Wlademir Dias-Pino: um poeta em movimento
Por Fábio Roberto Ferreira Barreto
Wlademir Dias-Pino: em poucas
palavras, um ser de muita ação
O poetartista Wlademir Dias-Pino
(1927-2018) “tem uma trajetória única na arte e na poesia” (MENDONÇA, 2017, p.
7); no entanto, a despeito de sua grandiosidade, é pouco (re)conhecido no
Brasil. Precursor da poesia visual no país, protagonizou e/ ou participou de
diferentes movimentos da literatura brasileira recente. Fundou, ao lado de
outros poetas, o Movimento Intensivista, nos anos de 1940, integrou o Movimento
Concretista, nos anos de 1950, e idealizou o Movimento Poema-Processo, nos anos
de 1960.
Inquieto, Wlademir publicou o
relevante livro Processo: linguagem e comunicação, em 1971, o livro-catálogo
A separação entre inscrever e escrever, em 1982, e outro importante
marco de sua trajetória, os seis volumes de Enciclopédia Visual, nos
anos de 1990.
Nos últimos anos, as homenagens
logradas pelo Museu de Arte do Rio (MAR) — O Poema Infinito de Wlademir
Dias-Pino, com 800 peças do artista — e pela 32ª Bienal de São Paulo — Incerteza
Viva, ambas em 2016 — constituem-se como relevantes1 e, ao mesmo
tempo, insuficientes para fazer jus ao poeta.
Preocupações estéticas
Mesmo nas obras publicadas na
adolescência, Wlademir Dias-Pino já manifestava suas rupturas estéticas. Segundo
Andreza Moraes Branco Leria, em sua dissertação de mestrado sobre o poeta — Entre
inscrições e escrições: a poética de Wlademir Dias-Pino — “a preocupação
com a forma já se anunciava desde suas primeiras publicações, em A fome dos
lados, de 1940, e A máquina que ri, de 1941” — segundo e terceiros
livros do poeta. Ainda para a autora, “o
poema, para Wlademir Dias-Pino, é uma função a ser resolvida pelo ‘vedor’/leitor/interlocutor.
Automaticamente, ao acessar o poema, o leitor, agora participante, toma para si
a responsabilidade de (re)criá-lo, possibilitando novos processos” (LERIA,
2015, p.29).
Capa do segundo livro de Wlademir Dias-Pino. |
Intensivismo
Em Entrevista com Wlademir
Dias-Pino, poeta revolucionário, concedida ao artista e pesquisador Eduardo
Kac, poeta, artista plástico e professor titular no Departamento de Arte e
Tecnologia da School of the Art Institute of Chicago, o próprio Wlademir diz
que, por meio do Intensivismo, queria “escrever um poema em que ele pusesse uma
imagem sobre a outra. A superposição pode ser gráfica, física, ou pode ser
intelectual. Era mais importante propor um enigma do que resolvê-lo.” (2015, p.21).
Para o Intensivismo, importa mais
a leitura do que a escrita. As palavras, no poema intensivista, se abrem para o
“universo de possibilidades de significação”. Para aproximar teoria e prática,
Wlademir Dias-Pino (com Othoniel Silva, Rubens de Mendonça) publicou, entre 1951 e 1952, o Jornal
Sarã, que, em razão das provocações sobre formas da poesia, bem como seus
conteúdos, ficou conhecido como Satã; de acordo com Wlademir, “nós tínhamos que
jogar debaixo da porta das pessoas, porque elas se recusavam a ler em público
para não se comprometerem. Isso porque, como vanguarda, nós criticávamos as
instituições conservadoras, como a Igreja (na figura do arcebispo Dom Aquino),
a Justiça (ou seja, os juízes, os advogados, os desembargadores), e o Banco do
Brasil (que era a instituição mais forte do Mato Grosso). Meus colegas
encontravam comigo na rua e desviavam, mudavam de calçada. Se conversassem
comigo ficariam queimados”. (2015, p.21).
Dessa fase, destaco um dos poemas
publicados no Jornal Sarã, “Brancura” (citado por Marinei Lima em “Wlademir
Dias-Pino e o Intensivismo”)
A garça p’ra se esconder
— numa distância de estrelas —
vem ficar na frente
da faísca mais branca
de areia.
A brancura da areia
come a figura da garça
que nem cal
numa cor-de-paz
A areia é movediça
e a garça desaparece na brancura
Na cor branca da nuvem errante
a garça de asas fechadas,
desaparece,
imóvel
Trata-se do olhar do sujeito
poético sobre “garça” e “areia” “brancas” que se sobrepõem. Mas a imagem não é
estática, há um movimento. Ademais, o poema “Brancura” sintetiza o ideal do
movimento que visa à superação do Simbolismo e, por conseguinte, do Modernismo.
Segundo Dias-Pino: “Como a poesia era feita com imagens, com o Intensivismo nós
queríamos fazer uma duplicação, uma superposição de imagens.” (2015, p.20).
Uma AVE entre o Intensivismo
e o Concretismo
Recorte de duas páginas do livro-poema AVE. Concebido entre 1948 e 1956, foi apresentado durante a Exposição de Arte Concreta no Rio de Janeiro, em 1957. |
Embora tenha sido apresentado ao
público durante a Exposição Nacional de Arte Concreta, no Rio de Janeiro, em
1957, o livro-poema AVE foi concebido esteticamente sob a perspectiva
intensivista. Segundo ele, “Eu não expus ‘A Ave’ na exposição nacional de
poesia concreta porque ele não tem nada que ver com a poesia concreta. Ele é
ligado ao Intensivismo, que é anterior. Eu expus o ‘Solida’ porque ele era mais
recente e estabelecia a codificação no espaço.” (2015, p.25).
O poema sobrepõe aspectos visuais,
em um jogo de significações provocado por elementos gráficos, propiciando uma
interatividade entre leitor e texto. Rogério Câmara (2015) lembra que o
“livro-poema exige a exploração das propriedades físicas do livro — as texturas
e transparências das páginas, o formato, a relação entre uma página e outra, a
sucessão de códigos analógicos e digitais, etc.” (p.5).
Segundo Wlademir Dias-Pino, o
Intensivismo “durou de 1948 a 1952 porque quando nós terminamos os cursos
existentes em Cuiabá, nós tivemos que vir estudar no Rio.” (2015, p.20). É na
Cidade Maravilhosa que o poeta se aproxima do movimento Concretista.
Mas como lembra Andreza Moraes
Branco Leria, na citada dissertação, “é imprescindível considerar que alguns
pressupostos reivindicados para a poesia concreta já haviam sido anunciados na
década anterior (1948) ao seu ‘ato’ lançamento (1956), no Manifesto
Intensivista, do qual Wlademir participou ativamente da elaboração, como, por
exemplo, a influência declarada do Simbolismo. Documento desconsiderado pelos
componentes do grupo Noigandres.” (2015, p.84)
Concretismo
O movimento Concretista, nas artes
poéticas, é sempre lembrado pelo incansável trabalho dos irmãos Haroldo e
Augusto de Campos e de Décio Pignatari. Todavia, além de Ferreira Gullar, os
poetas Ronaldo Azeredo e Wlademir Dias-Pino também deram valiosas contribuições
à poesia concreta no Brasil.
Os poemas-cartazes de Solida,
compuseram a Exposição Nacional de Poesia Concreta (1956-1957). De acordo com
Wlademir Dias-Pino, o propósito de romper com a palavra: “eu deixo de lado o
código alfabético e codifico o espaço.” (2015, p.24).
Uma das versões do poema “Solida”, de Wlademir Dias-Pino, na Exposição Nacional de Arte Concreta, Rio de Janeiro, 1957.² |
A despeito de, esteticamente,
pertencerem a momentos distintos, “é possível ver uma proximidade entre as
obras A Ave e Solida de Waldemir, destacando o papel do leitor
como produtor de significado, sendo a obra parte do processo de apreensão”. (PEREIRA
e PÁSCOA, 2014, p.228)
Poema-Processo
No manifesto do Poema-Processo se
afirma que o processo é mais importante do que a palavra. “Não se trata,
como alguns poderiam pensar, de um combate rígido e gratuito ao signo verbal,
mas de uma exploração planificada das possibilidades encerradas” (DIAS-PINO,
1971, não paginado). Segundo um de seus idealizadores, Wlademir Dias-Pino,
“processo é uma posição radical dentro da poesia de vanguarda” (DIAS-PINO,
1971, não paginado).
Em se tratando de anos de 1960,
preocupou-se menos com a atuação política, ou sua função social, mais em sua
função poética. A professora Heloisa Buarque de Hollanda afirma: “valorizando
radicalmente a civilização técnica, o poema-processo acaba por reproduzir tão
somente a técnica e os esquemas de consumo do sistema, com experiências até
certo ponto semelhantes às do Concretismo, com quem, aliás, não rompeu, mas
radicalizou.” (HOLLANDA, 1981, p. 51).
Pode-se elogiar seu “protesto
contra a discursividade e a retórica literária” (HOLLANDA, 1981, p. 52). A
crítica literária cita inclusive que “chegaram a picar Drummond [...] seus
livros” na escadaria do Municipal. Em Recife, nos anos de 1970, é servido o pão
poema-processo:
Matéria na revista Manchete, n.825, 1968. Arquivo Revista Ars. |
Época
As imagens cotidianas
transformando-se em siglas:
poesia, para ser vista e sem
palavras
(semiótica), pintura só estrutura
(geometrização-serial).
Histórias em quadrinhos e humor,
sem legendas. Quadros servindo de
padrões têxteis.
Ruído (industrial) levado à
categoria
de música. Computador eletrônico:
como pesquisa musical.
Trata-se de uma “proposição” de
ruptura, que, considerando os paralelos entre o contexto em que surge o
Manifesto e o atual, seria possível realizar uma ampla discussão sobre o que há
de visionário no Poema-Processo e de consensual no campo das Letras hodierna.
Para finalizar, segundo Moacy
Cirne, um dos expoentes do movimento, “A poesia não poderia ficar presa ao jogo
fácil das palavras que puxam palavras — associações paranomásticas que não mais
funcionam —, nem à falsa engenharia estrutural que termina na mais pura
esterilidade. A crise da poesia é simplesmente a crise da palavra (no
poema)” (CIRNE, 1968, não paginado).
Considerações
Este texto é um modesto tributo
sobre um dos mais inventivos poetas brasileiros do século passado. Embora tenha
passado pelo circuito São Paulo-Rio, fazendo parte do Movimento Concretista,
Wlademir Dias-Pino é ignorado por grande parte da crítica literária.
Ressalte-se que em virtude ao
caráter artesanal da produção artística de Wlademir Dias-Pino, mesmo em grandes
centros (como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) torna-se um elemento
a mais de dificuldade para os interessados em conhecer as obras e as ideias
desse grande nome da poesia brasileira. A escassez de materiais do poeta e
sobre ele mesmo, centrando-se, não raro, nas mãos de colecionadores ou de
acervos muito específicos, também impactam na difusão do poeta-artista.
Ter concebido o Intensivismo, que
é precursor das artes visuais na poesia brasileira, em Cuiabá, é possivelmente
um dos fatores que podem explicar as razões pelas quais Wlademir Dias-Pino não
obtém o devido reconhecimento. Mesmo em cidades de múltipla cultura, livros
sobre o poeta são escassos. Para se ter ideia, durante pesquisas para elaborar
um seminário sobre a poesia brasileira nos de 1950 e 1960, encontrei reduzido
números de exemplares na USP, especialmente, e, na rede de bibliotecas de São
Paulo, apenas dois volumes no Centro Cultural São Paulo.
Urge rememorar um dos poetas que
mais colaboraram para reinventar o modo de fazer poesia no Brasil.
Notas
1 Em 2017, a Sala do Pátio, na
cidade de São Paulo, organizou a exposição 50 Anos Poema/Processo.
Embora o mais proeminente nome do grupo seja Wlademir, a mostra não se tratava
apenas dele, razão pela qual não a menciono, mas julguei pertinente citar em
rodapé.
2 Na exposição, houve quatro versões em poemas-cartazes. Em 1962, Wlademir Dias-Pino publica “Solida” “en una tirada muy pequeña, impresa manualmente en serigrafia, presentado en tarjetas sueltas dentro de una caja, que contiene 48 tarjetas” (KOGAN, 2017, p. 17).
CÂMARA, Rogério. Wlademir Dias-Pino: poesia / poema. Brasília: Estereográfica, 2015.
CIRNE, Moacy. Duas ou três coisas sobre o Poema/ Processo. In: Revista Ponto 2, Rio de Janeiro, 1968.
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KAC, Eduardo. Entrevista com Wlademir Dias-Pino, poeta revolucionário. In: Ars, ano 13, n. 26, São Paulo, jul.-dez., 2015.
KOGAN, Adriana. El poema como matriz de códigos: Sólida, de Wlademir Dias-Pino. In: Circuladô. Revista de Estética e Literatura do Centro de Referência Haroldo de Campos – Casa das Rosas, ano V, n. 6, jun. 2017, São Paulo, Risco Editorial.
LERIA, Andreza Moraes Branco. Entre inscrições e escrições: a poética de Wlademir Dias-Pino. 2015. 120 f. Dissertação. (Mestrado em Estudos de Linguagem). Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2015.
LIMA, Marinei Almeida. Wlademir Dias-Pino e o Intensivismo. In: Revista ECOS, v.2, n.1, jul. 2004, Cáceres, Unemat Editora.
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NÓBREGA, Gustavo. Poema/Processo. Uma vanguarda semiológica. São Paulo: Martins Fontes, 2017.
PEREIRA, Rômulo do Nascimento; PÁSCOA, Luciane Barros Viana. O livro voa: da poesia concreta à “Ave” de Wlademir Dias-Pino”. In: Revista Ciclos, v. 2, n. 3, ano 2, Florianópolis, dez. 2014.
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