Breve nota sobre o simbolismo russo
Por Joaquim Serra
Se pensarmos de forma prática no
cânone literário russo do século XIX, veremos que a prosa social grassou como
método de representação. A segunda metade do século nos legou grandes obras: O
idiota, Os demônios, Irmãos Karamázov, do realismo dostoiévskiano; Anna
Kariênina, Ressurreição, Guerra e paz, do realismo épico de Tolstói. Pais e
filhos e sua preocupação com as gerações e as rápidas transformações da Rússia.
Oblómov e a vida da aristocracia inerte. Depois, Anton Tchekhov sintetizaria
boa parte dos temas anteriores em seus contos rápidos, em suas peças profundamente
entranhadas nas questões das famílias no fim de século, um “realismo do
colapso”, como definiu o crítico Raymond Williams.
O que viria depois, no novo
século e na era das guerras e revoluções, mudaria para sempre o método de
representação. Não faria mais sentido buscar o narrador homérico como o fez Tolstói,
tampouco a vida de alguém faz sentido quando contada através de um narrador que
sugere uma onisciência. O realismo seria retomado como força política para
construção de um novo real, do novo homem pós-revolucionário. Sendo assim,
ainda que o simbolismo e o futurismo dessem uma nova roupagem para a arte, a
literatura mimética – de cunho realista – de Górki seria, mais tarde, eleita
como a representativa do novo mundo.
Grosso modo, no século XIX, vimos
a passagem das grandes epopeias ao sintetismo tchekhoviano e veríamos, no
começo do século XX, uma forma textual ainda menor e que carregava a palavra
para além de seu sentido realista antes proposto: o poema.
O texto de Homero Freitas de
Andrade, Breves noções sobre o simbolismo na Rússia, abre com um poema de
Alexandr Blok, isso porque a poesia é eleita como a forma predileta dessa
escola. Isso se dá pelo desejo de criar uma arte sintética, que englobe tudo:
música, religião, filosofia e poesia, esta como a principal contribuição do
simbolismo russo. A poesia era a forma mais prática para alcançar o fim
místico, o teatro viria depois, e seria o teatro que constituiria o elo mais
forte dessa fraternidade da poiesis, que surge no simbolismo.
O verso da poesia elevou a
sinestesia, um sentido através dos sons e imagens advindos das palavras e das
imagens por ela evocadas. É por meio dela que o poeta faz com que libere uma
abertura metafísica para a leitura do poema. A subjetividade do criador é muito
importante e necessária, ao contrário do que acontecia no realismo, que
privilegiava a realidade perceptível por meio de uma arte mimética. Essa
subjetividade criava uma poética específica para cada autor, além de promover a
simbiose do poeta e do crítico. Por isso, o simbolismo se apresenta como uma
arte cifrada, muito diferente da poesia por vezes simples de Púchkin.
O simbolismo tem sua origem na
França, mas rapidamente se alastra por toda parte. No aspecto da palavra, o
signo funciona como uma sugestão para uma outra leitura não impressa nele; é um
contraponto ao realismo vigente no século XIX. Ao contrário da representação
mimética da realidade objetiva, o simbolismo vai para dentro do homem e inverte
a posição para o subjetivismo. Com isso, a matéria da poesia lírica é subjetiva
e busca uma essência através das imagens sonoras que são reorganizadas no
verso. Com a inversão para o foco subjetivo, a natureza do signo se modifica
conforme o artista e sua técnica, por isso a possibilidade do mergulho em
elementos místicos, a exploração do mundo da intuição artística e a busca
incessante pelo mundo espiritual e seu significado além da palavra.
O simbolismo foi também uma escola
profundamente preocupada com a recepção da obra. O leitor ou espectador deve
entender novos significados a partir das sugestões do artista. O escritor capta
esses símbolos da natureza – do mundo ao redor – e estabelece correspondências
com o outro plano, o superior, e cabe ao leitor construir a ponte através
desses símbolos. Por essa conexão, por vezes a escolha sugestiva dos poetas
redunda em um hermetismo que ficou aquém do povo. Na Rússia, o movimento
simbolista foi muito específico porque contou com uma interrelação com a
filosofia: a transcendência seria como a forma de superação do real, a ascese
em busca do divino.
Por isso, se virmos somente a
forma pela forma, poderíamos pensar que o simbolismo russo não esteve calcado
na realidade. Se por um lado o realismo russo de Górki estava preocupado com a
emergência do capitalismo, dos esquecidos pelo estado tsarista, o simbolismo
russo se preocupava com a realidade além do mundo palpável, com uma resposta
que o mundo sensível poderia servir de apoio para alçar a percepção através da
forma. Essa experimentação simbolista seria o embrião dos movimentos de
vanguarda, o que dá uma carga de idiossincrasia para os movimentos artísticos
russos daquele período, quando o mesmo mundo congregou Górki, com o realismo
proletário, e Alexandr Blok e sua mística Bela Dama e sua Barraquinha de Feira.
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