Jauja, de Lisandro Alonso

 Por André Cupone Gatti



 
Viggo Mortensen está ali como um tal de Gunnar Dinesen, um expedicionário dinamarquês, um cavaleiro quixotesco ou um John Wayne dos filmes de John Ford. O cinema western e a literatura romanesca são as principais referências da primeira metade de Jauja. Os planos bem abertos, as paisagens grandiloquentes, a pose do herói, os gestos do vilão, os boatos sobre um facínora, a tragédia amorosa da mocinha, tudo nos conduz a uma espécie de farsa ou fábula construída com signos enxutos e claros. 

Lisandro Alonso, no entanto, retorce algumas referências em prol de seu estilo ou da produção de novos significados: a dinamicidade é diluída em longos planos sequência, a câmera movimenta-se pouco, os planos são quase sempre abertos, e a proporção de tela é a menor possível (1:33:1), remetendo não só ao cinema clássico até 1950, mas principalmente aos fotogramas do cinema primitivo — aqui também estão as bordas abauladas a aumentar o domínio da câmara escura. Essa última escolha estética é uma maneira de lembrar o espectador de que o cinema é, por excelência, um domínio de sombras e de fantasmas. E podemos dizer que também é disso que trata o filme, de fantasmas que são tanto a terra utópica que é a Jauja, como a busca por um reencontro quase impossível.

No contracampo das ações está, sutil, uma América que é quase como um lugar sem limites, onde a ambição pode chegar à selvajaria e o sonho à loucura. Mas são raros e discretos os momentos em que vemos a América concreta (os mineradores cansados, a morte de um índio, uma mão que rouba uma arma). A filha perdida (ou raptada, ou fugida?) de Dinesen, porém, está para além da geografia conhecida, e quando o seu pai ultrapassa a verdade do mapa, adentramos com ele uma esfera mágica. Quem o guia a esse mundo é um insólito cão cinza, quase um Morfeu, quase um Caronte, pois essa terra é o sonho, é a Jauja, mas é também a terra dos mortos, da semi-realidade. Aqui o filme já não é mais romanesco, ganha claros contornos metafórico-existenciais. O estrangeiro reencontra não propriamente a sua filha, mas uma imagem multívoca que supõe também Ingeborg, além de uma esposa e de uma mãe. Afinal, aqui o estrangeiro não é mais estrangeiro porque reencontra, em essência, a sua terra. É nesse não-lugar que a imagem de Dinesen sai de cena. A fábula não se fecha, a busca está e não está satisfeita.

A porção final do filme nos leva à Dinamarca de um outro tempo, a uma sequência de imagens sóbrias e desapaixonadas, mas não por muito tempo, pois haverá mais uma fuga, mais um desvio, a reprise de um símbolo e a chegada a um outro lugar inesperado: dessa vez trata-se de um lago que, como uma imensa e fluida tela de cinema, guarda a imagem perdida do início da história romanesca, uma das paisagens da costa patagônica. O cachorro, condutor do sono e do sonho, é novamente o culpado. Voltamos ao início sem, no entanto, ter chegado ao fim.

Um pai sem a filha, depois uma filha sozinha, sem ninguém. Jauja insiste em nos mostrar a ausência, em acenar para fantasmas além daqueles que estão plasmados na tela. A luneta de Dinesen encerra alguma paisagem, mas não a vemos, e assim também é o filme, uma visão de algo que se completa em outra parte inacessível. Jauja é uma obra sobre as perdas, a perda de uma filha, de um ideal, de uma terra mãe, mas especialmente sobre a perda da imagem. Nesse sentido, o filme tem muito de O deserto dos Tártaros, de Buzzati, e de Picnic na montanha misteriosa, de Peter Weir.

A segura direção de Alonso aliada à magistral fotografia de Timo Salminen e às atuações precisas do elenco enxuto, fazem de Jauja uma obra que, longe de ser perfeita, constrói com coerência e rara inventividade um mundo de significados sutis. É preciso entrar nele sem pressa e muito atento, ver nas suas adjacências a melancólica América sem utopia, o herói arquetípico que, à medida que vai perdendo o controle, ganha realidade, e afinal a Jauja mítica que, de tão estrangeira, acaba nos seduzindo e nos assimilando sem dificuldades - aliás, como o bom cinema.
 

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