O mulato, de Aluísio Azevedo
Por Pedro Fernandes
São pelo menos dois os lugares de
recepção da obra de Aluísio Azevedo no Brasil. Primeiro, existe o escritor bem
reconhecido, o autor de um romance que integra a literatura brasileira ao rol
do naturalismo. Este é o lugar mínimo, se olharmos a quantidade de romances que
nos legou; além de O cortiço, o livro desse primeiro autor, há pelo
menos, só nesta forma literária, o romance, uma dezena a mais de títulos. Mas estes,
por sua vez, pertencem ao escritor por se conhecer. E é, muito provável, que se
fossem conhecidos os dois, mudaríamos ― ou pelo menos questionaríamos ― o
lugar destinado na historiografia da nossa literatura, um dos mais intrincados
capítulos da nossa memória cultural ainda por ser resolvido. É que, se no
romance que levou o escritor a um lugar entre os naturalistas é feito das cores
que assim o justificam, o romance agora tomado em questão, apesar de ser
mostrado como um dos introdutores do naturalismo mais tem de romantismo
e de realismo (se pensarmos no modelo literário português, espelho para diante
do qual toda nossa literatura até o pré-modernismo se repara) que da escola de Émile
Zola.
É possível que a complexidade
dessas definições exista por dois fatores e nisso resulta um crer sem acreditar
dos leitores em relação ao que leem que resulta numa dificuldade de clara compreensão
a respeito de nossa própria historiografia. A partir do naturalismo, embora continuemos
a olhar para a literatura portuguesa incorporamos, com maior atenção, as
relações com o que se escreve na França. O problema aqui é um descompasso entre
o que os manuais conceituam dessa estética para as duas literaturas e a prática
literária no Brasil. Daí, e este é o segundo fator, deixamos de pensar
primeiramente nas nossas criações, nas influências interiores para só a partir
de então estabelecermos relações com outros universos para importar um modelo
que sempre nos resultará em falso. Mais além, o resultado tem
consequências maiores que nossa dificuldade de nos compreendermos: uma
delas é a negação de parte significativa da obra dos escritores, estes que, em
sua grande maioria não escrevem regrados por uma cartilha, ainda que nesse tempo
de Aluísio Azevedo ― e basta irmos um pouquinho mais para o passado e logo encontramos
os manifestos dos românticos ― se opere algum modelo criativo
a ser seguido.
O mulato é um dos melhores
documentos sobre o Brasil escravocrata e é importante reivindicá-lo numa
ocasião quando cegados pelo modismo do lugar de fala deixamos de recorrer às
práticas discursivas de melhor serventia para dar crédito a leituras muitas
vezes apressadas e mesmo anacrônicas, duas graves faltas quase sempre recorrentes
quando se quer por fina força reescrever nossa história, desconhecendo, negando
ou rasurando o passado. Obviamente que não é este livro um compêndio de história,
nem uma teorização sobre a questão da escravatura ou do racismo, e seu valor crítico
e histórico, reside, como o de toda ficção, na provocação suscitada e na coloração
do tempo que nos é oferecida a partir de sua leitura. Os objetos artísticos
lidam, como sabemos, com a dimensão imaginária, parte essencial, diga-se, para
as inquirições teórico-críticas e históricas.
Este é um romance que encontra na
questão racial o impasse para a realização amorosa. Mandado para a Europa ainda
quando criança, Raimundo retorna ao Brasil depois de concluir os estudos e decidido
se instalar na sua terra, retorna às origens a fim de resolver questões de
pouca monta do destino sobre seus bens. Se, às vistas do país de oitocentos,
esse rapaz de acentuados dotes físicos significa um alheado, o que pensar sobre
os olhares do Brasil profundo? A chegada a São Luís é o grande bulício da
cidade; o jovem, no entanto, não carrega apenas o que é a superfície de seu
interesse. Há o passado inteiro que lhe foi ocultado, este que ao retornar, modifica
integralmente seu destino. Raimundo, corporifica ainda o tema do estrangeiro na
sua terra, o que nela não se reconhece, e performa o papel do elemento
desagregador de uma ordem cujos limites estão alinhavados com os fiapos de
interesses escusos cozinhados em banho-maria. Nada mais brasileiro, portanto.
Uma ordem que assim se manifesta apenas enquanto percepção aparente porque sob
ela se enterram velhos monstros contra os quais ninguém se dispõe a desnudar e
enfrentá-los.
A ordem aparente diz que Raimundo
perdeu em criança o pai brutalmente assassinado numa emboscada sobre a qual a
única testemunha (desconhecida de todos) é o cônego Diogo. Envolto mais em
brumas que em luz, este episódio é o motivador das interrogações do jovem
retornado por outro drama antevisto desde sua chegada à casa do tio Manuel
Pescada: o amor pela prima mais tarde negado pelo velho sob motivo da origem
racial do rapaz. Ao combinar o irresoluto e a busca pela realização amorosa
entre as duas principais linhas do romance, Aluísio Azevedo se apresenta um escritor
muito cioso do seu ofício e, não fosse por algum exagero melodramático (herdado
certamente dos muitos amores impossíveis colhidos nos romances de fama no seu
tempo), estaríamos numa daquelas obras avant-garde da nossa literatura. Isso,
no entanto, não tolda a perspicácia da obra que, no domínio das criações do
escritor, merece uma cuidada atenção ― melhor que a recebida.
Se o enredo é respeitoso aos
protocolos narrativos vigentes ― fica assim desculpado o romancista ― a
maneira como toca em questões ainda bastante incipientes no Brasil de então,
denuncia mandos e desmandos de uma sociedade profundamente arcaica e herdeira
das piores práticas colonialistas. Não é apenas isso: o romance também encontra
saídas inovadoras para alguns impasses formais da narrativa. O desenvolvimento
dessas observações com mais vagar explicaria melhor o que aqui dizemos. Ainda
que esta não seja a oportunidade adequada para tanto, fiquemos, mesmo assim,
com uma síntese delas.
O que se conflita são dois Brasis.
Um afeito aos princípios monárquicos; é bom dizer que em 1881, quando O
mulato foi publicado ainda nem o documento da independência existia. E outro
Brasil que se idealiza, este resultado em sua maioria pela mentalidade de
retornados como Raimundo, deslumbrados com certos avanços do pensamento iluminista
na Europa empenham-se em levantar alguma provocação capaz de nos fazer empurrar
para uma direção mais favorável. E é em busca desse sentido que se formam as
discussões levantadas em certas passagens do romance: o fim da escravidão e a
instauração da república como estrutura de Estado são duas temáticas que aparecem
antecipadas aqui se recordarmos que os eventos discutidos tardarão quase uma
década para se colocarem em prática. No mais, a própria obra é uma afronta ao status
dominante ao propor o amor impossível entre um mulato e uma
branca de descendência legítima de portugueses. Ou seja, este é um romance
marcado por embates no calor da hora.
Apesar da estreita relação com a
história do Brasil de fins de oitocentos é sempre espantosa ― e
isso não é uma característica exclusiva deste romance ― a atualidade de algumas
questões. A racial, certamente, é a principal delas, porque tomamos contato com
o tratamento perverso dos senhores para com os negros, exercício de poder que se
manifesta nos vários resultados da conduta: discursivamente, nas relações de
submissão exercida por aqueles numa alternativa de escapar dos mandos de
tortura, na violência sexual dos senhores contra as escravas, no tratamento apaziguador
e caridoso das senhoras mais novas, no trato comercial da exposição,
venda, compra e caça de negros ou, como averiguamos, os impasses raciais, seja o
separatismo ou o branqueamento das raças.
É válido pensar que as
controvérsias raciais neste romance embora tenham sua origem na situação
colonial, seus traços se notam numa variedade de obras da literatura. Muitos
anos antes, uma escritora também de São Luís, revisitava a questão no imbróglio
amoroso formado pela jovem Úrsula, o amante Tancredo e o tio Comendador;
enquanto acompanha o desenvolvimento desse impasse, se documenta a vida
terrível dos escravos, antecipando a temática abolicionista no romance
brasileiro. Poucos anos antes da obra de Maria Firmina dos Reis, o romance de
Harriet Beecher Stowe, A cabana do pai Tomás, estava traduzido em
português. Se os nossos escritores travaram contato com este livro, não é
possível determinar com clareza agora, mas é fato que toda estereotipia desta
obra participava de alguma maneira na ordem do discurso modelado por uma pauta
em comum.¹
Na literatura brasileira, anote-se
ainda os livros de Joaquim Manuel de Macedo que compõem a trilogia As
vítimas algozes, vários dos romances de Bernardo Guimarães (A escrava
Isaura, Maurício e O bandido do Rio das Mortes), O
Cabeleira, de Franklin Távora ou Calabar, de José da Silva Mendes
Leal Júnior. Muito anterior, por exemplo, está um romance de Alexandre Dumas, o
escritor preferido de Azevedo, cujo enredo, segundo Jean-Yves Mérian², em
muito recorda as características principais de O mulato: Georges testemunha
a ascensão e a queda de um mulato da Ilha Maurício. Estudado e feito gentleman
em Paris, seu retorno à terra natal com a ideia fixa de modificar a mentalidade
racista do lugar o arrasta para a perdição: em Georges, o protagonista
como o Raimundo de O mulato, “é um homem superior, perseguido por um
destino funesto. Nas duas obras, é o retorno do herói que questiona as
estruturas sociais e mentais e as ‘leis raciais’ que estão na base da intriga romanesca”,
sublinha Mérian, atentando ainda que são estas as únicas semelhanças com a obra
do escritor brasileiro.
Avançando ainda mais sobre o
passado, não deixamos de observar a tragédia Otelo, de William
Shakespeare; todas as questões figuradas na peça são reiteradas na obra do
escritor maranhense, incluindo a condição à parte da personagem,
incluindo o mesmo uso do eufemismo depreciativo (mouro, no caso
inglês, sem se deter, obviamente nas implicações variadas sobre a referência do
termo, mas sempre compreendendo este como uma designação do diferente
inferior em relação ao inglês britânico, e mulato, no caso
brasileiro). O termo que se tornará um paliativo de silenciamento do termo preto
ou negro, sobretudo por aqui, sabe-se, tem outra conotação nada eufemística
no romance. Os de raça cruzada são lembrados em certa passagem como “a
mais esperta de todo o Brasil! Coitadinhos dos brancos se ela pilha uma pouca
de instrução e resolve fazer uma chinfrinada. Então é que vai tudo pelos ares!
Felizmente não lhe dão muita ganja!” Ora, os temas como o racismo, a
miscigenação e a misoginia, situáveis em Otelo são, como se nota,
reiterados no trabalho de Aluísio Azevedo.
Se o romance se filia a toda uma
tradição literária, que fez escola entre os escritores brasileiros, o tema é
tratado integralmente de nova maneira. Todo o convívio com as forças de
violência e os atavios da obediência são registrados pelas vistas do narrador
de O mulato sem atalhos ou imprecisões, mas, o interesse principal recai
no impasse racial que aflige, inclusive, o próprio protagonista que, embora
destratado na infância entre as crianças europeias e depois pela hora da
província de São Luís, não se compreende como mulato ou não encontra na questão
da raça o impeditivo legal que lhe negue viver integralmente o amor com Ana
Rosa. Assim, quando todas as questões de raça se colocam em pauta no Brasil e nesse
debate ainda persiste a negação desse passado três séculos depois ou quando
precisamos recorrer a experiências de fora do país para falar sobre um tema tão
nosso (e das sociedades herdadas do colonialismo) ou mesmo quando insistimos em
repetir que tais questões foram negadas ou silenciadas pela literatura pela
ausência de um lugar-de-fala, logo se vê que nunca passou pelas mãos desses
leitores uma peça em que figura com toda vivacidade um Brasil que insiste não
se colocar frente ao espelho. O romance de Aluísio Azevedo pode, como a
tragédia de Shakespeare, pode mesmo cair no índex das obras racistas,
mas, ninguém poderá dizer que o passado não anteviu ou deixou de falar sobre questões
que agora se apresentam como o ovo de Colombo.
E, mesmo essa nossa ignorância, se
denuncia com o tom assaz para os dias de agora: “Diz você que o povo não tem
instrução; muito bem! Mas, como quer você que o povo seja instruído num país,
cuja riqueza se baseia na escravidão e com um sistema de governo que tira a sua
vida justamente da ignorância das massas?... Por tal forma nunca sairemos deste
círculo vicioso.” A fala é de Casusa, numa curta conversa com o amigo
monárquico Sebastião, sobre a necessidade da república como forma de correção
sobre a extrema desigualdade no Brasil de então; risque-se os termos escravidão,
supondo que ela deixou de existir em 1888, e os termos monarquia e república
e está o Brasil de agora inteiramente preso na falta de instrução, se negando a
oferecê-la porque o interesse é ainda no povo rude ou negando voz aos que
conseguiram alguma a muito custo para seguir a regra ditada dos púlpitos e dos
setores que elegeram somente a arrogância como instrumento de mando. Sabe-se
que, depois da publicação de O mulato, Aluísio Azevedo ― perseguido
qual o protagonista do romance ― se viu forçado a deixar São Luís e
acompanhar os passos do irmão que dois anos antes fora viver na Corte; o
resultado da celeuma diz muito sobre nosso desígnio de silenciar os que devem
falar e dar ouvidos aos que deviam calar.
Além do rico retrato sobre como os
poderes se covitam para a manutenção dos seus lugares de mando, O mulato é
uma crônica sobre as relações sociais e culturais no interior do Nordeste: o apego
à religiosidade, a prevalência da crendice supersticiosa e a riqueza de todo um
imaginário inventivo produto de uma vivência do povo com o extemporâneo são
alguns dos elementos recobrados pela narrativa. Se ele oferece um painel
bastante vivo de um povo, também não restam dúvidas que todo esse material
compõe o conjunto sobre o qual o romancista levanta suas críticas, acusando-o do
atraso das mentalidades de seu tempo e lugar. O homem instruído figura, por
conseguinte, no elemento que aposta contra esse repositório dominante sempre
como uma alternativa capaz de sepultar desse Brasil profundo tudo o que faz
preso a um tempo afeito ao provincianismo e ao barbarismo. Este é um tópico,
aliás, que constituirá linha criativa no âmbito da nossa literatura. Registre-se,
para tanto, o embate ou a dialética que processa no espírito do nosso
modernismo.
Dentre as inovações formais do
romanesco, não deixamos de reparar na constante psicológica que forma a interioridade
das personagens. Um leitor que tenha passado pelo Cortiço ou outros
romances desse período, mesmo os europeus que teriam, segundo os compêndios,
determinado o nosso naturalismo, logo encontrará em O mulato todo um
mundo que ainda engatinhava seus passos no universo da representação ficcional
com uma riqueza de valor que coloca este livro muito à frente dos tipos semi-animalescos
da obra com a qual o escritor ficou reconhecido. Pulsa qualquer coisa de um
Dostoiévski na consciência perturbada de José Dias e seu desterro por essas
terras bárbaras ou na situação estrangeira de Raimundo e mesmo na impulsividade
amorosa de Ana Rosa para com o primo e uma alternativa de vencer ao cerco
imposto pela moral social. Depois, como o romancista se utiliza de perquirição interior
para o adiamento do tempo e transformação dos sentidos de incerteza e indecisão
que tomam o romance em alguns momentos e no desfecho da perturbada situação dos
amantes.
Nem é possível deixar de reparar
nas pequenas incidências de um realismo maravilhoso, visíveis, por
exemplo, na maneira como observa as variações da rica natureza, a menção en
passant da máquina de gelo para o casamento de Ana Rosa, ou na desgraça cômica
da menina Lindoca que, na idade posta para casar, tresanda a engordar, embora a
repolhuda moça tente todas alternativas, dos jejuns forçados, do uso do
vinagre aos longos exercícios pela varanda: “Lindoca estava cada vez mais
redonda, mais boleada; a casa estremecia cada vez mais com o seu peso; os olhos
desapareciam-lhe na abundância das bochechas; o seu nariz parecia um lombinho;
as suas costas uma almofada.”; “A repolhuda Lindoca igualmente se retraíra, mas
esta, coitada, por desgosto das suas banhas; já não queria aparecer a pessoa
alguma, de vergonha. Entrara, por conselho do pai, a dar longos passeios de
madrugada, enquanto houvesse pouca gente na rua, para ver se lhe descaíam as
enxúndias, mas qual! a enchente de gordura continuava bolear-lhe cada vez mais
os membros. A pobre moça já não tinha feitio; quando saía era obrigada a
descansar de vez em quando, provocando olhares de admiração, que a irritavam;
já não podia usar botinas, ficara condenada ao sapato de pano, raso, quase
redondo; as suas mãos perderam o direito de tocar nos seus quadris; trazia os
braços sempre abertos; o pescoço apresentava roscas assustadoras; os olhos, o
nariz e a boca ameaçavam desaparecer afogados nas bochechas.” ― descreve
o narrador e nessas descrições não deixam de recobrar as feições de dona
Redonda, personagem de Dias Gomes em Saramandaia, a mulher que explodiu
de tanto engordar.
Instalado no Rio de Janeiro, onde
se sagra escritor reconhecido, Aluísio Azevedo procedeu uma revisão do seu
romance para melhor satisfazer o epíteto de inaugurador do naturalismo
no Brasil³. O feito acontece oito anos depois da primeira edição, portanto,
em 1889 e, por isso se percebe, sorrateiramente, um autorregistro, entre os
bafafás dos moradores de São Luís, sobre um certo desterrado de sua terra natal
agora famoso na Corte. Explica-se, assim, o tom folhetinesco ou melodramático que
dão o descompassado em relação ao todo do romance. De toda maneira, o feito não
logra o interesse: O mulato é um romance naturalista no tema e romântico
nas feições. Mas, voltamos a repetir: nada disso diminui sua importância.
A contribuição para os debates mais
caros sobre nossa identidade e sob um ponto de vista totalmente novo, o registro
autêntico, mordaz e vivaz de um tempo fundamental da nossa pequeniníssima história
e as inovações formais antecipadoras de práticas narrativas futuras, enfim, tudo
o que foi aqui sintetizado, são motivos para considerá-lo peça indispensável
demovendo a separação praticada entre dois escritores na ficção azevediana. No
que se refere à discussão crítica sobre a formação do nosso país o valor é o
mesmo. A maneira audaciosa com toca em questões que nos são caras até o hoje reanima uma
certeza que começa a vigorar entre nós: a de que, por mais que se diga,
não somos o produto de um acordo taciturno entre povos e raças, mas, feito de impasses,
violências e duros silenciamentos. É preciso admitir isso para se repensar a
vigência de determinadas práticas naturalizadas quando há muito deviam ser
execradas. Enfim, faltam-nos espíritos de guerrilha como Aluísio Azevedo e sua
obra aí está como convite necessário à correção dessa lacuna.
Notas:
1 De toda maneira, vale alguns registros. Em “Pai Tomás no Romantismo brasileiro” (Teresa, n. 12/ 13), Hélio de Seixas Guimarães esclarece que o livro de Harriet Beecher Stowe teve pelo menos três traduções para o português apenas no ano de 1853, uma delas, direta do inglês e com vocabulário destinado aos leitores brasileiros ― a tradução de Francisco Ladislau. Sérgio Barcellos Ximenes me alerta (registre-se meus agradecimentos) de um folhetim escrito por João Clímaco Lobato inspirado abertamente em A cabana do pai Tomás e tomando de empréstimo para o enredo o assassinato pelas mãos do escravo Mateus do capitão Bruno Meirelles, um fazendeiro escravocrata, um episódio ocorrido entre 1850 e 1851 no Maranhão. Uma parte do texto intitulado O rancho do pai Tomé chegou a circular em 1862 no periódico Porto Livre, de São Luís, mas foi censurado pela polícia, que, cito Ximenes, enxergou no romance “doutrinas
subversivas ― apesar, é claro, de serem raríssimos os escravos leitores de
jornais.” E pior: o intuito do folhetim era justamente outro ― propunha estabelecer um contraponto com o famoso romance da estadunidense, revelando o lado perverso dos escravos (leia mais aqui). Amigo próximo de Maria Firmina dos Reis, há aqui estreitas relações que apontam o caminho possível do Pai Tomás entre nós. Passadas três ou duas décadas desses registros em relação ao ano de publicação de O mulato, é notável que a popularidade do livro de Stowe estava consolidada entre os leitores.
2 Trata-se do livro Aluísio
Azevedo. Vida e obra (1857-1913) (Garamond; Biblioteca Nacional, 2013). Este é um
dos estudos fundamentais para uma compreensão sobre a totalidade da obra do
escritor. Exceto a menção a Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, as
demais referências que constituem uma tradição literária de tom abolicionista
aqui referidas são parte do rico levantamento estabelecido por Mérian.
2 Recomendo a dissertação de Cassio
Dandoro Castilho Ferreira ― O mulato, de Aluísio Azevedo: um romance, duas
versões (Universidade Federal do Paraná, 2011) que estabelece um estudo
comparativo entre a edição publicada em São Luís em 1881 e a que prevaleceu
entre nós, editada primeiramente pela Garnier em 1889. O estudo em questão não
se dedica apenas a estabelecer relações entre os dois textos originais,
reconstrói toda atmosfera de gestação da obra e sua recepção em vários lugares
da imprensa brasileira. O material é público e está disponível aqui.
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