Boletim Letras 360º #400
DO EDITOR
1. Saudações, caro leitor! Numa
magra edição do Boletim Letras 360º publicada recentemente cheguei a sublinhar
sobre a escassez de novidades no resto de um ano tão atípico como este que agora se encaminha para o fim. Mas, o que essa
publicação e as que se seguiram depois daquela afirmativa fazem é desmentir um pouco
a perspectiva ― o não é nada mal.
2. Abaixo você pode conferir um pouco
disso recordando as notícias divulgadas durante a semana em nossa página no Facebook.
E, claro, as seções correntes com dicas de leitura para alguns títulos da nossa
literatura. Obrigado pela companhia por aqui e noutros canais do blog. Boas
leituras!
Karl Ove Knausgård. Foto: Robi Rodriguez. Último título de sua obra mais reconhecida chega ao Brasil. |
LANÇAMENTOS
O esperado volume que encerra Minha Luta, a monumental série em seis partes do norueguês Karl Ove
Knausgård.
Neste sexto e último livro,
Knausgård examina a vida, a morte, o amor e a literatura com um rigor ímpar e
contabiliza os custos e as consequências de seu gigantesco projeto literário de
autoficção, que sempre envolveu riscos — afinal, ele testa os limites entre o
público e o privado o tempo todo. Em O fim acompanhamos o escritor
diante da pressão do reconhecimento literário e da repercussão muitas vezes
devastadora de seus primeiros livros. Mas há também um longo ensaio sobre
Hitler, o poder da linguagem, questões de identidade e outras questões
estéticas. Na empreitada de milhares de páginas que se conclui aqui, Knausgård
retratou a vida em todo o seu espectro, desde os momentos mais dramáticos até
detalhes triviais do cotidiano. O fim é o arremate genial desse
feito sem paralelos. A tradução de Guilherme da Silva Braga é publicada pela
Companhia das Letras.
Livro que marca os oitenta anos de
um dos principais poetas brasileiros em atividade.
Armando Freitas Filho, uma das
vozes mais importantes da poesia brasileira, chega aos oitenta anos com um
livro que lida, diretamente, com o momento presente. Os poemas visitam temas
conhecidos a seus leitores — como a casa, o Rio de Janeiro, sua paixão por
Carlos Drummond de Andrade e Van Gogh —, mas também respondem, a quente, ao
noticiário, em versos afiados sobre política, violência e brutalidade policial.
As marcas do tempo estão entranhadas nos poemas de Arremate, que
refletem sobre a maturidade. O ofício da escrita surge como um dos eixos
centrais do livro. O poema “Trifásico” joga luz sobre os bastidores
do poeta: ele primeiro escreve à mão, depois passa para a máquina e, por fim, o
poema surge, já limpo, na tela do computador. Em “Caderno”, Armando
Freitas Filho sintetiza, com maestria, sua poética: “A memória é feita do
papel fino/ que separa uma página da outra”. Arremate é
publicado pela Companhia das Letras.
Novo livro da poeta Prisca
Agustoni.
O mundo mutilado reúne
poemas em torno das migrações, sobretudo na Europa, mas conectado aos temas da
diáspora negra, das imigrações para as Américas e dos deslocamentos, com
reflexos na linguagem e na percepção artística. Os versos se concentram no
drama contemporâneo das migrações, sobretudo no movimento recente, a partir de
2013, quando barcos cheios de pessoas fugindo do litoral norte-africano
tentaram entrar na Europa pelas fronteiras marítimas do Mediterrâneo. São 53
poemas, divididos em seis partes: “A fera”, “Gente que parte”, “Antilíngua”,
“Memória do inferno”, “Rosa dos ventos” e “Novo ensaio sobre a chegada”. As
reflexões e as imagens poéticas ligadas aos dramas dos migrantes se adensam e
extrapolam os limites dos acontecimentos históricos recentes para alcançar uma
meditação sobre a condição do deslocamento e seus reflexos na linguagem e no
encontro entre culturas. As influências da autora vão de poetas como Bertolt
Brecht, Mariella Mehr, Agota Kristof e Sylvia Plath a pensadores como Pier
Paolo Pasolini, Aimé Césaire, Dany Laferrière e Walter Benjamin. Sua poesia
lança mão daquilo que a escritora alemã Herta Müller chamava de “olhar
estrábico”: uma observação ligeiramente deslocada, um olho atento e crítico a
cada uma das culturas que nos habitam. A edição traz na capa e na contracapa imagens da série Storni, da artista e tradutora suíça Anna
Allenbach. A capa e o projeto gráfico do livro são da diretora de arte da
Quelônio, Sílvia Nastari. O livro é publicado pela Editora Quelônio.
Como encarar a vida sob a
perspectiva dos filósofos gregos? E se lançássemos mão da sabedoria dos antigos
para encarar a vida com mais leveza? E se escolhêssemos ter Pitágoras e
Parmênides, Epiteto e Pirro, Epicuro e Diógenes como mestres?
Em Lições de felicidade,
Ilaria Gaspari, pensadora sutil e original, combina o rigor da pesquisa
filosófica com a intuição do dado empírico, análise e síntese, mostrando que,
como faziam os gregos antigos, é possível curar-se com a filosofia. Essa
disciplina, muito longe de ser apenas um estudo teórico, estático e sem vida,
se revela sabedoria prática que, cultivada dia após dia, é capaz de
transformar. Com maestria e naturalidade, a autora adentra questões debatidas
há milênios, aprofundando o não dito que se lê além dos enunciados, mostrando
que sob a superfície sempre há outras camadas. Durante uma viagem de seis
semanas, cada uma seguindo os preceitos de diferentes escolas filosóficas da
Grécia Antiga, Ilaria Gaspari será levada a questionar não apenas as noções sedimentadas
ao longo dos anos, mas a vida em seu todo. Nessa jornada, aprenderá a entender
a natureza do tempo, jamais perdido, a achar-se suspensa diante da incerteza;
aprenderá que o desconforto gerado pela novidade também nos mantém vivos, que
errar não é apenas lícito, mas necessário: erro e errância levam sempre à
descoberta. Um exercício de filosofia prática que mostra que seguir fórmulas
concebidas há mais de dois mil anos não é uma tarefa simples, mas pode levar a
uma fascinante busca pela felicidade. A tradução de Cezar Tridapalli é
publicada pela Âyiné editora.
Livro de Marina Tsvetáieva
reconstrói em prosa suas lembranças de infância.
Parte da prosa autobiográfica de
Marina Tsvetáieva (1892–1941), O diabo foi publicado primeiramente
em Paris, em 1935, no número 59 da Sovremiennye zapíski (Notas contemporâneas), importante revista literária da emigração
russa na França que funcionou de 1920 a 1940 e reuniu escritores como Andrei Biély,
Ivan Búnin, Nadiejda Teffi, Vladímir Nabókov. O diabo reconstrói em
prosa as lembranças de Marina Tsvetáieva de si mesma menina (até seus sete
anos): “Não vou falar daquilo que não aconteceu, pois a única finalidade, o
único valor desses escritos está em sua identidade com o passado, na
coincidência consigo mesma daquela menina, reconheço-o, esquisita, mas que
existia”. No entanto, o texto não é “apenas um quadro vivo de sua infância, mas
a interpretação mitologizada de sua vocação poética”, como escreveu Аnna
Kamiénskaia. A obra traz as impressões ambíguas, sensuais, sensoriais,
literárias e pluriculturais da figura do diabo para Tsvetáieva. O Mycháty (como
ela o chamava), que vivia no quarto de Valéria, sua meia-irmã, é dual e
paródico: “Um de meus primeiros medos secretos e dos terríveis segredos de
criança (de minha infância) era: 'Deus-Diabo!'”. Não por acaso o texto tem
a epígrafe “Diabo liga com criança”, uma expressão russa que denota atração de
diferentes. A tradução de Aurora Fornoni Bernardini é publicada pela editora
Kalinka.
Uma das vozes de maior destaque da
literatura portuguesa contemporânea, João Reis, chega ao Brasil.
Neste romance nos apresenta um dia
na vida de um tradutor à beira do desespero desde a partida de sua noiva. Assim
que o protagonista se vê sozinho, tudo na cidade parece desagradável, mesquinho
e patético. Somos imersos, então, na consciência ranzinza deste tradutor, que
vaga pelas ruas tentando encontrar algum prazer que o distraia, algum alívio
para suas dores do coração. No entanto, é como se o mundo fosse visto por
janelas sujas: as pessoas que convivem com ele na pensão parecem grotescas,
todos do mercado editorial não passam de bandidos gananciosos, e os escritores
são meros diletantes. Ecoando obras-primas da literatura europeia, como
Fome, do norueguês Knut Hamsun, e diversos livros de prosa ácida do
austríaco Thomas Bernhard, A noiva do tradutor emprega uma narração
que força o leitor a enxergar o mundo pelos olhos de um homem desesperançado,
que alterna entre um racionalismo frio e uma necessidade de crer em qualquer
coisa que possa tirá-lo do marasmo: até mesmo numa cartomante. O resultado é,
como a crítica já apontou, mordaz e hilariante. O livro é publicado pela DBA
Editora.
Livro que abalou as letras argentinas
chega, pela primeira vez, ao Brasil.
A internet, as redes sociais e a
overdose de informação mudaram por completo nossa sociedade — mas será que
mudaram que nós somos enquanto seres humanos? Em seu livro de estreia, o
argentino J. P. Zooey confronta o existencialismo de uma era marcada pela
onipresença da tecnologia em todos os setores da sociedade. Em pequenas
narrativas, conectadas por uma carta que o autor escreveu a si mesmo com uma
lista de tudo aquilo o que vale a pena lembrar nessa vida, Zooey nos conduz por
uma galeria de personagens inusitados, como o homem que acredita ser um vírus
de computador e a sobrevivente de Auschwitz que pensa ter encontrado Deus no
chuvisco de uma televisão fora de sintonia. Publicado originalmente em 2009, o
livro gerou um abalo sísmico nas letras latino-americanas, inclusive no Brasil,
onde foi adaptado ao teatro por Luiz Felipe Reis. Além disso, Sol
artificial capturou a atenção do público porque o autor se escondia por
trás desse enigmático pseudônimo, inspirado em um personagem de J. D. Salinger.
Apenas em 2017 descobriu-se o rosto do homem por trás do nome. E agora o leitor
brasileiro pode enfim mergulhar neste universo inquietante, movido a uma prosa
experimental que nunca deixa de lado um profundo humanismo. A tradução de Bruno
Cobalchini Mattos é publicada pela DBA Editora.
Antologia apresenta um amplo
panorama da obra de Arthur Rimbaud.
Reunindo 25 de seus poemas — inclusive algumas obras-primas já clássicas, como “O barco bêbado” —,
mais dois poemas do “Álbum Zútico”, quatro textos de Iluminações e
dois textos de Uma temporada no inferno. A edição bilíngue valoriza ainda mais
as primorosas traduções do poeta Afonso Henriques Neto, que também comenta na
apresentação do volume os desafios de traduzir Rimbaud, com diversos exemplos
das diferentes soluções encontradas por outros tradutores, e ainda narra sua
experiência bastante particular de recriar poeticamente os versos do autor
francês em língua portuguesa, sempre com o mesmo encanto e entusiasmo despertados
desde a primeira leitura, na juventude. As notícias biográficas e as notas
sobre os poemas traduzidos ajudam a contextualizar melhor a obra e os critérios
de seleção para esta antologia, ampliando o alcance do livro e estimulando
novas leituras — afinal os versos do jovem poeta transcendem o tempo e
atravessam gerações, com o mesmo vigor de quando foram criados. Nas palavras de
Henry Miller, “[...] para mim essas frases jamais perderão sua força. Cada
vez que as reencontro sinto a mesma emoção, o mesmo júbilo, o mesmo medo de
enlouquecer se me detiver nelas por tempo longo demais. Quantos escritores são
capazes de provocar esse efeito? A gente encontra trechos inesquecíveis, certas
frases marcantes, mas em Rimbaud são incontáveis, espalhadas por todas as
páginas, como joias caídas de uma arca saqueada.” O livro é publicado pela
editora 7Letras.
A primeira história do
Tradicionalismo, um importante, porém surpreendentemente pouco conhecido,
movimento anti-modernista do século XX.
Abarcando uma série de grupos
religiosos frequentemente secretos, mas por vezes muito influentes no Ocidente
e no mundo Islâmico, o Tradicionalismo afetou tanto a política convencional
como a revolucionária na Europa e o desenvolvimento do campo de estudos
religiosos nos Estados Unidos. No século XIX, numa época onde os intelectuais
progressistas haviam perdido a fé na capacidade do Cristianismo em estabelecer
verdades religiosas e espirituais, o Ocidente descobria escritos religiosos
para além de suas fronteiras. Neste solo cresceu o Tradicionalismo, emergindo
do meio ocultista na França do final do século XIX, e alimentado pela
generalizada perda da fé no progresso que se seguiu na esteira da Primeira
Guerra Mundial. Trabalhando primeiro em Paris e depois no Cairo, o escritor
francês René Guénon rejeitava a modernidade como uma idade das trevas, e buscou
reconstruir a Filosofia Perene — as verdades religiosas centrais por trás das
maiorias religiões mundiais — em grande parte calcada em suas leituras de textos
religiosos hindus. Inúmeros intelectuais desencantados responderam ao chamado
de Guénon com tentativas de colocar a teoria em prática. Alguns tentaram, sem
sucesso, guiar o fascismo e o nazismo à luz de linhas tradicionalistas; outros
mais tarde fizeram parte de grupos terroristas na Itália. O tradicionalismo,
por fim, emprestou o cimento ideológico para a aliança de forças
antidemocráticas na Rússia pós-soviética, e no final do século XX se inseriu no
debate no mundo islâmico a respeito do que seria o melhor relacionamento entre
o Islã e a modernidade. Contra o mundo moderno. O Tradicionalismo e a
história intelectual secreta do século XX, de Mark Sedgwick é traduzido
por Diogo Rosas G. e publicado pela editora Âyinè.
O segundo romance de Edimilson de
Almeida Pereira.
Um corpo à deriva é um
romance distópico. A partir de um pacto doloroso entre dois jovens, Eu e Tesfa,
a trama se desdobra em fragmentos. No decorrer de uma tarde, entre a entrega
amorosa e os desencontros, os jovens recordam fatos de suas experiências
atravessadas por fatos da história do Brasil. Confinados no pequeno
apartamento, eles recebem a “visitas” do Velho angular (uma voz ancestral), do
amigo Chagas (artista plástico) e de Fin (outra enigmática voz do passado). Através
de uma teia de antinarrativas, os personagens desvelam a solidão e o horror
como guias da vida contemporânea. O livro é publicado pela Editora Macondo.
A peça de uma debate, a peça de um
dilema.
A voz da educação
liberal, de Michael Oakeshott, foi publicado pela primeira vez em 1989,
pela Yale University Press. Naquela época, estavam em voga alguns livros que
sustentavam uma visão negativa sobre a educação nos Estados Unidos. Oakeshott
não poderia deixar de fazer parte desse debate, e de maneira sutil, com sua
contundência, paciência e seu estilo sofisticado, o autor inicia a sua reflexão
cavando o pensamento até a raiz, tentando tatear toda a abrangência da natureza
do aprendizado. Começa pelo tema da liberdade, refletindo sobre o que significa
para o homem ter total poder sobre as suas palavras, pensamentos e ações. Segue
discutindo a possibilidade e a maneira como essa liberdade se coloca no mundo,
e em que nível a educação dessas palavras, pensamentos e ações pode nos ajudar
a integrar esse mundo, a descobri-lo e a interpretá-lo. Chega, enfim, no papel
da educação formal e da formação da Universidade — o lugar que guarda e zela
pela herança das realizações humanas — e, a partir de seu princípio devocional
ao pensamento, analisa o caminho dessa instituição em relação à educação e ao
desenvolvimento da sociedade de consumo. Como pode uma universidade responder à
atual aversão ao isolamento, à crença de que há meios melhores de se tornar
humano do que aprendendo-o e ao desejo de receber uma doutrina em vez de ser
iniciado em uma conversa? Eis a reflexão que Oakeshott apresenta, abordando o
difícil dilema de uma instituição que precisa estar no mundo, fazer parte dele,
ao mesmo tempo em que lhe é imperativo deslocar-se, colocar-se à parte. O livro
é publicado pela editora Âyinè.
Livro narra a saga de três
gerações de imigrantes coreanos no Japão do século XX.
No início dos anos 1900, a
adolescente Sunja, filha adorada de um pescador aleijado, apaixona-se
perdidamente por um rico forasteiro na costa perto de sua casa, na Coreia. Esse
homem promete o mundo a ela, mas, quando descobre que está grávida ― e que seu
amado é casado ―, Sunja se recusa a ser comprada. Em vez disso, aceita o pedido
de casamento de um homem gentil e doente, um pastor que está de passagem pelo
vilarejo, rumo ao Japão. A decisão de abandonar o lar e rejeitar o poderoso pai
de seu filho dá início a uma saga dramática que se desdobrará ao longo de
gerações por quase cem anos. Neste romance movido pelas batalhas enfrentadas
por imigrantes, os salões de pachinko ― o jogo de caça-níqueis onipresente em
todo o Japão ― são o ponto de convergência das preocupações centrais da
história: identidade, pátria e pertencimento. Para a população coreana no
Japão, discriminada e excluída ― como Sunja e seus descendentes ―, os salões
são o principal meio de conseguir trabalho e tentar acumular algum dinheiro.
Uma grande história de amor, Pachinko é também um tributo aos
sacrifícios, à ambição e à lealdade de milhares de estrangeiros desterrados.
Das movimentadas ruas dos mercados aos corredores das mais prestigiadas
universidades do Japão, passando pelos salões de aposta do submundo do crime,
os personagens complexos e passionais deste livro sobrevivem e tentam
prosperar, indiferentes ao grande arco da história. A tradução de Marina Vargas
é publicada pela Editora Intrínseca.
Margaret Atwood e suas leituras sobre políticas de poder.
Margaret Atwood, cuja obra foi
publicada em mais de 45 países, é autora de mais de 50 livros, entre ficção,
poesia, ensaios e graphic novels. Publicado originalmente em 1971, Políticas do poder surpreendeu os leitores ao apresentar a
imprescindível dança entre uma mulher e um homem. E ainda surpreende hoje, com
poemas que ocupam esferas de foro íntimo, político e mítico. Neste livro,
Atwood nos faz perceber que podemos pensar que nossas dicotomias pessoais são
únicas, mas que, na verdade, elas são múltiplas e universais. Claro, direto,
amargo e implacável, os poderes poéticos da autora de O conto da
aia estão afiados rumo à perfeição neste texto seminal — inédito no Brasil
e em edição bilíngue — dos primeiros anos de sua carreira literária. Gênero é
um tema importante no livro, e a autora traz questões de exploração feminina e
de relacionamentos abusivos entre um homem e uma mulher. A tradução é de
Stephanie Borges e o livro, em edição bilíngue, sai pela editora Rocco.
Suspense psicológico da autora de O talentoso Ripley explora os últimos limites da traição e do
orgulho.
Vic e Melinda estão longe de ser
um casal feliz ― seu casamento é mantido por um acordo nada convencional:
Melinda pode ter quantos amantes quiser contanto que não arraste os dois e a
filha para o caos de um divórcio. Tudo parece bem, mas, com o passar do tempo,
Vic começa a se incomodar com os homens escolhidos pela esposa e adota uma
estratégia inusitada para afugentá-los, assumindo a autoria do assassinato de
um deles. Só que a notícia se espalha por toda a cidade do interior dos Estados
Unidos e o antes cidadão-modelo, benfeitor, marido mais do que tolerante e
empreendedor abnegado vira alvo da maledicência de todos. Tudo levava a crer
que a vida voltaria ao normal quando o verdadeiro assassino é descoberto, mas a
revelação da mentira de Vic é o estopim de uma reviravolta nas convicções do
próprio e nas relações que mantém com a comunidade, com os amigos e com Melinda
e seus vários amantes. O que se cria é uma trama intrincada, repleta de
segredos, manipulação psicológica e sangue. Em águas profundas tem
a marca registrada de Patricia Highsmith: explora os abismos mais sombrios da
psique humana e lança luz para o fato de que sob a superfície das
personalidades mais pacatas e exemplares podem se esconder as mais sórdidas
psicopatias. A tradução de Roberto Muggiati é publicada pela editora
Intrínseca.
REEDIÇÕES
A Companha das Letras reedita esta
longa e esclarecedora conversa entre Carlos Drummond de Andrade e Lya
Cavalcanti.
“Tudo o que tenho a dizer
está nos meus livros”, disse certa vez Carlos Drummond de Andrade, avesso,
habitualmente, a falar sobre a própria vida. No entanto, ao conversar em 1954
com a amiga e jornalista Lya Cavalcanti numa série de oito programas gravados
para o rádio, sua discrição foi aos poucos se dissipando. A transcrição desses encontros,
chamados de Quase memórias, viria a ser publicada nas páginas do
Jornal do Brasil anos mais tarde e, em 1986, ganharia forma em livro. No
posfácio escrito para esta edição, Elvia Bezerra comenta que em Tempo vida
poesia está “impregnado o frescor, a inteligência e a vivacidade de uma
conversa entre dois jornalistas amigos tão diferentes em suas personalidades
quanto afinados no que há de humano e intelectualmente essencial”.
Quatro livros indispensáveis da
obra de Albert Camus, um dos autores mais importantes do século XX, pela
primeira vez em uma coletânea de luxo.
É inegável a importância de Albert
Camus na produção literária do século XX no Ocidente, um autor que dedicou a
vida a explorar o absurdo da condição humana. E essa edição conjunta é uma
celebração de sua obra, que reúne seu primeiro ensaio filosófico — O mito
de Sísifo — e os três romances que Camus publicou em vida — O estrangeiro, A peste e A queda. Segundo Manuel da
Costa Pinto, “Camus sempre insistiu em que, apesar da heterogeneidade formal e
estilística das suas obras, todas giravam em torno de alguns temas
obsessivamente revisitados a cada momento criativo”. E é pensando nestes temas
camusianos que a Editora Record publica essa caixa com novo projeto gráfico que
enaltece esses quatro livros obrigatórios em qualquer estante. Além dos livros,
essa coletânea é acompanhada também por um livreto com o texto inédito “Um
romance sempre é uma filosofia posta em imagens”, de Manuel da Costa
Pinto, e fotos de Albert Camus. Ele amarra as quatro obras, traçando uma linha
ligando cada um dos livros às reflexões da filosofia camusiana e à própria
história do autor, o que enriquece ainda mais o repertório de quem já é leitor
de Camus e serve como uma bela introdução para quem deseja se aventurar pelos
tratados de um dos autores mais importantes do mundo.
Uma caixa reúne o suprassumo da
cronística de Rubem Braga.
Rubem Braga é considerado o maior
cronista do Brasil. Com mais de 15 mil textos publicados, sua obra continua a
ser lida até os dias de hoje. Com seu espírito livre e independente, o autor
capta vestígios de vida onde ela se mostra à primeira vista rara, incendeia com
seu humor sarcástico cenas e situações que parecem apenas tristes aos mais
desatentos, revela com seu jeito surpreendentemente simples a complexidade da
existência humana. Sob a curadoria de André Seffrin, esta caixa reúne os cinco
grandes livros clássicos de Rubem Braga, com crônicas selecionadas pelo próprio
autor em vida: Um pé de milho, Ai de ti, Copacabana, Recado de primavera, A borboleta amarela e O
homem rouco. Publicação da Global Editora.
Dois novos livros de Nelson Rodrigues ganham reedição
1. O casal Ismael e Virgínia ― ele,
negro; ela, branca ― parece viver em desgraça: seus filhos morrem precocemente
de forma inexplicável. No dia do enterro da terceira criança, a visita inesperada
de Elias, o irmão branco e cego de Ismael, dá início a uma história macabra de
desejo e morte que beira a loucura. Com um enredo trágico e polêmico que põe em
discussão temas como racismo, estupro e incesto, a peça Anjo negro,
escrita em 1946, foi censurada por dois anos até estrear em 1948. Esta edição
conta com posfácio do ator, diretor e produtor Rodrigo França, além de um
emocionante texto de orelha escrito pela atriz Nicette Bruno, que interpretou a
personagem Ana Maria na primeira montagem da peça. O livro integra as reedições
da obra do dramaturgo brasileiro pela editora Nova Fronteira.
2. Terceira peça de Nelson Rodrigues,
Álbum de família foi a que passou mais tempo embargada pela
censura. A obra, baseada numa tragédia familiar, com elementos polêmicos como
traição, ciúme, morte e, sobretudo, incesto, foi escrita em 1945, censurada em
1946, e só estreou em 1967. Nela, Nelson Rodrigues desmistifica a imagem
aparentemente normal da instituição familiar, o que lhe rendeu muitas críticas
e a posição de autor maldito no cenário dramático nacional da época. Esta nova
edição conta posfácio do crítico literário André Seffrin e orelha assinada pelo
ator Eduardo Moreira, que interpretou o personagem Guilherme na famosa montagem
que o Grupo Galpão levou aos palcos na década de 1990.
Duas novas reedições da obra de Clarice Lispector.
1. A hora da
estrela. Pouco antes de morrer, em 1977,
Clarice Lispector decide se afastar da inflexão intimista que caracteriza sua
escrita para desafiar a realidade. O resultado desse salto na extroversão é A hora da estrela, o livro mais surpreendente que escreveu. Se
desde Perto do coração selvagem, seu romance de estreia, Clarice
estava de corpo inteiro, todo o tempo, no centro de seus relatos, agora a cena
é ocupada por personagens que em nada se parecem com ela. A nordestina Macabéa,
a protagonista de A hora da estrela, é uma mulher miserável, que mal tem
consciência de existir. Depois de perder seu único elo com o mundo, uma velha
tia, ela viaja para o Rio, onde aluga um quarto, se emprega como datilógrafa e
gasta suas horas ouvindo a Rádio Relógio. Apaixona-se, então, por Olímpico de
Jesus, um metalúrgico nordestino, que logo a trai com uma colega de trabalho.
Desesperada, Macabéa consulta uma cartomante, que lhe prevê um futuro luminoso,
bem diferente do que a espera. Clarice cria até um falso autor para seu livro,
o narrador Rodrigo S.M., mas nem assim consegue se esconder. O desejo de
desaparecimento, que a morte real logo depois consolidaria, se frustra. Entre a
realidade e o delírio, buscando social enquanto sua alma a engolfava, Clarice
escreveu um livro singular. A hora da estrela é um romance sobre o desamparo a
que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos entregues. (José Castello)
2. A via crucis
do corpo. Publicados pela primeira vez em
1974, os 13 contos que compõem A via crucis do corpo são precedidos por uma explicação da autora. Ela diz que as
histórias foram feitas sob encomenda e que, contrariando sua vontade inicial,
aceitou a tarefa por puro impulso. Tentou assiná-lo com o pseudônimo Cláudio
Lemos, mas acabou sucumbindo ao argumento de que deveria ter liberdade para
escrever o que quisesse. E foi o que fez, num único fim de semana. Mas
registrou: “Se há indecências nas histórias a culpa não é minha.” A
via crucis do corpo não tem nada de imoral; é, antes de tudo, uma fresta no
cárcere social que mantém a mulher ― condutora de todos os contos ―
supostamente distante de seus desejos e fantasias. Ou dos fardos, como a
virgindade. O que Clarice fez foi apenas descrever, de forma leve e
bem-humorada, algumas dessas benditas transgressões. Mas como em toda a sua
obra, a autora abre espaço para falar dos sentimentos mais profundos e das
sinceras idiossincrasias da alma. Em “O homem que apareceu”, ela se
depara com Cláudio Brito, um grande poeta transformado em lixo humano, e
relativiza o fracasso: “Mas quem pode dizer com sinceridade que se
realizou na vida? O sucesso é uma mentira.” Na abertura de “Por
enquanto”, Clarice chega a ser cruel: “Como ele não tinha nada a
fazer, foi fazer pipi. E depois ficou a zero mesmo.” Ato contínuo, alerta
que a vida tem dessas coisas, de vez em quando não sobra nada dentro da gente.
Mas é bom prestar atenção porque isso só acontece enquanto se vive. Nova
edição, agora com projeto gráfico de Victor Burton e capa criada a partir de
pinturas da própria Clarice. Esta edição traz posfácio de Licia Manzo.
DICAS DE LEITURA
Procurando sua próxima leitura? Há
algumas edições do Boletim Letras 360º criamos esta seção com o objetivo de
ajudá-lo com a escolha de leituras que acrescentem o seu repertório
intelectual. Eis os três títulos recomendados agora.
1. Topeka School, de Ben
Lerner. O escritor estadunidense há muito dispensa grandes
apresentações; é reconhecidamente um dos nomes mais completos da
literatura de seu país. E muito que tem sido traduzido por aqui. Neste ano, por
exemplo, recebemos dois livros seus: um de poesia citado entre as notícias de
lançamentos apresentados na edição n.385 deste Boletim e este romance agora
recomendado. Aqui, a história se desenvolve em torno de Darren, um garoto com
necessidades especiais e o colega Adam Gordon, um dos mais populares de Topeka
School, que faz de tudo para integrá-lo ao ambiente escolar. A edição publicada
aqui pela editora Rocco tem tradução de Maria Parula.
2. Uniões, de Robert Musil.
A obra do escritor que chegou aos bem vividos cento e quarenta anos no último dia
6 de novembro tem encontrado contínuas publicações por aqui, incluindo o seu romance
(incompleto) e mais famoso O homem sem qualidades. Há dois anos, a
editora Perspectiva publicou este livro que reúne duas novelas suas pouco
conhecidas: “A perfeição do amor” e “A tentação da quieta Verônica”. São duas
histórias que traçam os traumas sexuais vividos por duas mulheres numa infância
feita de fantasias eróticas precoces, inquietações e angústias que as impedem
para a vida amorosa quando adultas. A edição tem ilustrações de Marcos Sanches,
Maria Tomaselle e Raul Cassou, tradução de Kathrin H. Ronsenfield, quem também
a organiza.
3. Quéreas e Calírroe, de Cáriton
de Afrodísias. Este é um livro que reivindica o ponto de origem de uma forma cuja
importância se irradia pelo século XVII e XVIII e continua em plena forma mesmo
depois de vários anúncios de morte pelo caminho. Um rapaz se deixa encantar por
uma moça, a mais bela de Siracusa; seu amor é correspondido, e tudo parece
promissor, mas os azares do mundo, logo sobrevêm. Eis um mote que se ajusta em peça
perfeita para o que, das maneiras mais inovadoras, ganhou expressão entre os
leitores de várias partes do mundo. Integrado à coleção Fábula da Editora 34, o
livro foi traduzido por Adriane da Silva Duarte.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. A presença de Cecília Meireles
entre publicações nas nossas redes bem que poderia ser mais vistosa, sobretudo,
aqui neste blog. Mas, não deixa de ser uma constante em várias outras salas
virtuais, como a do Facebook. No canal
do Letras no YouTube, o leitor encontra quatro áudios com leituras da poeta
para alguns dos seus poemas: a) “Apresentação”; b) “Retrato”; c) “Elegia para uma pequena borboleta”; d) “Guitarra”. Uma ótima pedida para celebrarmos o
aniversário da poeta; ela nasceu num dia como este em 1901.
2. Um dia antes ao aniversário de
Cecília Meireles é o de Sophia de Mello Breyner Andresen. Da nossa galeria de
vídeos no Facebook, separamos este excerto do filme de João César Monteiro
sobre a poeta, que sublinha uma leitura dela para um de seus poemas.
BAÚ DE LETRAS
1. Na seção “Dicas de leitura”
recomendamos Uniões, publicação que reúne duas novelas de Robert Musil pouco
conhecidas. No blog, encontram este texto de Paula Luersen sobre o livro.
2. Sobre Cecília Meireles, a seção
“Os escritores”, do blog, publicou este breve perfil da poeta. É um texto de
Neiva Dutra que visita algumas passagens importantes da vida e da obra de uma
figura singular da nossa literatura.
3. Ainda no rol dos
aniversariantes, no passado 6 de novembro, foi o dia de nascimento de Sophia de
Mello Breyner Andresen. Recordamos, dentre as posts sobre a poeta portuguesa e
sua obra já publicadas no blog, cinco delas neste fio no nosso Twitter.
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