Adam Zagajewski. Poesia e solidariedade
Por Rafael Narbona
Adam Zagajewski argumenta que um
escritor não pode viver de costas para a história. Manter-se longe dos fatos
não o permitirá que escreva uma obra atemporal. A busca por uma “inocência
absoluta” está fadada ao fracasso e pode se transformar em estupidez. É preciso
dialogar com o tempo e aceitar o risco. Manifestar-se sempre implica a
possibilidade de se equivocar. Opinar sobre o que aconteceu há séculos carece
de mérito, pois a tradição já estabeleceu o crivo que nos permite distinguir
entre o sólido e o inconsistente, o duradouro e o trivial. Acredito que
Zagajewski será um dos clássicos de amanhã. Não só porque em 2017 foi
galardoado com o Prêmio Princesa de Astúrias, mas porque a sua literatura não
tem medo de grandes palavras. Sem incorrer em dogmatismos, fala sobre Deus, o Bem
e a Beleza. Sua voz não cede ao ceticismo e não aceita o relativismo de uns
tempos líquidos que rebaixaram a verdade à mera convenção.
A timidez e a modéstia colocam
Zagajewski nas antípodas do fanatismo. Seu ego não é excessivo, mas cortês, ponderado
e modesto. Em sua atípica autobiografia, Um leve exagero, ele esclarece
ao leitor que está no limiar de seu livro: “Não vou contar tudo”. Em primeiro
lugar, porque considera que muitos aspectos da sua vida estão desprovidos de
interesse. Não é Thomas Mann, escrevendo em seu diário até mesmo os pequenos
incidentes de seu sistema digestivo, sempre sujeito a pequenos distúrbios. Em
segundo lugar, porque ele é “um velho representante da velha escola da
discrição do Leste Europeu: aquela que nunca fala em divórcios ou reconhece que
está deprimido”.
Uma autobiografia é quase sempre
uma passagem que nos leva ao cerne da obra de um autor. Um leve exagero
faz isso, captando as preocupações essenciais de Zagajewski. A obra vale a pena
ser lida com a calma de um musicólogo examinando uma partitura ambiciosa. Suas
páginas, repletas de reflexões, nuances, intuições e notas líricas, confirmam
que o futuro acolherá o escritor com a consideração reservada aos clássicos. Os
seus poemas e ensaios constituem um protesto raivoso e fundamentado contra as
diferentes formas de totalitarismo, uma canção permanente a favor da liberdade
e uma reivindicação oportuna da tradição humanística que forjou o sonho de uma
Europa sem discriminação nem exclusões.
Para Zagajewski, as fronteiras não
fazem sentido em um espaço pensado para promover o diálogo e a tolerância.
Depois de resistir à opressão fascista e comunista, a Europa deve ser um farol
de esperança, mostrando que as nações com longas e antigas inimizades podem superar
conflitos, curar suas feridas e estabelecer um intercâmbio frutífero. A Europa
é Dante, Bach, Mahler, Beethoven, Michelangelo, Goya, Goethe, Proust, Kafka,
Cervantes. Poderíamos estender a lista à exaustão. A Europa é uma civilização
com criatividade fértil. Os grandes massacres do fatídico século XX não devem
obscurecer esta herança, capital inesgotável que nunca cessa de fertilizar o
presente e nos impulsionar para um futuro de harmonia e fraternidade.
Zagajewski assume o peso da
história. Sabe que seu trabalho cresce à sombra da Polônia, um país que passou
por grandes sofrimentos. Ocupada pela Alemanha nazista e pela União Soviética,
sua luta pela independência exacerbou o sentimento nacionalista. Católica e com
um tíbio europeísmo, a Polônia hoje reluta em relação à modernidade. Zagajewski
não se sente identificado com esta posição. Seu amor por seu país não se
manifesta como um patriotismo de papel machê, mas como um amor por seus poetas,
seus músicos, seu povo e suas paisagens. Ouvir Chopin ou Górecki, ler Czesław
Miłosz ou Wisława Szymborska, passear pela praça principal de Cracóvia,
desfrutar de seu mercado de peixes e sua igreja gótica, significa procurar as
batidas do coração de uma nação que sobreviveu à voracidade de seus vizinhos,
construindo uma identidade que oscila entre o místico e o firme apego ao
terreno, o espiritual e o temporal.
Admirador de Miłosz, Zagajewski
elogia os poetas que prestam atenção ao seu momento histórico, sem se limitar
às abstrações. Miłosz não perdeu muito tempo com o possível. Ele preferiu
abordar o que realmente existia, como o fenômeno Harry Potter. Talvez ele tenha
sido o único intelectual sério que leu todos os livros da série,
concedendo-lhes sua aprovação. Pensava que não eram um grande triunfo do
espírito, mas um entretenimento inofensivo. Como Miłosz, Zagajewski guarda uma
profunda inquietação religiosa, mas sem abdicar de uma perspectiva salpicada de
dúvidas e perplexidades. Escuta música a qualquer hora, cuida da sua vida
espiritual, reserva horas para a contemplação. Sente especial apreço por A
canção da terra, de Gustav Mahler. Mahler canta para o terrestre, para o
finito, para a fragilidade da vida, admitindo que a consciência não é um
privilégio, mas uma ferida. Vivemos divididos entre a embriaguez do instante e
a melancolia de ontem. A beleza é apenas um eco teimoso do paraíso perdido. A
consciência da morte nos acompanha em todos os momentos, lembrando-nos que a
existência é uma canção efêmera.
Diante desse sentido trágico,
Zagajewski elogia a pintura de Miquel Barceló, lembrando que em suas telas e em
suas pinturas existe uma alegria infantil que celebra a existência de formas e
cores. O homem busca o eterno, o permanente, adiando injustamente o imediato, o
aqui e agora, as pequenas maravilhas da vida cotidiana. O homem não é um animal
de instantes, mas de plenitude. Jamais nos resignaremos a ser finitos. Nossa
mente sempre buscará a porta do céu, uma galeria secreta para aquele além, onde
a morte recolhe suas asas e reconhece sua impotência.
Zagajewski cresceu em uma família
onde a fé não era uma possibilidade, mas algo dado como certo. Durante a
ditadura comunista, tudo relacionado ao espírito representava uma forma de
resistência ao materialismo vigente. Sua tia Marysia era extremamente
religiosa, mas nunca falava de Deus, talvez porque nutrisse “a convicção de que
as coisas da fé são indizíveis”. Quando se manifestam em voz alta, “perdem o
equilíbrio”, degradadas à lamentável banalidade. Zagajewski argumenta que o
poeta e o cientista incorporam atitudes de vida completamente divergentes. O
poeta é “um louco em Cristo” que se expõe a todos, sem esconder suas angústias
nem esconder suas fraquezas. É um bufão que vagueia pelo mundo como um
andarilho sem-teto. O cientista nunca sai de seu laboratório e cultiva a imagem
de um homem respeitável. Jamais se comprometerá com a nudez do poeta que
dispensa máscaras e convenções sociais. Para Zagajewski, ser polonês significa
viver com uma ferida que nunca cicatriza. A Polônia não é uma grande potência,
mas sua história é uma história de grandes sonhos. Ele nunca parou de olhar
para cima. Só quando seu olhar desce para o chão é que seus pecados aparecem:
nacionalismo, intolerância, medo da diversidade.
Zagajewski só se sente capaz de
amar o espiritual: um poema, uma pintura, uma sonata. O “suspiro da história”
só é tolerável graças ao “sopro leve da música”. A arte salva o homem todos os
dias. Uma nota de piano pode curar uma lesão psíquica, restaurando o equilíbrio
perdido. Descendente de uma família deslocada pelos choques do século XX,
Zagajewski destaca que o sentimento de ser um exilado não é uma simples
contingência histórica, mas uma circunstância existencial. Os poloneses se
apegam à sua cultura porque sentem que estão de passagem na sua própria terra,
sempre sob risco de serem expulsos. Zagajewski não vive atormentado por esse
medo. Ele não se sente à beira do exílio, mas o apego ao seu país não o tornou
sedentário. Ele não é um homem sem pátria, mas é um nômade. Suas viagens
permitiram-lhe entrar em contato com outros países que não entendem a
peculiaridade da alma polonesa. O surgimento da mentalidade positivista leva à
perplexidade diante de uma nação que não renunciou ao espiritual e ao
transcendente. Os franceses não entendem por que os poetas poloneses continuam
a falar sobre Deus, já que há muito tempo eles confinaram Deus ao reino dos
seres imaginários e parece infantil ainda acreditar em sua existência.
Zagajewski dedica algumas páginas
particularmente emocionantes à figura de seu pai, Tadeusz. Engenheiro, professor
universitário, militante do movimento Solidariedade, Tadeusz possuía uma
sensibilidade delicada que se refletia em seu amor pelas montanhas, pelas
florestas e pelo final de setembro. A sua formação científica impedia-o de usar
expressões como “contemplação”, mas podia passar horas a contemplar a linha do
horizonte ou um parque outonal, com as suas árvores nuas e folhas caídas a
tapar o solo com os seus amarelos e ocres. Com talento para curtas distâncias —
seus cartões-postais eram uma maravilha de síntese e engenhosidade — ele
fracassou em viagens longas. Escreveu suas memórias a pedido de seu filho.
Intituladas De tombo em tombo, não tinham pulso e eram repetitivas.
Embora não desprezasse a poesia, Tadeusz a considerava “um leve exagero”.
Discreto até ao excesso, Adam evoca seus silêncios. Às vezes, eles caminhavam
juntos nas montanhas e ficavam olhando a paisagem. Nessas excursões, se passavam
horas sem trocar uma palavra: “Calava, calava de boa vontade, por isso nunca
saberei ao certo quem ele foi”. Em todo caso, o conhecimento dos pais é sempre
deficiente: “Não sabemos como olhá-los objetiva ou criticamente.”
Amante da pintura, Zagajewski
enfatiza a importância do rosto humano. Sua mãe testemunhou as deportações em
massa da Shoah: famílias inteiras amontoadas em caminhões ou prestes a embarcar
em um trem. Muitos nem chegaram ao ponto de destino. Morreram no caminho ou
foram mortos na periferia de vilas e cidades. Lvov, a cidade onde Zagajewski nasceu
e que atualmente pertence à Ucrânia, foi palco de terríveis pogroms. Dos quase
200.000 judeus que residiam na cidade antes da Segunda Guerra Mundial, apenas
cerca de 500 sobreviveram.
Os poetas da Europa do Leste não
podem se dar ao luxo de ser decadentes ou frívolos. Sua obra nasceu no olho de
um furacão e só pode ser uma testemunha da luta do espírito para superar os
abismos da história. Poesia e solidariedade são inseparáveis em uma tradição
poética paga pelo sofrimento de milhões de inocentes sacrificados no altar do
novo Moloch: o totalitarismo do século XX. Zagajewski fica escandalizado com a
entrega do Prêmio Nobel a Peter Handke: um escritor não é um simples mágico.
Suas criações devem ser apoiadas por um poderoso encorajamento moral. Um poeta
não deve dar sermões, mas deve mostrar compaixão por seus semelhantes. Sua voz
pode ser a tábua de salvação para aqueles que a história tentou apagar e
silenciar. Zagajewski confessa que não gosta de poesia hermética. A criação é
um ato comunicativo, não uma filigrana do self. Sem o outro, o artista é apenas
um charlatão. A beleza é um protesto contra a injustiça, não apenas uma
exibição formal. “A arte se mistura constantemente com a vida real, [...] e às
vezes até a modifica, transforma e modela à sua imagem e semelhança.”
Para Zagajewski, o homem é um “animal
metafísico”, um ser que se questiona. Discorda de Cioran, para quem a espécie
humana é uma anomalia da evolução. Nós inventamos a palavra e a palavra traz
significado. O universo não é mais uma realidade sem sentido. Quando surge a
primeira pergunta, o absurdo fica para trás. A poesia nunca será um dogma, mas
será a certeza de que vale a pena viver e um sinal de que existe algo além. As
palavras são o brilho de algo que é apenas parcialmente mostrado. A poesia é
como um raio. Nem sempre cura, mas sempre mostra o poder da vida.
Zagajewski adora livros de pequeno
formato, livros que podem ser carregados no metrô. Uma obra completa nunca pode
ser uma boa companhia durante um passeio no campo ou na cidade. Aprecia
aforismos, mas desconfia das ocorrências. Cioran tem uma inteligência
brilhante, mas permanece no limiar do essencial. Simone Weil não é espirituosa,
mas profunda: “Escreva tendo em vista o inefável”. Em sua juventude, Cioran
simpatizou com o nazismo. Em vez disso, Simone Weil lutou contra ele a ponto de
sacrificar sua vida. A vida de um escritor não é uma nota de rodapé, mas o
fundamento que sustenta uma obra. Zagajewski repudia ideologias e utopias
políticas, mas se recusa a se conformar com o niilismo. Uma civilização não pode
se sustentar sem um mínimo de moral e alguma esperança. A Europa criou
Auschwitz, mas também gerou Mozart, Brahms, Bach. Ele considera que a alma da
Europa está contida na ária nº 39 da Paixão segundo São Mateus. “Erbarme
dich, mein Gott” é uma oração que fala de perdão, reconciliação e esperança. Ao
ouvir a ária intui-se que abrigamos “uma alma imortal”. Zagajewski cita Karl
Barth, segundo o qual os anjos ouvem Bach enquanto louvam a Deus, mas quando
deixados sozinhos, preferem a companhia de Mozart. Eles não abandonam sua
obrigação. Eles apenas focam sua atenção no mundo, a obra mais perfeita de
Deus. A música revela “um desejo ativo pela eternidade”.
Os filósofos da era pós-verdade
não querem saber nada de Deus, mas o ser humano continua ajoelhado nas
catedrais. Zagajewski elogia o pensamento de Bergson, menosprezado pelos
modernos historiadores da filosofia. A energia não é uma força cega. As cordas
da criatividade inesgotável vibram no universo. A beleza está em toda parte. Em
um gato ruivo se aquecendo ao sol. Em uma floresta de faias em todo o seu
esplendor. Nas pérolas de uma pintura de Rembrandt, adicionando um leve brilho
à luz que entra por uma janela. Em Bergson na fila para se registrar como judeu
na França ocupada, apesar do fato de seu Nobel o isentar desse processo. Na
Catedral de Chartres, onde ainda é possível rezar sem ouvir os celulares dos
turistas.
Adam Zagajewski será um daqueles
clássicos de amanhã que revelará às próximas gerações a persistência do
humanismo cristão na época do eclipse de Deus. Uma epidemia medieval nos
lembrou de nossa fragilidade. Ler um poeta que ainda fala de fé e esperança
pode nos ajudar a contemplar a morte como mais uma nota do universo e não como
o triunfo do nada. “Nosso tempo odeia a grandeza”, diz Zagajewski, mas a poesia
sobrevive, afirmando que toda a beleza do universo se encaixa em um verso.
* Este texto é a tradução de “Adam
Zagajewski: poesía y solidaridad”, publicado aqui, em El Cultural.
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