Peixe-frito: o nome e o sensível para a diáspora
Por Wagner Silva Gomes
Em Os vivos, o morto e o
peixe-frito (2014) o contexto de uma fila de repartição pública que resolve
assuntos documentais de cidadania reúne a diáspora africana com moradia em
Portugal, estando principalmente, os nascidos em Angola, Guiné-Bissau,
Moçambique, enfim, pessoas de países de Língua Portuguesa. Nesse cenário é derrubado o muro que separa
palco e plateia, arte e vida real, como na estética do oprimido, de Augusto
Boal, em que todos, como agentes sociais, produzimos também efeito sensível
sobre a vida.
Na fila a dificuldade burocrática
só é superada pelo sensível, da convivência entre as pessoas, que ali criticam
a vida em Portugal, as dificuldades, com bom astral, ora gozando do modo do
português falar, ora apontando para os absurdos de exigências, como o caso da
mãe que para ter um filho registrado como português além de ter que morar seis anos em Portugal e ter que mostrar a comprovação disso, não podendo faltar um
dia, tem que ter a documentação da criança, que acabou de nascer.
É também de
muita importância a cena em que o tio de Mina, Quim, chama na casa da sobrinha,
e ao dizer que é o Quim, a sobrinha, perguntar por várias vezes: quem?, como no episódio da Odisseia em que Ulisses dizendo que se chama ninguém engana o ciclope e este perdendo assim a ajuda que teria quando o herói
machuca o seu olho, pois se ninguém é que tinha que ser pego, ninguém foi a sua
ajuda.
No entanto, no caso da diáspora
africana, o apelido como algo afetuoso, carismático, também pode trazer a carga
pejorativa, quando o seu som, simbolicamente, traz uma carga sensível de
opressão, como nesta cena, pois Quem se confunde com aquela famosa frase de
quem pode manda e quem não pode obedece, que diz: Quem é você? É também na
estética do oprimido o questionamento desse lado sensível, com o qual o
personagem termina a resposta se empoderando com um palavrão, quando diz: “é o
Quim, porra!”, como quem diz para a sobrinha sair desse simbólico pejorativo e
apreender o sensível afetuoso e carismático do apelido na construção criada
pela diáspora.
Aí me remeto a tese Autoria em Evidência? Um estudo comparado do
narrador infante em Teolinda Gersão, Marjane Satrapi e Ondjaki, de Alba
Ferreira que, citando Paul Ricouer, em Tempo e Narrativa, traz o questionamento
“Qual é o suporte da permanência do nome próprio?”, esclarecendo que essa
importância, na narrativa, tem que ser dada pelo próprio texto, sendo assim uma
identidade narrativa, apesar das personagens nesse texto de Ondjaki
manifestarem a narrativa da diáspora em questionamento que deve se valer do
sensível para se construir no simbólico da cidadania portuguesa.
É com esse olhar que o livro se
encerra, quando JJ Mouraria e Mina estão no terraço da casa e encontram por
acaso uma caixa de peixe seco, quando todos vendo o jogo Angola e Portugal, e
conversando sobre as pretensões de JJ Mouraria para com a filha dos proprietários
da casa, desejavam comer um peixe-frito, de tanto o pai da Mina falar. Então
diz JJ Mouraria: “Uma pessoa passa tanto tempo a querer peixe-frito..., E é a
própria vida que nos esconde o peixe-frito e nos dá de presente um monte de
peixe-seco. Cabe a gente fritá-los.”
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