Boletim Letras 360º #401
DO EDITOR
1. Saudações, caro leitor! Neste 27 de novembro de 2020, o
blog Letras in.verso e re.verso ultrapassa a linha para os 14 anos online.
Neste tempo muita coisa aconteceu ― boas e ruins. Se olharmos de perto,
não é gratuito que primeiro apareçam as coisas boas. Um espaço que nasceu sem
quaisquer pretensões alcançar os limites que alcançamos talvez seja a melhor
delas.
2. Vale partilhar com vocês alguns números que ainda servem de espanto para um
blog num país acusado reiteradamente de pouco afeito à leitura. Pelo Letras, os
leitores passaram 2,7 milhões vezes (dos recantos mais variados do mundo,
p.ex., Hong Kong nos visita mais que o país-irmão Portugal e nosso maior
público visitante depois do Brasil é dos Estados Unidos).
3. Em termos de conteúdo, já editamos mais 3,7 mil textos sobre livros das mais
variadas feições literárias, perfis de escritores, comentários sobre filmes,
listas de leituras e de filmes, ensaios sobre temas e questões das mais
variadas ligadas à literatura, crônicas, contos e edições do Boletim Letras 360º, uma publicação
semanal que se organizou alguns anos mais tarde para reunir as notícias que
publicamos no Facebook.
4. Nada disso, obviamente, existia sem a pequena ou a muita dedicação que seja
do leitor que nos leu até aqui; que visita, comenta, deixa reação, compartilha.
Nada disso, obviamente, existia sem a dedicação zelosa dos autores que escrevem
continuamente ou esporadicamente no blog, dos que enviam traduções, dos que
enviam seus textos para nossa publicação.
5. Fica assim, o nosso mais sincero OBRIGADO, a todos! Que juntos possamos
fazer mais. É preciso!
Clássico de Charles Baudelaire ganha nova tradução e edição no Brasil. |
LANÇAMENTOS
Em seu premiado livro de estreia,
Elisa Shua Dusapin apresenta ao leitor cenários e costumes de um lugar ao mesmo
tempo estranho e familiar, como as pessoas.
Sokcho é a paisagem imóvel, a
folha em branco sobre a qual será desenhado inquietante relacionamento entre a
recepcionista de uma pousada decadente e um cartunista francês, que chegara ao
balneário em busca de inspiração. É inverno, e o frio desacelera tudo: as
acomodações estão calmas, as ruas, vazias e úmidas e os mal-entendidos,
suspensos. A tinta escorre sobre o papel, implacável. Um vínculo frágil se
estabelece entre esses dois seres de culturas tão distintas. Juntos, os dois
partem em pequenas viagens de reconhecimento da paisagem desolada. À medida que
se apresentam os traços desse encontro, revelam-se passados, comportamento se
desejos, como obstáculos para o reconhecimento puro e simples. Este romance,
delicado como neve sobre espuma, transporta o leitor para um universo de rara
riqueza e originalidade, com uma atmosfera poderosa. Em seu premiado livro de
estreia, Elisa Shua Dusapin apresenta ao leitor cenários e costumes de um lugar
ao mesmo tempo estranho e familiar, como as pessoas. E personagens que merecem
ser explorados, como os lugares. Inverno em Sokcho, de Elisa Shua
Dusapin é publicado pela editora Âyinè.
Nova edição e tradução para um
clássico da literatura.
Um monstro ancestral está chegando
a Londres: o vampiro original, um sugador de sangue numa pele de conde, prestes
a ampliar seu território e devorar vidas por toda a parte. Caçá-lo será um
desafio para um grupo de cavalheiros desesperados por salvar suas amigas das
mãos do vampiro. Eles contarão com a ajuda do famoso médico Van Helsing, que
aliará seus conhecimentos de lendas e superstições à verdadeira astúcia e ao
pensamento científico para destruir esse mal encarnado. Quando publicou este
clássico pela primeira vez, em 1897, Bram Stoker firmou na imaginação popular a
mais célebre imagem da lenda do vampiro, que se tornaria uma referência
insuperável para o cinema e outras mídias. A edição de Drácula da Antofágica traz nova
tradução de Fábio Bonillo, ilustrações da artista plástica Juliana Bernardino,
apresentação de Érico Borgo e posfácios de Daniel Serravalle de Sá, Anne
Quiangala e Alexandre Callari.
Wagner Silva Gomes, colunista do
Letras in.verso e re.verso, publica novo livro.
Professor, o narrador-personagem do
romance, leciona em uma rede pública que passa por um movimento de greve. A
narrativa é em flashback, começando no primeiro dia de aula após a greve. Entre
as aulas impera um clima de narrativa não-linear, pois há dias que se referem
aos de meses passados, em que a escola estava em greve, pois remetem ao
pagamento desses. Em um desses dias, que no horário do cronograma normal seria
aula de Educação Física, vira outro dia, de greve, em que se paga uma aula de
Português. Professor, sem saber do dia correspondente ao de educação esportiva,
é surpreendido por um aluno que, animado, jogava em sala de aula com bolinha de
papel, lhe explicando o motivo quando questionado. Então, partindo de uma
crônica de Lima Barreto que discorre sobre os prejuízos do esporte para o
desenvolvimento intelectual do país, cria um jogo
interpretativo-morfossintático, que se vale de combinações de frases em esquema
de futebol, lançando uma das jogadas que já tinha em mente para os
planejamentos de aula. Coisas inusitadas que acontecem em sala aprofundam a
não-linearidade do dia. Neste em específico uma aluna se destaca na produção de
texto proposta pelo professor. Há dias que há outros destaques, outros
aprofundamentos na não-linearidade do real e do imaginário, mas por incrível
que pareça não escapam da produção de texto imperante daquela aluna. O esquema
de futebol extrapola o contexto da sala e passa a articular a rotina dos dias
de greve. Também jogam os professores, que como classe trabalhista lutam contra
os desmandos do prefeito Medianera e seu esquema tático para vencer a greve. Qual é o esquema da parada em edição limitada é publicado pela editora Pedregulho.
O spleen de Paris. Pequenos
poemas em prosa, de Charles Baudelaire.
“Ele está entre nós”, dizia o
crítico Jacques Rivière no começo do século XX. Um século mais tarde, nada
mudou. Charles Baudelaire continua entre nós, que não tardamos a reconhecê-lo —
presença radiosa e terrível — em meio à multidão: jamais saberemos se a beleza
de seus poemas “provém do céu profundo” ou “emerge do abismo”, jamais teremos
como saber se a modernidade de sua obra é um convite, um lamento, uma
condenação. E disso talvez não haja prova mais cabal que O spleen de
Paris, esta reunião de seus “pequenos poemas em prosa”. Publicadas e
republicadas As flores do Mal, em 1857 e 1861, Baudelaire dedicou os últimos
anos de vida a sua última aventura: escrever poesia além do âmbito do verso,
escrever numa prosa poética “sem ritmo nem rima”, capaz de responder com a
máxima “concentração de espírito” aos “sobressaltos da consciência” e,
sobretudo, às “sugestões da rua”. Pois esta poesia nasce “da frequentação das
cidades enormes”: percorrendo sua Paris natal em transe de se converter, como
bem viu Walter Benjamin, em “capital do século XIX”, Baudelaire tomava nota da
transformação vertiginosa, da hipocrisia rampante — burguesa ou boêmia,
masculina ou feminina, literária ou oficial —, da violência sempre a ponto de
rebentar. E, se tudo isso lhe inspirava esse spleen que o próprio poeta certa
vez definiu como uma espécie de “melancolia irritada”, não é menos verdade que
Baudelaire foi tecendo, ao sabor das andanças, uma rede de cumplicidades e
correspondências entre poeta solitário e os personagens miúdos da vida urbana —
os pobres e as prostitutas, os velhos e as crianças, os saltimbancos sem vintém
e os cães sem rumo —, aqui convertidos em figuras de uma intensa beleza, que
nos exalta e nos exaspera. A tradução de Samuel Titan Jr. é publicado pela
Editora 34.
Quando, mais uma vez, o
Mediterrâneo testemunha trágicas peregrinações de pobres e crianças, este livro
ganha nova edição no Brasil.
No começo do século XIII, quando
já se anuncia o malogro das Cruzadas, a Europa é sacudida por movimentos
milenaristas a demandar novas expedições rumo ao Santo Sepulcro. Em 1212, duas
colunas de gente simples — pueri — tomam o rumo de Marselha e Gênova, na
esperança de cruzar o Mediterrâneo e abrir caminho até Jerusalém pela força da
fé. O resultado, que não poderia ter sido mais trágico, logo se tornou a
matéria-prima de que são feitos os mitos. Poucas décadas depois dos
acontecimentos, já se cantava a gesta d'A Cruzada das Crianças: os pobres de
1212 tinham se convertido nas crianças — pueri, mais uma vez — da lenda. Muitos
séculos mais tarde, o escritor francês Marcel Schwob revisita a lenda em “A
cruzada das crianças”, publicada originalmente em 1896. Não para reiterá-la com
devoção ou refutá-la com cinismo, mas para exacerbar a semente de alucinação
que dormitava nas fontes medievais. À maneira de um espelho estilhaçado, a
História se fragmenta em histórias, em versões: oito ao todo, narradas de pontos
de vista distintos e mesmo conflitantes, que dissipam toda certeza e trazem à
tona o patético da empreitada. Narrada com “sóbria precisão” e louvada sem
meias palavras por Jorge Luis Borges, leitor atento de Schwob, A cruzada das
crianças ganha nova edição brasileira quando, mais uma vez, o Mediterrâneo
testemunha trágicas peregrinações de pobres e crianças — agora na direção
contrária. A nova tradução é de Milton Hatoum. O livro publicado pela Editora
34 na coleção Fábula tem prólogo de Jorge Luis Borges e ilustrações de Fidel
Sclavo.
René Crevel chega ao Brasil com
textos inéditos.
Em “A Morte Difícil – seguido de O
Espírito Contra a Razão, Se a Morte Fosse Apenas Uma Palavra, além da resposta
do autor à Enquete sobre o suicídio publicada na revista La Révolution
Surréaliste”, da editora 100/cabeças, são apresentados aspectos da
literatura-suicida no “dono e senhor de olhos fechados” do navio em plena
tempestade, como André Breton o retratou. O romance A Morte Difícil é o protagonista dessa seleção. Nesse, o autor, que esteve entre as testemunhas
de surrealismo absoluto no Primeiro Manifesto (1924), escreve uma das obras
mais ousadas de seu tempo, “marcada por uma progressiva expansão dos limites do
jogo narrativo, com a dissolução de elementos como o enredo e o avanço na
direção de uma prosa reflexiva”, conforme o ensaio-posfácio “O primeiro sonho
de arco-íris: entre corpo e desejo — a palavra”, assinado por Marcus Rogério
Salgado. O crítico-professor lança luz a esse romance que costura variadas relações
entre os personagens, relações encobertas na sociedade burguesa parisiense da
década de 20, ou os “anos loucos”, em ambiente de controle dissimulado, de
(homos)sexualidade reprimida, da farsa moral estabelecida logo nas primeiras
páginas entre duas madames submersas em ilusões lamentosas. Um romance
vibrante, que persiste nas centelhas de angústia pungentes do autor, com
estrutura de montagens dinâmicas e oscilações no foco, “que vai de um
distanciamento objetual do narrador em terceira pessoa a passagens de fluxo de
consciência”. A segunda parte do livro apresenta dois ensaios poéticos, um
poema em prosa e a resposta de Crevel à enquete sobre o suicídio realizada no
cerne do movimento surrealista. São testemunhos de toda uma obra de rebelião
contra a sociedade burguesa e literatura em forma onírica, que garantiu ao
autor o desígnio como “o grande teórico do sonho” por Sarane Alexandrian (Le
surréalisme et le rêve). “Na grande aventura que é toda luta do espírito pelo
espírito, o ser, se quer se tornar digno da liberdade”, escreve no ensaio O
Espírito Contra a Razão (1927), atiçado a partir da faísca de outra enquete dos
surrealistas (“Por que você escreve?”, revista Littérature, 1919), onde “teve
início a luta do Espírito contra a Razão a que Dada, a escrita automática e o
Surrealismo se lançaram”. Nesta edição, resgata-se a afirmação da escritora
Anne Le Brun, de que reeditar René Crevel é ato de “justiça e salubridade”,
pois traz a público um autor que encarou por toda sua a vida a morte como “se
fosse apenas uma palavra”. Alguém que teve coragem em desafiar os tabus do
espírito e do suicídio, quem se pergunta “de que vale proteger meus dias da
morte?”. Afinal, viu na morte a beleza trágica e inescapável. Não só recusou
viver ignorando suas angústias, como as impregnou em sua escrita o que aprendeu
com outros surrealistas: a fusão inseparável da vida com a poesia. Ao final,
para leitores e leitoras, um convite como “o pavão que anuncia o arco-íris”. A
porta está aberta. O livro tem ainda prefácio de Marcus Rogerio Salgado.
O visionário em Artaud.
Antonin Artaud (1896-1948), poeta,
dramaturgo, surrealista, xamã, recusou expressar-se através somente da
expressão artística, o autor da visão trágica, cuja violência sensorial que
trazia pro teatro buscava a imanência do gesto na linguagem inaugural ao
destruir a “palavra soprada” e deixar que falasse pelo movimento da língua para
“devolver à arte a noção de uma vida apaixonada e convulsiva”. Em Carta à
vidente, Artaud se despe diante da cartomante que visita, cujos olhos
“percorrem vertiginosamente” as fibras de seu corpo e extirpa o mal do pecado.
Artaud coloca-se aberto ao “abraço do mais-querer querendo mais amar”, ou do Grande Desejo, explicitado no
texto de Sergio Lima “As cartas do vidente e vidências das cartas de amor”, que
completa a edição. Artaud segue as linhas de Arthur Rimbaud em “Carta do
vidente”, duas cartas manuscritas de 1871, onde o último fez do poeta “vidente
por meio de um longo, imenso e refletido desregramento de todos os sentidos”.
Segundo Sergio Lima, é lá que se descortina “a revelação na poesia do feminino
e da mulher”, que se estabelece a “linhagem da fascinação que se dá na troca e
no encontro de corpo e alma, os dois batendo num só́ coração”. O livro que a
editora 100/cabeças acrescenta ao catálogo insurgente tem cuidado especial com
encadernação em sanfona, que, retirada do estojo, abre-se como leque de cartas.
Os dois textos espelham-se como duplos de uma moeda giratória, à própria sorte
do leitor e intercalando as palavras do dramaturgo francês com os desenhos do
português António Gonçalves, corporeidade transbordante que derretem por
páginas (des)pautadas. O livro é carne sem corpo, desejante, plasmática,
alquímica, consoantes com uma das definições do teatro pelo próprio Antonin
Artaud, como “terra do fogo, lagunas do céu, batalha dos sonhos”. O livro é
publicado pela Editora 100/Cabeças.
A única reunião de ensaios de
Georg Simmel organizada pelo próprio autor.
Cultura filosófica é a
única reunião de ensaios de Georg Simmel (1858-1918) organizada pelo próprio
autor. Lançada em 1911 e revista em 1918, a coletânea é uma excelente porta de
entrada para a obra deste pensador, um dos pais da sociologia alemã e um
filósofo da cultura que influenciou nomes como Walter Benjamin, Robert Musil e
Georg Lukács, entre muitos outros. Nestes quatorze estudos, que abordam
assuntos diversos como a psicologia, a religião, a arte, o masculino e o
feminino, Simmel deixou a sua marca inconfundível: a fina arte de interrogar e
expor o objeto de sua indagação sob diferentes ângulos, como um legítimo “aventureiro
do espírito”. Traduzido por Lenin Bicudo Bárbara, a edição tem prefácio de
Leopoldo Waizbort e é publicada pela Editora 34.
Um registro de uma experiência
pioneira do teatrólogo Augusto Boal.
Teatro Legislativo descreve uma experiência pioneira do que hoje tem sido chamado de “mandato
coletivo”: a atuação de Augusto Boal (1931-2009), um dos maiores teatrólogos do
mundo, como vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro no início dos anos
1990. Como ele próprio resumiu, “na minha vida inteira sempre fiz política
(embora não partidária) e sempre fiz teatro. Foi isso o que me seduziu na
proposta: fazer ‘teatro como política’, ao invés de simplesmente fazer ‘teatro
político’, como antigamente”. Foram quatro anos de “imaginação no poder”,
utilizando as técnicas que o tornaram famoso para teatralizar os problemas nas
próprias comunidades que os viviam e, assim, criar um novo modo de elaborar
leis. Desde então, a experiência não teve continuidade nos caminhos e
descaminhos escolhidos pela esquerda brasileira e justamente por isso pode ser
um elemento fecundo para seus atuais impasses. Lançado em 1996, Teatro
Legislativo sai agora com o texto revisado pelo autor para a versão
inglesa do livro, acrescido de fotografias, documentos e pronunciamentos feitos
ao longo do mandato, além de depoimentos inéditos de antigos colaboradores e
ativistas contemporâneos. O livro é organizado por Fabiana Comparato, autora
também da tradução, e Julián Boal e publicado pela Editora 34.
O registro de uma história de
guerras, de amores trágicos pela imaginação da autora de Frankenstein.
O último homem,
escrito por Mary Shelley pouco tempo depois da morte do esposo, é um misto de
pessimismo, autobiografia e reação a Percy Shelley, cujos ideais românticos não
são capazes de salvar os protagonistas do derradeiro fim. Quase duzentos anos
após a publicação original, o livro que chocou os críticos do século XIX está
mais atual do que nunca — de outras formas, mas ecoando o mesmo som. É aqui que
a célebre autora de Frankenstein registra uma história de guerras,
de amores trágicos e, como não poderia deixar de ser, da extinção da raça
humana. Em um futuro não mais distante, Lionel Verney vê cada um de seus amigos
cair vítima de uma doença que, entre fanáticos e negacionistas, deixa cada vez
mais clara a inexorável força da natureza. Ficção apocalíptica ou profecia
acertada? A tradução de Jana Bianchi para O último homem é publicada pela Plutão Livros.
Um dos mais celebrados e premiados
expoentes da poesia contemporânea estadunidense, Danez Smith, ganha publicação
no Brasil.
Não digam que estamos
mortos é uma obra surpreendente e ambiciosa que, a um só tempo,
confronta, louva e repreende os Estados Unidos, sobretudo os Estados Unidos
branco, racista e opressor. Danez evoca uma poesia de assuntos urgentes, que
encontra forte ressonância na realidade brasileira, especialmente no que diz
respeito à situação de violência à qual a população negra é submetida. O livro
abre com uma potente sequência que imagina a vida após a morte para meninos
negros mortos pela polícia, um lugar onde a violência e o sofrimento são
substituídos por segurança, amor e longevidade. Com o mesmo vigor e imprimindo
uma marca muito pessoal na linguagem poética, Danez aborda temas ligados ao
desejo, ao universo queer, à mortalidade — os perigos experimentados na pele,
no corpo e no sangue –, e ao diagnóstico positivo para HIV. A edição brasileira
tem tradução de André Capilé, posfácio de Ricardo Aleixo e é publicada Bazar do
Tempo.
REEDIÇÕES
Dois novos livros de Carlos Heitor Cony ganham reedição.
1. A tarde da sua ausência. Escrito em três semanas no mês de
março de 2001, este é um dos últimos romances de
Cony sobre conflitos familiares e suas consequências, tão naturais quanto
extraordinárias. Partindo de um instante cristalizado no passado da memória, da
ausência num retrato, o autor constrói narrativa de avanços e recuos,
desdobrando-se por caminhos inesperados que se bifurcam, para contar a lenta
dissolução de uma família carioca. A nova edição agora publicada pela editora
Nova Fronteira tem prefácio de André Seffrin.
2. Tijolo de
segurança. Terceiro romance de Carlos Heitor
Cony, laureado em 1958 com o Prêmio Manuel Antônio de Almeida, o livro foi publicado pela primeira vez em 1960. Valendo-se já no título
da metáfora aeronáutica que nomeia o espaço imaginário destinado a proteger
aviões de colidirem uns com os outros, Cony trata no livro da inexistência
desse espaço de preservação na nossa trajetória pessoal, falta que seria “um símbolo de nossa fragilidade, de nossa disponibilidade para o bem e
para o mal”. Seus personagens, moradores de uma ilha que vem sendo
impactada com os males e as torpezas do mundo, são indivíduos fraturados,
marcados por ausências, desassossego, vulnerabilidade e desencontros amorosos.
A nova edição é publicada pela editora Nova Fronteira com prefácio de André
Seffrin.
Caixa reúne três dos romances mais
conhecidos de Gabriel García Márquez.
Gabriel García Márquez, ou Gabo,
foi, além de jornalista e roteirista, um dos maiores autores da América Latina
e do mundo do século XX, e essa é uma coletânea para honrar suas maiores obras.
Depois que Cem anos de solidão foi publicado, em 1967, não só a
vida de García Márquez muda como todo o paradigma do que se entendia como literatura
latino-americana. O mundo voltou seus olhos para o que era produzido pelo autor
colombiano da cidade de Aracataca, e Gabo apresentou ao mundo a realidade de um
continente sofrido, preso ao real, mas nem por isso incapaz de abraçar a mágica
da vida. Este romance aparece com as novas edições de Crônica de uma
morte anunciada e O amor nos tempos do cólera. Além dos três
livros de Gabo, a caixa reúne o livreto “García Márquez em estado
puro”, com texto do jornalista e tradutor de Cem anos de solidão, Eric Nepomuceno,
e fotos de Gabo. Nele, Nepomuceno nos oferece um panorama histórico do momento
de escrita dos três livros e como cada um deles influenciou a vida e a obra de
García Márquez em um relato que só alguém que conheceu o autor pessoalmente
seria capaz produzir. É um texto que enriquece ainda mais essa coletânea
fundamental para qualquer leitor ávido de García Márquez ou para quem deseja
uma belíssima introdução aos seus livros. A publicação é da Editora Record.
Nova edição de uma obra que
sintetiza uma das faces de Mário de Andrade: o seu interesse pela
etnomusicologia.
Publicado em 1928, no mesmo ano
que Macunaíma, o Ensaio sobre Música Brasileira apresenta o trabalho que Mário de Andrade desenvolvia há alguns anos em busca
de conhecer os cantos e danças dos brasileiros, um verdadeiro trabalho de
etnomusicologia, a qual ainda não existia como disciplina nessa época. No
volume reúne cantos e danças organizados de acordo com categorias que definiu
como toadas, cantigas, cantos de trabalho, martelos, lundus etc., que são o
resultado de coletas que o próprio Mário efetuou ou da colaboração de amigos e
informantes. Esta edição organizada por Flávia Camargo Toni, responsável pelo
estabelecimento do texto e apresentação das notas, traz também um dossiê com
críticas contemporâneas à sua publicação, oito artigos que demarcam o início da
difusão da fortuna crítica da obra e o ensaio “Cantos-de-Trabalho no
Brasil”, de autoria de Mário. A publicação é da EdUsp.
OBITUÁRIO
Morreu Cruzeiro Seixas.
O poeta e artista plástico nasceu
a 3 de dezembro de 1920 em Amadora. Antes de ingressar o grupo articulado por
Mário Cesariny, aquele que abriria as portas ao surrealismo português, flertou
com o neorrealismo. A tardia integração dos portugueses ao movimento fundado
por André Breton em 1924 não significou que este tenha sido de natureza frágil
e sua importância, sobretudo para a poesia, ainda é visível entre os criadores
contemporâneos. Cruzeiro Seixas esteve na África em 1950, com o desejo de
conhecer o continente, alistando-se na marinha mercante; daí viajou pela Índia
e pelo extremo Oriente, fixando-se em Angola, em 1952, onde realizou várias
exposições. Regressou a Portugal em 1964. Trabalhador incansável da imagem e da
palavra; trabalho que mereceu a Medalha de Mérito Cultural. Em junho de 2020
nos preparativos para celebração do seu centenário foi editado o primeiro de
quatro volumes da sua “Obra Poética”, numa recolha organizada pela poeta e
escultora Isabel Meyrelles, outro nome do surrealismo português. Cruzeiro
Seixas morreu a 8 de novembro em Lisboa.
DICAS DE LEITURA
Nesta e na próxima edição do
Boletim Letras 360º, fizemos uma seleção das resenhas mais acessadas e
selecionamos a recomendação de livros que já foram comentados no blog. Foram dez
títulos divididos em duas seções ― a primeira é esta agora publicada. Para
as escolhas, consideramos apenas os comentários mais acessados e de livros que
o leitor tenham alguma facilidade para encontrá-los.
1. o remorso de batalzar
serapião, de valter hugo mãe. Muita gente não sabe, mas todos os romances e
mesmo a obra poética do escritor português publicada até agora foi resenhada
para o Letras. De todos os livros comentados pelo blog a resenha sobre este,
que é o segundo romance do escritor, é o mais procurado entre os leitores que
nos visitam. Este livro pertence à safra dos trabalhos escritos em minúscula
desde o nome do autor ― condição que será abandonada mais tarde por admitir o
escritor ser esta uma forma que estava se tornando clichê para sua literatura.
Trata-se de um romance que nasce sob as bênçãos do Prêmio Nobel de Literatura,
José Saramago, que o considerou “tsunami literário”; por essa razão é que o
remorso de batalzar serapião foi ganhador de uma das primeiras edições do
Prêmio José Saramago. Na mesma ocasião em que declarou ser este um tsunami
literário, declarou também, está tomado, enquanto o lia da impressão de que
estava a assistir “um novo parto da língua portuguesa”. As duas expressões
podem ter um tanto do exagero comum quando nos desfazemos em elogios a
determinado trabalho que de imediato muito nos toca, mas terá suas razões para
serem ditas da forma como foram ditas: este livro é um rico romance e não serão
poucos os momentos que na sua leitura serão tomados os leitores da mesma
sensação que um dia guiou o sentimento de Saramago. Publicado inicialmente no
Brasil pela Editora 34, o livro foi mais tarde reeditado pela Globo Livros.
2. Memória de minhas putas
tristes, de Gabriel García Márquez. Este é um livro sobre a solidão,
sobre a impotência (sexual e da própria vida). Relata a história de um
velho que sempre foi medíocre em tudo que fez: teve uma vida sem grandes
realizações e fechado ao amor, ou pelo menos à ideia usual que se tem do
sentimento. Aposentado, vive uma vida simples num casarão herdado dos pais e
cujas únicas atividades se resumem a escrever uma crônica semanal para um
jornal local e algumas eventuais resenhas de apresentações de música clássica.
Ao completar 90 anos, decide pedir para uma velha conhecida cafetina uma jovem
virgem por uma noite. É essa ideia, por hora sem sentido que
irá desencadear uma série de fatos (reais, no plano da ficção, ou não, já
que o terreno aqui pisado é o da memória) que vão mudar a vida
desse velho. O livro, constitui-se, logo, como um jogo de
memórias, um relato do ano que segue a partir dessa noite (possível) com
essa jovem.
3. O homem revoltado, de
Albert Camus. Na leitura que faz sobre este livro do escritor francês que cedo
rompeu com os pressupostos do existencialismo tal como defendido por Jean Paul
Sartre, Rafael Kafka o entende como “um livro em favor da liberdade humana.
Nele vemos Camus defendendo a dignidade do indivíduo. Não há justiça em
sistemas opressores que para se manterem no poder utilizam-se do processo de
ceifar vidas humanas para manterem o seu conceito de justiça social. Utilizando-se
um argumento essencialista, ele fala de uma natureza humana a qual o revoltado
buscaria defender a todo custo. O revoltado é um ser que luta para alcançar
aquilo que falta a ele para se tornar pleno dentro da natureza humana. Contudo,
a revolta em si não é desculpa para abusos.” O homem revoltado e toda
obra de Camus já publicada no Brasil tem sido reeditada no Brasil pela Editora
Record.
4. O imoralista, de André Gide.
O protagonista deste romance de André Gide é o homem cercado pela
impossibilidade de obedecer aos seus próprios instintos para a determinação da
sua liberdade e, também, de sua existência. Michel é aquele que entrega tudo às
mãos do destino – tem uma sina miserável de acreditar que ele não o decepciona
– enquanto no mais fundo do seu íntimo anseia para que ele [o destino] se
decida por aquilo que não é capaz de se decidir, nem sozinho, nem influenciado
como o Dorian Gray de Oscar Wilde. Não se trata de uma passividade ante as
coisas nem de um individualismo que arraste Michel apenas para as zonas de seu
interesse; insaciável, quer é estar nas mil formas de existência. Fora das
determinações pessoais, é o homem encalacrado entre um mundo antigo, marcado
pela formação enciclopédica, o burguês intelectual, e pela libertação de todos
os dogmatismos, capaz de compreender que vida está à luz do sol não à sombra
dos gabinetes e das bibliotecas, no presente, não no passado, fora de toda
determinação moral e cultural. O romance está reeditado na coleção
Clássicos de Ouro da Editora Nova Fronteira.
5. De mim já
nem se lembra, de Luiz Ruffato. O narrador principal cujo nome se confunde
com o do autor, Luiz, reencontra depois da morte da mãe, um conjunto de cartas
escritas pelo irmão quando este sai do interior de Minas Gerais para viver em
São Paulo em busca de melhores condições de vida, cumprindo um destino que foi
muito recorrente num passado não muito distante de nossa história. Note, que o
tema do imigrante italiano é revalidado através dos fluxos dos povos de
periferia do país para os chamados centros produtivos cuja força se manteve
desde a ascensão do Estado Novo até meados da Era de Redemocratização. A
transcrição das cartas, insere um novo narrador à trama que apresenta não
apenas o dia-a-dia de um trabalhador simples fora de sua terra natal, mas é
testemunha sobre as esperanças, a dor de estar longe dos seus, e as impressões
que tem sobre a cidade e sobre a vida no interior. Este romance de Ruffato foi
reeditado pela Companhia das Letras.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Na galeria de vídeos no
Facebook, estes são os mais vistos até 2020: a) O ator português Pedro Lamares
recita “Quando vier a primavera” (Alberto Caeiro / Fernando Pessoa) para o
programa “Um poema por semana”, da portuguesa RTP ― aqui; b) Manuel Bandeira recita o seu
clássico poema “Vou-me embora pra Pasárgada”; c) esta entrevista de Guimarães Rosa
capturada como excerto do Outro sertão (2013), das diretoras Adriana
Jacobsen e Soraia Vilela; d) imagens raras, em cores, da artista plástica
mexicana Frida Kahlo; e) rara entrevista de Simone de Beauvoir ― a
pensadora responde e desenvolve sua leitura para a questão por que sou
feminista.
BAÚ DE LETRAS
1. Esta semana ficamos a um ano do
bicentenário de Fiódor Dostoiévski, talvez um dos escritores russos mais
populares entre os leitores brasileiros. Neste blog, encontram-se vários textos
sobre sua obra; destes, sublinhamos dois dos mais recentes: a) este, de Davi
Villaça, sobre o meio em Dostoiévski; b) e este outro, de Joaquim Serra,
uma resenha sobre Bobók.
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