O amor enlouqueceu
Por Flaviana Silva
O que esperar de um narrador louco
que decide expor uma história? Você teria interesse em ouvi-la? É possível
reconhecer que essa obra arrebata a atenção logo nas primeiras páginas; uma
narrativa curta, mas incisiva e fugaz, cheia de enigmas e monólogos estranhos. O
que temos em O amor não tem bons sentimentos, de Raimundo Carrero é a
complexidade da mente humana traduzida e detalhada.
A proporção de tristeza que
encontramos nesse enredo não pode ser medida já que temos um narrador que com
certeza é louco, não consegue manter uma linha de equilíbrio em seus
pensamentos que possa ser considerada como verdade e nós somos envolvidos nesse
labirinto da sua mente; em alguns momentos ele mesmo questiona se está certo
sobre aquilo que conta, tem medo de ter esquecido e estar errado sobre a
própria vida. Estamos diante de um narrador complexo. No início, já percebemos que ele é o
observador de um corpo que flutua no rio, a sua irmã amada e bela que é
encontrada nas águas, aparentemente morta e completamente nua.
O grande enigma: como a mulher
chegou ali, quem a matou? É aconselhável que o leitor não procure apenas
respostas prontas mas esteja pronto para mergulhar nessas perguntas. O que essa
personagem tem que fazer para tirar a sua irmã daquele rio é toda a jornada da
narrativa, que, apesar de ser uma história curta, parece ser um calhamaço,
graças à densidade e às múltiplas ambiguidades. Também o tempo da narrativa
muito curto; na sua duração de apenas um dia é perceptível o acompanhamento
sobre as lembranças do passado de Mateus (narrador personagem) e ao mesmo
instante temos o que podemos considerar como sendo um dia na vida presente do
narrador; é este momento de refletir sobre como resgatar e fugir com o corpo da
irmã que parece ser uma eternidade.
Mateus foi criado pelos
passarinhos, como diz ele. Sem amor de família, cresceu no lar de uma tia
amarga e misteriosa; quando soube do assassinato do pai precisou se mudar para
a terra de suas raízes, para onde carrega um ódio de sua mãe indescritível e
afirma ter sido ela quem matara seu falecido patriarca. Algumas partes dessa
história parecem engraçadas, visto que apesar de ser muito triste, tudo chega a
se revestir de uma ironia muito detalhada: a própria vida do protagonista é
cheia de questionamento. A todo o tempo parece que o Amor é uma grande
interrogação para ele, o que é isso que chamamos de sentimento?
Para ele o que existe é o vazio, a
única alegria que sente é em visualizar sua irmã Biba. Ela é descrita como
sendo muito bela e para ele como se fosse uma amante. Ora, essa relação entre
os dois personagens não é um amor fraternal mas uma paixão claramente carnal,
inclusive proibida pela mãe. Quando ele descreve Biba, expressa todo o desejo e
admiração, em alguns momentos temos o endeusamento da menina como se fosse
divina.
Enlaçado pelas dúvidas, o narrador
vai apresentando ao leitor detalhes da sua vida e mostra personagens
interessantes. Quem decide ler esse romance encontra um enredo diferente do
convencional. Não espere linguagem difícil porque Raimundo Carrero construiu um
romance com palavras simples, entretanto não espere uma leitura fácil, o tema é
forte e pede calma e reflexão.
O que encontramos a partir dessa
leitura é o tema do Amor sendo retratado em relação direta com a Loucura. O ser
de amor que não consegue entender a gravidade do que sente pode ser direcionado
para o ódio podendo praticar coisas inimagináveis, com isso temos o
protagonismo de outros sentimentos como culpa, egoísmo, impaciência e tudo que
transforma o estado mental do ser humano.
O título O amor não tem bons
sentimentos foi uma escolha muito feliz para essa história. O escritor pernambucano
Raimundo Carrero publicou esse romance em 2008 e traz uma narrativa que
consegue expor o sentimento amoroso de um ângulo diferenciado: deixa o leitor
enojado com alguns pensamentos do narrador e isso mostra como o seu compromisso
com o que escreve é significativo. Ao vivenciarmos a leitura como se
sentíssemos na pele as sensações descritas definimos um pensamento positivo
diante da ideia que norteia a obra de arte.
Se levarmos em consideração o
desfecho da história, é interessante afirmar que o narrador deixa o leitor sem
armas para a defesa. Resta aceitar que em alguns momentos, o Amor é uma
contradição e que o romance não precisa responder aos nossos questionamentos. Nesta obra, somos guiados por um homem que não
permite que seja conhecido completamente, esse narrador é acima de tudo, um
mistério.
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