Boletim Letras 360º #427
DO EDITOR
1. Caro leitor, esta foi uma
semana atípica, das que acontecem uma ou duas vezes por ano no calendário de
novidades literárias. Se acompanha nossa conta no Facebook, viu isso.
2. Com tanta coisa, ficou decidido dividir as informações entre duas edições do
Boletim Letras 360º: o material total resultaria mais de vinte páginas em
arquivo Word. Então, a seguir, está parte das notícias apresentadas durante a
semana na página do blog no Facebook e o conteúdo das demais seções de leitura
criadas em momento posterior à existência deste Boletim.
3. Se a curiosidade não permitir esperar o próximo sábado
para o restante das notícias e se estiver na referida rede social, o convite é
feito para acompanhar o Letras aqui. A garantia é certa: se gosta de livros,
saber sobre livros, não se arrependerá.
4. Reitero os agradecimentos pela companhia do nosso trabalho. Boas leituras!
Julio Cortázar. Foto: Ulf Andersen. |
LANÇAMENTOS
Pela primeira vez no Brasil, todos os contos do autor argentino, reunidos em
dois volumes com capa dura, numa caixa com projeto gráfico especial.
“A verdadeira revolução de
Cortázar está nos contos. Neles, Cortázar não experimentou: ele encontrou,
descobriu, criou algo que não perece”, anotou o escritor Mario Vargas Llosa. Com
novas traduções de Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista, uma edição com os
contos completos de Julio Cortázar chega pela primeira vez ao leitor
brasileiro. Considerado um dos autores mais inventivos do século XX, Cortázar
modificou para sempre o gênero e escreveu clássicos como “Casa tomada”, “A
autoestrada do sul”, “Carta a uma senhorita em Paris”, “Continuidade dos
parques”, “As babas do diabo”, “A ilha ao meio-dia”, entre muitos outros. A
edição Todos os contos, em dois volumes com capa dura e mais de 1200
páginas, vem numa caixa com projeto especial de Elaine Ramos. Bestiário,
Todos os fogos o fogo, As armas secretas, Octaedro, Fim
do jogo, Histórias de cronópios e de famas, todos os livros
fundamentais de Cortázar estão aqui. A edição conta ainda com os dois célebres
ensaios do autor sobre a escrita de contos, “Alguns aspectos do conto”, de
1963, e “Do conto breve e seus arredores”, de 1969, além de um estudo do
crítico argentino Jaime Alazraki sobre o Cortázar contista.
Primeiro dos três volumes das
Obras completas de Rabelais em nova tradução.
Organizadas e vertidas ao
português pelo premiado tradutor e poeta Guilherme Gontijo Flores, este
livro reúne os romances Pantagruel (1532) e Gargântua (1534), as
criações mais conhecidas do genial escritor renascentista francês François
Rabelais (1483?-1553), que colocaram o autor, segundo Mikhail Bakhtin, num
lugar na história da literatura “ao lado de Dante, Boccaccio, Shakespeare e
Cervantes”. As aventuras dos gigantes beberrões Gargântua e Pantagruel,
pai e filho, e suas peripécias em Paris e outros locais reais e imaginários,
são um dos pontos altos da ficção humorística ocidental. Alternando com extrema
liberdade os registros popular e erudito, e se utilizando da picardia, do
grotesco e do escatológico para satirizar a pompa dos poderosos, Rabelais
antecipou recursos estilísticos que só apareceriam séculos depois na prosa
moderna. Completam o volume cerca de 120 ilustrações de Gustave Doré, selecionadas
a partir das edições de 1854 e 1873 da obra de Rabelais. O livro é publicado
pela Editora 34.
O autor de Barba ensopada
de sangue, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, nos traz um livro
marcante, que foge dos padrões da literatura atual.
As três histórias reunidas neste
volume vão do passado recente ao futuro distante, e falam de expectativas e
perdas, e de como reconstruir a vida a partir de nossos próprios erros. Daniel
Galera expande as possibilidades da literatura nas três novelas reunidas neste
livro. Em O deus das avencas, que abre este volume, um casal se fecha em
casa à espera do nascimento do primeiro filho, e mergulha numa incerteza
crescente, tanto pelo destino deles quanto pelos rumos do país. Em “Tóquio”,
Galera abandona a narrativa mais realista ao retratar a vida de um homem
solitário, obrigado a enfrentar o passado em um mundo que atravessou um
desastre ambiental e tecnológico. E, por fim, em “Bugônia”, ele dá um passo
além ao recriar a história de uma comunidade pós-apocalíptica em simbiose com a
natureza, que, pressionada pelas ameaças externas de um planeta devastado,
precisa se transformar de forma radical. O deus das avencas é um
livro especulativo e por vezes sombrio, mas extremamente humano.
O terceiro volume dos diários
de Ricardo Piglia.
O pânico de viver sob uma
ditadura. As dúvidas sobre ser ou não um intelectual público. As amizades
literárias e os amores. O triunfo com a publicação de Respiração artificial,
sua obra-prima. O envelhecimento e a doença. Aqui, como nos dois volumes
anteriores dos diários de Emilio Renzi, alter ego do autor, é possível montar
uma cartografia pessoal de Piglia por meio das aventuras da vida íntima, cafés,
quartos de hotel. E, sempre, o chamado da escrita. Com tradução de Sérgio Molina,
Um dia na vida. Os diários de Emilio Renzi é publicado pela editora
Todavia.
Quarto livro de uma das vozes
mais extraordinárias da poesia contemporânea.
A poesia de Ana Martins Marques
atesta que as palavras são capazes de tudo: de absorver o que está ao redor —
na tentativa de compreender o mundo —, mas, sobretudo, de criar novos mundos.
Em seus versos, que nascem da observação e da curiosidade, a linguagem às vezes
serve para pensar. Outras vezes, as palavras são deixadas de lado e dão lugar a
um “buraco/ cheio de silêncio”. E então a poeta conclui: “um poema não é mais/
do que uma pedra que grita”. Em Risque esta palavra, uma das vozes mais
celebradas da literatura hoje cria uma espécie de inventário de experiências
afetivas. Com clareza, inquietação e extrema habilidade, Ana Martins Marques
mapeia os encontros e desencontros, a paixão e o luto, e prova que “quase só de
palavras/ se faz o amor”.
Neste livro, Levy explora os
limites da imaginação humana e embaralha de forma magistral as noções políticas
e sexuais para revelar o mundo em toda a sua amplitude.
Em 1988, o historiador Saul Adler
é convidado a viajar à Alemanha Oriental. Ele ficará hospedado na casa de
seu tradutor e pretende dar à irmã dele — fã dos Beatles — uma foto
atravessando a Abbey Road. Enquanto aguarda para ser retratado, é atropelado,
e o acidente mudará o rumo de sua vida. Neste livro, Levy explora os limites
da imaginação humana e embaralha de forma magistral as noções políticas e
sexuais para revelar o mundo em toda a sua amplitude. O homem que viu tudo,
de Deborah Levy é traduzido por Ana Ban e publicado pela editora Todavia.
Nenhum romance do século XX
teve maior influência do que 1984. Essa é a tese do autor de O Ministério
da Verdade, primeiro livro a examinar completamente a origem e o legado da
obra-prima de George Orwell.
Quando 1984 foi publicado
no Reino Unido, em 8 de junho de 1949, um crítico perguntou se um romance tão
oportuno naquele momento teria a possibilidade de exercer a mesma influência
nas gerações seguintes. Hoje, é praticamente impossível falar sobre propaganda,
vigilância, autoritarismo ou fake news sem fazer referência à obra-prima
de George Orwell. Em O ministério da verdade, o crítico britânico Dorian
Lynskey remonta a gênese de 1984 e investiga o alcance do romance na nossa
cultura. Além de expressões que se tornaram corriqueiras como “Big Brother”, “Polícia
das Ideias”, “duplipensar”, “pensamento-crime” e “Novafala”, Lynskey nos mostra
como o romance inspirou filmes, séries de TV, peças de teatro, óperas, o álbum
Diamond Dogs, de David Bowie, os livros O conto da aia, de Margaret Atwood, e V
de Vingança, de Alan Moore e David Lloyd, o filme Brazil, de Terry Gilliam,
entre outras obras. De modo acessível e informativo, o autor afirma a grandeza
duradoura do romance de Orwell. Um guia fundamental para o livro mais
emblemático do mundo contemporâneo. A tradução é Claudio Alves Marcondes e é
publicada pela Companhia das Letras.
Uma biografia sobre Euclides da
Cunha.
Euclides da Cunha viveu apenas 43
anos, mas foi militar, engenheiro, jornalista, cientista, literato e
cartógrafo. E a despeito da abundância de fontes, alguns episódios de sua vida
continuam pouco conhecidos, como a expedição à Amazônia e a passagem pelo
Itamaraty. Euclides da Cunha. Um biografia, de Luís Cláudio Villafañe G. Santos traz ainda novas interpretações para eventos
conhecidos, sublinhando contradições entre o discurso e os fatos. Nunca para
diminuir o personagem, e sim para realçar sua profunda humanidade.
Um dos principais romances da
literatura mundial chega à Penguin-Companhia com nova tradução e aparatos. A
exploração inquietante do desejo humano que se contrapõe às expectativas do
mundo faz deste livro um clássico incontornável.
Obra-chave do romantismo alemão,
este relato epistolar e autobiográfico de Goethe alcançou sucesso imediato de
público logo após sua publicação, em 1774, e continuou influenciando escritores
de diversas gerações — de Mary Shelley a Thomas Mann. Visitando uma idílica
vila alemã, Werther conhece e se apaixona pela doce Charlotte. Embora saiba que
ela vai se casar com outro, ele é incapaz de subjugar sua paixão, que o
atormenta ao ponto do desespero. A exploração de Goethe da mente de um artista
em conflito com a sociedade e mal equipado para lidar com a vida é uma das mais
pungentes narrativas romanescas da tragédia humana. Comovente e intimista, Os
sofrimentos do jovem Werther continua atual. Sem renunciar a uma escrita
fluida, Goethe traz para o centro do romance o eterno conflito entre homem e
mundo, fazendo deste livro um dos maiores clássicos da literatura mundial. A
tradução e notas são de Mauricio Mendonça Cardozo e o livro tem introdução de
Michael Hulse.
Um romance sobre a vida nas
celas subterrâneas do centro de tortura de Istambul.
Istambul Istambul é a
história de quatro prisioneiros que convivem nas celas subterrâneas do centro
de tortura de Istambul. A história é narrada ao longo de dez capítulos, dez
dias na vida dessas pessoas. Elas compartilham episódios e suportam sua
condição criando um universo paralelo de fantasia e recordação. O tempo aqui é
dividido entre o tempo subterrâneo e o tempo lá de cima, e a narrativa se
desloca do interior da cela para a superfície, de uma Istambul oculta para uma
Istambul de cartão postal. Mas as duas são, afinal, uma única e mesma
realidade. O romance de Burhan Sönmez tem tradução de Tânia Ganho e é publicado
pela editora Tabla.
Alice Walker em revista às bases
de sua identidade e pensamento.
Primeira mulher afro-americana a
receber o prestigioso prêmio Pulitzer de ficção, Alice Walker também foi
pioneira ao tratar de diversos temas da cultura negra dos Estados Unidos. Ainda
nos anos 1970, abordou pela primeira vez questões raciais como o colorismo, e
passou a defender um ponto de vista mulherista, termo reivindicado pelo
feminismo negro para expressar as particularidades de suas lutas. Filha de
trabalhadores rurais, Alice Walker experimentou a violência da segregação
racial e as dificuldades de ser uma mulher negra no Sul do país, contexto que
incorporou em seu romance A cor púrpura e que está presente em vários
ensaios deste livro. Entre perspectivas pessoais e políticas, a autora nos
convida a acompanhá-la na busca da própria identidade e das referências
afro-americanas, muitas delas apagadas pela história. Seguindo-a nesse caminho,
nos deparamos com Zora Neale Hurston, Martin Luther King, Phillis Wheatley, e
chegamos ao jardim de uma casa modesta na Geórgia. Lá, em meio a uma rotina sem
descanso, sua mãe encontrou a porção diária de vida cultivando dedicadamente
suas flores — e Alice Walker, o sentido desse legado materno. Com tradução de
Stephanie Borges e posfácio Rosane Borges Em busca do jardim de nossas mães
é publicado pela editora Bazar do Tempo.
Novo romance de Bae Su-ah chega
aos leitores brasileiros.
Neste romance de uma das vozes
mais originais e ousadas da nova literatura sul-coreana, o leitor embarca em
uma jornada onírica por uma Seul densa e misteriosa. Após perder seu emprego em
um teatro para cegos, a atriz Ayami vaga pelas ruas à procura de uma professora
desaparecida enquanto a realidade parece pouco a pouco se desfazer, e elementos
enigmáticos ressurgem em outros locais, quando o livro nos conduz à ensolarada
Valparaíso. Noite e dia desconhecidos remete aos melhores filmes de
David Lynch e Kim Ki-Duk ao oferecer um quebra-cabeças surreal que ecoará em
nosso pensamento — consciente e inconsciente — por muito tempo. Com tradução de
Hyo Jeong Sung, o livro é publicado pela DBA Editora.
Um dos maiores nomes do
modernismo no Brasil, figura tão genial quanto trágica, ganha primeira
biografia de vulto.
A obra de Alberto da Veiga
Guignard — em especial suas paisagens de Minas, as reais e as imaginárias — é
um dos pontos altos do modernismo no Brasil. A sólida formação europeia,
conquistada ao longo dos anos entre Alemanha, França e Suíça, e o lirismo de
suas pinturas destacavam o artista de seus pares. Sua vida, porém, foi marcada
pela instabilidade e a solidão. Portador de uma deformidade no rosto que
afetou suas relações sociais desde a mais tenra idade, o “anjo mutilado” — como
o chamou o poeta Manuel Bandeira — recebeu essa alcunha por sofrer de caso
severo de lábio leporino, deficiência que afetava sobretudo sua fala. Era,
então, com sua arte que Guignard comunicava o que seria incapaz de elaborar num
discurso. Nesta extensa e detalhada pesquisa para a reconstrução da biografia
do pintor, com narrativa tão envolvente quanto a ficção, Marcelo Bortoloti faz
um retrato histórico da Europa entreguerras, do Brasil modernista e de um
artista cuja obra comprova as dores e as alegrias de ser diverso. Guignard,
anjo mutilado é publicado pela Companhia das Letras.
Na peça O deus da
carnificina a escritora e dramaturga francesa Yasmina Reza expõe a
dificuldade de comunicação que impera entre nós, mesmo em um universo repleto
de palavras, talvez justamente por seu excesso.
Annete e Véronique observam a
pintura de Francis Bacon na capa do livro de arte sobe a mesa de centro: “Crueza
e esplendor”, diz uma, “Caos e equilíbrio”, a outra completa. Tulipas,
clafoutis, cafés, um conflito e dois casais tentando resolvê-lo da maneira mais
civilizada possível. Reunidos em um único cenário cujos elementos vão ruindo
aos poucos, os personagens passam ao largo de cada tentativa de conciliação, e
a ânsia por encontrar o justo equilíbrio e ordenar o caos resulta na exposição
implacável da fragilidade, da ira, da incompreensão, de inúmeros pequenos
desaforos que fazem pesar o ar do apartamento friamente decorado, sua arena, e
chegam ao mais humano e ridículo (também risível) que pode existir em cada um
de nós. Na peça O deus da carnificina a escritora e dramaturga francesa
Yasmina Reza expõe a dificuldade de comunicação que impera entre nós, mesmo em
um universo repleto de palavras, talvez justamente por seu excesso. A peça foi
adaptada para o cinema pelo diretor Roman Polanski em 2011 e contou com a
participação da escritora no roteiro. A tradução de Marina Delfini é publicada
pela Âyinè.
Toda a narrativa breve de um
dos escritores mais notáveis da literatura brasileira, reunida pela primeira em
um só volume.
As histórias de José J. Veiga
intercalam beleza e absurdo, inocência e brutalidade. Com humor afiado e
contundente, o autor de A hora dos ruminantes construiu uma obra capaz de
misturar a violência do cotidiano com o lirismo da fantasia. Este volume reúne,
pela primeira vez, toda a produção de contos do escritor. Estão aqui as
narrativas breves de Os cavalinhos da Platiplanto (1959), A estranha
máquina extraviada (1967) e Objetos turbulentos (1997), além de uma
farta seção de textos esparsos — publicados em jornais, revistas e coletâneas
entre 1941 e 1989 —, posfácio inédito da escritora Socorro Acioli e uma
alentada cronologia do autor. Contos reunidos é publicado pela Companhia das Letras.
A Martelo Casa Editorial publica
livro de Paulo Guicheney.
Antes de qualquer coisa, Tempo
de atirar pedras e dançar é o reflexo de um surto social a que a sociedade
industrial nos encaminha, e também nos chama a ver e pensar: “até quando
aguentaremos tudo isso que nos rodeia, quando é que começaremos a atirar pedras
e a dançar?”— se já não o estamos fazendo… O volume 09 da Coleção cabeça de
poeta, Série contemporânea (que publica parte da boa poesia brasileira
contemporânea), que há tanto aguardava para ganhar esta forma final e encontrar
leitoras e leitores pelas esquinas, pelas tabelas, pelos joguetes das ruas,
pelos Tatus Malandros das Vila Novas de todo este país, nos desensina, nos leva
a encarar o engano da vida como uma melhor possibilidade de viver num mudo
desenganado. As ilustrações de Fabiana Queiroga mostram um pouco das ligações
de um tempo de surtos, com elementos entre o plausível do cotidiano e o
impossível do absurdo, entrelaçados como numa constante naturalizada. Com o
caráter de desevangelização, desencantamento, de desilusão desconfiada da
própria desilusão, não é, por isso, nem alvissareiro, mas muito menos cético,
como dualisticamente se poderia imaginar. E por isso mesmo verão que este Paulo
é poeta, não profeta. ainda bem!
Misturando ficção e realidade, Aqueles olhos verdes é um delicioso passeio pelas festas, culinária,
futebol, tradições, música e política do Brasil do final dos anos 1930 até o
início dos 1960.
O ano é 1938. Vicente Meggiore
pede ao irmão José Reis que o encontre no estádio das Laranjeiras. O motivo,
logo se descobre, não era assistir ao Fluminense dando uma volta olímpica pela
conquista do bicampeonato. Vicente precisa que o caçula escolte um fugitivo do
governo de Getúlio Vargas a um local seguro, até que a situação política
se acalme. Zé Reis não gosta do envolvimento do irmão com os camisas-verdes,
mas, como lhe devia favores, resolve ajudá-lo. O leitor é levado, então, para
uma fazenda no interior do Rio de Janeiro — palco central da vida de Zé Reis,
onde ele receberá figuras como Plínio Salgado, Zizinho, Dori Kürschner e
Chiquinho do Acordeon. Encantado com as pessoas e a natureza da região, Zé Reis
mergulha na cultura local e exalta suas tradições. Em uma via de mão dupla, ele
também cativa os moradores da cidade. Conhecido pelos imensos olhos verdes e
por sua paixão pelo futebol, ele arrebata seus ouvintes com suas aventuras fora
do cenário interiorano. Zé Reis é uma homenagem de José Trajano ao avô, que,
assim como o personagem, gostava de cavalos e frutas e era um proseador de
primeira — só não ligava para futebol. Aqueles olhos verdes é publicado
pela Alfaguara.
Sujeita à censura antes da
primeira publicação em 1945, esta história traz uma crítica ao fascismo e à
rígida noção de feminilidade que ele promoveu.
Das páginas dessa pequena joia da
literatura italiana, vibram questionamentos sobre maternidade, trabalho
doméstico e o autoritarismo contido em macro e microrrelações, sempre com
acentos humorísticos, surrealistas e o instinto rebelde de Paola Masino.
Demolidor, bem-humorado, amargo. E muito atual. Saindo de seu amado baú
cheio de migalhas de pão, livros e enfeites funerários esfarrapados, a
protagonista é uma menina sem nome, rosto ou endereço, ciente de seu destino:
conformar-se às expectativas burguesas em relação à mulher, ter a imaginação
selvagem controlada, e a inteligência, ocultada. Em suma, ser dona de casa.
Temendo matar a mãe de desgosto por sua recusa a se enquadrar, concorda em se
comportar como uma jovem “normal” e tornar-se desejável ao universo masculino.
Em um caótico baile, celebra sua entrada na sociedade e começa uma nova vida no
casamento com um tio mais velho, rico e de hábitos aristocráticos. Como num
conto de fadas às avessas, em que o fantástico e o surreal se infiltram nas
malhas de um território — geográfico e humano — dominado por regras, repressão
e controle de corpos e mentes, sobretudo os das mulheres, a Dona de Casa
encontra no devaneio e nas reflexões mordazes as únicas vias para escapar da
realidade que se impõe e sobreviver a esse embate. Embora fique nítida a
abordagem da luta da mulher para desempenhar papéis que não correspondem a seus
desejos, e com isso todo um questionamento da maternidade e do trabalho
doméstico invisibilizado, não foge ao olhar da autora o contexto histórico da
Itália no auge da ditadura de Mussollini. Desafiando interpretações, a Dona de
Casa de Masino continua sendo uma figura enigmática e desconfortável, cuja
determinação insolente para desafiar os baluartes dos papéis femininos
tradicionais ultrapassa os limites históricos e ressoa poderosamente entre os
leitores contemporâneos. Nascimento e morte da dona de casa tem tradução
de Francesca Cricelli e é publicado pela editora Instante.
A editora Nós organiza uma
coleção com ensaios de Virginia Woolf. A Coleção Mariposa aparece com
três títulos.
1. “A morte da mariposa” é um dos
ensaios clássicos da escritora inglesa; não trata tanto do fim de um inseto
(aparentemente insignificante), mas da sua luta incansável. Da sua dignidade de
insistir na vida mesmo diante de um poder que o ultrapassa e que até pode
subjugá-lo, mas ao qual ele entregará tudo aquilo que tem. Nesse sentido, o
ensaio ecoa temas caros a Virginia, para quem as coisas mínimas da vida guardam
em si algo de esplêndido.
2. Em “Pensamentos de paz durante
um ataque aéreo”, Virginia Woolf nos conduz na busca por nossa serenidade
perdida. Como ter um pensamento de paz enquanto bombas caem ao nosso redor?
Como lutar nos valendo apenas de nossa mente? Como nos livrar do “hitlerismo
inconsciente”. Como “fazer felicidade”, em meio ao horror?
3. “Sobre estar doente” atualiza
nossa noção de precariedade subjetiva para lidar com as doenças (nada mais
atual que isso) e mostra como a literatura foi deixando essa lacuna ao longo do
tempo, talvez por isso mesmo, dificultando o desenvolvimento em nós de uma
capacidade linguística e corporal para lidar e suportar e superar as doenças de
um modo geral.
REEDIÇÕES
Nesta edição ampliada,
atualizada e definitiva de Ela é carioca, Ruy Castro apresenta 237
minibiografias de homens e mulheres fascinantes que marcaram Ipanema e a
cultura brasileira de 1910 a 1970.
Na estreita faixa entre o
Atlântico e a Lagoa Rodrigo de Freitas, chamada Ipanema, no Rio de Janeiro, “produziu-se a maior quantidade de cronistas, poetas, romancistas,
designers, arquitetos, cartunistas, artistas plásticos, compositores, cantores,
jornalistas, fotógrafos, cineastas, dramaturgos, roteiristas, cenógrafos,
figurinistas, atores, diretores de TV, modelos, estilistas de moda e
esportistas de que se tem notícia no Brasil”. Por sessenta anos, essa “província
de cosmopolitas" influiu decisivamente na cultura brasileira, e muitos de
seus protagonistas se tornaram estrelas reconhecidas em todo o Brasil. Ela é
carioca compõe-se de 237 verbetes, abrangendo centenas de figuras que
ajudaram a mudar o jeito de o brasileiro escrever, falar, se comportar, se
vestir e até se despir. Narrados no estilo inconfundível de Ruy Castro, essas
minibiografias se completam mutuamente e apresentam não apenas a história de
cada figura, mas transportam o leitor ao fervilhante clima cultural da época.
Tudo isso é Ipanema: Tom Jobim, Leila Diniz, Rubem Braga, Tônia Carrero, Millôr
Fernandes, Danuza Leão, Vinicius de Moraes, Fernando Gabeira, Jô Soares, João
Saldanha, Paulo Francis, Odette Lara, Glauber Rocha, Ibrahim Sued, Alair Gomes,
Jaguar, Marina Colasanti, Ira Etz, Ferreira Gullar, Roniquito de Chevalier,
Nelson Motta, Cazuza, Zózimo Barrozo do Amaral, Ziraldo, Zuzu Angel, e muito
mais.
Do autor de Moby Dick, a mais
sombria e crítica narrativa sobre a vida no mar, a nova edição de Jaqueta Branca.
Neste romance, Herman Melville, um
dos grandes autores da língua inglesa, parte de suas próprias experiências como
marinheiro para fazer um relato cru e poderoso sobre as condições de vida a
bordo de um navio de guerra no século XIX. Narrado por um marujo que se
identifica apenas como Jaqueta Branca — referência à roupa que ele mesmo
precisa confeccionar para tentar se proteger do frio —, o livro descreve
as agruras da rotina miserável e opressiva dos tripulantes de baixa patente na
fragata Neversink. Indo do Pacífico para a Costa Leste dos Estados Unidos, o
navio percorre quase toda a América do Sul, destacando-se a perigosa travessia
do cabo Horn e a escala no Rio de Janeiro, onde despertam a atenção do autor a
beleza da paisagem e a pompa da visita de d. Pedro II à embarcação. Com a
narrativa do jovem e honesto Jaqueta Branca, Melville produz — em sua obra mais
política — uma denúncia incisiva da desumanidade das relações sociais na Marinha
americana, tratando de temas que seguem contemporâneos, como reformismo,
revolução, escravidão e liberdade. Publicado pela coleção Clássicos Zahar, o
livro tem tradução, apresentação, notas e glossário feitos por Bruno
Gambarotto.
Nova edição de um romance
indispensável de William Golding, vencedor do prêmio Nobel, sobre a natureza do
mal e a tênue linha que separa a civilidade da barbárie. Considerado um dos 100
melhores romances do século XX pela Modern Library.
Senhor das Moscas é um
dos romances essenciais da literatura mundial. Adaptado duas vezes para o
cinema e traduzido para 35 idiomas, o clássico de William Golding já foi visto
como uma alegoria, uma parábola, um tratado político e até mesmo uma visão
do apocalipse. Durante a Segunda Guerra Mundial, um avião cai numa ilha deserta
e os únicos sobreviventes são um grupo de meninos. Liderados por Ralph, eles
procuram se organizar enquanto esperam um possível resgate. Mas aos poucos
esses garotos aparentemente inocentes transformam a ilha numa visceral disputa
pelo poder, e sua selvageria rasga a fina superfície da civilidade. Ao narrar
essa história sobre meninos perdidos numa ilha, aos poucos se deixando levar
pela barbárie, Golding constrói uma reflexão sobre o limite entre o poder e a
violência desmedida. Senhor das Moscas mantém o mesmo impacto desde seu
lançamento: um clássico moderno que retrata de maneira inigualável as áreas de
sombra e escuridão da essência do ser humano. A tradução de Sergio Flaksman é
reeditada pela Alfaguara.
A Ateliê Editorial reedita sua
primorosa edição da Divina Comédia.
Para marcar os 700 anos da
morte de Dante Alighieri (1265-1321), a Ateliê Editorial reedita uma das
obras-primas da literatura mundial. E reedita mantendo o texto e o projeto
gráfico inovador da edição anterior. Além de trazer de volta a primorosa
tradução do erudito italiano João Trentino Ziller publicada originalmente em
1953, em Minas Gerais, a presente reedição do poema oferece as ilustrações de
Sandro Botticelli, perdidas durante séculos e identificadas somente na década
de 1980. Completa a edição, texto de apresentação de João Adolfo Hansen e notas
à “Comédia de Botticelli”, por Henrique Xavier.
DICAS DE LEITURA
No dia 13 de maio de 2021
celebramos o 140º aniversário de Lima Barreto, um dos escritores mais
importantes da literatura brasileira do século XIX. Nesta seção recomendamos três
livros do escritor brasileiro para conhecer um pouco sobre sua obra.
1. Recordações do escrivão
Isaías Caminha. Este não é o melhor romance de Lima Barreto, que, nesta
forma literária, ficou reconhecido por Triste fim de Policarpo Quaresma,
mas tem uma importância significativa para além de ser o primeiro livro que
o escritor publicou; apareceu em 1909, em Lisboa, e quase uma década depois ganhou
a forma que agora conhecemos. O leitor pode dividir a narrativa em duas partes
— e elas se distinguem até mesmo pela qualidade literária: na primeira, ao modo
de um romance de formação, acompanhamos o despertar da consciência de um jovem
mulato numa sociedade profundamente cindida pelo embate de classes; na segunda,
ao modo de uma sátira, acompanhamos o dia-a-dia do protagonista na sede de um
jornal. A primeira parte é notoriamente superior à segunda, seja pelo desenvolvimento
de volição psicológica, seja pela maneira outra de percepção do mundo pelo
ponto de vista do homem fora do seu casulo natal; a segunda é morosa,
repetitiva, como se o seu autor perdesse um tanto o prumo do itinerário, ora
entre uma amargura pelo destino falhado ora entre o desejo de um ódio de classe
que não alcança tomar forma definitiva, afinal, o próprio Caminha é um rendido
ao sistema de forças. Este é um romance que evidencia todas as preocupações que
passarão pelo interesse de Lima Barreto mais tarde. A edição da Penguin / Companhia
das Letras oferece um rico texto de Alfredo Bosi que situa este entre os mais
importantes romances da nossa literatura.
2. Contos completos. É
possível que os leitores tenham conhecimento de pelo menos dois contos — um
deles editado à parte como um livro independente: “O homem que sabia javanês e
“A nova Califórnia”. Estes contos e outros tantos menos conhecidos foram
reunidos por Lilia Moritz Schwarcz; são 149 textos, alguns ainda perdidos entre
manuscritos, edições originais, jornais e revistas que os publicaram pela
primeira vez. Ou seja, eis um daqueles trabalhos que, se possível alcançá-lo em
sua completude, por que se contentar com um ou dois textos. A organizadora
preparou um texto de introdução que, do seu ponto de interesse, oferece uma
rica compreensão sobre os estreitamentos entre o escritor o seu tempo e dividiu
toda a vasta obra dele em seis partes: na primeira estão os textos que aparecem
originalmente como apêndice da primeira edição de Triste fim de Policarpo
Quaresma — a começar pelo citado “A nova Califórnia”; na segunda, os contos
publicados conforme a seleção de Lima Barreto para a primeira edição de Histórias
e sonhos, o último livro que apresentou em vida; na terceira, os contos de Outras
histórias que formam parte da segunda edição de Histórias e sonhos;
na quarta, os chamados contos argelinos, também parte na segunda edição do
livro antes referido; na quinta, os contos que aparecem na quarta edição de Vida
e obra de M. J. Gonzaga de Sá; e, por fim, na sexta parte, os materiais encontrados
completos ou não e classificados como contos.
3. Diário do hospício e O
cemitério dos vivos. O envolvimento de Lima Barreto com álcool o arrastou
para um périplo de desterro em instituições psiquiátricas. Neste livro se documenta
sua passagem pelo Hospício Nacional dos Alienados, no Rio de Janeiro. Ele veio
a lume depois que as notas do escritor foram reunidas e publicadas pelo seu primeiro
biógrafo, Francisco de Assis Barbosa. Junto com este livro-diário sempre tem se
publicado um romance inacabado que funciona como uma reescrita por sobre as
experiências pessoais em clave ficcional desse mesmo período. A edição conjunta
foi organizada mais tarde por Augusto Massi e Murilo Marcondes de Moura. A que
foi publicada em 2017 pela Companhia das Letras tem prefácio de Alfredo Bosi e oferece
ainda notas e imagens inéditas e uma reportagem de Raymundo Magalhães dos anos
1920 — todo um aparato que enrique e ilumina os textos que estão no limiar
entre a literatura e o registro histórico. Caso o leitor se interesse apenas
pelo Diário, uma dica é a belíssima edição publicada pelo coletivo borda
com ilustrações de Luciano Feijão e posfácio de Júlia Carvalho.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. “Do You Reverse” foi
gravado em 1923. No vídeo vemos a jovem Flannery O'Connor (ainda Mary, de
Savannah, Geórgia) a ensinar galinhas a andar de ré. O feito copiado por outros
animais do sítio é um truque de câmera, é claro. “Depois disso, o resto da
minha vida foi um anticlímax” — disse mais tarde a escritora.
2. A Editora Moinhos celebra
durante o este mês o aniversário de 5 anos. Para marcar a data, realiza uma
série de conversas com autores da casa. Nesta semana, passaram pelo canal no
YouTube nomes como a escritora chilena Alejandra Costamagna e a venezuelana
Carla Maliandi. Estes e outros eventos aqui.
BAÚ DE LETRAS
1. Ainda sobre Lima Barreto,
recordamos duas séries de textos dentre os muitos publicados aqui no Letras e
que comentam aspectos gerais da biografia e da obra do escritor: a) estes três textos que constitui algo como um dossiê editado a partir de uma chamada
pública em 2017; b) e estes três textos de Alfredo Monte sobre Recordações
do escrivão Isaías Caminha.
2. Ainda sobre aniversários. Neste
dia 15 de maio de 2021 passam-se os 130 anos do nascimento de Mikhail Bulgákov.
Recordamos este texto de Davi Lopes Villaça sobre o romance mais conhecido do
escritor russo — O mestre e Margarida.
* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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