Boletim Letras 360º #415
DO EDITOR
1. Saudações, leitor! Antes de irmos
para as notícias quero compartilhar uma das novidades pensadas para este ano de
2021 aqui no blog. A novidade foi apresentada na conta do Letras no Twitter na
sexta-feira, 19.
2. Há muito que o Letras publica vez ou outra
leituras sobre obras da literatura brasileira fixadas num tempo remoto que nos
favorece tratá-las por clássicas.
3. Agora, decidimos que toda
última quinta-feira do mês será dedicada a uma dessas obras da literatura
brasileira.
4. Citando o que disse minha conta no Twitter no início deste ano: a motivação para tanto é tripla: é preciso
balancear o excesso de contemporaneidade; é fundamental construir caminhos por
fora da persistência ardilosa do cânone capitalista; é importante ler nossos
antepassados a fim de observar o que nos dizem a este presente tresloucado.
5. A sequência de textos começa a
ser publicada aqui na próxima quinta-feira, 25 fev. '21, com um clássico que
esteve em pauta nas redes depois que um figurão estranho ao circuito literário
soltou uma pilhéria que bem merecia um piparote.
6. Passe sempre aqui para
encontrar esta e outras novidades. E nas nossas redes sociais ― os links estão
espalhados no final deste Boletim e em várias seções do blog.
7. Abaixo as notícias da semana
apresentadas na nossa página no Facebook. Obrigado pela atenção e pela
companhia aqui e nas redes do Letras. Boas leituras!
Salman Rushdie. Foto: Brad Trent. Novo romance do escritor chega ao Brasil em abril. |
LANÇAMENTOS
O romance de estreia de Stepan
Nercessian.
Atravessando a velhice, um homem
comum acessa suas memórias – reais e fabricadas – para construir um retrato
brutal e sincero sobre a experiência da subjetividade humana. A partir da
visita de almas não anunciadas, vozes em busca de alguém que as ouça, se
constrói essa colcha de retalhos; narrativa em que um homem comporta cem. Em
uma prosa moldada pelo fluxo de pensamento, Stepan Nercessian estreia em um
romance inventivo sobre memória, amor e morte. Garimpo de almas é
publicado pela editora Tordesilhas.
O novo romance de Leonardo Marona.
Aproximando-se dos quarenta anos,
o poeta e livreiro Leon Trapani luta para se manter abstêmio enquanto trabalha
na realização de um dos seus grandes sonhos: escrever um livro sobre sua
geração, durante um período em que o suicídio entre poetas atinge recordes
históricos. Ao mesmo tempo em que desenvolve seu projeto, Trapani desenha um
quase dever indeciso sobre que rumo tomar em sua própria vida, construindo uma
história sobre o que alguns alcoólatras são capazes de fazer no tempo em que,
outrora, estariam bebendo. Ao se mover entre um painel de memórias, o cotidiano
caótico de um poeta-operário e reuniões do AA, o protagonista do romance cruza
o caminho de Lorena Varuni, espécie de deusa ex machina obstinada em
revolucionar a realidade palpável através da literatura, e se vê tragado por
uma intriga conspiratória que ruma à destruição de toda poesia. Vestindo aos
poucos a máscara da loucura, Leon se atira contra o espelho dos seus duplos e
aos sonhos de Lorena, que dorme dentro da sua cabeça e compartilha, de modo
inexplicável, seus pensamentos, antecipando espantosamente seus desejos. Em
meio a uma profusão de livreiros, professores, cineastas, intelectuais em
crise, alcoólatras em recuperação, da máfia do petróleo, do mercado do livro e
da vida dos trabalhadores da poesia, a narrativa se vale também de toda sorte
de vagabundos junto aos quais Leon Trapani se une em um transe de coragem e
alucinação. Sem saber se está sonhando ou se está acordado (se está definitivamente
na vida), Leon descobre uma conexão constante com outra cabeça que não a sua,
como se seus pensamentos nunca tivessem pertencido a ele mesmo. Essa conexão
magnética com Lorena expõe o narrador a diversos limites físicos e mentais,
entre eles o da condução do próprio romance. Como escreve Leonardo Fróes no
prefácio do livro, em tudo que Leonardo Marona escreve há jorros escandalosos
de criatividade e talento, e em Não vale morrer não é diferente.
Mesclando personagens e situações facilmente reconhecíveis com o limite do
absurdo de um thriller psicológico, esta é uma história sobre renúncia e
amizade, sobre o crescimento do fascismo diante de uma geração que viu todo o
amor do mundo morrer e passou a inventar todo dia uma nova forma de seguir adiante,
canonizando o descartável depois da derrocada total das ideias edificantes. E
há poetas, há muitos poetas em Não vale morrer, porque este livro é
também a concretização de um sonho e um recorte, ainda que modesto, do quadro
bastante heterodoxo de mentes e corpos que compõem uma suposta geração em
expansão e em decadência, mesmo que seus rostos continuem escondidos por
balaclavas ou faces plásticas de escritores mais famosos e, consequentemente,
já mortos. O livro é publicado pelas Edições Macondo.
Livro que resistiu à margem do
chamado Boom Latino-americano ganha tradução no Brasil.
Eisejuaz é um romance que nasce
do encontro entre a escritora Sara Gallardo e um personagem real, um nativo
wichí a quem ela entrevista em 1968 para sua coluna na revista “Confirmado”.
Após entrevistá-lo, Sara Gallardo se inspirou em sua fala lacônica,
estranhamente poética e gramaticalmente alterada para escrever o monólogo de um
índio entre dois mundos: a cultura wichí, na qual nasceu Eisejuaz, e a dos
brancos cristãos, onde foi batizado de Lisandro Vega. Dividida em nove
capítulos, a narrativa está centrada nas experiências místicas deste homem que,
ao sentir um estranho chamado divino, rompe com os ensinamentos da missão
protestante que o evangelizou para seguir um caminho errático e solitário em
busca de sua própria santidade. Crê que “o Senhor” lhe enviou Paqui, um homem
branco degenerado, e dedica o resto de seus dias a cuidá-lo. Agora, abandonado
por seu povo, pelo missionário e mesmo pelo Senhor, que não responde a seus
apelos e o condena a um silêncio atroz, Eisejuaz é relegado à mais absoluta
marginalidade, tornando-se, afinal, um estrangeiro em sua própria terra. “Um
animal demasiado solitário devora a si mesmo”, diz uma das frases centrais do
livro. Espécie de hagiografia narrada ora em primeira, ora em terceira pessoa,
esta é a história de um homem com muitas identidades – “Lisandro Vega”,
“Eisejuaz”, “Este Também”, “Água Que Corre” – e muitos interlocutores, que
incluem árvores, lagartixas, pássaros e outros seres da mata. Uma história de
iniciação e sacrifício atravessada por dilemas individuais, questões sociais e
destinos inexoráveis, protagonizada por mensageiros xamânicos, pastores
noruegueses, evangelistas indígenas, frades franciscanos, patrões e mulheres
prostituídas e escravizadas. Esta edição comemorativa de seus 50 anos editada
pela Relicário Edições traz prefácio de Martín Kohan, nota da tradutora Mariana
Sanchez, estudo de Alexandre Nodari e perfil biográfico da autora feito por
Lucía de Leone.
O novo romance de Sayaka Murata.
Terráqueos é o segundo
romance da autora japonesa Sayaka Murata publicado pela Estação Liberdade, e
assim como em Querida Konbini — romance que já vendeu mais de 1
milhão de exemplares em todo o mundo — Murata questiona e confronta o conceito
de normalidade da sociedade atual e nos deixa com uma simples pergunta: Até
onde você iria para ser você mesmo? A protagonista e narradora de Terráqueos é Natsuki. Ela poderia passar por uma criança comum, com
devaneios infantis, como a crença em dons mágicos, seres extraterrestres e
bruxas. Mas, conhecendo sua história, questionamo-nos se esses não são, na
verdade, mecanismos de fuga que a menina desenvolveu para lidar com uma
sociedade opressora — e, mais especificamente, com traumas desencadeados por
abusos de diversas ordens. Seu estranho namoro com o primo Yuu, seus “poderes
mágicos” e seu amigo de pelúcia Piyut são as únicas coisas que mantêm Natsuki —
em suas próprias palavras — sobrevivendo, já que viver lhe parecia algo muito
fora de alcance. “Até quando eu teria de sobreviver? Será que algum dia poderia
apenas viver e não sobreviver?” A tradução é de Rita Kohl é publicada pela
Editora Estação Liberdade.
Finalista do Man Booker Prize e
best-seller do New York Times, este é um Dom Quixote para a era
moderna, um épico engraçado, crítico e pleno de empatia, narrado no melhor
estilo de Salman Rushdie.
Inspirando-se no clássico de
Cervantes, o escritor medíocre de romances policiais Sam DuChamp cria
Quichotte, um vendedor cortês e caótico que se apaixona por uma estrela de TV.
Ao lado do filho (imaginário), Sancho, Quichotte parte numa busca picaresca
pelos Estados Unidos para provar ser digno da mão da mulher inatingível,
enfrentando com galhardia os perigos tragicômicos de uma época em que “tudo
pode acontecer”. Enquanto isso, seu criador, em plena crise da meia-idade, tem
seus próprios desafios igualmente urgentes. Assim como Cervantes escreveu Dom
Quixote para satirizar a cultura de seu tempo, Rushdie conduz o leitor por um
país à beira do colapso moral e espiritual. Com o tipo de narrativa
encantatória que é marca registrada do escritor, as vidas imaginadas de DuChamp
e Quichotte se entrelaçam em uma busca profundamente humana pelo amor, ao mesmo
tempo que revelam um retrato irônico e inteligente de uma época na qual tantas
vezes não conseguimos discernir o que é fato e o que é ficção. A tradução de Quichotte é de Jorio Dauster e sai em abril pela Companhia das
Letras.
REEDIÇÕES
Reedição do primeiro romance de
Dinah Silveira de Queiroz.
Em seu romance de estreia,
considerado um best-seller nacional, Dinah Silveira de Queiroz nos apresenta o
cotidiano dos tuberculosos em tratamento na Serra da Mantiqueira, em um tempo
em que a doença era conhecida como a “peste branca”. Durante a epidemia de
tuberculose que assolou o Brasil nas primeiras décadas do século XX, Campos do
Jordão, região montanhosa com clima ameno, tornou-se um refúgio para os
doentes, com a criação de hospitais e pensões para recebê-los. A esse cenário,
repleto de belas paisagens e atmosfera bucólica, a jovem Elza chega angustiada
e ansiosa pela cura. Lá, instala-se na casa de dona Sofia, onde passa a
conviver com outras moças também enfermas — Lucília, Belinha e Letícia —, e,
juntas, vivem uma rotina de cuidados médicos, passeios pela natureza,
companheirismo e experiências profundas que vão muito além do restabelecimento
da saúde. Entre paixões, desavenças, perdas irreparáveis e alegrias singelas,
as personagens refletem sobre amor, amizade, preconceito, luto, solidão,
diferenças sociais e os costumes da época, em uma narrativa envolvente, marcada
pela linguagem ao mesmo tempo poética e precisa de Dinah Silveira de Queiroz.
Publicado originalmente em 1939, Floradas na Serra foi o primeiro
romance da autora. Além de ter sido contemplado, em 1940, com o Prêmio Antônio
de Alcântara Machado, da Academia Paulista de Letras, também foi adaptado para
o cinema, em 1954, e duas vezes para a televisão, em 1981 e 1991. O romance é
publicado pela Editora Instante.
OUTRAS NOTÍCIAS
TV italiana transmitirá a leitura
integral da Divina comédia, de Dante Alighieri.
É a primeira vez que um projeto
dessa natureza toma forma. A RA5 transmitirá diariamente, entre 21 de fevereiro
e 25 de março a leitura de três cantos da Divina comédia pela atriz Lucilla
Giagnoni. Antes de ser levado para TV, este projeto foi conduzido no YouTube e
foi um sucesso. Cada episódio foi gravado no Teatro Faraggiana de Novara
durante o primeiro isolamento obrigatório por causa da pandemia de Covid-19.
Esta é uma das muitas atividades que marcam, em Itália, as celebrações sobre os
700 anos da morte de Dante.
OBITUÁRIO
Morreu o poeta Joan Margarit.
Nascido em 1938 na Catalunha, Joan
Margarit é um dos nomes fundamentais da literatura em língua espanhola e
catalã. Formado em Arquitetura e professor nesta área em várias instituições na
Espanha, sua estreia na literatura acontece em 1975 e desde então publicou
vários títulos, incluindo a reunião de poesia completa em Tots els poemes (2020). Descrito como um poeta que assumiu uma visão pouco lírica e mais
preocupada com a objetividade, sua obra acumulou vasto reconhecimento nos
últimos anos, conforme provam as nomeações e premiações; recebeu o Prêmio Pablo
Neruda (2017), o Prêmio Rainha Sofía de Poesia (2019) e o Prêmio Cervantes
(2019). Traduzido no mundo inteiro, em língua portuguesa destacam-se as
antologias Casa da misericórdia (2009) e Misteriosamente feliz (2015). Joan
Margarit morreu a 16 de fevereiro de 2021.
DICAS DE LEITURA
No último dia 14, celebramos o 90.º
aniversário do poeta Augusto de Campos, um dos nomes mais importantes da poesia
de língua portuguesa. Sublinhamos a data em nossas redes com uma post-homenagem
e agora prolongamos por aqui o gesto com a recomendação sobre a necessidade de
prestigiar os escritores com a leitura da sua obra. Separamos três títulos que
perfazem três faces das mais importantes do universo criativo de um dos nomes
fundadores da poesia concreta.
1. Viva vaia. Poesia (1949-1979).
E começamos justamente pela obra poética. Esta edição reúne vários
títulos, incluindo desde o livro de estreia O rei menos o reino ao
célebre poema que dá título a antologia ou textos com “Luxo” e “Linguaviagem”. Publicada
pela Ateliê Editorial, a edição mais recente recupera o projeto gráfico
original de Julio Plaza, importante nome com o qual o poeta sempre estabeleceu
parcerias frutíferas como o libro-objeto Poemóbiles, também reeditado de
acordo com o formato original pelo Selo Demônio Negro. O livro aqui citado traz
encartado o CD Poesia é risco, do filho de Augusto, Cid Campos, autor do
trabalho igualmente sofisticado de sonorização da poesia do pai.
2. Poesia antipoesia antropofagia
& cia. Este livro é uma ótima pedida para entrar em contato com a
crítica inventiva de Augusto de Campos. Publicado em 1978, reúnem-se o que seu
autor designa como “incursões errático-críticas” sobre poetas que, da mesma maneira que ele,
revolucionaram a poesia brasileira, tais como Gregório de Matos, Oswald de
Andrade, Sousândrade, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo
Neto e outros. Um rico cânone que também pode ser visto como basilar para a
poesia concreta. O livro foi reeditado recentemente pela Companhia das Letras.
3. O anticrítico. Por aqui,
o leitor entra em contato com a originalidade ou a expansão do ideário da
tradução tal como estabelecido pelo irmão, Haroldo de Campos ― ideário,
é claro, que recebeu a ativa contribuição de Augusto de Campos. O melhor desse
livro é a alternativa de fundir tradução e crítica, propondo ao leitor uma prática
que mostra in loco a presença dos sentidos particulares das duas
atividades em cooperação criativa: i. e., toda tradução é crítica e toda
crítica, tradução. Por isso comparecem variados autores, variadas formas
literárias sempre numa zona intersticial: John Donne, Dante Alighieri, Gertrude
Stein, Emily Dickinson, E. Fitzgerald, Lewis Carroll, entre Gregório de Matos,
Duchamp, John Cage. Tal como livro anterior, este recebeu uma nova edição
recente pela Companhia das Letras.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
Fomos ao blog-parceiro, projeto perpendicular
e contínua expansão da Revista 7faces para catar algumas publicações que
envolvem os nomes dos dois poetas mais lembrados nesta semana que termina:
Augusto de Campos, pelo 90.º aniversário, e Joan Margarit, pela sua morte
registrada no dia 16, cf. registrado acima neste BO.
1. Primeiro, Augusto de Campos,
duas posts: esta, com poemas de seu primeiro livro; e esta outra com quatro
poemas da sua safra concretista.
2. E, de Joan Margarit, também
duas posts: cada uma ― esta e esta ― com quatro poemas seus traduzidos para
português e recolhidos das edições portuguesas, tendo em vista que, entre nós
nada do poeta catalão foi publicado em livro.
3. Aproveitando as datas e que
estamos no blog da Revista 7faces, sublinhamos o aniversário de 80 anos de
Leonardo Fróes. O poeta terá toda sua poesia reunida pela Editora 34. Enquanto isso,
aqui ficam cinco de seus poemas.
BAÚ DE LETRAS
1. Para aguçar alguma curiosidade
pela estreia das nossas últimas quintas de cada mês em contato com um clássico
da literatura brasileira, destacamos três textos que bem poderiam se enquadrar
na ideia agora proposta: a) este sobre O seminarista, de Bernardo
Guimarães; b) este outro sobre Grande sertão: veredas, de Guimarães
Rosa; c) e este sobre Memórias do sobrinho de meu tio, de Joaquim Manuel
de Macedo.
2. Outro aniversário de 90 anos
nesta semana que passou, foi da escritora Prêmio Nobel de Literatura em 1993,
Toni Morrison. Sublinhamos a data com este fio em nossa página no Twitter.
.........................
* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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