Boletim Letras 360º #414
DO EDITOR
1. Saudações, leitor! Eis uma nova
edição do Boletim Letras 360º caprichada. Obrigado pela atenção e pela
companhia aqui e nas redes do Letras. Boas leituras!
Simone de Beauvoir. Foto: Micheline Pelletier. Romance póstumo da escritora ganha edição no Brasil. |
LANÇAMENTOS
Romance, livro de contos, de
ensaios, crítica literária, peça de humor: publicado originalmente no ano 2000,
o premiado Bartleby e companhia marcou época ao colocar o fazer
literário no espelho e mesclar diversos gêneros de maneira radical.
Neste livro premiado e
inclassificável, o catalão Enrique Vila-Matas recupera a figura de Bartleby
(personagem criado por Herman Melville), um jovem escrivão que se esquiva de
obrigações e misteriosamente vai se ausentando de toda e qualquer atividade graças
a uma resposta enigmática que dá a todos que pedem para que realize algo: “eu
preferia não o fazer”. A frase deixa seus interlocutores perplexos, e pouco a
pouco Bartleby se isola até quase sumir. Vila-Matas faz com que essa “pulsão
negativa” escape do conto de Melville e, como um vírus, atinja diversos
escritores por toda parte. O protagonista de Bartleby e companhia,
então, se dedica a rastrear e catalogar autores, fictícios e reais, que
escolheram o silêncio, como o americano J. D. Salinger, que, após se tornar uma
celebridade com O apanhador no campo de centeio, afastou-se da sociedade e
deixou de publicar, ou o suíço Robert Walser, cujo maior sonho era ser
esquecido. Ao escrever sobre o ato de não escrever, Vila-Matas captou com
perspicácia a crise do pós-modernismo, em que se supõe que todas as ideias já
foram inventadas e não resta mais originalidade, para construir, a partir de
detritos e restos, uma obra cômica e explosivamente criativa que se tornou
objeto de culto ao redor do mundo. A tradução é de Josely Vianna Baptista e
Maria Carolina Araújo. O livro é publicado em março pela Companhia das Letras.
Novo romance de Kazuo Ishiguro.
Klara, um Amigo Artificial com
habilidades de observação impressionantes, estuda com cuidado o comportamento
de todos que passam pela vitrine. Do lugar onde foi designada a ficar na loja, ela
espera que uma dessas pessoas entre e a escolha como companheira. Contudo,
quando surge a possibilidade de sua vida mudar para sempre, Klara é aconselhada
a não apostar suas fichas na bondade humana. Neste novo livro, Kazuo Ishiguro
examina o mundo moderno pelos olhos de uma narradora inesquecível. Com uma
linguagem única e precisa, ele constrói um romance arrebatador sobre o
significado do amor e do cuidado. Klara e o sol é publicado em março
pela Companhia das Letras. A tradução é de Ana Guadalupe.
Neste romance embebido de
lirismo, Micheliny Verunschk joga luz sobre a história de duas crianças
indígenas raptadas no Brasil do século XIX.
Em 1817, Spix e Martius
desembarcaram no Brasil com a missão de registrar suas impressões sobre o país.
Três anos e 10 mil quilômetros depois, os exploradores voltaram a Munique
trazendo consigo não apenas um extenso relato da viagem, mas também um menino e
uma menina indígenas, que morreriam pouco tempo depois de chegar em solo
europeu. Em seu quinto romance, Micheliny Verunschk constrói uma poderosa
narrativa que deixa de lado a historiografia hegemônica para dar protagonismo
às crianças — batizadas aqui de Iñe-e e Juri — arrancadas de sua terra natal.
Entrelaçando a trama do século XIX ao Brasil contemporâneo, somos apresentados
também a Josefa, jovem que reconhece as lacunas de seu passado ao ver a imagem
de Iñe-e em uma exposição. Com uma prosa embebida de lirismo, este é um livro
sem paralelos na literatura brasileira ao tratar de temas como memória, colonialismo
e pertencimento. O som do rugido da onça chega às livrarias em março
pela Companhia das Letras.
Do premiado autor Ross King, um
incrível retrato do lendário artista Claude Monet e a história por trás de seu
projeto mais memorável: as Ninfeias.
No começo de 1914, jornais
franceses divulgavam que Claude Monet, um dos pintores mais ricos e celebrados
do mundo, aos 73 anos, havia se aposentado. Sua amada esposa, Alice, e seu
filho mais velho, Jean, haviam morrido. Sua visão apurada, que Cézanne chamou
de “o olho mais prodigioso da história da pintura”, estava ameaçada pela
catarata. E, no entanto, apesar da saúde frágil, Monet voltou a pintar, em
proporções mais ambiciosas do que nunca. Monet é talvez o artista mais
reconhecido mundialmente. Entre suas criações mais célebres, estão as Ninfeias
de seu jardim em Giverny. Ao vê-las em museus de vários países, fãs são movidos
pelo poder dos pincéis de Monet para um mundo de natureza harmônica; o próprio
Monet pretendia que as ninfeias proporcionassem um “refúgio de meditação
pacífica”. No entanto, como revela Ross King nesse magistral relato sobre o
artista e a obra, esses belos quadros guardam a intensa frustração vivida por
Monet com as dificuldades de capturar os efeitos da luz, da água e da cor.
Também refletem os terríveis sofrimentos pessoais pelos quais o artista passou
nos últimos anos de vida. Monet e a pintura das Ninfeias conta a
história por trás da criação dessas obras memoráveis, enquanto os horrores da
Primeira Guerra Mundial se aproximavam cada vez mais rápido de Paris e Giverny,
e uma nova geração de artistas, liderada por Henri Matisse e Pablo Picasso,
questionava as conquistas do Impressionismo. A tradução de Cristina Cavalcanti
é publicada pela Editora Record.
De volta ao conto dezessete
anos depois de sua elogiada estreia no gênero, Paulo Henriques Britto nos
conduz por um universo povoado por personagens que se veem diante de escolhas
decisivas sobre a própria identidade.
Um engenheiro se envolve com um
grupo de teatro experimental. Um guerrilheiro fugindo do Exército vira uma
espécie de santo numa cidadezinha cheia de fiéis. Um burocrata tem um estranho
flashback ao entrar no prédio onde deveria apenas retirar um documento. Como
narrativas de formação sui generis, passadas no mundo adulto e vividas por
indivíduos aparentemente comuns, as nove histórias de O castiçal florentino
têm por subtexto um grande “e se?”. O inconformismo com o que é previsível se
espalha inclusive pela linguagem: com uma liberdade equivalente ao grande
domínio técnico que tem do ofício, Paulo Henriques Britto experimenta
diferentes estilos e tipos de registro — do ensaio ao discurso de
agradecimento, do texto introspectivo em primeira pessoa à metaficção em
terceira — sem perder de vista o calor humano daquilo que descreve. Um conjunto
extraordinário de histórias em que, à força de devaneio, a ficção se apresenta
como elemento-chave e plano de fuga da ordem cotidiana. O livro é publicado em
março pela Companhia das Letras.
A obra máxima de Lévi-Strauss,
um marco na abordagem do pensamento indígena.
Publicado originalmente em 1964,
“O cru e o cozido” é o primeiro volume da extraordinária série Mitológicas, de
Claude Lévi-Strauss. Partindo do mito de referência do “desaninhador de
pássaros”, colhido entre os Bororo do Brasil Central, o autor vai aos poucos
mobilizando centenas de narrativas de todo o continente americano. São mitos que
falam da passagem da natureza à cultura, do contínuo ao descontínuo, e revelam
uma lógica nada arbitrária de ver e pensar o mundo, que se expressa não por
categorias abstratas — como os conceitos utilizados pela ciência —, mas por
categorias empíricas como cru, cozido, podre, queimado, silêncio, barulho. Ao
desvelar a singularidade e a riqueza de um pensamento extremamente sofisticado
e original, a obra de Lévi-Strauss lança luz sobre a inestimável contribuição
da mitologia ameríndia para o conhecimento. O cru e o cozido inaugura a
edição dos quatro volumes das Mitológicas na Zahar.
Neste primoroso romance de
estreia, acompanhamos a trajetória de Raimundo, homem analfabeto que na
juventude teve seu amor secreto brutalmente interrompido e que por cinquenta
anos guardou consigo uma carta que nunca pôde ler.
Aos 71 anos, Raimundo decide
aprender a ler e a escrever. Nascido e criado na roça, não foi à escola, pois
cedo precisou ajudar o pai na lida diária. Mas há muito deixou a família e a
vida no sertão para trás. Desse tempo, Raimundo guarda apenas a carta que
recebeu de Cícero, há mais de cinquenta anos, quando o amor escondido entre os
dois foi descoberto. Cícero partiu sem deixar pistas, a não ser aquela carta
que Raimundo não sabe ler — ao menos até agora. Com uma narrativa sensível e
magnética, o escritor cearense Stênio Gardel nos leva pelo passado de Raimundo,
permeado de conflitos familiares e da dor do ocultamento de sua sexualidade,
mas também das novas relações que estabeleceu depois de fugir de casa e cair na
estrada, ressignificando seu destino mais de uma vez. A palavra que resta,
de Stênio Gardel é publicado em março pela Companhia das Letras.
Terceiro livro de poemas de uma
das vozes mais afiadas, lúcidas e mordazes do nosso tempo.
Neste livro de poemas, que é
também um livro de memórias, André Dahmer visita lembranças da infância e da
adolescência para fazer um acerto de contas com o presente. Estão aqui as
descobertas do amor e do sexo, da paixão e do fim da paixão, da morte e do medo
da morte: “e sei que todos os erros são para sempre/ a bicicleta/ o violão/ o
casamento/ tudo o que a gente ama/ um dia precisará de conserto”. Com lucidez
melancólica, humor afiado e impressionante franqueza, Dahmer usa experiências
da própria vida como matéria-prima para seus versos – ora cômicos, ora brutais.
Impressão sua revela a sensibilidade desconcertante de uma das mentes mais
contundentes e brilhantes da atualidade: “as grandes mágicas/ não são feitas
por mágicos”. Impressão sua é publicado em março pela Companhia das
Letras.
Uma mostra da obra narrativa do
poeta, dramaturgo e ficcionista peruano, César Vallejo, é traduzida pela
primeira vez no Brasil.
Esta antologia foi publicada em
Madri, em 1931, e só lançada no país natal de Vallejo, em 1957, quase vinte
anos após a morte do autor, ocorrida em Paris, em 1938, onde era reconhecido
como um dos nomes decisivos da literatura latino-americana. Ao longo das
últimas décadas parte da obra em prosa do criador peruano tem sido reavaliada,
como é caso de Tungstênio, que adquiriu uma relevância explícita depois
de reconhecido pela crítica como um marco literário da narrativa indigenista,
antecipando inclusive um autor como José María Arguedas. Trata-se da tentativa
veemente de Vallejo de denunciar a exploração não só das riquezas minerais como
do povo peruano. Em simultâneo, alerta para o tratamento desumano das
populações indígenas, com a complacência das oligarquias locais, suplantando
dessa maneira tempo e espaço, e fixando sua narrativa com a força da
atemporalidade. Tudo decorre na região serrana de Colca, onde se situam as
minas de tungstênio, metal que o Peru chegou a produzir em larga escala até a
pouco tempo. Uma empresa norte-americana — a Mining Society — é a responsável
pela extração do metal, que envia para os Estados Unidos, prestes a entrar na
Primeira Guerra Mundial. Para o efeito, emprega uma legião de indígenas e a
população mais desvalida, cujo trabalho se efetua sob o regime de
semiescravidão. Os representantes do poder local colaboram com todas as
injustiças praticadas, e Vallejo delineia tais personagens de maneira intensa,
sem poupar os traços mais obtusos do caráter humano, descrevendo desde um
estupro coletivo, até o assassínio da população que tenta fazer um levante após
presenciar a morte de um indígena em plena prefeitura. Dessa maneira, Colca se
torna o microcosmo de um continente, e todos os ataques sofridos ao longo da
história e dos séculos se ressignificam simbolicamente aqui. Ao contrário da
poesia do autor, sua ficção transita sobre os aspectos mais crus da realidade
que marcou — ainda marca — o Peru e, por extensão, a América Latina. Vallejo
intensifica sua paleta, expondo os abusos, os crimes e a intolerância, que são
reproduzidos com a tensão contínua. Por essa razão, a crítica que atravessa o
livro garante sua atualidade, revelando um autor consciente, mas distinto do
poeta que trabalhou os aspectos oníricos e a densidade vanguardista do discurso
poético. Com Tungstênio, Vallejo funda uma voz atemporal que continuará
a ecoar para além destas páginas. A tradução de Jorge Henrique Bastos é
publicada pela editora Iluminuras.
Quase 70 anos depois de ser
escrito, chega ao Brasil o romance inédito de Simone de Beauvoir com uma
história fundamental para a formação de uma das mais importantes intelectuais
do século XX.
Escrito em 1954, cinco anos após a
publicação de O segundo sexo, As inseparáveis é o romance
autobiográfico que conta a história da amizade passional que uniu Sylvie
(Simone de Beauvoir) e Andrée (Élisabeth Lacoin, a Zaza). Sylvie e Andrée se
conhecem aos 9 anos no colégio Desir, numa Paris em meio à Primeira Guerra
Mundial. Andrée é divertida, impertinente, audaciosa; Sylvie, mais tradicional
e tímida, logo se sente irremediavelmente atraída por ela. No entanto, por trás
da postura rebelde, Andrée tem de lidar com uma família católica fervorosa que,
com suas tradições muito rígidas e ambiente opressor, está disposta a esmagar
qualquer expressão de individualidade. Juntas, elas trilham o caminho para se
libertar das convenções de sua época e das expectativas asfixiantes, mas não fazem
ideia do preço trágico que terão de pagar pela liberdade e pelas ambições
intelectuais e existenciais. As inseparáveis relata as experiências que
fundamentaram a revolta e a obra da grande filósofa francesa: sua emancipação e
o antagonismo entre intelectuais e conservadores. Também retrata e denuncia uma
sociedade hipócrita e fanática. Essa história catártica de Simone de Beauvoir,
publicada com fotos pessoais e cartas trocadas entre as duas amigas, além de
introdução de Sylvie Le Bon de Beauvoir, constitui um verdadeiro evento
literário. A tradução de Ivone Benedetti é publicada pela Editora Record.
Os caminhos percorridos pela
chamada Ideologia Francesa.
Neste livro, o filósofo Paulo
Arantes, um dos mais destacados intelectuais brasileiros da atualidade, guia o
leitor pelos caminhos percorridos pela chamada Ideologia Francesa, conjunto
prestigioso de ideias que reuniu pensadores como Foucault, Derrida e, na sua
variante franco-brasileira, Gérard Lebrun. Sua hegemonia atingiu o ápice no
final dos anos 1980, quando, dentro do sistema universitário americano,
misturou-se à Teoria da Ação Comunicativa de Habermas e ao neopragmatismo de
Richard Rorty. Para o autor, esse cruzamento de conceitos em que predomina a
noção de discurso revela na verdade transformações históricas reais, como, por
exemplo, o papel legitimador que involuntariamente essas ideias tiveram na
atual fase do capitalismo. O livro tem posfácio de Giovanni Zanotti e é parte
na Coleção Espírito Crítico editada pela Editora 34 e Editora Duas Cidades.
Livro publicado postumamente, é
um dos documentos literários mais significativos e tocantes sobre a exploração
feminina e o racismo no século XX.
A antilhana Françoise Ega
trabalhava em casas de família em Marselha, na França. Um de seus pequenos
prazeres era ler a revista Paris Match, na qual deparou com um texto sobre
Carolina Maria de Jesus e seu Quarto de despejo. Identificou-se
prontamente. E passou a escrever “cartas” — jamais entregues — à autora
brasileira. Nelas, relatava seu cotidiano de trabalho e exploração na França,
as dificuldades, a injustiça nas relações sociais, a posição subalterna (e
muitas vezes humilhante) a que eram relegadas tantas mulheres como ela, de pele
negra e originárias de uma colônia francesa no Caribe. Aos poucos, foi se
conscientizando e passou a lutar por seus direitos. Quando morreu, em 1976, era
um nome importante na sociedade civil francesa. Cartas a uma negra,
publicado postumamente, é um dos documentos literários mais significativos e
tocantes sobre a exploração feminina e o racismo no século XX. Concebido como
um conjunto de cartas, datadas entre 1962 e 1964, o texto vai ganhando
profundidade e variedade estilística à medida que a autora mergulha no processo
de escrita — a ponto de o livro poder ser lido como um romance. Entre seus
personagens, além das babás, empregadas domésticas e faxineiras, estão também
as autoritárias (e tacanhas) patroas e seus filhos mimados. A tensão principal
se dá na relação entre patroas e empregadas: a atitude imperial de umas e a
completa falta de direitos das outras. São histórias por vezes chocantes de
trabalhadoras sem acesso a saúde, férias ou mesmo a uma moradia minimamente
confortável. Tudo isso é relatado de forma pungente e expressiva, tendo como “leitora
ideal” a escritora brasileira, que, ao longo de sua trajetória, teve
experiências semelhantes. Pois ambas, Ega e Carolina, lutaram pelo mais básico:
a dignidade na vida e na literatura. A tradução é de Vinicius Carneiro e
Mathilde Moaty. O livro é publicado em março pela editora Todavia.
Neste romance finalista do
prêmio Pulitzer, acompanhamos o amadurecimento de uma jovem universitária nos
anos 1990 que se descobre como escritora enquanto vive as agruras e as delícias
do primeiro amor.
Selin, filha de imigrantes turcos,
começará seu primeiro semestre em Harvard. O ano é 1995 e a internet, uma
novidade. Ela se inscreve em matérias de que nunca ouviu falar, faz amizade com
a carismática e cosmopolita colega sérvia, Svetlana, e começa a se corresponder
por e-mail com Ivan, um estudante de matemática húngaro, mais velho. Selin
falou pouco com Ivan, mas a cada e-mail que trocam, o ato de escrever parece
assumir significados novos e cada vez mais misteriosos. No final do ano letivo,
Selin vai passar um tempo na Europa, mas o verão lá não lembra em nada o que
ela já ouviu falar sobre as experiências típicas de estudantes universitários
americanos. Trata-se de uma jornada mais profunda para dentro de si mesma:
enfrentar a inefável e estimulante confusão do primeiro amor, acompanhada da
crescente consciência de que está predestinada a se tornar uma escritora. Com
impressionante sensibilidade emocional e intelectual, humor mordaz e um estilo
sem reparos, Elif Batuman dramatiza as incertezas da vida prestes a entrar na
idade adulta. A tradução é de Odorico Leal. A idiota é publicado pela
Companhia das Letras.
Das leituras indispensáveis
para entrar no universo da obra de Homero.
O texto escrito é um dos grandes
marcadores do conhecimento humano. Ao ser estabelecido, consolida-se como
versão da história capaz de atravessar os séculos e se firmar como verdade
absoluta, ou quase. Até que outros indícios, descobertas e métodos de pesquisa
e análise sejam reunidos para contestá-lo. Contestar, nesse caso, significa
aprofundar a análise, o debate e a reunião de argumentos capazes de fazer
balançar as bases daquele arcabouço. Quando Gregory Nagy se debruça sobre os
textos clássicos atribuídos a Homero, é isso o que ele traz: evidências,
argumentos e uma interpretação nova, sólida, mas disruptiva, levando as bases
da cultura clássica — a Ilíada e a Odisseia — atribuídas ao
talento de um notável historiador, Homero, para o campo do enigma: terão sido
escritos por este autor ou são o resultado de décadas de transmissão oral? Um
mistério que renova ainda mais o brilho e a importância, se isso é possível, a
essas duas obras-primas da cultura humana. Questões homéricas, com
tradução de Rafael Rocca dos Santos, ganha edição pela editora Perspectiva.
O fechamento da premiada
trilogia Wolf Hall, de Hilary Mantel.
“Não se pode lutar contra os
mortos.” A frase, pronunciada por um dos personagens de O espelho e a
luz, poderia servir de epígrafe à jornada de Thomas Cromwell, desde suas
origens miseráveis até os píncaros do poder na Inglaterra do século XVI — uma
saga de intrigas, reviravoltas e custosos triunfos, narrada de forma magistral
pela grande romancista Hilary Mantel. Trata-se, claro, de uma epígrafe trágica:
desde que o encontramos pela primeira vez, Thomas Cromwell vem tentando
precisamente lutar contra os mortos e impedir que continuem determinando o
presente e o futuro dos vivos. Em Wolf Hall e Tragam os corpos,
assistimos à ascensão desse plebeu, filho de um ferreiro de Putney, que se
tornou o principal ministro de Henrique VIII, ajudando-o a se divorciar de
Catarina de Aragão e guiando a Inglaterra em seu rompimento com a Igreja de
Roma. Transcorrido entre 1536 e 1540, O espelho e a luz começa no ponto
exato em que o segundo volume acabou: no cadafalso ensanguentado onde jaz o
corpo de Ana Bolena. Após auxiliar o rei a se livrar de mais uma esposa
indesejada, Cromwell alcança o auge de sua glória — e até os nobres, que antes
o desprezavam, agora precisam cortejar seu favor. Mas há velhas sombras e novos
obstáculos em seu caminho. No Norte da Inglaterra, rebeldes marcham em defesa
do catolicismo; no exterior, os inimigos do rei conspiram para destroná-lo.
Além de frustrar esses planos, o múltiplo ministro de Henrique VIII precisa
lidar com o caótico temperamento do monarca, que fica mais feroz conforme o
corpo envelhece. O maior adversário de Cromwell, contudo, será sua própria
consciência. À medida que sua aventura se aproxima do fim, ele terá de arcar
com o peso das vidas que destruiu (e dos princípios que escamoteou) em sua
missão de reformar a Inglaterra. À noite, os mortos habitam seus sonhos. “Eu
fui justo? Não. Fui prudente? Não. Fiz a melhor coisa pelo meu país? Sim”, diz
Cromwell para si mesmo. O leitor poderá aceitar ou rejeitar esse juízo — o
certo é que não conseguirá tirar os olhos da página até que o destino desse
fascinante personagem, misto de sábio, mercenário e idealista, finalmente se
consuma. A tradução de Heloísa Mourão e Ana Ban é publicada pela editora
Todavia.
Novo livro de Afonso Cruz no
Brasil.
Em plena Guerra Fria, a CIA
engendra um plano batizado Jazz Ambassadors para cativar a juventude do leste
europeu para a causa americana. É nesse pano de fundo que conhecemos Erik
Gould, pianista exímio, capaz de visualizar sons e de pintar retratos nas
teclas do piano. A música está tão entranhada no seu corpo quanto o amor pela
única mulher da sua vida, que desapareceu repentinamente. E será o filho de
ambos, Tristan, cansado de procurar a mãe entre as páginas de um atlas, que
encontrará um caminho para recuperar a alegria. Nem todas as baleias voam
é publicado pela editora Dublinense e amplia a Coleção Gira, dedicada a autores
portugueses contemporâneos.
Livros reúne textos decisivos
na formação do pensamento de Frantz Fanon.
Recém-formado, em 1953 Frantz
Fanon deixa a França para chefiar a ala psiquiátrica de um hospital na Argélia,
encontrando um país em combustão social. No ano seguinte, eclode a guerra pela
independência. Mergulhado na situação dramática vivida pelo povo argelino e
africano em geral, ele adere ao movimento revolucionário como intelectual e
militante da Frente de Libertação Nacional. Por uma revolução africana é
uma bússola do percurso de Fanon, oferecendo um panorama privilegiado do
desenvolvimento de sua obra e de suas teses políticas, filosóficas e
psicanalíticas. Escritos entre 1951 e 1961 — anos decisivos em que produziu os
clássicos Pele negra, máscaras brancas e Os condenados da terra —
e agora reunidos nessa poderosa coletânea de artigos, ensaios e cartas, seus
textos políticos dão prova da potência transformadora e original que fez de
seus pensamentos e ações um modelo paradigmático do intelectual ativista. Médico,
filósofo político, teórico do colonialismo e das possibilidades de superá-lo,
militante da independência africana, o psiquiatra martinicano foi antes de tudo
um revolucionário, inspiração central para os movimentos negros e de direitos
civis no mundo. Por meio de uma profunda análise da situação do colonizado —
que pode diagnosticar através de sua experiência médica diária —, Fanon disseca
a opressão imperialista e o efeito psicológico devastador causado pelo racismo,
examinando questões como o panafricanismo, os sentidos da negritude na África e
no Caribe e a atitude da esquerda francesa diante da Guerra da Argélia. Autor
incontornável, Frantz Fanon nos dá as chaves para compreender os mecanismos da
estrutura racista e colonial que segue nos assombrando. O livro tem prefácio de
Deivison Faustino, professor da Unifesp e especialista na obra de Fanon. A
tradução é de Carlos Alberto Medeiros e é publicada pela editora Zahar.
O retorno de Marçal Aquino à
cena literária, dezesseis anos depois do sucesso de Eu receberia as piores
notícias dos seus lindos lábios.
O ano é 1973, um dos períodos mais
duros da ditadura militar no Brasil. É num ambiente contaminado pela paranoia
que se move Miguel, um agente do setor de Inteligência da polícia civil cuja
especialidade é se infiltrar em quadrilhas sob investigação. Numa das
operações, ele se aproxima de um grupo de ladrões de carga, tornando-se íntimo
de Ingo, o chefe, que não só apadrinha sua entrada no bando como lhe apresenta
a irmã, Nádia, com quem Miguel inicia um relacionamento que tem no sexo seu
ponto de combustão. Profissionalmente vaidoso, Miguel acredita que, na hora
adequada, não terá dificuldades para romper os laços surgidos durante a
operação. Mas as coisas não saem como ele imagina: apaixonado por Nádia, o policial
se vê surpreendido por dúvidas sobre de que lado irá ficar quando o cerco se
fechar sobre a quadrilha. Com uma prosa ágil e intensa, Aquino confirma seu
nome entre os melhores da ficção brasileira contemporânea. O mundo do crime
nunca foi tão sensual quanto em Baixo esplendor.
Uma das mais poderosas e belas
peças literárias sobre os perigos do desejo, um retrato brilhante da luta
constante de um homem contra as forças que ameaçam destruí-lo.
Geoffrey Firmin, ex-cônsul
britânico, vive na cidade de Quauhnahuac, no México. Seu mal-estar debilitante
é a bebida, uma atividade que tomou conta de todos os aspectos de seu
cotidiano. No Dia dos Mortos de 1938, sua esposa, Yvonne, chega à cidade para
tentar reatar o casamento, imaginando uma vida a dois longe do México e das
circunstâncias que levaram seu relacionamento à beira do colapso. Contudo, sua
missão se torna ainda mais difícil pela presença de Hugh, meio-irmão do cônsul,
e de Jacques, um amigo de infância. Enquanto Firmin se afoga em mescal, os
demais personagens assistem, impotentes, sua trágica figura. Conforme o dia
passa, fica claro que Geoffrey deve tomar uma atitude drástica. Com tradução de
José Rubens Siqueira, Debaixo do vulcão é publicado pela editora
Alfaguara.
Peça de Marcia Tiburi e Rubens
Casara discute polarização ideológica no Brasil.
A peça trata da disputa de duas
tendências: uma concepção racionalista e comprometida com as liberdades e o
pensamento democrático representada pela psicanalista e uma concepção
irracional típica da personalidade autoritária crescente na sociedade
brasileira representada pelo personagem do fascista. A peça se propõe a mostrar
que enquanto a intelectualidade se limita a ridicularizar e menosprezar o
fascismo, ele cresce entre a população. Trata-se de um duelo em que a
personagem da psicanalista está fadada a perder em um momento de empobrecimento
da subjetividade. Para além da tragédia e do drama, a proposta é de que o
espectador se perceba e se assuste com sua simpatia pelo fascista. A personagem
da psicanalista mostra a fragilidade da consciência, e a ingenuidade do
intelectual, diante do fascismo e seu esforço de resistência. A psicanalista
(como a sociedade ilustrada) primeiro acha o fascista, que chega ao seu
consultório, um sujeito tosco e inofensivo, meio engraçado, e depois percebe o
seu perigo. Ela começa professoral e didática e passa a ser irônica; aos poucos
se percebe assustada. Ele começa como um bonachão e depois acirra o ânimo,
torna-se cada vez mais cínico. O tom de sua fala é de um canastrão, o que
cativa o público e é sempre meio autoritário. Em vários momentos ele mistura
convicção com deboche. Ele é meio burro e bastante convicto. Há notas afetadas
em seu modo de falar. Em um primeiro momento ela adota uma postura tipicamente
lacaniana, depois ela se torna mais debochada e por fim ela chega ao desespero.
Trata-se de enfrentar esse “elemento de desespero” que está oculto diante do
que vem acontecendo no Brasil. Um fascista no divã é publicado pela
editora Nós.
Ariano Suassuna para jovens e
todas as idades.
Ariano Suassuna era um excelente
contador de histórias. Das aulas-espetáculo aos “causos” que ouvia e
incorporava a seus livros, os exemplos são tantos que poderíamos dizer que sua
vida foi pautada por divertidas ― e inacreditáveis ― histórias. Pensando no
jovem leitor, Carlos Newton Júnior selecionou algumas que foram publicadas no Almanaque
Armorial, uma coluna que Ariano mantinha no Jornal da Semana, e em
outros periódicos. São lembranças de juventude, acontecimentos vividos e
narrados por seus irmãos e mais algumas inusitadas narrativas de personagens
como o médico Noel Nutels e o escritor Rubem Braga. As ilustrações primorosas
de Manuel Dantas Suassuna, em cores intensas e traços singulares, completam
esta bela e inédita antologia. A pensão de Dona Berta e outras histórias
para jovens é publicada pela editora Nova Fronteira.
Livro-referência para o debate
sobre os limites da razão.
Um juiz alemão relata a própria
experiência com a loucura. Desde que serviu de base para o clássico Observações
psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia, de
Freud, o livro ganhou edições mundo afora e segue como referência para o debate
sobre os limites da razão. Esta edição, além de contar com introdução e tradução
de Marilene Carone, traz ainda dois ensaios que ampliam a compreensão do caso
Schreber e atestam sua atualidade: um escritor por Elias Canetti e outro por
Roberto Calasso. O livro é publicado pela editora Todavia.
Novo título na coleção de
latino-americanos da editora Mundaréu.
Garotos brincam às margens de um
canal e descobrem um cadáver putrefato, que lhes sorri. É a Bruxa, ou Bruxa
Menina, figura icônica e temida em La Matosa. A partir daí, em uma torrente
narrativa intensa, Fernando Melchor recompõem os fatos que levaram ao crime com
base nos relatos de alguns dos envolvidos, criando um retrato visceral de uma
cidadezinha perdida no México e de seus terrores, um lugar dominado pela
pobreza, superstição, misoginia e homofobia, preconceito, violência
institucional e doméstica. O lirismo brutal de Melchor faz desta história
policial uma análise social e um tour de force literário. Temporada de
furacões logo conquistou público e crítica nos países em que foi publicado,
catapultando Fernanda Melchor à posição de uma das mais promissoras vozes
latino-americanas da atual geração. Prêmio Anna Seghers 2019, Haus der Kulturen
der Welt 2019, e Finalista do International Booker Prize 2020. A tradução de
Antonio Xerxenesky é publicada pela Mundaréu.
Um novo livro de Tatiana Salém
Levy.
Estamos em 2014. Euforia no Brasil
e especialmente no Rio de Janeiro. Copa do Mundo prestes a acontecer,
Olimpíadas de 2016 à vista. Autoestima da cidade nas alturas. Sensação de que o
país havia encontrado um novo caminho. Júlia é sócia de um escritório de
arquitetura que está planejando alguns projetos na futura Vila Olímpica. No dia
de uma dessas reuniões com a prefeitura, Júlia sai para correr no Alto da Boa
Vista, um enclave de Mata Atlântica no meio da grande cidade. A certa altura,
alguém encosta um revólver na sua cabeça e a leva para dentro da mata, onde é
estuprada. Deixada largada no meio da floresta, ela se arrasta para casa, onde
uma amiga lhe presta os primeiros socorros. O rosário de dor, sensação de
imundície e “culpa” é descrito com crueza e qualidade literária
poucas vezes vistas em nossa ficção. Assim como os percalços junto à polícia
para tentar encontrar o criminoso numa sociedade em que basta ser pobre para
parecer suspeito. Mas nem tudo é horror e escuridão. A história é narrada para
os filhos da protagonista anos depois do terrível episódio. Os fatos retrocedem
e avançam no tempo. Temos o início de namoro de Júlia, sua lua de mel numa
praia paradisíaca, a gestação. São momentos em que habilmente a autora constrói
outra visão do corpo e da sexualidade de Júlia como uma prova, para quem
cometeu a violência e para si mesma, de que ela é ainda a dona da própria
história. Vista chinesa é publicado pela editora Todavia em março.
Romance premiado da escritora
colombiana Cristina Bendek ganha edição no Brasil.
O retorno a San Andrés faz com que
Verónica Baruq questione sua relação com a ilha. A foto perturbadora de seus
tataravós e o raro encontro com Maa Josephine, uma idosa raizal que ela conhece
em frente à Primeira Igreja Batista, são alguns dos gatilhos que começam a
revelar detalhes de suas origens. Seu passado não só a coloca em contato com a
história desconhecida da ilha, mas também com os movimentos sociais que, entre
o zouk e o calipso, celebram a identidade raizal, fazem reduções do pensamento,
resistem. Os cristais do sal foi vencedor do Prêmio Nacional de Novela
Elisa Mújica 2018, da Idartes e Laguna Libros. O livro é publicado pela Editora
Moinhos com tradução de Silvia Massimini Félix.
O novo de Djaimilia Pereira.
Esta é a história de Celestino, um
homem cujo passado de brutalidade e violência atrozes é substituído, no
crepúsculo da vida, por um amor delicado e cuidadoso pelo seu jardim. Nesta
meditação sobre o bem e o mal, e sobre como a natureza parece indiferente à
nossa moralidade, Djaimilia construiu um romance que encanta pela beleza de
suas frases e fascina pela profundidade com que Celestino é desenhado. A
visão das plantas é publicado pela editora Todavia no mês de março.
REEDIÇÕES
Em novo projeto gráfico, Insônia
reúne treze contos em que estão presentes a secura emotiva e a economia
vocabular, características que convivem com a precisão psicológica de
Graciliano Ramos.
Publicado originalmente em 1947, Insônia
é o sexto livro de Graciliano Ramos. A obra reúne treze contos ― “Insônia”, “Um
ladrão”, “O relógio do hospital”, “Paulo”, “Luciana”, “Minsk”, “A prisão de J.
Carmo Gomes”, “Dois dedos”, “A testemunha”, “Ciúmes”, “Um pobre-diabo”, “Uma
visita” e “Silveira Pereira” ―, nos quais temas muito caros ao autor se evidenciam,
como morte, envelhecimento e injustiça social. "Insônia" mostra como
o ser humano reage a situações diversas, revelando suas fragilidades e
angústias. As histórias desta obra estão repletas de inquietudes existenciais
que oferecem ao leitor a possiblidade de confrontar a própria realidade,
acompanhado sempre do estilo que consagrou Graciliano Ramos como um dos maiores
autores brasileiros, e que já é conhecido dos leitores: a economia vocabular, a
secura emotiva e a precisão psicológica. O livro é publicado pela Editora
Record.
Editora reedita traduções de
João do Rio para textos de Oscar Wilde.
Publicado em 1891, no ensaio A
decadência da mentira, Oscar Wilde põe em cena duas personagens que
dialogam sobre arte: Viviano e Cyrillo. Viviano apresenta ao amigo algumas das
ideias que compõem um artigo que está escrevendo. São quatro ensaios
antológicos, em que estão presentes as paixões e humores da imaginação e da
vida do espírito. Cada uma das artes possui um crítico que lhe é destinado. Uma
coleção interessante uma reunião da visão espirituosa, desconfortável, paradoxal
e satírica de Oscar Wilde. O livro é publicado pela Editora Principis. A
tradução de Intentions é a realizada por João do Rio e traz texto de
introdução escrito pelo cronista brasileiro.
Nova edição de Triste fim
de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é o novo título na coleção de
clássicos da editora Antofágica.
O que define o Brasil, afinal?
Para descobrir as tradições mais genuínas da nossa terra, marche atrás do major
Policarpo Quaresma. Mas não se espante se descobrir que o destino é a loucura.
Ilustra a desordem, João Montanaro. Escrevem sobre o improgresso, Criolo e
Ferréz. Qualquer um reconhece de longe que major Policarpo Quaresma é um
nacionalista genuíno. Suas idas diárias à padaria francesa e óculos em estilo
europeu não abalam sua fama. Nem mesmo o fato de que seu título de major não se
deu por mérito militar, e sim por costume. Não há nada ou ninguém capaz de
impedi-lo de se proclamar o bastião dos mais tradicionais costumes de nossa
terra. Se o violão é o mais brasileiro dos instrumentos, e as modinhas, o mais
nacional dos ritmos, serão essas as novas obsessões do major. Se os Tupinambás
choravam ao encontrar pessoas queridas para demonstrar saudades, nada mais
natural que encontrar Policarpo aos prantos. Pensando bem, por que é que não
estamos tendo essa conversa em nossa língua original, o tupi-guarani? É isso
que vai defender Policarpo Quaresma perante o Congresso Nacional. Publicado
originalmente em folhetim, em 1911, esta obra de Lima Barreto é essencial para
compreender um Brasil que, embora buscasse criar uma identidade nacional para a
recém-declarada República, trazia intactas muitas das características da antiga
sociedade colonial. A nova edição da Antofágica, além de ilustrações de João
Montanaro e apresentação de Criolo, contou com posfácio e notas de Jorge
Augusto de Jesus (IFBA), além de texto da especialista em literatura
negro-brasileira Fernanda Felisberto (UFRRJ) e um ensaio poético de Ferréz,
expoente da literatura marginal no país.
OUTRAS NOTÍCIAS
Livrarias francesas recebem em
março livro com manuscritos inéditos de Marcel Proust.
Trata-se de uma compilação feita a
partir do arquivo de Proust que estava em mãos do editor Bernard Fallois e
legado à Biblioteca Nacional da França depois da sua morte, em 2018. Os textos
reunidos em mais de sete dezenas de páginas datam de 1908, quando o escritor
francês começava a escrever o grande romance que o fez entrar para o rol dos
seletos que ampliaram a forma romanesca ocidental. Parte do material,
inclusive, foi aproveitada na escrita de Em busca do tempo perdido, tal
como destaca a editora Gallimard, responsável pela publicação. Já em 2019, a
editora Fallois havia publicado Le Mystériux Correspondant et autres
nouvelles inédites ― uma edição com textos que foram descartados por Proust
quando publicou seu primeiro livro em 1895.
DICAS DE LEITURA
1. Sol artificial, de J. P.
Zooey. Este nome apareceu primeiro como um pseudônimo inspirado numa personagem
de J. D. Salinger. Mas, não foi por isso que seu livro de estreia chamou atenção
de grande parte da crítica e dos leitores em seu país. Foi a galeria de
personagens inusitadas presas a circunstâncias existenciais numa era marcada
pela onipresença da tecnologia. Antes de chegar ao Brasil, o livro do escritor
argentino já circulava por aqui de alguma maneira: em 2009, foi adaptado para o
teatro por Luiz Felipe Reis. Traduzidos por Bruno Cobalchini Mattos, os contos radicais
de Zooey são um exemplo do vigor criativo de uma literatura que não nos deixa
de surpreender. Sol artificial foi publicado aqui pela DBA Editora.
2. Jean Santeuil, de Marcel
Proust. Agora em 2021, passam-se, como lembrado noutra passagem deste
boletim, o 150º aniversário do escritor francês, marco na literatura francesa e
ocidental depois de Em busca do tempo perdido. E chega às livrarias
nesta semana um livro que já apareceu há alguns meses numa edição outra do BO
Letras 360º. Trata-se do primeiro romance de Proust; começou a ser escrito em
1895 e nunca chegou a ser concluído. Mesmo assim, o livro foi publicado três décadas
depois da morte do escritor. Espécie de romance de formação, a narrativa acompanha
as memórias da infância, os anos de adolescência e a transição para a vida
adulta da personagem que dá título ao livro. É uma boa porta para os que ainda,
por algum medo, não se aventuraram em avançar sobre a obra máxima de Proust. A tradução
é de Fernando Py e é publicada pela editora Nova Fronteira.
3. Vermelho fogo, de Regina
Azevedo. O nome da poeta aparece na antologia As 29 poetas hoje,
organizada por Heloisa Buarque de Hollanda e recomendada por aqui na edição anterior
deste Boletim. Mas, nem precisava. Marcelino Freire diz bem quando apresenta a
poeta como uma voz que nasceu pronta. E tem se aperfeiçoado desde sua estreia.
O livro aqui recomendado é o quarto título de Regina e reúne poemas escritos
entre 2017 e 2020 com temas que vão da própria escrita ao amor, da angústia ao desejo
de luta.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. A revista dirigida por Fernando
Pessoa e Ruy Vaz está agora disponível online.
O período fui curto. A Athena ―
Revista de Arte durou menos de um ano. Pensada como uma publicação mensal,
saíram cinco números entre outubro de 1924 e fevereiro de 1925. Foi neste
veículo que circularam trabalhos nas artes plásticas de autores como Almada Negreiros
e na literatura como Mário de Sá-Carneiro (publicações póstumas), Luiz de
Montalvor, Raul Leal e Mário Saa. Nele, Fernando Pessoa expandiu a publicização
dos trabalhos seus (incluindo a tradução de escritores estadunidenses, como
Edgar Allan Poe) e dos seus heterônimos; encontra-se na Athena, por exemplo,
o “Livro primeiro” das Odes de Ricardo Reis, “O guardador de rebanhos” e
“Poemas inconjuntos 4 e 5”, de Alberto Caeiro e textos ensaísticos de Álvaro de
Campos, como “Apontamentos para uma estética não-aristotélica”. Todo este
material fica agora disponível online através neste endereço. A
página disponibiliza outros documentos de arquivo: manuscritos relacionados ao
contexto de publicação da revista e o fac-similar da primeira entrevista de
Fernando Pessoa veiculada no Diário de Lisboa de 3 de novembro de 1924 que
trata sobre o projeto da Athena.
2. Em 2013, a TV Pública da Argentina em parceria com
a Biblioteca Nacional, transmitiu um curso ministrado por Ricardo Piglia acerca
da vida e obra de Jorge Luis Borges. São cinco horas divididas em três
encontros nos quais o escritor discorre e amplia leituras sobre a obra de
Borges. O material está disponível no YouTube e foi transcrito online na
revista Penúltima. Aqui.
3. Neste 13 de fevereiro de 2021 passa-se o 90.º
aniversário de José Lino Grünewald. Integrante do Grupo Noigandres, formado
pelos criadores da Poesia Concretista, ele é autor de vasta obra, incluindo
ensaios e poesia. No blog da revista 7faces, alguns dos seus poemas.
BAÚ DE LETRAS
1. Ainda sobre aniversariantes. No
dia 10 de fevereiro passou-se o aniversário Bertolt Brecht. Reconhecido como
dramaturgo, pelas contribuições com a inovação do teatro moderno, foi também
autor de prosa e poesia. Recordamos três posts no Letras sobre o criador e sua
obra: a) este breve perfil biográfico; b) aqui, a relação da obra de Brecht com o
cinema; c) e o este texto sobre o episódio de perseguição e censura nos Estados Unidos, país para
onde havia se mudado depois de um longo périplo de exílios devido a ascensão do
nazismo no seu país natal.
2. No domingo, 14 de fevereiro de 2021, quem alcança o 90.º aniversário é outro nome da poesia concretista: Augusto de Campos. Na semana seguinte, o blog publicará um texto sobre o poeta que segue inovando ao ampliar a ruptura das convenções da poesia. Mas, aqui está a tradução de um texto que ressalta o lugar de elevada importância de Augusto de Campos para a poesia contemporânea.
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