Como J. R. R. Tolkien impediu que W. H. Auden escrevesse um livro sobre ele
Por Emily Temple
Como muitos de nós, W. H. Auden
foi um grande fã de Tolkien em sua época. Em 1954, o celebrado poeta glorificou A Sociedade do Anel no The New York Times, dizendo que “Nenhuma ficção que li
nos últimos cinco anos me deu prazer maior”. Depois disso, os dois passaram a
se corresponder com frequência; Tolkien enviou a Auden cópias antecipadas das
próximas duas partes e os dois discutiram a obra de Tolkien com algum vagar.
(Auden pensava, por exemplo, que Tolkien deveria se livrar do romance entre
Aragorn e Arwen, mas no final o poeta não parecia muito incomodado com isso.)
Dez anos mais tarde, no entanto,
quando Auden se propôs a escrever um livro sobre Tolkien para a editora cristã
Eerdmans, como parte da série “Autores contemporâneos em perspectiva cristã”
(cujo escopo incluiria nomes como J.D. Salinger, John Updike, Saul Bellow e
C.S. Lewis), Tolkien categoricamente recusou. Enquanto Auden é frequentemente apontado como uma das pessoas que legitimaram a obra de Tolkien no mundo
literário, sendo os dois reiteradamente descritos como “amigos próximos”, ao
menos em 1966 Tolkien não parecia concordar com esta afirmação (pelo menos
quanto à última parte).
Em 9 de março de 1966, J.R.R.Tolkien escreveu a Roger Verhlust da Eerdmans:
“O Sr. Auden chegou de fato a me
informar que aceitou contribuir para a série de vocês com um livro intitulado J.R.R.
Tolkien in Christian Perspective [J.R.R. Tolkien em Perspectiva Cristã]. Por
diversas razões, não respondi a ele de imediato; embora eu lamente que minha
opinião poderá não lhe agradar, e naturalmente me sinta grato e honrado por sua
atenção, penso ser necessário referir a você nesse momento o que disse a ele.
‘Lamento muito saber que você
firmou contrato para escrever um livro sobre mim. Ele tem minha forte
desaprovação. Considero tais coisas impertinências prematuras; e a menos que
sejam empreendidas por um amigo íntimo, ou com consulta do assunto (para a qual
no momento não disponho de tempo), não posso acreditar que possuam uma
utilidade para justificar o desgosto e irritação dados à vítima. De qualquer
forma, gostaria que qualquer livro pudesse esperar até que eu produzisse o Silmarillion.
Sou constantemente interrompido nisto — mas nada interfere mais do que a atual
nuvem de fumaça sobre “mim” e minha história.’¹
Tenho uma dívida de gratidão com o
Sr. Auden pela generosidade com que me apoiou e encorajou desde a primeira
publicação de O Senhor dos Anéis. Ao mesmo tempo, sinto-me obrigado a dizer que
ele não me conhece.* É provavelmente injusto julgá-lo pelos informes da
imprensa (possivelmente distorcidos) sobre mim e minhas concepções em um
encontro da assim chamada Tolkien Society. De todo modo, segundo os mesmos, ele
se mostrou completamente equivocado sobre minhas concepções nos tópicos por ele
abordados.
...
Espero que compreenda meu
sentimento. Há uma grande diferença entre um panfleto deste tipo escrito sobre
um autor morto, cuja maior parte da obra foi dedicada a expor, de uma forma ou
de outra, visões relativas ao pensamento cristão, e um autor vivo cuja obra,
muito mais limitada, é de um tipo um tanto diferente, e que ainda luta por completá-la,
enquanto o tempo se torna cada vez mais escasso, sem a distração de comentários
ou análises que, no presente caso, não podem ser bem embasados.
[Manuscrito, na parte inferior da
página]: *Nós, é claro, nos encontramos, quiçá meia dúzia de vezes em 40 anos,
mas não tivemos qualquer tipo privado ou pessoal de troca de ideias, em
conversa ou por escrito.”
Em uma carta escrita por volta deum mês mais tarde,* Tolkien reiterou sua posição, dizendo que “a julgar pelas
observações do Sr. Auden tal como relatadas na The New Yorker... não acredito
que sua exposição teria sido valiosa ou compreensiva.” Na edição de 15 de janeiro de 1966, o escritor Gerald Jones fez a cobertura de um encontro da Tolkien Society para o qual Auden fora convidado como palestrante. O assunto de
sua fala era “Tolkien como Homem”. Eis seu início, tal como relatado por Jones:
“Bem, Tolkien é um homem de altura
mediana, um pouco esguio... Ele vive em uma casa horrenda – não posso lhes
dizer quão horrível ela é –, com quadros horrendos nas paredes. Encontrei-o
pela primeira vez em 1926, em uma palestra em Oxford. Ele leu uma passagem de Beowulf
de forma tão bela que me fez ter certeza de que o anglo-saxão tinha de ser
interessante, e isso teve grande influência em minha vida.”
Caramba. Ele também disse à
plateia que “Tolkien é fascinado por toda aquela coisa do Norte. As pessoas
parecem se dividir – elas são atraídas ou pela coisa do Norte ou pela coisa do
Sul, pela Escandinávia ou o Mediterrâneo – e para Tolkien o Norte é uma direção
sagrada.” É difícil saber qual destes comentários menos agradou a Tolkien.
Naturalmente, sem a cooperação de
Tolkien o livro jamais se materializou – embora eu precise dizer que lamento. Pessoalmente,
adoraria ler o que, com base no que foi visto acima, certamente seria o livro meio
malicioso e meio devocional de Auden sobre Tolkien. Creio que só nos resta
imaginá-lo.
Nota do tradutor:
1. Trata-se de
trecho da Carta 284, citada aqui a partir de: TOLKIEN, J.R.R. As cartas de
J.R.R. Tolkien. Organizado por Humphrey Carpenter com assistência de
Christopher Tolkien. Tradução de Gabriel Oliva Brum. Curitiba, Arte &
Letra, 2006, p. 348.
* Tradução livre de Guilherme
Mazzafera para “How J.R.R. Tolkien Blocked W.H. Auden From Writing a Book About
Him”, publicado no aqui Literary Hub em 17 mar. 2020:
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