As dores do luto são também uma forma de seguir
Por Tiago D. Oliveira
Desde O boxeador polaco (Rocco, 2014),
primeiro livro publicado no Brasil de Eduardo Halfon, o leitor já encontra a
memória e a ficção se misturando em contos em que um avô revela histórias sobre
Auschwitz. O que volta a acontecer em Luto (Mundaréu, 2018), com tradução de
Lui Fagundes, quando o autor guatemalteco constrói uma investigação sobre a
morte de Solomón, um irmão de seu pai que faleceu ainda criança, afogado em um
lago. No decorrer do romance o autor vai construindo um quebra-cabeça com as
peças de suas memórias de uma infância que é também constantemente transpassada
pela imaginação em recriação dos acontecimentos.
Um dos temas que a narrativa carrega é a
fuga da família para os Estados Unidos na década de 1970 e assim, fugindo da
guerra civil, o autor apresenta a diáspora que tem o exílio como ferramenta de
reflexão individual e consequentemente nacional, já que esse ponto é fio
condutor para busca da identidade. Ao passo que o protagonista procura conhecer
um capítulo ocultado de seu drama familiar, a morte de seu tio aos cinco anos, o
autor molda uma dor coletiva, o sentimento do luto.
Penso na avó imaginada pelo
neto e sua razão de silêncio, de nunca falar sobre Solomón, o que se coloca no
final quando o narrador, ainda num plano de suposições, imagina que tamanho
silêncio vinha do fato de seu filho ter sido enterrado em outro país sozinho e
em cemitério normal, sem que ninguém soubesse que ele era judeu, sem que as
devidas homenagens lhe fossem prestadas ou que ela, sua mãe, conseguisse ao
menos segurar a sua mão. A dor é razão do percurso do luto.
O sentimento que cresce no decorrer da
leitura é como um sopro desprevenido que acaba por unir a todos; a dor em sua
universalidade norteia e compactua com os espaços. Ao logo de 91 páginas o
autor consegue um trânsito diante de digressões que se colocam propositadamente
como estratégia para o narrar do livro; a sensação que fica é que o luto é
também parte de constantes idas e vindas no tempo. Desta forma, a tentativa de
se desvencilhar do passado, por alguma força de compreensão, é também a maneira
de seguir adiante e assim apontar um jeito de gerir o luto que pouco a pouco se
desenha como um desconforto herdado por um povo mergulhado na mudança abrupta,
sequencial. Entender o passado é caminho para a transformação do presente.
O romance é escrito em uma linguagem
lúcida que não se afinca em jogos duplos e assim constrói um plano objetivo para
uma mensagem que por natureza vem de lugares da subjetividade humana. A dor em
seus caminhos pode se revelar negativa, mas também construtiva quando a busca nos
dias é didática. A dor do povo judeu acolhe na literatura inúmeros lugares já
comuns, o que não acontece no livro de Halfon. Ele consegue tecer uma atmosfera
de descoberta mesmo em um tema universal. Não há divisão de capítulos, há um
trânsito de fluxos que passa pelo presente, passado e por diversas memórias que são conduzidas pelo
evento principal do livro, a morte do menino Solomón afogado no lago.
Luto é um livro que trabalha o sentimento da
perda. No decorrer das páginas, diversas perdas são apresentadas sob contextos
distintos, mas que ecoam de forma igual, como consequência, e assim o luto é
significado. Os ecos de parentes perdidos durante a guerra, a morte de uma
criança no seio da família e sua representação da pureza, do ainda imaculado
pela vida, como também todas as crianças que se afogaram e são descritas no
livro.
A forma como essas mortes são acolhidas em dor é consequência de um
romance bem construído para dar ao final da narrativa uma virada que se
aproxima do quebrar das verdades sólidas para a reconstrução dos passos, o que
se entende no tempo, no luto, o seguir.
Comentários
e esse texto bonito, hein?! obrigada :)