Gigantes, minúsculos ou encadernados com pele humana: os livros mais extravagantes do mundo
Por Juan Andrés Ferreira
Existem livros enigmáticos, livros
malditos, encadernados com pele humana, livros gigantes, fisicamente enormes,
minúsculos, livros liliputianos, que só podem ser lidos com a ajuda de uma
lupa. E há livros absurdamente longos, experimentos com a linguagem e a
paciência, livros transbordantes, escritos em segredo absoluto, praticamente para
não serem publicados. Ao longo da história, a humanidade criou, e continua
criando, uma biblioteca extravagante, um espaço povoado de raridades dentro de
sua espécie e que até deu vida a novas espécies.
O Manuscrito Voynich é talvez o livro misterioso por excelência, uma espécie em si
mesma. Ao contrário do Necronomicon (idealizado pelo escritor estadunidense
H. P. Lovecraft), ele existe fora da ficção. Escrito em um idioma e alfabeto até
agora desconhecidos, ele contém ilustrações únicas que retratam plantas
estranhas ou inexistentes, ou retratam mulheres nuas tomando banho em banheiras
interconectadas. Não se sabe se é um livro de magia ou feitiços ou se é
simplesmente uma piada que já dura vários séculos.
Algo semelhante acontece com o Codex
Rohonczi, uma compilação de escritos em um sistema de escrita desconhecido,
pelo menos por enquanto. Não está claro se é uma piada colossal ou uma bagunça
cuja ordem ainda espera ser decifrada. É algo que também acontece com o Codex
Gigas, chamado de Bíblia do Diabo, embora seja escrito em latim e
tenha a particularidade de ser, além disso, gigante.
Mega livros. Com 620
páginas de quase um metro de comprimento cada uma, encadernadas em madeira, o Codex
Gigas pesa 75 quilos e é o maior livro sobrevivente antes da invenção da
imprensa. Embora a coisa mais surpreendente sobre este livro peculiar seja a
lenda que o precede.
Em Livros malditos, malditos livros,
Juan Carlos Díez Jayo conta a história deste mamute literário. Conta-se que foi
escrito no século XIII por um monge pecador condenado à prisão perpétua.
Encerrado e desesperado em uma das celas do mosteiro, para expiar suas
tristezas, o monge prometeu a Deus escrever antes de morrer o maior livro que
já existiu, um livro que contivesse toda a sabedoria humana no mesmo volume.
Percebendo a impossibilidade de completar tal empreendimento, ele vende sua
alma ao diabo para terminar a tempo. Satanás cumpre sua parte no trato. E esse
é um dos motivos pelo qual é retratado em uma das páginas do livro que, desde
então, também ficou conhecido como a Bíblia do Diabo.
“O mamute apresenta 310 folhas de
pergaminho de 890 milímetros de altura e 400 milímetros de largura”, diz Díez
Jayo. Escritas em latim e com a mesma caligrafia, as páginas são feitas de
velino, peles processadas de 160 animais, possivelmente burros. Pelos cálculos,
se foi mesmo escrito por uma única pessoa, essa pessoa tinha que trabalhar seis
horas por dia, seis dias por semana, para terminar o trabalho cinco anos
depois. “O imperador Rodolfo II, que era um colecionador obsessivo de tudo que
era extravagante, o quis em Praga para que assim pudesse tocá-lo à vontade.” A Bíblia
do Diabo foi levada para Estocolmo como conquista após a Guerra dos Trinta
Anos. Permaneceu no Palácio Real, onde foi salva de um incêndio, embora perdendo
algumas páginas. O Codex Gigas carrega a assinatura de Hermann Inclusis
(Herman, o Prisioneiro), e está na Biblioteca Nacional da Suécia.
The Birds of America é o
título do ambicioso trabalho do ornitólogo, naturalista e artista visual estadunidense
John James Audubon, que em 1820 se propôs a tarefa insana de pintar todos os
pássaros da América do Norte. Audubon queria representar os pássaros em tamanho
real, então ele usou fotos de 99 por 66 centímetros (é por isso que alguns
pássaros muito grandes aparecem em posições estranhas). O volume contém 435
ilustrações pintadas à mão pelo naturalista; seis das aves listadas não existem
mais. Em 2010, uma cópia de The Birds of America foi vendida por US$ 10
milhões.
No entanto, o maior livro do mundo
vem de um dos menores e mais populosos países do planeta, o Reino do Butão,
localizado no sul da Ásia, com área de 40.994 km² e menos de 800.000
habitantes. Butão: uma odisseia visual através do último reino do Himalaia
mede aproximadamente 1,52 metros x 2,13 metros e pesa mais de 60 quilos.
De acordo com o Livro dos recordes, é o maior livro publicado no mundo.
É uma bela coleção de fotos tiradas pelo acadêmico e artista digital Michael
Hawley junto com uma equipe formada por membros do MIT Media Labs e do Friendly
Planet. Para sua preparação, foram feitas mais de 40.000 capturas em quatro
extensas expedições por todo o país.
Microlivros. O italiano
Aldo Manuzio (1451-1515), considerado o primeiro editor literário da história,
foi quem por volta de 1495, com o intuito de recuperar e preservar os clássicos
gregos na sua língua original, inventou o que se convencionou chamar de livro
de bolso, forma de publicação que permite, entre outros benefícios, adquirir obras
clássicos a preços acessíveis, ao mesmo tempo que facilita seu transporte. Um
ancestral desse formato pode ser encontrado na Roma Antiga, no século I, com os
pugilares, livros cômodos e baratos que cabiam numa mão.
Após a criação de Manuzio, as
obras passaram a ser fabricadas e editadas em formatos ainda menores. Assim
surgiram os livros em miniatura, objetos que costumam não ultrapassar sete
centímetros, nem de largura nem de comprimento. No começo, o formato micro era
aplicado a textos religiosos e dicionários. Com o tempo, obras clássicas de
narrativa e poesia foram miniaturizadas, que se tornaram populares e objetos de
coleção no século XIX.
Nestes tempos, os microlivros são
raridades que se exibem em museus ou se fabricam, em edições muito limitadas,
para experimentar novas tecnologias ou bater recordes.
Em Baku, a capital e a cidade mais
populosa do Azerbaijão, está o Miniatür Kitab Muzeyi, um museu que exibe mais
de 7.500 miniaturas literárias de mais de 70 nacionalidades. Há poesia, prosa,
uma grande quantidade de títulos de autores locais, joias insuspeitadas como a Bíblia
de 94 milímetros impressa por Peter Schöffer, um ex-colaborador de Johannes
Gutenberg, o inventor da imprensa. Há uma cópia do Alcorão, um volume
que reúne as criações de Aleksandr Puchkin, um livro intitulado História da
Inglaterra publicado em 1815, e microexemplares de clássicos de Jack
London, Honoré de Balzac ou Gustave Flaubert. Tudo minúsculo, para ler com
lupa.
Na Rússia, a mais de 2.700
quilômetros de Moscou, na cidade de Omsk, Sibéria, fica o Museu de Arte
Regional M. A. Vrubel. Entre várias pequenas obras está exposto aquele que foi
por muito tempo o menor livro do mundo conhecido, uma edição bilíngue (russo e
inglês) do conto “O camaleão”, de Anton Tchekhov. Suas medidas: 0,9 x
0,9 milímetros. Possui 30 páginas, três ilustrações e um retrato do autor.
Esta edição limitada, como muitas
das que estão guardadas no museu, é obra de Anatoly Konenko, um ex-professor de
arte que virou escultor e impressor, que trabalha com uma variedade de
ferramentas, do cabelo humano a grãos de arroz. Sua incursão na publicação
literária consistiu em esculpir uma microconto de Dostoiévski numa semente de
cereja. Desde então já publicou mais de 200 títulos, principalmente de autores
russos, mas também de Shakespeare, Goethe e os Irmãos Grimm, além de diversos
livros de arte, com reproduções de Van Gogh e Leonardo da Vinci, entre outros,
todos com uma medida menor que dois centímetros.
Atualmente o menor livro do mundo
é Shiki no Kusabana (Flores das estações). Publicado em 2012 pela empresa
japonesa Toppan Printing, tem 22 páginas, cada uma menor que o buraco de uma
agulha. A empresa japonesa produz micro-livros desde 1960. Shiki no Kusabana
mede 0,75 milímetros e contém ilustrações monocromáticas de flores japonesas.
Seus nomes são apresentados em uma fonte de 0,01 mm de largura, criada com a
mesma tecnologia das impressoras de dinheiro para evitar a falsificação.
Em 2013, o Shiki no Kusabana
foi exposto no Museu da Impressão da empresa em Tóquio, onde foi vendido, junto
com uma lupa e uma cópia maior, por US$ 307. Tudo muito bem, mas há uma
desvantagem: de acordo com o Unesco, “entende-se por livro a publicação
impressa, não periódica, de, no mínimo, 49 páginas, sem contar as da capa”. Por
essa definição, então, Shiki no Kusabana não é um livro, mas um folheto.
Uma questão de pele.
Existem escritores que deixam suas vidas em uma obra. Outros, sem ser escritores,
deixam a pele. Dentro da biblioteca de extravagâncias existe uma prática
conhecida como bibliopegia antropodérmica e parece ter sido bastante popular durante
os séculos XVII, XVIII e XIX. A prática consiste basicamente em encadernar
livros com pele humana. Os primeiros encadernados dessa forma foram os tratados
médicos ou jurídicos, para os quais usavam partes de membros amputados,
cadáveres de condenados à morte ou simplesmente corpos não reclamados por
parentes.
John Horwood estava apaixonado por
uma vizinha, Eliza Balsum, a quem se declarou e depois assediou reiteradas
vezes. Diante das repetidas recusas das ofertas amorosas, Horwood decidiu jogar
um frasco de ácido sulfúrico no rosto. A garota conseguiu sair ilesa do ataque.
Pouco depois, ele a atacou novamente, jogando uma pedra em sua cabeça. Semanas
depois, devido às complicações causadas pelos ferimentos, a jovem morreu.
Horwood foi preso, levado a julgamento, condenado pelo assassinato e levado à
forca. Ele se tornou, então, o primeiro condenado à morte em Bristol. A
execução teve uma peculiaridade: se usou uma corda mais curta do que a
estabelecida com a intenção de causar-lhe uma morte lenta por asfixia. Após sua
morte, o corpo de Horwood foi reivindicado pelo cirurgião Richard Smith para
uso como objeto de estudo. A família do condenado se opôs, mas as autoridades
consentiram com o pedido do médico, que dissecou o cadáver em uma aula pública
de anatomia no Royal Hospital de Bristol. Por fim, toda a história de Horwood,
a obsessão com a vizinha e o processo judicial que o levou à forca foram
documentados em um estudo que o Dr. Smith ordenou que fosse encadernado com a
pele do próprio condenado. O livro faz parte da exposição permanente no museu M
Shed, em Bristol. Na lombada do livro está escrito: “Cutis Vera Johannis
Horwood, que significa: “A verdadeira pele de John Horwood”.
O caso de Horwood não é o único. A
pele de George Cudmore, condenado à forca em 1830 em Devon, Inglaterra, foi
bronzeada e usada para cobrir uma cópia de 1852 de The Poetical Works of
John Milton, disponível Biblioteca Westcountry Study, em Exeter.
Bla bla bla. Em busca do
tempo perdido, de Marcel Proust, pode ser um livro extenso. Publicado em
sete volumes, é composto por 1.000.277 palavras dispostas em mais de três mil
páginas (dependendo da edição). O mesmo pode ser dito sobre a saga Mission
Earth de L. Ron Hubbard ou The Story of the Vivian Girls, de Henry
Darger, ambos com nove milhões de palavras (embora Darger não tenha sido
publicado). São títulos ante os quais obras como Jerusalém, de Alan
Moore, ou Graça infinita, de David Foster Wallace, são reduzidas a
folhetos.
No entanto, existem obras
literárias ainda mais extensas. E, até novo aviso, Marienbad My Love de
Mark Leach é o romance mais longo do mundo. O autor, um artista conceitual
nascido e criado no Texas, começou a escrevê-lo na década de 1980 e acabou
publicando-o em 2008. Essa obra colossal é composta por 17 volumes, 10.710
páginas, 17,8 milhões de palavras e 109.465.318 caracteres com espaços.
Em Marienbad My Love há um
OVNI gigante suspenso na estratosfera que pode muito bem ser uma nave
alienígena ou a evidência da presença de uma divindade ou ambos os fenômenos ao
mesmo tempo, há histórias de amor, roteiros classe B, abduções alienígenas,
colaborações entre Nazistas e seres de outros planetas, tecnologias de controle
da mente, insetos religiosos do espaço sideral, um monstro que viaja no tempo,
híbridos humano-alienígenas de aparência insetóide. E pode haver ainda mais.
Porque além de extenso, Marienbad My Love é um romance de código aberto.
Em 2009, um ano após sua publicação, Leach liberou os direitos autorais sobre ele
para encorajar a cópia, distribuição, transmissão e remixagem em escala
planetária. “William Burroughs costumava dizer que as palavras não têm marcas
como as do gado”, disse Leach, que decidiu abrir a porta de seu “curral
literário”. A obra completa está disponível para download aqui. Uma versão revisada, protegida por direitos autorais, está
à venda como e-book ou em cópia impressa pela Amazon.
Por trás da broma de Leach está The
Blah Story, do artista visual, músico e produtor cinematográfico Nigel
Tomm. O romance consiste em 23 volumes, 17.868 páginas e 11.338.105 palavras,
muitas das quais são precisamente blá. Aqui está um trecho: “Seu blá não blá
para blá algumas vantagens blá. O blá era blá y blá blá, mas eles blá bastante
blá blá blá. Embora, o blá, blá, que deu ao blá, blá, foi um blá de blá, ironia
e blá, blá. Quando blá tinha blá, blá, era provavelmente blá, blá, blá, uma vez
que blá, blá, não, blá de seu blá. Blá a blá velho blá blá mais blá que blá.”
Continuando com os exageros, uma
das frases mais longas da língua inglesa é encontrada no Ulysses de
James Joyce, que contém 4.391 palavras. Essa marca foi superada em 2001 por
Jonathan Coe, que em seu romance Rotters Club escreveu uma frase de
13.955 palavras em inglês. Tomm, conhecido por ter feito uma peculiar adaptação
de O apanhador no campo de centeio, quis criar a frase mais longa
já escrita. E ele fez isso, à sua maneira. Em The Blah Story há uma
frase muito longa que se desdobra em quatro volumes (16, 17, 18 e 19). A frase
contém 2.403.109 palavras, 15.403.732 caracteres (com espaços) e ocupa 3.248
páginas. O autor, aliás, também inventou a palavra mais longa — ela tem
3.609.750 caracteres e aparece no volume 19, que tem 812 páginas e apenas 11
palavras, uma das quais, por acaso, blá.
* Este texto foi publicado
originalmente em língua espanhola, “Gigantes, diminutos o encuadernados con piel
humana: los libros más extraños del mundo” na revista Galería.
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