Boletim Letras 360º #402
DO EDITOR
1. Saudações, caro leitor! Publica-se outra edição desta
post semanal organizada para reunir as notícias que circulam durante a semana
em nossa página no Facebook, para oferecer uma série de outras dicas como
companhia para o fim de semana ou para projetos futuros. Obrigado pela
companhia!
Thomas Mann. Editora publica coletânea com melhores contos do escritor. |
LANÇAMENTOS
Nova edição e tradução de Os
sofrimentos do jovem Werther
Após se mudar para um encantador
vilarejo no interior da Alemanha, o jovem Werther passa a escrever para seu
amigo Wilhelm sobre os encantos do local ― a natureza, os jardins, os aldeões e
a paixão por Charlotte, um amor proibido que mudará os humores e o destino
dele. O desenvolvimento cada vez mais sombrio e o triste fim da história de
Werther comovem leitores desde sua publicação original, em 1774. Goethe, um dos
maiores nomes da literatura mundial, criou nesse romance uma das obras mais
importantes da literatura alemã e promoveu uma literatura intimista e inspirada
em sentimentos. A edição da Antofágica foi traduzida diretamente do alemão por
Claudia Dornbusch e ilustrada por L. M. Melite. Conta também com apresentação
de Pedro Pacífico e posfácios de Luisa Geisler, Claudia Dornbusch e Victor
Mera.
A história de Páscoa Vieira, uma
africana que enfrentou, com valentia, as violências impostas pela escravidão.
No dia 20 de agosto de 1700, em
Salvador, na Bahia, “a negra Páscoa, hoje forra, que foi cativa de
Francisco Alvares Távora”, nascida em Angola, é presa pela Inquisição. Em
seguida, é levada para Lisboa, em mais uma travessia forçada do Atlântico para
ser submetida aos interrogatórios implacáveis do tribunal do Santo Oficio. A
acusação: crime de bigamia. Casou-se no Brasil, sendo que seu primeiro marido
ainda estava vivo em Angola. É o que concluíra a minuciosa investigação,
iniciada sete anos antes, percorrendo três continentes. A partir de uma
pesquisa histórica baseada no processo inquisitorial de Páscoa Vieira,
conservado há trezentos anos nos arquivos eclesiásticos de Portugal, e em uma
série de outras fontes de época, o livro oferece um impressionante panorama das
sociedades escravistas do Atlântico sul ― do Brasil e de Angola ―, revelando o
incisivo papel da Igreja nesses contextos. Com vasto conhecimento sobre o
Brasil colonial, a historiadora francesa Charlotte de Castelnau-L’Estoile
narra, antes de mais nada, o destino de uma africana que enfrentou, com
valentia, as violências impostas pela escravidão. Nesse caminho, o que se
destaca é a voz de Páscoa Vieira, que mesmo presa nos porões inquisitoriais,
submetida ao medo e a repetidas sessões de interrogatório nunca se dobrou
frente aos juízes da Inquisição. É, portanto, uma trajetória de força e resistência
que descobrimos neste livro. A tradução de Ligia F. Ferreira e Regina Salgado
Campos é publicada pela Bazar do Tempo com prefácio de Silvia Hunold Lara.
Um documento fascinante sobre a
vida de Rabin, prêmio Nobel da Paz de 1994.
Yitzhak Rabin: uma
biografia é um documento fascinante sobre a vida de Rabin, prêmio Nobel
da Paz de 1994, político e general israelense ― conhecido principalmente por
fazer parte dos Acordos de Oslo, em 1993. Israelense nato, cresceu junto à
escola do movimento trabalhista, ao Palmach e à Guerra da Independência de
1948. Construiu uma ascendente carreira militar até o mais alto posto: o de
primeiro ministro. Seu segundo mandato foi encerrado por seu assassinato,
quando um judeu nacionalista fanático disparou tiros contra suas costas após
discurso em praça pública. Mas apesar de todas as consequências do assassinato
político de Rabin, foi sua vida ― as ações e decisões ― e não sua morte, que
definiu seu legado: a política de paz, as decisões ousadas que tomou em relação
às negociações com a Síria e à Palestina, e a própria condução de um país.
Rabin sabia que a busca pela paz vinha ligada à segurança ― e à resolução do
conflito com os vizinhos árabes. Criticado pela direita, que culminou em uma
morte violenta, e exaltado pela esquerda, que o apresentava como mais ingênuo
do que era, foi uma figura ambígua porém lembrada até hoje como um dos marcos
mais próximos de Israel rumo à solução de dois Estados. Traduzido por Samuel
Feldberg e Debora Fleck, o livro é publicado pela editora Hedra.
Os melhores contos do prêmio Nobel
de literatura Thomas Mann.
Autor de alguns dos romances mais
notáveis do século XX, Thomas Mann é também um contista brilhante, e foi com as
narrativas curtas que iniciou sua carreira literária. Seu primeiro texto
publicado, “Visão”, saiu numa revista escolar ainda em 1893 e já revelava o que
seria o estilo incomparável do escritor. As 25 histórias reunidas neste livro
tratam de temas caros a Mann, como a relação entre arte e vida, o lugar da
morte e da doença, o sentido da existência, a importância do trabalho e as
complexas relações do indivíduo com a sociedade e a cultura dominante ― além
de, é claro, a preocupação recorrente com o destino político e cultural da
Alemanha. Da comédia macabra à tragédia, dos contos breves aos mais extensos,
como “Tristão” e “Um homem e seu cão”, tem-se aqui a oportunidade de desfrutar
as várias facetas de um verdadeiro mestre da ficção. A tradução de
Claudia Abeling e Herbert Caro é publicada pela Companhia das Letras com posfácio
de Terence J. Reed.
Novo romance de Edimilson de
Almeida Pereira.
Numa prosa poética arrebatadora,
Edimilson de Almeida Pereira narra neste romance a trajetória de um homem que
se constitui a partir dos escombros de uma cidade hostil e monta, peça por
peça, o mosaico da sua subjetividade com os estilhaços de uma vivência de
violência, abandono e desigualdade. Front é publicado pela Editora Nós.
Em novo livro, Silviano Santiago
investiga os segredos de criação de Machado de Assis e Graciliano Ramos.
“Memórias / hospedeiras e
romance / hóspede se assemelham a gêmeos, embora não sejam univitelinos, ou
seja, não tenham sido gerados pela mesma célula vital. Apresentam-se, no
entanto, dentro do mesmo útero artístico, se guardadas pequenas e inevitáveis
diferenças, digamos, empíricas, sentimentais e emocionais.” Escrito
durante a pandemia, Fisiologia da composição traz Silviano Santiago
se debruçando sobre Graciliano Ramos e Machado de Assis para pensar os segredos
de construção de uma obra literária. O livro é publicado pela CEPE Editora.
Preço de noiva, novo
romance de Buchi Emecheta no Brasil.
Aku-nna é uma jovem igbo que vê a
vida ruir após a morte do pai. Junto com a mãe e o irmão, ela precisa deixar a
capital, Lagos, e retornar ao povoado rural de Ibuza, onde vai enfrentar as
angústias da adolescência e as rígidas tradições patriarcais do seu povo. Lá,
ela se apaixona por Chike, filho de uma família próspera, mas descendente de
escravos, e esse amor é considerado uma afronta à cultura dos igbos. Só que o
casal está disposto a tudo para ficar junto, mesmo sabendo que esse caminho
pode levar à tragédia. O livro é publicado pela editora Dublinense. A tradução é de Julia Dantas.
Novo livro de Marcelo F. Lotufo.
Marcelo F. Lotufo é professor,
escritor, tradutor e editor. Entre os trabalhos recentes na tradução estão Sotto Voce e outros poemas, de John Yau, Que tempos são
estes, de Adrienne Rich, e Os elétrons (não) são todos
iguais, de Rosmarie Wadrop. Seu novo trabalho é este livro de contos
intitulado Cada a um seu modo. O livro tem prefácio de Vilma
Arêas, que assim escreve sobre: “O que considero de interesse particular
em todos os contos, que são diferentes, mas tem a atravessá-los um mesmo fio,
concentra-se no timbre da voz do narrador, que nos convence de sua
autenticidade. Às vezes essa voz se aproxima do ensaio, mas se mostra sempre
despojada diante do leitor, puxando-o muitas vezes para dentro do texto que
escreve.” Publicação das Edições Jabuticaba.
Edição inédita no mundo apresenta
ao grande público os contos originais de Philip K. Dick que serviram de base a
filmes como O Vingador do Futuro, Minority Report e
O pagamento.
Cinema e literatura sempre andaram
de mãos dadas. Quando o assunto é ficção científica, nenhum autor contemporâneo
foi mais roteirizado do que Philip K. Dick, nem mesmo mestres do gênero como
Isaac Asimov e Arthur C. Clarke. Pouco conhecido no Brasil por sua produção
literária, há tempos Dick faz sucesso entre as plateias de cinema. Sua obra
fenomenal ― e desconcertante ― é fonte inesgotável de inspiração para
roteiristas e diretores, e não por acaso deu origem a grandes sucessos de
bilheteria. Realidades Adaptadas é uma edição inédita no mundo. A tradução é de Ludimila Hashimoto e a edição da
Aleph.
As traduções de "Le Cimitière Marin", de Paul Valéry.
Poucos poemas mereceram tantas
traduções e retraduções publicadas em contextos tão distintos quanto “Le
Cimetière Marin”. A escolha de Borges em incluir entre as obras de Menard
uma versão em alexandrinos do clássico poema decassilábico de Valéry não
passou desapercebida. Para João Alexandre Barbosa, “a reescritura operada por
Menard, na medida em que atinge o núcleo da intenção de Valéry — quer
dizer, a elevação do verso decassílabo à suposta superioridade do
alexandrino — é, ao mesmo tempo, como a reescritura do Quixote, invenção e
crítica da leitura….”. A questão colocada por Valéry diz respeito à
história do decassílabo e do alexandrino na França, o que nos permite pensar
que, como “invenção e crítica da leitura”, a reescrita do poema em
alexandrinos numa língua em que o decassílabo é o verso heroico pode ser um modo
válido de produzir um giro no tipo de correspondência possível entre o
original e sua tradução. Outro aspecto a se destacar é que uma tradução de “Le Cimetière Marin” não parte, como no momento da criação de
Valéry, de uma figura vazia, mas de um texto concreto que preencheu esse
vazio. Assim, diferentemente do poeta francês, o tradutor não está diante de
um ritmo anterior, e tem de lidar com o ritmo interior que é o complexo
sintático, semântico e sonoro que o texto de partida apresenta. Como diz
João Alexandre: “a tradução: a leitura interna do movimento nos
interstícios do texto”. E esse espaço onde se produz leitura, invenção,
crítica e tradução é um lugar dado historicamente. A historicidade da
(re)tradução de “Le Cimetière Marin” produziu este nosso tempo, em
que a historicidade do verso emergiu da interioridade do ritmo, levando-nos a
um borgeano cemitério dodecassilábico. A tradução de Roberto Zular e Álvaro
Faleiros é publicada pelo Selo Demônio Negro.
Um trânsito pelos paradoxos da
filosofia.
Na origem dos diversos discursos
sobre o “fim da filosofia” — muitos dos quais “na moda” — que, ao menos desde Nietzsche, tanto caracterizam o pensamento do Ocidente,
está a “sentença” hegeliana: que a philo-sophía deixe de chamar-se “amante” e se afirme, finalmente, como puro saber, Sophia ou mesmo
Ciência. Amor e Saber devem dizer adeus um ao outro. E que o sophós dispense
sua veste de eterno peregrino e fixe sua morada. É esse o destino de nossa
época? Ou ainda há "aquilo" que não podemos exprimir, representar,
indicar a não ser amando-o? O discurso filosófico-metafísico carrega em si o
rastro dessa tensão, e é justamente aí que encara seu problema, sua aporia
constitutiva: o ente é, em sua singular identidade jamais coincide com as
determinações que o lógos lhe predica, e sua substância não pode desvelar-se na
finitude de seu aparecer. Toda ontologia deve estar baseada nessa diferença –
não diferença entre ser e essente, mas diferença imanente à realidade do próprio
essente, e, em particular, exatamente desse extra-ordinário essente que tem
corpo e mente. Para além do exercício cada vez mais vazio das des-construções,
para além das abstratas especializações, para além da academia e das escolas,
será a tal problema – eterno aporoúmenon – e ao “temor e tremor” que ele
suscita que este livro pretende retornar para, escutando alguns grandes
clássicos da tradição metafísica, desenvolvê-lo mais uma vez. Partindo dele, ou
sempre reativando-o, talvez inconscientemente, a filosofia conduziu a própria
busca por diversas trilhas, de certa forma contemporâneas, que se contradizem e
se cruzam ao mesmo tempo, numa espécie de inimizade fraterna. Com seu próprio
modo de proceder, essas trilhas acabam por criar o “lugar” de um
paradoxal labirinto, que obriga a sair de seu centro em direção a imprevisíveis
saídas ― ou a formar uma grande árvore da qual essas trilhas são ramos, raízes
e rizomas. Labirinto filosófico, de Massimo Cacciari, é publicado
pela Âyinè.
O “Robin Hood coreano”.
A história de Hong
Gildong, escrita em 1612 durante a dinastia Joseon, narra a trajetória de
seu protagonista desde o nascimento, na pele de filho ilegítimo de um nobre e
sua concubina. Em uma sucessão de aventuras e façanhas, destacam-se sua inteligência
excepcional e dons supernaturais. Com o “destino forjado pelo céu”, Gildong é
capaz de prodígios como o domínio das artes mágicas, a capacidade de encurtar
distâncias e desdobrar-se e criar réplicas de si mesmo, enquanto que sua força
sobre-humana e astúcia são as armas que mobiliza para enfrentar seus
antagonistas, seja m eles o s poderosos ou os espíritos malignos. Hong Gildong
é considerado o “Robin Hood coreano”. O livro foi traduzido do coreano moderno,
tem notas e textos complementares por Kim Takhwan e é publicado pela Estação
Liberdade.
Livro da escritora guatemalteca
Carolina Tobar ganha edição no Brasil.
Uma viagem de carro, um diário de
sonhos, um filme húngaro, as memórias insistentes de um amante, o medo de ser
esquecida. Os contos de x, y, z constroem, a partir destes e de
outros elementos, polaroides de uma vida contemporânea em busca por
pertencimento; de uma consciência que tenta encontrar na relação com os outros
um lugar onde possa se firmar. Nessa jornada, descobre que eles, como ela,
também estão de passagem, também se encontram deslocados. Uma estreia exemplar
da escritora guatemalteca, radicada na Argentina, Carolina Tobar, os cinco
contos deste livro formam o retrato de um mundo cada vez mais conectado, mas
nem por isso menos vazio, encarado com humor e sensibilidade pela autora. A
tradução é de Marcelo Lotufo e é publicada pelas Edições Jabuticaba.
Clássico de Marina Di Guardo ganha
tradução no Brasil.
Giorgio Saveri não tem nem
quarenta anos, mas acumulou decepções suficientes para se aposentar e viver na
mansão da família, uma luxuosa e antiga casa nas colinas de Piacenza, cheia de
obras de arte. Seu único contato com o mundo exterior é através de Agnese, a
governanta, que o criou no lugar de sua mãe ― uma mulher fria que morreu,
muitos anos antes, em um acidente de carro ―, e seu pai autoritário, que nunca
perdeu uma oportunidade de diminuí-lo publicamente até o dia em que cometeu
suicídio. Tudo muda na noite em que Giorgio se depara com a fascinante Giulia,
que tem o dom de entendê-lo como nenhuma outra pessoa. Giulia pouco fala sobre
si mesma e o arrasta para um relacionamento ambíguo e altamente erótico. Quando
Agnese desaparece, Giorgio começa uma investigação e logo o círculo em torno
das mentiras de Giulia se aperta. Mas ela não é a única a esconder segredos. Em A memória dos corpos, Marina Di Guardo nos conduz em uma viagem
pelos lugares escuros que existem em cada um de nós. Escrito por uma das
figuras contemporâneas mais conhecidas da Itália, A memória dos corpos constrói
uma narrativa noir cheia de romance, sensualidade, suspense e crime, relevando
um enredo de mistério à altura das melhores produções cinematográficas do
gênero. Com personagens enigmáticos e sedutores, criados por uma escrita
enxuta, dinâmica e atual, este best-seller italiano chega em tradução para
leitores brasileiros entusiastas de thrillers.
Perto do coração
selvagem, de Clarice Lispector, em chave ecopoética.
No primeiro parágrafo de “Perto do
coração selvagem” (1943) aparece “uma orelha à escuta, grande, cor-de-rosa e
morta”. Em A hora da estrela (1977), o narrador diz “[eu] escrevo de ouvido”.
Dessas duas frases, nasceu este livro, escrito quando a autora ensinava
literatura brasileira na Universidade de Stanford. Publicado em inglês, o livro
chega agora, finalmente, de volta à origem de sua língua materna, em tradução
de Jamille Pinheiro Dias e Sheyla Miranda. O livro de Marília Librandi pensa a
literatura brasileira pela sua capacidade de escuta e pelas reverberações
éticas, estéticas e poéticas do imaginário. Clarice Lispector é lida como
ficcionista e como fonte teórica de uma “escrita de ouvido”, de um “romance da
escuta”, e de uma “ecopoética”. São esses os termos que Marília elege para
falar de um Perto do coração selvagem, pulsante e pictórico, da voz muda de
Macabéa, do tic-tac da máquina de escrever, tratada como pessoa por Clarice,
das muitas imagens áudio-uterinas de Água viva, e do Eco de Janair e da
vibração do inseto no corpo da escultora G.H, e de uma Clarice-Centaura, autora
de textos híbridos entre a filosofia e a ficção.
Gustavo Piqueira lança O, livro
ilustrado sem ilustrações.
O autor e designer Gustavo
Piqueira produz um novo livro que coloca em xeque ideias pré-concebidas de
formatos. No livro O, lançado pela Lote 42, a típica estrutura de
livro ilustrado é assumida, porém as palavras ocupam a página como se fossem
substitutas ou legendas de imagens que não estão. O único elemento constante e
imóvel em todas as páginas é um círculo, que dá nome ao livro. O arranjo
levanta questões sobre o trabalho imaginativo do leitor, algo sempre presente
na literatura, em maior ou menor medida. “Induzir o leitor a perceber como é
ele quem preenche com imagens de seu próprio repertório as palavras que as
designam, o lúdico jogo deste livro revela o que de fato motivou sua
realização: trazer à tona o papel de coautor que é assumido por quem lê não
apenas este, mas todo e qualquer livro”, escreve o autor no posfácio da obra.
Dentro dessa proposta, O (que pode ser lido como círculo, como ô, como zero,
entre outros) conduz o leitor por paisagens esplendorosas, cenas de violência
explícita e apetitosas comidas ― lembrando que os adjetivos ficam a cargo da
mente do leitor. Como é marca do autor, o design do livro tem papel central. Desta
vez, para a sobrecapa, Piqueira escolheu uma camada de papel parafinado branco,
tipicamente usado como toalha descartável em restaurantes, e outra de papel
betumado (ou seja, com piche em sua constituição). O miolo tem costura exposta.
Nova tradução da Arte
poética, de Horácio.
Arte poética é como
ficou conhecido o pequeno tratado em verso que Horácio escreveu como carta aos
irmãos Pisões. É o mais longo poema de Horácio, com quase quinhentos versos. A
partir das discussões sobre o teatro em geral, entremeando discussões sobre
problemas de metros, personagens e temas com passagens de ironia e poeticidade,
o poeta fez uma espécie divertida de tratado que por séculos vem sendo
considerado um poema fundador para outras poéticas do Ocidente, com um número
incontável de estudos e traduções. A tradução de Guilherme Gontijo Flores busca
recriar parte do metro antigo em seu caráter vocal; no entanto, também mostra
os vários momentos de riso e mesmo de sátira que marcam a escrita de Horácio e
fazem um contraste radical com as leituras tradicionais que viam no poema uma
expressão puramente séria e quase acadêmica. O desafio desta tradução é fazer
da Arte poética um poema conversacional, por vezes engraçado, sem
com isso perder o complexo debate sobre a aventura literária. O livro é
publicado pela editora Autêntica.
REEDIÇÕES
Uma caixa reúne três títulos das
irmãs Brontë.
Emily, Charlotte e Anne. Três dos
nomes mais importantes da literatura mundial vieram da mesma família e eram
mulheres — embora tenham precisado usar pseudônimos masculinos para publicar
suas obras. Com personalidades, estilos e inspirações distintas, há algo comum
a todas elas: a veemência, a sagacidade e a engenhosidade ao tratar das graças
e desgraças humanas, desvendando os meandros da paixão, da cobiça e da vingança
da sociedade do século XIX. À frente de seu tempo e com altas doses de crítica
social e moral, as obras das irmãs Brontë presentes nesta caixa — Jane
Eyre, O Morro dos Ventos Uivantes e A inquilina de
Wildfell Hall — atestam a força poética e o talento dessas mulheres que
revolucionaram o fazer literário da época e entraram para a história. A caixa As irmãs Brontë traz também um livreto exclusivo assinado pela
escritora Rosa Amanda Strauz, que conta um pouco da vida de uma das famílias
mais famosas da literatura. Os livros são publicados pela editora Nova
Fronteira.
Os ensaios biográficos de Stefan
Zweig sobre Freud, Tolstói e Nietzsche.
Bastante conhecido no Brasil tanto
por suas novelas quanto por seus ensaios, Stefan Zweig foi também um biógrafo
incansável, tendo retratado personalidades tão díspares quanto Maria Antonieta,
Joseph Fouché, Maria Stuart e muitos outros. Este box reúne pela primeira vez
os ensaios biográficos Freud, Tolstói e Nietzsche, traduzidos diretamente do
alemão. O elo entre os textos é a obsessão de Zweig pelo mergulho radical na
alma humana. Sua leitura conjunta oferece um bom panorama das tensões pessoais,
científicas e filosóficas que marcaram o pensamento ocidental na virada do
século XIX para o XX. A caixa que reúne os três livros é publicada pela editora
Nova Fronteira.
Dois novos títulos de crônicas de Carlos Drummond de Andrade.
1. Moça deitada na grama. Carlos Drummond de Andrade
inaugura este volume contemplando uma moça esparramada na grama: “Eu vi e achei
lindo. Fiquei repetindo para meu deleite pessoal: ‘Moça deitada na grama. Moça
deitada na grama. Deitada na grama. Na grama’. Pois o espetáculo me embevecia.
Não é qualquer coisa que me embevece, a esta altura da vida”. Essa e outras
situações irrompem nas crônicas de Drummond para provar que a realidade também
é feita de lirismo ― e vice-versa. Derradeiro livro entregue à editora, em
1987, Moça deitada na grama é uma seleção das últimas crônicas
escritas pelo poeta, que por décadas colaborou para os jornais mais relevantes
do país. O insólito e o lírico são faces de uma mesma moeda nestes textos que
descrevem o Rio de Janeiro e seus moradores, em situações cômicas e
despretensiosas, com boas doses de filosofia. A nova edição tem posfácio de
Carola Saavedra.
2. Cadeira de
balanço. “Cadeira de balanço é móvel da
tradição brasileira que não fica mal em apartamento moderno. Favorece o repouso
e estimula a contemplação serena da vida, sem abolir o prazer do movimento.” É
assim que Carlos Drummond de Andrade define este volume. A cadeira de balanço,
como se vê, não é apenas o lugar mais desejável para se apreciar esta reunião
de crônicas. É também ― e principalmente ― a imagem perfeita para sintetizar o
gênero: pressupõe uma atmosfera coloquial e relaxada, ideal para se descansar,
mas também para refletir sobre o que se passa ao redor. Nesta mistura de conto, diálogo,
caso, anedota, reflexão e nota, o leitor observa o mundo através dos olhos do
poeta, que foi capaz de imprimir ― seja na poesia, seja na prosa ― sua
sensibilidade e seu estilo inconfundíveis. Reunidas, estas crônicas acabam por
se tornar o retrato de uma época, tendo como pano de fundo um efervescente Rio
de Janeiro. A nova edição tem posfácio de Sérgio Rodrigues.
Nova edição de O
seminarista, de Rubem Fonseca.
Para José, matar não causa
remorso, muito menos prazer. É apenas um trabalho que lhe permite se dedicar
àquilo que realmente ama: livros, filmes e mulheres. Por isso não quer saber
quem será eliminado e não lê os jornais do dia seguinte. Quando, no entanto,
decide que já é hora de abandonar a vida de matador de aluguel, descobre que
não é tão imune aos efeitos de seus trabalhos e de suas escolhas como
acreditava, e terá de enfrentar fantasmas de um passado que julga ter superado.
Décimo primeiro romance de Rubem Fonseca, O seminarista apresenta
uma trama concisa, intensa, capaz de manter a tensão a cada página. Esta edição
conta com posfácio de Gustavo Bernardo Krause, escritor e professor de
literatura na UERJ.
A Alfaguara reedita esta reunião
de contos de Maria Valéria Rezende que nos levam a rever conceitos de lealdade,
culpa e desejo.
Carlinhos, o motoboy, corta
avenidas em alta e insana velocidade para saciar o desejo da mulher; a
prostituta Irene é assombrada por um momento de sua infância que deixou marcas
profundas; o fotógrafo de moda lança mão de uma receita do século XVIII para
levar a cabo sua obsessão pela atraente modelo Íbis. Essas são algumas das
fascinantes criaturas que habitam os contos criados por Maria Valéria Rezende,
reunidos neste livro. Repletas da inconfundível delicadeza da autora, suas
histórias nos lançam em dilemas morais e nos provocam em nossos afetos mais
íntimos. Sem maniqueísmo. Em Modo de apanhar pássaros à mão,
publicado pela primeira vez em 2006 e agora disponível em uma nova edição pela
Alfaguara, Maria Valéria garimpa sem qualquer pudor no terreno dos sentimentos
e das emoções. E, com essa matéria-prima, produz joias de rara filigrana
literária.
DICAS DE LEITURA
Na edição passada do Boletim
Letras 360º, iniciamos uma seleção das resenhas mais acessadas e selecionamos a
recomendação de livros que já foram comentados no blog. Foram dez títulos
divididos em duas seções ― a segunda é esta agora publicada. Para as escolhas,
consideramos apenas os comentários mais acessados e de livros que o leitor
tenha alguma facilidade para encontrá-los. Caso queiram acessar a primeira
parte, visite aqui.
1. Memória de elefante, de António
Lobo Antunes. Este é o primeiro romance escrito do escritor português; foi
publicado em 1979, depois de voltar de uma permanência na Guerra Colonial na
África, experiência que irá perpassar como material temático boa parte da sua literatura.
O livro forma parte numa trilogia com Os cus de Judas e Conhecimento
do inferno. O romance dá contas de um médico psiquiatra, que por ironia,
não está bem da mente; encontra-se profundamente deprimido e sai perfazendo na
sua trajetória diária, entre a rotina e o desvio dela, uma busca pelo real
sentido de tudo, já que se encontra numa Lisboa desencantada, recém-separado da
mulher e das duas filhas, desencantado também com a profissão e, nada,
absolutamente nada, parece convencê-lo a ter razões boas e próprias para se
manter nesse mundo. Não é que seja uma personagem em crise existencial, mas
padece de um augúrio perante a vida e traz consigo um caudal de dúvidas sobre
si e seus atos cuja explicação parece, a todo tempo escapar-lhe sorrateiramente
por entre os dedos e indo esconder-se num lugar indeterminado, cabendo-lhe um
esforço além do seu limite para alcançá-la.
2. A montanha mágica, de
Thomas Mann. Um dos elementos mais característicos dessa narrativa é o intenso
debate ideológico presente nas suas páginas. Cada personagem é portador de uma
visão de mundo bastante peculiar e marcante de seus gestos. Posso dizer que
cada personagem representa uma ideia e os diálogos são verdadeiros debates
envolvendo formas de pensamento muito díspares como o medievalismo, o
racionalismo renascentista, o comunismo e mesmo o fascismo cheio de gestos
afetados e falas incoerentes. Nesse contexto, é interessante observamos que
Hans é um engenheiro, ofício cuja área de saber é extremamente valorizada em
países de pensamento tecnicista e tecnocrata. Não obstante, Hans se mostra um
ser de diálogo claudicante, sempre tateando os caminhos dialógicos pelos quais
percorre, como se não soubesse ao certo do que está falando e temesse cometer
gafes.
3. Jamais o fogo nunca, de
Diamela Eltit. Aqui nada é gratuito. E nada está ao primeiro alcance, porque Diamela
Eltit foge – de maneira magistral – de fazer um romance que só objetivamente
recuperaria, como milhares escritos depois dos regimes, o panorama histórico,
político e social de um passado que as marcas ainda estão muito à vista de nós
latino-americanos e que em alguns casos se repetem, agora por outros meios,
como pelo discurso da legalidade nos tribunais formados por juízes de exceção.
A escritora chilena buscou captar como o poder não é apenas um exercício que se
manifesta na ordem, mas deixa sequelas irreparáveis nos corpos. Um corpo dócil
é uma célula doente da sociedade, porque nada se faz sem revolução e sem
unidade coletiva. Em parte, traduz-se o paroxismo dos versos de César Vallejo:
“Jamais o fogo nunca / fez melhor seu papel de morto frio”. Ao dizer das
cicatrizes e não de um contexto, esta se constitui numa obra continuamente
atual, porque essas [as cicatrizes] são decorrentes de modos variados da
imposição de homens contra homens. E, ao que parece, como seguramente repara a
narradora deste romance, vimos atravessando tempos de fogo morto frio.
4. Em teu ventre, de José
Luís Peixoto. Este é um romance que pertence à categoria dos enganos produzida
pela publicidade. A edição portuguesa afirma que esta é uma obra que “retrata
um dos episódios mais marcantes do século XX português: as aparições de Nossa
Senhora a três crianças, entre maio e outubro de 1917” e acrescenta que “este
livro propõe uma reflexão acerca de Portugal, naquilo que tem de mais subtil e
profundo”. Esta sinopse se complica ainda mais quando o livro chega ao
Brasil com uma capa que muito aquém daquela imagem poética da edição original
exibe a imagem do registo historiográfico, isto é, a fotografia das crianças de
Fátima. Mas deixando de fora os jogos editoriais de promoção da obra, guarde
o leitor mais exigente uma recomendação: abstrair-se disso tudo o levará a uma
descoberta fabulosa. Esta é uma poderosa fábula que integra em sua
composição o fato religioso de 1917. O que isto significa dizer é que esta obra
não se trata de uma reconstrução ficcional sobre as aparições de Fátima, apesar
de ser a história das personagens envolvidas com esses acontecimentos. José
Luís Peixoto empreende uma livre interpretação sobre o mito da alma
mater, revelando suas acepções e suas contradições.
5. Grande sertão: veredas,
de João Guimarães Rosa. Para Guilherme Mazzafera este “é o desaguadouro do
que entendo como o segundo momento de escritura rosiano. Este tem início após o
par Magma-Sagarana, obras compostas nos anos 1930 e anteriores à
experiência de guerra do escritor durante sua estadia em Hamburgo (1938-42),
momento no qual o autor compõe o Diário de guerra, a primeira
manifestação mais ostensiva do uso da primeira pessoa, ângulo narrativo
secundário no livro de estreia.” Este é não apenas o livro mais importante na
carreira literária singular de Rosa, mas um dos clássicos das literaturas em língua
portuguesa.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. No dia 16 de novembro passou-se
o 98º aniversário de José Saramago. Para assinalar a data, a 1ª Cátedra
Internacional que leva o nome do escritor português preparou uma série de
vídeos com personalidades lendo passagens da sua obra. Entre os leitores está o editor do Letras com a leitura do poema “Pesadelo”, publicado em Os
poemas possíveis.
2. Ainda sobre o aniversário de José
Saramago. Caiu na rede este vídeo de Vhils que esculpiu um rosto do escritor
num pontam junto ao mar da Lourinhã. O artista é autor de duas outras obras com
o mesmo interesse: uma em Madri e outra em Moscou.
3. Desde a semana anterior começou
a chegar nas livrarias e a muitos leitores a edição que reúne a poesia completa
de João Cabral de Melo Neto. Deste livro, o blog da revista 7faces (periódico
que dedicou sua mais recente edição a sublinhar a obra do poeta que neste 2020
chega ao seu primeiro centenário), publicou quatro poemas da rica safra de inéditos apresentada na antologia.
BAÚ DE LETRAS
1. Os leitores que visitam este
blog com alguma frequência há muito, sabem da presença recorrente de alguns
nomes: o mais repetido é, certamente, o de José Saramago. Assinalando o seu aniversário,
lembramos sobre duas entradas recentes: “José Saramago, ler para mover-se”; e “Voltar
a Levantado do chão” ― este ano, o romance alcança quatro
décadas desde sua primeira edição.
Comentários