão em
busca da vida eterna por meio de rituais atrozes. Para tais rituais, é
imprescindível a presença de um médium, mas o destino desses detentores de
poderes especiais é cruel, já que o desgaste, físico e mental, é rápido e
implacável. As origens da Ordem, comandada pela família da mãe de Gaspar,
remontam a séculos, quando o conhecimento da Escuridão foi trazido da África
para a Inglaterra e dali se estendeu à Argentina. O terror sobrenatural se
mistura com terrores bem reais neste romance perturbador e deslumbrante ––
casas cujos interiores sofrem mutações, passagens que escondem monstros
inimagináveis, rituais com sacrifícios humanos que envolvem êxtase e dor,
andanças na Londres psicodélica dos anos 1960, fetiche por pálpebras humanas,
liturgias sexuais enigmáticas e a repressão da ditadura, os desaparecidos, a
chegada incerta da democracia e os primeiros casos de aids em Buenos Aires. Um
romance que amedronta e envolve na mesma medida, de uma das escritoras mais
proeminentes da América Latina atualmente. Nossa parte de noite tem
tradução de Elisa Menezes e é publicada pela editora Intrínseca.
Esta obra atesta, mais uma vez, a
maestria de Olga Tokarczuk em criar personagens e situações que encantam,
assustam e fazem pensar.
“Minha energia vem do movimento —
do chacoalhar dos ônibus, do barulho dos aviões, do balançar das balsas e dos
trens”, escreve a narradora deste livro único, que investiga as possibilidades
do gênero romanesco para falar sobre o corpo, o mundo e as estratégias sempre
insuficientes com as quais tentamos mapeá-los. Inquieto como a narradora, Correntes
não para nem por um segundo: de ônibus, avião, trem e barco, o texto a
acompanha em saltos de país em país, de tempos a tempos, de história a
história, compondo um panorama do nomadismo moderno. E são os vestígios da
nossa batalha com o tempo que a autora observa nos quatro cantos do mundo: das
figuras de cera dos museus de anatomia aos meandros da internet, passando por
mapas e planos de fuga. Correntes mobiliza e encena nossas grandes
inquietudes, como a história de Kunicki, que, durante as férias, é obrigado a
enfrentar o desaparecimento da esposa e do filho, assim como seu reaparecimento
enigmático e enlouquecedor. Ou o da bióloga que retorna ao seu país para se
reconectar com seu primeiro amor, agora nas últimas. Esta obra atesta, mais uma
vez, a maestria da autora polonesa em criar personagens e situações que
encantam, assustam e fazem pensar. O resultado é um livro irresistível e
iluminador a cada página. A tradução é de Olga Bagińska-Shinzato e é publicada
pela editora Todavia.
Nova edição e tradução para
dois romances de aventura mais importantes do gênero.
1. A ilha do tesouro, de
Robert Louis Stevenson. Com a morte do pirata Billy Bones na hospedaria
Almirante Benbow, Jim Hawkins, um menino de 12 anos, abriu o baú do velho lobo
do mar e descobriu, além de moedas de várias nacionalidades, o mapa de uma ilha
onde haveria um tesouro enterrado pelo terrível Capitão Flint. Jim mostrou o
mapa para Dr. Livesey e Sir Trelawney, homens influentes da região. Logo
partiram no navio Hispaniola para uma expedição à ilha. A tripulação tinha como
cozinheiro Long John Silver, um veterano do mar que havia trabalhado no barco
de Flint. Silver os ajudou a escolher o restante da tripulação, homens
experientes, entre os quais alguns aliados de Long John — que, como tantos
outros piratas, queria mesmo era pegar o tesouro. A partir daí, começa uma
eletrizante aventura, com lutas, armadilhas, mortes sangrentas, barcos à
deriva, tempestades e descobertas impressionantes. Trama cheia de traições e
reviravoltas, tem todos os ingredientes para manter o leitor empolgado e sem
fôlego a cada página. Clássico para ler e reler muitas vezes, a obra é, muito
provavelmente, uma fonte na qual beberam os autores da série Piratas do
Caribe, entre outros. A edição agora publicada pela editora Autêntica tem
tradução de Márcia Soares Guimarães e ilustrações de Louis Rhead.
2. As minas do rei Salomão,
de Henry Rider Haccard. Em posse de um antigo mapa indicando o caminho
para as míticas minas do rei Salomão, o aventureiro inglês Allan Quatermain
lidera uma expedição em busca do irmão de Sir Henry Curtis, que desapareceu
procurando as minas, no coração da África. Em seu caminho, encontram feras
selvagens, um deserto escaldante, uma civilização oculta liderada por um tirano
usurpador e uma feiticeira ancestral, que guarda o segredo das ruínas de uma
mina de diamantes. A tradução é de Samir Machado De Machado e o livro é
publicado pela editora Todavia.
Livro de Ariana Harwicz coloca
ponto final na Trilogia da paixão.
Após Morra, amor e A
débil mental, a argentina Ariana Harwicz conclui a Trilogia da paixão com
um romance perturbador sobre mãe e filho adolescente que levam uma vida
marginal, em uma narrativa na qual a angústia e a loucura desempenham um papel
central. Em um ambiente rural, mãe e filho levam a vida no limite — do amor, da
obsessão e da indigência. Caçam, vasculham o lixo, vagam pelas ruas, são
perseguidos por policiais e assistentes sociais. A mulher, embora dependente do
amante casado que a rejeita, é também a mãe obstinada que teme perder o filho,
o qual vê rapidamente se transformar em homem. Nessa relação ambígua, a
distorção na estrutura familiar tradicional questiona os papéis conferidos à
mulher pela sociedade, sobretudo aquele ligado à maternidade: “Mas agora me
beija e nos desfazemos, não mãe e filho, dois clandestinos que se cruzam numa
parada, dois aturdidos no alto de um refúgio, dois punks que atravessam a
Europa comendo do lixo público, na França, na Alemanha, na Itália, os lixos
cheios, sanduíches mordidos”. Precoce foi publicado originalmente em 2016 e
fecha a chamada “trilogia da paixão”, na qual Ariana Harwicz contesta a imagem
beatífica da maternidade e escancara, como ela mesma afirma, o sinistro e o
belo do vínculo entre mãe e filho, marcado por pulsões carnais e pelo tabu do
incesto. No mundo ficcional cruel e poético de Harwicz, o amor é
desequilibrado, movido por desejo e violência. A tradução de Francesca
Angiolillo é publicada pela editora Instante.
Um novo romance de Teresa de la
Parra ganha tradução no Brasil.
Trata-se de um livro publicado em
1929 e que seria o segundo e último romance de Teresa de la Parra, no qual ela
refletia seu caráter distintamente venezuelano e, como em Ifigenia (Diário
de uma jovem que escrevia porque se irritava), o conteúdo autobiográfico
incorporado na trama ficcional é evidente. Memórias de Mamá Blanca se
baseia em aspectos biográficos de sua infância e nela descreve a fazenda da
família El Tazón, localizada entre os rios Turmerito e Piedra Azul (nome
que a fazenda leva no romance). A tradução de Lizandra Magon Almeida é
publicada pela Oficina Raquel.
O abismo entre a noção
universal de justiça, “justice”, e a ideia segregacionista por trás de “just us”.
O título deste livro traz um
trocadilho intraduzível para o português. Just us, a formulação
original, ecoa a palavra “justice”. A origem desse jogo sonoro é uma frase do
comediante Richard Pryor, aliás usada na epígrafe: “Você vai até lá procurando
por justiça, e o que você encontra, só nós”. Em outros termos: para um negro,
ir a um tribunal em busca de justiça é se deparar apenas com negros na condição
de réus. Esse abismo entre a noção universal de justiça, “justice”, e a ideia
segregacionista por trás de “just us” é o cerne do argumento de Claudia
Rankine. Aqui, porém, o racismo não é visto a partir do embate com suas formas
mais violentas, como o caso do assassinato de George Floyd pela polícia
americana. Estão em jogo suas expressões sutis, escondidas sob a polidez de
brancos ilustrados e progressistas. A autora examina situações típicas de seu
círculo social, formado por intelectuais e artistas. O livro nasceu desta
curiosidade: e se ela perguntasse ao acaso a pessoas brancas como elas encaram
o próprio privilégio? No aeroporto, no teatro, num jantar entre amigos ou na
sessão de análise, ela flagra situações — gestos, diálogos, atos falhos — em
que a neutralidade e os bons modos deixam ver crenças e preconceitos típicos da
supremacia branca. Num arranjo brilhante de ensaios, poemas e imagens, o livro
é enfático ao mostrar que o “privilégio branco” não se resume a uma questão
econômica. Ser branco é poder ir e vir. É, acima de tudo, poder viver. A tradução é de Stephanie Borges;
o livro é publicado pela Todavia.
Marana Borges nos enlaça em uma
trama sobre lugares e relações difíceis de abandonar.
Um teclado sem pilhas, carreteis
vazios, o jardim de inverno em um país tropical. A partir dos objetos e espaços
de uma casa, a narradora reconstrói a arquitetura da sua própria história: a
ausência do pai, a relação com a mãe dominadora e o amor dúbio pelo irmão. Em Mobiliário
para uma fuga em março, romance-poema, inúmeros tempos e olhares
atravessam um corpo que lembra, ama, sofre e odeia intensamente. A casa aos
poucos ergue-se como grande personagem e o centro de um segredo silenciado pela
família. Com toques de ironia e um lirismo incomum, Marana Borges nos enlaça em
uma trama sobre lugares e relações difíceis de abandonar. O livro é publicado
pela editora Dublinense.
A Companhia das Letras publica
dois volumes dos diários de Carolina Maria de Jesus.
1. Com edição integral, ampliada
com conteúdo inédito e refeita a partir dos manuscritos originais da autora,
este primeiro volume de Casa de alvenaria abarca os meses em que
Carolina Maria de Jesus morou em Osasco (SP), em 1960, após deixar a favela do
Canindé. Através deste testemunho precioso
que borra as fronteiras dos gêneros literários, acompanhamos a recepção de Quarto
de despejo, as viagens de divulgação, o contato frequente com a imprensa e
os políticos, o desenvolvimento de seu projeto literário e seu desejo de ser
reconhecida como escritora. Dessa narrativa do cotidiano, entremeadas às
contradições de seu tempo, emergem reflexões que permanecem mais atuais do que
nunca. Eis aqui Carolina por completo, uma escritora brilhante e sem-par em
nossa literatura, que desafiou todas as barreiras impostas por uma sociedade
racista e desigual.
2. Em dezembro de 1960, depois de
deixar a favela do Canindé e morar brevemente em Osasco, Carolina Maria de
Jesus comprou sua tão sonhada casa de alvenaria, em Santana, onde viveu antes
de se mudar para um sítio em Parelheiros. O segundo volume de Casa de
alvenaria inclui diários que se estendem até dezembro de 1963, com conteúdo
inédito ou fora de circulação há décadas. Através desses registros,
acompanhamos a nova vida de Carolina, a movimentação em sua casa, as viagens e,
sobretudo, a dificuldade de transpor as barreiras do racismo e da
estigmatização para ser reconhecida como escritora. Feita a partir dos
manuscritos originais de Carolina, esta nova edição é uma oportunidade de
conhecer uma das maiores escritoras brasileiras na íntegra e por ela própria —
seus sonhos, suas vontades, seu projeto literário e suas desilusões. O livro
inclui introdução de Conceição Evaristo e Vera Eunice de Jesus e pode ser lido
independentemente do volume anterior.
Com uma prosa inquietante, este
livro ressoa de maneira fervorosa a experiência da expropriação.
No verão de 1949 — um ano depois
do Nakba, episódio catastrófico que expulsou mais de 700 mil palestinos de suas
terras —, soldados israelenses atacam um grupo de beduínos no deserto do
Neguev, dizimando a todos, exceto uma adolescente, que é capturada e
violentada. Anos mais tarde, uma palestina busca desvendar alguns dos detalhes
que cercam o caso. Com uma prosa inquietante, este livro ressoa de maneira
fervorosa a experiência da expropriação. A tradução é de Safa Jubran. Detalhe
menor, de Adania Shibli, é publicado pela editora Todavia.
A edição da Autêntica para esse
clássico presente em todas as casas editoriais brasileiras.
No original, Animal farm.
Na versão que circula no Brasil desde 1964, A revolução dos bichos —
sendo que, em todo o livro, não aparece a palavra revolução: a que define a
ação dos animais é rebelião. O primeiro tradutor era secretário do general
Golbery do Couto e Silva, criador do Serviço Nacional de Informações (SNI) da
ditadura militar. Sátira contundente ao totalitarismo soviético, o livro foi
usado pelos anticomunistas para propagar que “toda revolução termina em regime
de terror” — e está explicado o porquê de um título tão infiel como o
brasileiro ao original e à intenção do autor. Até agora. Rigorosamente, seria Fazenda
animal. Optamos por A fazenda dos animais, bastante próximo e que
também promete o que o texto cumpre: uma denúncia da corrupção promovida pelo
poder, pela ganância, que não fazem mais do que provocar a opressão dos fracos
pelos fortes, numa fábula às avessas em que a exploração dos mais frágeis pelos
poderosos alimenta a posse, o domínio, a manipulação de informações e de vidas.
Atualíssimos, portanto, título e texto. A tradução é de Fábio Bonillo e o livro
conta texto de apresentação escrito por Paulo Scott.
O terceiro romance do filósofo
Michel Henry.
José, o narrador, está preso num
hospital psiquiátrico e acredita ser filho de um rei. Sua convicção de ser um
membro da realeza se baseia numa lógica mental tão rigorosa que marca
profundamente todas as pessoas que o rodeiam — pacientes, enfermeiras e até os
médicos. José também é um analista. Examina, com uma lucidez impressionante, os
casos dos pacientes do hospital: esquizofrenia ou paranoia incurável, mania de
perseguição, escatologia, fobia, melancolia suicida etc. É através desta
galeria de personagens que se encontram nos limites da vida, que se abrem os
abismos da natureza humana diante dos nossos olhos. Mas José deseja sobretudo
ajudar seus companheiros, proporcionar-lhes alegria e inclusive cura. Lucile se
apaixona por ele: eles se conheceram (diz ela) na infância, depois se perderam
e agora se reencontraram justo ali dentro do hospício. A terapia de grupo
racionalmente empreendida por um interno em benefício de todos será coroada
pela “festa dos loucos”, em que José será rei. Ao fim do cerimonial, alguém se
oferece em sacrifício. Então, no cúmulo do desespero e nas trevas da loucura,
há tal sagacidade de percepções que se termina por reafirmar, finalmente, a
luminosidade da condição humana. O livro é publicado pela editora É
Realizações.
Uma narrativa sobre a capital
da Lituânia.
Escrita com base na cartografia
histórica e geografia humana local, a cidade que também foi conhecida como “a
Jerusalém da Lituânia” abrigou ao longo dos tempos inúmeros povos, falantes de
diversos idiomas, em uma miscelânia cultural: judeus, poloneses, lituanos,
ucranianos, bielorrussos, russos, alemães, letões, armênios, tártaros e
outros grupos minoritários. Impregnada dentre seus vários componentes pelo
barroco, que esteve no limiar da Europa e no contexto de suas mudanças, a
cosmopolita cidade também é apresentada através de textos de pessoas
ilustres ou desconhecidas, de muitas procedências e línguas, que viveram ou
passaram por ela, através de relatos de experiências, sensibilidades e
perspectivas próprias. Publicado pela editora Hedra, Vilna, cidade dos
outros tem tradução de Fernando Klabin e prefácio de Celso Lafer.
O primeiro livro do alemão Timo
Berger a chegar ao Brasil.
Timo Berger é poeta, tradutor e
mediador de literatura brasileira e latino-americana na Alemanha em Berlim,
onde organiza o festival de literatura Latinale. Os seus contos foram
publicados em jornais, revistas e antologias alemãs e alguns deles foram
traduzidos ao espanhol. Moldávia e outras histórias é o seu primeiro
livro de contos publicado no Brasil. A antologia reúne contos sobre literatura,
relacionamentos e os desafios de viver em uma metrópole contemporânea onde
todos parecem estar de passagem. Com tradução de Douglas Pompeu, o livro é
publicado pelas Edições Jabuticaba.
Um clássico da literatura
médica, o romance que consagrou A. J. Cronin no mundo literário.
A cidadela oferece um
panorama das condições de trabalho dos médicos no início do século XX. Por meio
do protagonista, o recém-formado Dr. Andrew Manson, jovem idealista e sonhador,
o autor apresenta as dificuldades do exercício da profissão na região do sul do
País de Gales, onde a mineração era a atividade principal, o que acarretava
tragédias, fosse em acidentes ou em consequências na questão respiratória. Andrew
Manson inicia sua jornada profissional em uma pequena aldeia, chamada Drineffy,
onde se dedica com paixão aos seus pacientes, revelando um lado mais
humanitário e altruísta do ofício da medicina. Com o passar do tempo, o rapaz
encontra novas oportunidades de trabalho e, claro, também encontra o amor, ao
lado da professora Christine Barlow. É em Londres que Manson se depara com os
maiores questionamentos de sua vida até então: entra em contato com a classe
médica mais conceituada e com os luxos aos quais eles têm acesso. O texto de
Cronin em A cidadela evidencia o drama das escolhas éticas na prática da
medicina e o confronto entre abdicar de luxo e conforto pelo ofício mais humano
e a esperteza de saber enriquecer por meio da profissão. Essas questões são,
ainda, muito relevantes e atuais, tornando esta obra fundamental para aqueles
que praticam medicina e para aqueles que têm um ideal ao qual se apegar. A
tradução de Genolino Amado é publicada pela José Olympio.
A confirmação de Alberto
Barrera Tyszka como um dos grandes contadores de histórias venezuelanos.
Em uma cidade devastada pela
violência e pela fome, nas mãos de um Alto Comando que às vezes lembra o Big
Brother de Orwell, aparece o corpo sem vida de Magaly Jiménez. Um bilhete de
despedida ilegível e a organização que deixou em sua casa são todas as pistas
que seu filho precisa para reconstruir os dias anteriores à morte da mãe. De
mãos dadas com uma jornalista que investiga a tendência crescente de suicídios
entre a população feminina, Sebastián mergulha na vida da mulher que sempre
achou que conhecesse, mas da qual realmente nada sabia. Ela nem mesmo
mencionara aquele clube do livro no qual ingressara para apaziguar a solidão e
o ambiente hostil do país. Quando Sebastián consegue encontrar um dos membros
do clube, descobre também um lado obscuro em meio ao que parecia ser um
inocente encontro semanal em torno da leitura. Com uma sensibilidade única para
compreender o universo feminino, seus gestos íntimos e desejos indizíveis, com
o ritmo frenético de um suspense e com a profundidade analítica de uma
testemunha atenta dos nossos dias. A tradução de Marco Catalão para Mulheres
que matam é publicada pela É Realizações.
OS LIVROS POR VIR
Novos títulos prometem
recolocar a obra de Marguerite Duras entre os leitores brasileiros.
A obra de Marguerite Duras é vasta: escreveu meia centena de romances, ensaios
e textos para o teatro e o cinema. Pouquíssimo se conhece da autora no Brasil,
apesar de muito publicada por aqui. O fato é que o muito que se publicou ficou
pelo caminho, sem atualização com novas edições. O cenário poderá mudar. A
Relicário Edições anuncia certa força tarefa para recolocar a obra da escritora
francesa outra vez em circulação. Uma coleção coordenada por Adriana Lisboa tem
já certa a chegada de Escrever, um conjunto de ensaios sobre a arte da
escrita, e novas edições e traduções para o romance Moderato Cantabile e
o roteiro de Hiroshima, Mon Amour, que resultou no filme de mesmo título
dirigido por Alain Resnais. Esses títulos começam a ser publicados a partir
deste semestre.
REEDIÇÕES
A tradução de Cláudio Aquati,
então editada pela extinta Cosac Naify, é publicada pela Editora 34.
Tudo é impreciso quando se trata
de Petrônio Árbitro, a quem a tradição atribui a autoria do Satíricon:
personagem da política romana sob Nero, chegou a cônsul e chefe de cerimonial —
elegantiae arbiter — no palácio do imperador, antes de ser obrigado a cometer
suicídio em 66 d.C. por envolvimento numa conspiração. Seja como for, uma coisa
é certa: a prosa do Satíricon não tem nada de vago ou de impreciso, pródiga que
é de traços fortes, detalhes argutos e alusões ferinas. Convidando seus
leitores a um riso sem cerimônias, Petrônio lança-os no meio do caos plebeu e
mundaníssimo da Roma imperial, que se descortina ao sabor das cambalhotas do
enredo. Seus personagens são de toda origem e de vária plumagem, de retores a
gladiadores, de prostitutos a novos-ricos, cada um deles dotado de voz própria,
crassa, lépida. Andam todos às voltas com o desejo e a ambição, motores
centrais desse universo — e, vez por outra, também com a nostalgia e a
melancolia. Têm todos, sobretudo, que se haver com a escrita cômica e paródica
de seu autor, que não poupa nada nem ninguém — e que faz do Satíricon
uma das obras centrais da literatura latina e — por que não? — do romance
ocidental.
A influência de Blaise Cendrars
entre os modernistas brasileiros revista e ampliada.
Nesta nova edição, revista e
ampliada, a historiadora e crítica de arte Aracy Amaral examina detalhadamente;
e de forma pioneira; as relações do poeta suíço-francês Blaise Cendrars com os
modernistas no Brasil. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas
aborda, entre outros fatos, o encontro do artista com o grupo brasileiro em
1923, em Paris, a vinda do poeta ao Brasil no ano seguinte e as marcas que essa
visita causou tanto em Cendrars como em Mário, Oswald de Andrade, Tarsila,
Paulo Prado e outros.
OBITUÁRIO
Morreu Vicente Franz Cecim.
Vicente Franz Cecim nasceu a 7 de
agosto de 1946. Seu início no universo criativo principia com o cinema; nos
anos 1970, realizou o ciclo de filmes “KinemAndara”. A atividade será retomada
trinta anos depois, intervalo quando esteve mergulhado na maior parte na
criação de uma obra literária vasta e singular. Viagem a Andara, o livro
invisível se tornou a grande obra de uma vida, composta e recomposta
continuamente entre 1979, quando estreia na literatura com A asa e a
serpente até Oniá, um dos três inéditos que se publica na obra
definitiva em 2020. Reconhecido dentro e fora do Brasil, sua obra foi agraciada
com prêmios como o de Crítica da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA,
1980 e 1988). O poeta morreu decorrente de complicações com a Covid-19.
Morreu Janet Malcolm.
Janet Malcolm nasceu em Praga em
1934 e emigrou com a família para os Estados Unidos em 1939. Neste país fez sua
formação e se tornou um dos nomes mais importantes do chamado novo jornalismo,
atuando em redações importantes como The New Yorker. Escreveu
importantes livros de reportagem, muitos publicados no Brasil, como: A
mulher calada, Psicanálise: a profissão impossível, Nos arquivos
de Freud e Duas vidas: Gertrude e Alice, O jornalista e o
assassino, Anatomia de um julgamento e ensaios como, 41 inícios
falsos e Lendo Tchekhov. Em 2013 recebeu o National Book Critics
Circle. A jornalista e escritora morreu a 16 de junho, em Manhattan.
DICAS DE LEITURA
Chegamos à primeira metade de 2021.
E repetimos a dose do que fizemos no ano anterior nesta seção de recomendações
de leitura: destacamos alguns títulos que apareceram neste semestre que
precisamos acrescentar (por aqui já acrescentamos) ao nosso radar de interesses.
Começamos com os títulos de poesia e agora trazemos prosa de literatura
brasileira; é uma alternativa de privilegiar um pouco mais dos nossos frente à
grande quantidade de títulos estrangeiros editados — estes farão parte na
edição seguinte deste boletim.
1. O último gozo do mundo,
de Bernardo Carvalho. Este é um escritor há muito integrado ao rol dos
importantes nomes da nossa literatura recente que pedem atenção constante
às suas novidades que nos chegam. O romance publicado em maio pela Companhia das
Letras se organiza entre duas linhas de longas distâncias e, por isso, ainda
que aparentemente, tidas como intocáveis: individualidade e coletividade; cotidiano
e história. Nesta novela, uma mulher parte com o filho pequeno para um retiro no
Brasil profundo tomada pela variedade de memórias e em busca de algumas
respostas para um rastilho feito de perguntas que toldam a já tumultuada ordem
de seus sentidos.
2. O riso dos ratos, de
Joca Reiners Terron. Situado num universo em degeneração, este romance se ergue
por entre duas instâncias — a da violência e da vingança. Depois de saber sobre
a violência sofrida por sua filha, um homem, passando pelos dias finais de sua
vida, decide gastar este tempo que ainda resta para fazer o criminoso pagar
caro pelo que fez. O que se coloca como impasse é que nem o inimigo nem a filha
estão ao seu alcance. “No retrato desse país sem nome e sem esperança, Joca
Reiners Terron imprime a urgência do presente ao mesmo tempo que investiga as
chagas do passado.”
3. Você não vai dizer nada,
de Julia Codo. As miudezas de um cotidiano envolto — ou seria revolto —
numa atmosfera de peso grotesco que se sustenta pela palavra aliada ao seu
valor lírico. Ou seja, o mundo entrevisto pela cadência do poético; uma
narrativa situada no meio caminho de um realismo brutal e uma intimidade única,
forma feita do valor paradoxal e necessário para a captura de um tempo de
natureza igualmente prolixa. O livro está publicado pela Editora Nós.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. No último dia 18 passaram-se
onze anos sobre a morte de José Saramago. Recomendamos este vídeo gravado pelo
editor do Letras para uma campanha da Fundação José Saramago de incentivo à
leitura no início da pandemia em 2020.
2. Por falar sobre José Saramago e
sobre a fundação que cuida do legado do escritor português, vale sublinhar a
ampla reforma apresentada no site da instituição. Os leitores passam a contar com
uma página especial com agenda para o rico programa de celebrações do ano do
centenário (em 2022 — falamos sobre na edição anterior deste boletim), uma loja
virtual e uma variedade de materiais em torno da obra saramaguiana.
BAÚ DE LETRAS
1. No dia 16 de junho, é comemorado o Bloomsday, feriado
instituído na Irlanda para homenagear a personagem Leopold Bloom, protagonista
de Ulysses, de James Joyce. Em todo o mundo, é o único dia dedicado ao
personagem de um livro. No nosso Twitter preparamos este fio com algumas das
várias publicações no Letras sobre este romance.
2. Já sobre José Saramago, também
a variedade de materiais no blog é enorme: contos, ensaios, resenhas, listas de
recomendações, curiosidades etc. etc. O leitor pode percorrer por esse universo
todo a partir daqui.
3. Neste 19 de junho celebramos o
aniversário de Chico Buarque. Numa visita ao baú do Letras, o leitor poderá
encontrará textos sobre a obra do escritor para cada um dos seus romances já
publicados. Mas, nesta ocasião, recordamos uma sequência de posts para um dossiê marcando os seus 70 anos, em 2014.
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