Boletim Letras 360º #424
DO EDITOR
1. Saudações, caro leitor! Repasso o lembrete que deixamos em edições anteriores deste Boletim: as vendas de alguns livros da
biblioteca do Letras para cobrir as despesas de hospedagem do blog online estão
abertas. O bazar no nosso Facebook acontece anualmente. Veja se
é possível a ajudar. A simples partilha e divulgação é já muito importante. Aqui. Caso não disponha de conta nessa rede social, pode escrever a blogletras@yahoo.com.br
2. Abaixo, o leitor encontra notícias apresentadas
durante a semana na página do blog no Facebook e o conteúdo das demais seções
de leitura criadas em momento posterior à existência deste Boletim.
3. Reitero os agradecimentos pela
companhia do nosso trabalho. Espero que você esteja, dentro do possível são e
seguro. Boas leituras!
Paul Celan. Foto: Renate von Mangoldt. Um dos mais importantes livros do poeta ganha tradução no Brasil. |
LANÇAMENTOS
Dom Quixote visto pelos artistas
brasileiros Portinari e Drummond.
Miguel de Cervantes, Cândido
Portinari e Carlos Drummond de Andrade juntam-se ao trabalho violonista
Norberto Macedo no Dom Quixote visto pelos artistas brasileiros Portinari e
Drummond. A obra recupera parte de outro livro — D. Quixote: Cervantes,
Portinari, Drummond, lançado em 1973 pela editora José Olympio. A versão que
sai agora é bilíngue (português e espanhol) e amparada em um projeto gráfico
moderno que inclui QR Code capaz de levar o leitor ao álbum “Suíte Dom
Quixote”. Inspirado no texto de Cervantes, nos desenhos de Portinari e nos poemas
de Drummond, o tema musical foi composto por Norberto Macedo. Portinari já estava no fim da vida
e sofria com a intoxicação causada pelas tintas que o acabaria matando quando
recebeu, do editor José Olympio, a encomenda para ilustrar a segunda edição da
primeira tradução brasileira de Dom Quixote de La Mancha. Os desenhos
começaram a ser feitos em 1956 e, como não podia usar pincel, Portinari
retratou o “cavaleiro da triste figura” com lápis de cor. O resultado das 21
ilustrações ficou tão impactante que motivou Carlos Drummond de Andrade a fazer
um poema para cada uma delas. Para o poeta, o “Quixote portinariano enche de
felicidade os olhos que o contemplam”. O livro só foi editado no final de 1972,
depois da morte do artista. O livro agora publicado é parte do projeto Diálogo
Cultural Brasil-Espanha. Além do livro, estão previstas duas exposições, um
seminário internacional, palestras e oficinas para estudantes da rede pública
de ensino. Devido à pandemia, contudo, ainda não há data definida para sequência
da iniciativa. Ao todo, dois mil exemplares do
livro serão disponibilizados, dos quais 1,6 mil de forma gratuita para
bibliotecas, museus e instituições culturais do Brasil. O projeto é organizado
pela Associação Céu de Capricórnio, Projeto Portinari, Instituto Cervantes do
Rio de Janeiro e Museus Castro Maya.
Depois do sucesso de Os postais catastróficos, semifinalista do
Prêmio Jabuti 2019, Ismar Tirelli Neto apresenta agora seu novo trabalho em
livro, Alguns dias violentos, cuja ideia já havia aparecido
brevemente em formato de plaquete em 2014.
Nessa nova coletânea, que mantém o
ritmo do autor entre a poesia e prosa poética, o poeta debruça-se sobre a
sensação do fim-de-mundo, já tão comum entre os poetas dos nossos anos 20, mas
com a roupagem do estranho cotidiano que acompanha sua trajetória na escrita. Enquanto trabalhava os ajustes
finais do livro, Ismar Tirelli Neto, no blog do IMS, apontou: “Penso que o fim
do mundo é uma espécie de morada, que também ele tem a sua domesticidade, que também
ele pode abrir-se para uma cena íntima. Ou então, que a nossa intimidade pode
ser apresentada, dentre uma infinidade de coisas, como um mundo em vias de
acabar. É este tipo de tensão que me interessa e que busco trabalhar”. E é
justamente essa domesticidade do fim que acompanhamos na linha narrativa
apresentada no livro. Trazendo cenas extraídas de
situações corriqueiras e banais, como um encontro num saguão de hotel, por
exemplo, Ismar desenha uma história a partir de vozes entrecortadas e desiludidas,
feito um exímio curador que apresenta aos espectadores trechos de antigas fitas
de filmes clássicos. Tal experiência dá a ver a construção de uma estética que
funciona como pano de fundo de todo o livro, essa que consegue maximizar as
dimensões das cenas mais simples a partir de um impressionante apuro técnico da
linguagem. Ao contrário das sensações e da
forma de encarar o mundo como são apresentadas, os poemas deste livro não se
resumem ao ambiente doméstico. Há as cidades, as ruas das cidades, muitas
cidades em Alguns dias violentos, e vem delas a sensação de cansaço presente
nas peças, principalmente na que abre a obra, na voz de um oficiante esgotado,
“Moído de mastigar cidades”. E esses lugares, longe de se permitirem como uma
mimese exata do mundo, se parecem cada vez menos com o que são, ao se mostrarem
mais como foram na memória e, principalmente, como poderiam ter sido. A
sensação de desamparo, junto do olhar crítico e cirúrgico da vida, parecem vir
carregadas de uma sina irreversível de pertencimento. É o que denuncia o
movimento-síntese do poema “Os irreconhecíveis”, em que lemos: “E o desejo / A
deformar todas as cidades / Naquela em que nasci.” O livro é publicado pelas Edições
Macondo.
Uma preciosidade do trabalho de
Sílvio Romero em nova edição.
Cantos populares do
Brasil foi publicado pela primeira vez em Lisboa, no ano de 1883, e é
composto de cantos coletados principalmente por Sílvio Romero, nos estados de
Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia e Rio de Janeiro. A obra se divide em três
séries: Romances e Xácaras (canções narrativas de origem portuguesa), Reinados
e Cheganças (conjunto de peças dramáticas como autos e janeiras) e, por fim,
Versos gerais. O livro é publicado pela editora Principis.
Um dos principais livros de Paul
Celan ganha tradução pela primeira vez no Brasil.
A rosa de ninguém (1963) é um
dos principais livros de Paul Celan, escritor cuja vida e obra foram
profundamente marcadas pela experiência da Shoah e que é hoje reconhecido como
um dos poetas mais importantes de língua alemã. Dois fatos foram determinantes
para a escrita do livro: uma campanha difamatória de caráter antissemita
promovida então contra Celan, e sua descoberta do poeta russo, também judeu,
Óssip Mandelstam (a quem a obra é dedicada), com o qual sente uma identificação
plena. Em seu discurso de agradecimento
pelo Prêmio de Literatura da Cidade de Bremen, em 1958, pouco antes de começar
a trabalhar no livro, Celan diz que, em meio a todas as perdas que sofreu, a
língua foi a única coisa que não se perdeu: “Mas ela teve de atravessar sua
própria falta de resposta, teve de atravessar um emudecimento terrível, teve de
atravessar as trevas sem fim do discurso mortífero. Fez essas travessias e pôde
voltar à tona, ‘enriquecida’ por tudo isso”. É nessa língua decantada,
atravessada pelo trauma e reforjada nas sombras e no silêncio que Celan
constrói sua poesia de resistência e de afirmação radical da vida, aqui
belamente recriada na tradução de Mauricio Mendonça Cardozo: “Um nada / éramos, somos, continuaremos / sendo, florescendo: / a rosa de nada, a / rosa de ninguém.”
A história de uma professora de
sociologia que vê seu casamento desmoronar pouco antes do início de uma
pandemia global. Uma distopia com ares de fábula e manifesto.
As distâncias e os pontos de contato
entre o pessoal e o coletivo, entre a narrativa individual e a histórica,
ocupam o centro de O último gozo do mundo, décimo terceiro livro de
Bernardo Carvalho publicado pela Companhia das Letras. Presa de um tempo em que “a
leitura do mundo tornou-se descontínua e episódica”, a protagonista desta
novela parte, com o filho pequeno, numa jornada para um retiro no interior
profundo do Brasil. Lá, mora um homem que passa a prever o futuro depois de ter
sobrevivido ao vírus ameaçador. Entre lembranças obliteradas, encontros e
desencontros e vidas até então previsíveis modificadas radicalmente, um rastro
de perplexidade e de perguntas sem respostas vai sendo deixado para trás, numa
narrativa enigmática, eletrizante e que se torna mais e mais perturbadora.
Podemos distinguir as causas dos efeitos? Como damos sentido a uma narrativa? O
que restou de humanidade num Brasil dominado pela morte? Podemos ter um projeto
comum de futuro sem um relato coerente do passado?
A Editora Moinhos publica o
primeiro livro no Brasil da poeta portuguesa Margarida Vale de Gato.
Esse livro é um projeto poético
com atualizações periódicas, porque a autora já publicou outros títulos
chamados Mulher ao Mar Retorna, em 2013, e Mulher ao Mar e
Grinalda, em 2018; um projeto que agora cria ramificações com este livro Mulher ao Mar Brasil, que é uma nova seleção de poemas com inéditos
e uma nova ordem para a edição brasileira.
A origem da espécie investiga uma das histórias mais antigas que ainda se contam na face da Terra:
o Mito do Roubo do Fogo.
Mitos pertencem, sobretudo, ao
campo da etnologia. São ainda objeto da filosofia, da história das religiões,
da sociologia, da psicologia, da psicanálise, de outros ramos do conhecimento.
Que faz, então, um romancista, um contador de histórias como Alberto Mussa, no
terreno do mito? Ele responde: “Mitos são, no fim das contas, apenas mais um
gênero de narrativa; embora seja, para mim, o gênero por excelência ― o mais
exuberante, o mais perfeito entre todos, por condensar o máximo de conteúdo com
um mínimo de expressão.” A origem da espécie é um ensaio
literário que reconstitui as personagens e o arcabouço da trama original do
Mito do Roubo do Fogo ― um poderoso programa ideológico, um código dos valores
fundamentais da humanidade primordial, que inclui: o alimento cozido; a caça
como expressão da inteligência; o tabu do incesto; e o poder “xamânico”,
segundo o qual “ser plenamente humano é não ser apenas humano”. Assim
reconstituído e interpretado, o Mito do Roubo do Fogo ainda lança luz sobre a
polêmica questão da origem da linguagem, provavelmente surgida em hominídeos
mais antigos que o Homo sapiens. À semelhança de um filólogo que
estuda e compara diversos manuscritos antigos e anônimos de um mesmo poema ou
narrativa, Alberto Mussa escreve aqui, em sua obra mais radicalmente pessoal, o
que pensa ― ou o que sente ― sobre o roubo do fogo, assim como sobre a
compreensão da verdadeira noção de humanidade, concebida no paleolítico, ou a
de sociedade, como existe hoje. Nas palavras do autor: “Mitos, na
verdade, são mais velhos que línguas; são mais antigos que populações. Já passa
da hora de dar voz a eles”. O livro é publicado pela Editora
Record.
Considerado uma das obras-primas da literatura do século XX em nova tradução e edição no Brasil.
Publicado em mais de vinte e sete
países e incluído na lista dos doze melhores romances de língua francesa, Diário de um pároco de aldeia é considerado uma das obras-primas da
literatura do século XX. Através das páginas escritas em tom confessional por
um jovem pároco, Georges Bernanos apresenta ao leitor a viagem da alma e do
corpo deste servidor pela pequena cidade de Ambricourt, no norte da França — a
relação dele com a fé, com o seu serviço sacerdotal, com a doença do corpo, e o
confronto com a realidade de sua paróquia, com suas dúvidas e seus erros. O
romance mais popular e tocante de Georges Bernanos — que, segundo François
Mauriac, tinha “o magnífico dom de tornar natural o sobrenatural” — ganha agora
uma nova tradução para o português, que se aproxima consideravelmente não só do
estilo do escritor francês, reconhecidamente elevado, como também do estilo que
ele cria para o jovem pároco, que se põe a registrar num diário, entre um dia e
outro de entrega piedosa aos paroquianos, os seus conflitos mais íntimos. A
tradução de Roberto Mallet é publicada pelo Sétimo Selo.
Mainha, o novo livro
do poeta e colunista do Letras, Tiago D. Oliveira, é publicado pela Editora
Patuá.
Percursos delicados aguardam o
leitor nestas páginas, palmilhar o coração de um filho, território não raro em
conflito com o solo pátrio da infância. Mas eis que, diante de nós, mais que a
mãe do poeta, multiplicam-se outras mulheres, personagens, mátrias que emergem
de universos distintos e que, no entanto, refletem o que do amor só se sabe por
vivência e não por experimento. E mesmo um devir-homem. Do filho que almeja o
materno como cerne de sua alma masculina. Na construção de uma paternidade
possível, tocar o sentimento que habita o núcleo bruto do afeto, essa via de
acesso ao sublime. Poeta do sensível, Tiago D. Oliveira escapa ao previsível em
poemas que desvelam esta presença/ausência que se alonga em extensão de
infinito. (Kátia Borges)
Nova edição e tradução de um
clássico da obra de Joseph Conrad.
Em meados da década de 1870, o rei
Leopoldo XX da Bélgica passou a promover supostas expedições humanitárias e científicas
para “civilizar os selvagens” que habitavam o Congo. No entanto, o monarca
apenas explorava o país: escavava o ouro, abatia elefantes em busca do marfim,
promovia caçadas esportivas e devastava a floresta nativa. A riqueza produzida
seguia diretamente para os cofres pessoais do rei. Além disso, essa exploração
era realizada por meio de crueldades com os habitantes nativos, que morriam de
fome, de doenças e por excesso de trabalho, ou sofriam torturas, estupros e
massacres perpetrados pelos europeus. No ano de 1890, quase no fim de sua
carreira marítima, o polonês Joseph Conrad desceu o rio Congo como capitão de
uma embarcação a vapor. A experiência viria a marcá-lo pelo resto da vida. Ao
chegar no Congo, Conrad encontrou apenas o horror em suas diversas facetas, o
horror praticado pelos agentes da civilização, o horror absoluto. Ele rompeu o
contrato de três anos e retornou à Inglaterra depois de apenas seis meses. Anos
depois, baseando-se na experiência, escreveu o romance Coração das trevas,
em que o capitão Marlow relata sua viagem pelo grande rio africano para o
resgate de um gerente de posto de comércio chamado Kurtz. Mais que simplesmente
um relato de viagem, Coração das trevas é também “uma obra
metafórica, simbólica, que durante todo o século gerou interpretações
psicanalíticas, políticas, filosóficas, de estudos de gênero, culturais,
pós-coloniais”, como afirma o tradutor Paulo Raviere na introdução do volume.
Seu estilo vivaz, exuberante e revolucionário o transformou em um clássico moderno,
um dos livros mais importantes do século XX. Além disso, Coração das trevas foi
também uma das primeiras denúncias do genocídio belga. Não por acaso, décadas
depois o diretor Francis Ford Coppola se inspiraria nele para narrar as
tragédias da Guerra do Vietnã (1955–1975), no filme Apocalypse Now (1979). A edição especial da DarkSide é enriquecida pelas belas ilustrações de
Braziliano Braza, e conta ainda com os “Diários do Congo”, nos quais
Conrad se baseou para a escrita do romance, um ensaio de Virginia Woolf sobre o
autor, e um posfácio do pesquisador Carlos da Silva Jr., no qual ele discorre
sobre os resquícios coloniais que persistem ainda hoje. “Na África, na Europa
ou nas Américas, a disputa pela memória continua viva, vibrante, e a nova edição
de Coração das trevas nos ajuda a lembrar desse episódio sangrento
e cruel na história da humanidade”, afirma o pesquisador. Depois dos contos de
Edgar Allan Poe e de H.P. Lovecraft, dos romances Frankenstein, Drácula, O médico e o monstro, e da antologia Medo imortal a DarkSide dá sequência à publicação de grandes obras
da literatura na coleção Medo Clássico com o contundente romance de Joseph
Conrad e seu mergulho no coração das trevas. Como todo clássico digno desse
nome, Coração das trevas é um daqueles livros que sempre projetam
luzes sobre as sombras incessantes que nos espreitam. A tradução é de Paulo
Raviere.
Livro reúne entrevistas e outros textos de Sérgio Sant'Anna.
Desde o final dos anos 1960 até
sua morte em maio do ano passado, Sérgio Sant'Anna se dedicou obsessivamente a
erguer uma das obras mais originais da literatura brasileira. Neste volume, os
escritores André Nigri e Guilherme Pacheco reuniram o que parece ser o lado B
de sua produção: algumas das entrevistas mais antológicas que concedeu e alguns
dos seus textos críticos, que falam de nomes como Rubem Fonseca, Dalton
Trevisan e teorizam sobre o fazer literário. Esse livro seria um lado B de
Sérgio Sant'Anna, mas para o leitor a sensação será a de reencontro com sua voz
singular. O conto não existe.
Entrevistas e ensaios (1969-2020) é publicado pela Cepe Editora.
Novo livro de Alberto da Costa e
Silva é publicado pela Nova Fronteira.
Em A África e os africanos
na história e nos mitos, Alberto da Costa e Silva, cujos 90 anos
comemoramos em 2021, mais uma vez empresta seu vasto conhecimento aos leitores
que queiram entrar em contato com a história daquele continente e de seu povo.
Esta é uma viagem às várias Áfricas que coexistem, motivada pelo prazer
intelectual e pela alegria das descobertas, pela possibilidade de estabelecer
aproximações, perceber diferenças, descortinar múltiplos enfoques de
determinado tema. Para tanto, Costa e Silva reuniu fragmentos de histórias
orais, transcrições de época, tradições e relatos de povos, líderes,
linguistas, viajantes e estudiosos, tudo muito bem urdido e narrado com tantas
cores que nos sentimos transportados no tempo e no espaço.
REEDIÇÕES
Nova edição de Chão em
chamas, de Juan Rulfo.
“Aqui a gente fala, e as palavras
ficam quentes dentro da boca por causa do calor que faz lá fora, e vão se
ressecando na língua da gente até a gente ficar sem fôlego.” Assim iniciada a
jornada de Chão em chamas que guia o leitor através da árida
paisagem do estado de Jalisco, oeste mexicano. Ambientados nesse lugar da
primeira infância de Juan Rulfo, os escritos aqui reunidos transitam entre a
crueza de um realismo e a fantasia própria da existência latino-americana.A
construção deste livro foi por si só foi uma peregrinação. Os primeiros contos
de Rulfo foram publicados nas revistas literárias Pan e América e, graças a sua
qualidade, o autor logrou receber uma bolsa do Centro Mexicano de Escritores,
quando escreveu mais sete histórias, e assim publicou a primeira versão de Chão
em chamas em 1953. Ainda não satisfeito, Rulfo impôs ao livro mais revisões, adições
e cortes, tanto de trechos e como de contos, até que, em 1970, assumiu uma
forma final — sendo esta a versão a considerada para a presente edição
brasileira. Nas palavras do amigo e tradutor Eric Nepomuceno: “Juan Rulfo era
um obcecado pelo corte, pelo polimento final, pelo secar de um texto até
reduzi-lo à mais rigorosa exatidão.” Tanto zelo e precisão são tão trabalhados
que quase passam despercebidos ao leitor. Os contos de Chão em
chamas são repletos de marcas de oralidade, de introspecção ao ambiente
agreste e duro, mas mesmo assim, encantador de Jalisco. Considerado uma obra
regionalista, a realidade mexicana pode fazer soar como a brasileira e
reverbera a condição humana universal e ao mesmo tempo que os dramas
particulares latino-americanos. A morte, o conflito de terras, o amor, a
doença, a sexualidade, a miséria, a fé, a violência, a injustiça e a
indignação, são alguns temas que os personagens de Rulfo, homens e mulheres
brutos, inflamados ou melancólicos, conduzem o leitor e se misturam em meio de
desertos e chuvas da imensa chapada. Chão em chamas é o primeiro e
único de livro de contos de Juan Rulfo, este escritor mexicano maior,
referenciado por nomes como Gabriel García Márquez, Jorge Luis Borges e Susan
Sontag. Obra aparentemente simples, porém, sem dúvida, profundamente
desconcertante. Em sua unidade formal repousa uma grande diversidade de
linguagens, registros e tons com os quais Rulfo aborda o problema de uma
violência multifacetada — ora desencadeada, ora insidiosa —, a tal ponto naturalizada
que não é mais reconhecida como tal.
O novo título da reedição da obra
completa de Cornélio Penna.
Quando Fronteira foi
publicado pela primeira vez, em 1935, causou grande estranheza nos meios
literários. Romance de estreia de Cornélio Penna, simples na forma, compacto
na sucessão de capítulos — em geral, curtos, como cenas ou quadros interiores
dessa cidade sem nome encravada entre montanhas e fantasmas do ciclo da mineração —, fala-nos de um mundo em decadência, mas que ainda persiste em nos assombrar. O título Fronteira já
remete a esse lugar indefinido entre sonho e realidade, entre passado e
presente, entre natural e sobrenatural, entre crença e descrença, entre lucidez
e loucura, e aos poucos vai construindo um clima de suspense e mistério — que
não se resolve como novela policial, mas antes como drama interior. O livro é publicado pela editora
Faria e Silva.
DICAS DE LEITURA
Na edição 372 deste Boletim Letras
360.º, datada de alguns dias depois do 23 de abril, Dia Mundial do Livro e do
Direito do Autor, recomendamos três livros sobre livros. Vale repetir a
experiência agora, nas mesmas circunstâncias, com outras novas recomendações.
1. Histórias de livros perdidos,
de Giorgio Van Straten. Das pequenas pérolas sobre o tema; aqui se contam
oito histórias sobre oito livros que entraram para o grande rol dos livros
imaginários — nesse caso porque apesar de esboçados pelos seus autores nunca
vieram a luz porque destruídos de alguma maneira, rasgados, queimados ou
roubados. Entre os autores recordados por Van Straten estão Lord Byron, Nikolai
Gógol, Ernest Hemingway, Walter Benjamin e Sylvia Plath. A tradução é de Silvia
Massimini Felix e está publicada pela Editora da Unesp.
2. A biblioteca: uma história
mundial, de James W. P. Campbell. Ora monumento, ora ponto de encontro e
de descobertas para outros mundos tão ou mais valiosos que este agora ocupado, ora centros do saber. A
biblioteca é ainda um dos mais bonitos símbolos de resistência humana,
impérios contra a barbárie. Este livro repassa desde os projetos das
bibliotecas da Roma Antiga até os da Bibliothèque Nationale, em Paris
recontando a história desse tipo de construção em todo o mundo, dos
primórdios da escrita até a atualidade, da Mesopotâmia Antiga ao Japão moderno.
O texto do historiador da arquitetura Campbell é interceptado pela fotografia
de Will Pryce e o resultado é um daqueles livros deliciosos para ler despretensiosamente
enquanto podemos viajar e saber mais sobre uma das maiores conquistas da
humanidade. A tradução é de Thaís Rocha e está publicada pelas Edições SESC.
3. A capa do livro brasileiro
(1820-1950), de Ubiratan Machado. Este livro oferece duplo papel: organizar
e compreender o processo de transformação de um pequeno espaço que se institui cada
vez como o elemento fundamental e criativo para o livro enquanto elabora uma
parte da história de nossa memória do livro no Brasil. Mais de um século entrevisto
por uma rica variedade de imagens que percorre quase dois mil títulos que
tiveram a mão de gente como Di Cavalcanti, Belmonte, Santa Rosa, J. U. Campos,
entre outros. O livro está publicado pela Ateliê Editorial e SESI-SP Editora.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Na quinta-feira, 21, foi
aniversário de duas figuras incontornáveis da literatura brasileira: Manuel
Bandeira e Lygia Fagundes Telles. Do primeiro, excelente ocasião para recordar
este excerto do filme O Habitante de Pasárgada, parte do projeto de
Fernando Sabino e David Neves, “Encontro Marcado”. Nele, o poeta recita seu mais famoso poema, lembrado no título do documentário. Aqui.
2. Também na galeria de vídeos em
nossa página no Facebook, o leitor encontra vários pequenos filmes sobre Lygia
Fagundes Telles. Destacamos nesta ocasião, este de um projeto conduzido pelo
Instituto Moreira Salles, “O escritor por ele mesmo”, em que a escritora fala
sobre si e sua obra.
BAÚ DE LETRAS
1. Ao falar sobre a reedição do primoroso
trabalho de Candido Portinari e Carlos Drummond de Andrade a partir do grande
clássico da literatura espanhola, Dom Quixote, recobramos esta post publicada
no blog sobre estes diálogos possíveis apenas pela criatividade artística.
2. Sobre livros perdidos, o livro
de Giorgio Van Straten foi motivo para este texto que traduzimos no blog e reconta
alguns dos episódios referidos pelo pesquisador em no livro recomendado nas Dicas
de Leitura deste Boletim.
3. Especificamente sobre o romance
perdido de Sylvia Plath recomendamos a tradução deste outro texto que revisita os
diversos caminhos possíveis sobre a concepção e o desaparecimento do seria o
segundo trabalho da escritora estadunidense neste gênero. Como sabe, até nós
chegou apenas A redoma de vidro.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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