Henryk Sienkiewicz: um prêmio Nobel perfeitamente desconhecido

Por Alessandra Miyagi

Henryk Sienkiewicz em seu apartamento em Varsóvia em Wspólna, meados da década de 1890.


 
Numa manhã de 1888, o escritor mais famoso da Polônia acordou em sua casa em Varsóvia, bebeu uma xícara de café preto e abriu sua caixa de correio. Entre as cartas, contas e notificações, descobriu um envelope comum, mas curioso. Não possuía endereço de remetente e o verso dizia apenas “Para o Sr. Henryk Sienkiewicz”. E embora o conteúdo exato dessa carta tenha se perdido para sempre, provavelmente dizia algo como:
 
Caro Litwos:
 
Você não me conhece, mas eu certamente te conheço. Sou um grande admirador de seu trabalho. Acompanho sua carreira desde quando começou a publicar artigos e crônicas de viagens, até o último de seus romances.
 
Peço que aceite os 15.000 rublos que lhe envio junto com esta mensagem, como um agradecimento pelas horas de infinito prazer que me proporcionou com seus livros. Sei que você não precisa do dinheiro, mas considere como a contribuição de um mecenas que deseja continuar lendo as histórias incríveis que só você pode contar.
 
Atenciosamente,
 
Michał Wołodyjowski
 
Apenas duas coisas são certas sobre esta anedota em particular: que é virtualmente impossível rastrear o verdadeiro autor da carta, uma vez que o generoso Michał Wołodyjowski nunca existiu, pelo menos não na realidade — ele é um pseudônimo tirado do protagonista do romance O pequeno cavaleiro (1888), a última parte da famosa trilogia de Sienkiewicz composta de A ferro e fogo (1884) e O dilúvio (1886), que recria a resistência polonesa contra as invasões do século XVII. E que, mesmo chocado com a morte repentina de sua primeira companheira, ocorrida três anos antes de tuberculose, Sienkiewicz decidiu usar o dinheiro doado — cerca de trezentos mil dólares atualmente —para abrir uma fundação dedicada a ajudar artistas que sofriam dessa doença.
 
Henryk Adam Aleksander Pius Sienkiewicz (Polônia 1846 — Suíça, 1916), também conhecido como “Litwos” — tal como assinava suas colunas e artigos em jornais — foi um contador de histórias, jornalista, cronista, filantropo e ativista político. Suas obsessões: viajar, a soberania da Polônia, a proteção dos desfavorecidos e mulheres chamadas Maria. Seis passaram por sua vida. A primeira delas era sua irmã mais nova; a segunda, Maria Keller, com quem ficou noivo, mas nunca se casou; as três seguintes, suas companheiras: Maria Szetkiewicz — que morreu exatamente quatro anos após o casamento; Maria Wolodkowicz — que o deixou apenas duas semanas após o casamento; e Maria Babska — sua sobrinha e última companheira. A sexta das Marias era sua filha, fruto de seu primeiro casamento.
 
Além de um homem com uma vida romântica agitada e sensibilidades sociais, Sienkiewicz foi o autor de uma obra prolífica composta por duas dezenas de romances, nove livros de contos, quatro coleções de cartas e crônicas, uma peça e incontáveis ​​artigos e ensaios — todos, incluído em Dziela (1948-1955), suas obras completas publicadas em 60 volumes; nelas mistura com maestria fatos históricos e ficcionais, narrados com realismo chocante, onde analisa, de uma perspectiva nacionalista mas nunca míope, a situação social e política da Polônia do seu tempo.
 
Aventureiros, soldados, cavaleiros e personagens oprimidos de todas as esferas da vida povoam e transitam pelas páginas de livros notáveis, como sua trilogia mencionada — trazida para o cinema por Jerzy Hoffman —, a antologia de contos Bartek Zwycięzca (Bartek, o vitorioso, em tradução livre, 1882), o romances Bez dogmatu (Sem dogma, 1891), W pustyni i w puszczy (Por selva e deserto, em tradução livre, 1912), também adaptado para o cinema por Władysław Ślesicki e Gavin Hood — e o mais famoso de todos, Quo Vadis, Domine? (1895), que vendeu mais de um milhão de cópias em menos de um ano e foi levado ao cinema quatro vezes.
 
Tamanho foi o impacto que seu trabalho teve sobre os críticos e leitores que grande parte de sua produção foi traduzida para mais de quatro dezenas de idiomas, rapidamente tornando Sienkiewicz o autor polonês mais aclamado e amplamente lido da segunda metade do século XIX e início do século XX na Europa — tal como aquela extravagante demonstração de admiração do fanático anônimo, além de uma arrecadação nacional que levantou fundos para lhe comprar o castelo onde seus antepassados ​​viveram.
 
Em 1905, Sienkiewicz foi selecionado pela Academia Sueca como o quinto homem na história a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Apesar disso, com o passar do tempo, fora dos confins da Europa Oriental, foi relegado ao esquecimento. Na América Latina, especialmente, sua aura dourada enferrujou e o escritor se tornou uma figura espectral, cujos méritos e possível influência sobre os maiores escritores de nossa época nunca foram conhecidos.
 
E embora faça parte de uma longa lista de “Nobres” esquecidos pelo mundo ocidental — para pelo menos 40% é amplamente desconhecido, isto é, não só pelo leitor comum, mas por muitos especialistas —, ainda hoje sua obra é de leitura obrigatória nas escolas polonesas.
 
Talvez seja pela especificidade de alguns de seus romances, pelo avanço das vanguardas ou simplesmente pela mudança dos tempos; mas a verdade é que sua literatura não é desprezível e conseguiu envelhecer graciosamente. Basta dar uma olhada em qualquer uma de suas obras para descobrir não uma peça arqueológica, mas uma cápsula do tempo, um clássico que vale a pena desenterrar. E quando o fizermos, vamos nos lembrar de uma de suas palavras: “Ele foi declarado morto e aqui está a prova de que ele ainda está vivo.” 

* Este texto é a tradução de “Henryk Sienkiewicz: un Nobel perfectamente desconocido”, publicado aqui, no El Comercio

Comentários

Darwin Oliveira disse…
Eu tenho os volumes que compõe o grande clássico do autor. A resenha me instigou a finalmente ler essa obra.

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