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Mostrando postagens de novembro, 2020

Verlaine e Rimbaud, o abraço maldito

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  Por Carlos Mayoral   “Dirigirei o teu ódio que me devasta Para o instrumento odioso de teus atentados” Charles Baudelaire, “Benção”, As flores do mal , 1857 Rimbaud e Verlaine. Desenho: Félix Régamey   Bruxelas, 1873. Ele mal tem trinta anos, mas um curtido Paul Verlaine sente o peso de uma vida que ameaça esmagá-lo. Um intelectual conhecido, um homem de bom nome, um burguês famoso, casado em felizes núpcias. Todas essas características, uma por uma, desaparecem do outro lado da retrete em que seu futuro se tornou. Não há Paris que sustente sua intelectualidade, nem sobrenome que a rotule com dignidade. A burguesia o despreza, para dizer o mínimo em favor da própria burguesia. E sua companheira, Mathilde, foi embora antes da penúltima surra. Ele é, para resumir em poucas palavras, um homem destruído.   Dentro do velho motel onde Verlaine se abriga em Bruxelas, não há espaço para o desespero quase doentio que o exauriu por semanas. Olha sua figura nua no espelho e vê o que ele sempre

Boletim Letras 360º #403

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    DO EDITOR   1. Saudações, leitores! Na sexta-feira, 27, este blog cruzou a linha do seu décimo quarto ano online. Nada mal, repito sempre, para um espaço que nasceu para servir a um propósito e permaneceu até se tornar este bonito rapazote. Espero ainda contar muitos outros aniversários e sempre em melhor forma. Quando isso já não for possível, também, coloca-se um ponto final e não se fala mais sobre.   2. Nesta longa caminhada, nunca cansarei de repetir os agradecimentos sempre necessários pela companhia casual, fiel ou esporádica dos leitores. Você que me lê agora sabe que o propósito meu e dos que escrevem comigo a jornada do Letras é um apenas: fazê-lo se encantar pelo universo, diverso e rico universo, da literatura e suas fronteiras.   3. Abaixo, as notícias que fizeram a semana em nossa página no Facebook. A invenção denominada Boletim Letras 360º não tem a mesma idade, logo se vê, do blog. Foi criada há 403 semanas, quando os algoritmos da rede social mais frequentada da

Para que serve a Filosofia (?), de Mary Midgley

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  Por Maria Vaz Mary Midgley. Foto: Leon Harris   Vivemos num tempo em que a tecnologia, a informação e, subsequentemente, o conhecimento avançam a uma velocidade vertiginosa. Por outro lado, nos dias que correm também se fala muito em especialização, na era da tecnocracia. A ciência evoluiu em vários campos, surgiu noutros que, no século passado soariam a pura magia e, com isso, teve necessárias alterações no que toca à definição de método. Da raiz etimológica que podemos ir buscar ao grego, para significar caminho, podemos dizer que, desde que percebemos que os paradigmas podem ser superados, não devíamos reduzir a ciência a empirismos demonstráveis em linha reta. Os paradigmas quebram-se, a ciência evolui da eterna nascente que é a realidade em busca de explicação. E, nesse ponto, ninguém nega a importância da ciência. Contudo, será legítimo dizer que as fontes diminuíram em tamanho ao deixarem de ser alcançadas a olho nu. Havia os microscópios que, entretanto, foram substituídos po

Para o meu coração num domingo, de Wisława Szymborska

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Por Pedro Fernandes Wislawa Szymborska. Foto: Judyta Papp Há uma variedade de possíveis ao alcance do poeta e todos eles materiais para um poema. Todo poema, mesmo que rarefeito, ainda é um acontecimento. Mas, a ruptura total com uma espécie de sagração da poesia foi, sem dúvidas, a mais importante das revoluções criativas colocada em curso desde sempre. Agora, se o mundo como um reino infinito, do ínfimo ao transcendente, dos materiais visíveis aos imaginativos, pode significar a grande conquista do poeta, ampliaram-se os desafios. Quer dizer, nada se tornou mais fácil; quanto mais a criação se aproxima do mundo material maior se revela a sua complexidade. Afinal, o poético nunca é pura transferência de um mundo para outro.   Tudo pode resultar num poema, mas a sua autonomia exige do criador certo domínio que consiste basicamente no convívio ao natural com sua própria técnica. Não se trata de saber os temas possíveis ao poema e sua organização formal e estrutural e sim de estabelecer

O caminho de Mônica também é nosso. Uma leitura do livro Mônica vai jantar, de Davi Boaventura

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Por Tiago D. Oliveira Perceber quando os sinais mais sensíveis começam a indicar uma mudança. Julgar. Romantizar. Amuar. Como pensar o lugar do outro sem automaticamente equalizar o nosso em um plano racional? Passionalidade: julgar, romantizar, amuar. As consequências do outro em nós. Aprisionar. Espraiar o indigesto individual em um mundo de valores cadentes que não assiste, apenas oprime e dobra a produção de modelos violentos, alienados e cegos dentro de um sol que quer a todos, como um grande emoji negando o tempo enquanto devora tudo neste mesmo labirinto que se tornou a vida no país em que vivemos. Julgar. Romantizar. Amuar. O ciclo agarra-se em nossos dias como mecanismo natural de defesa e seguimos repetindo padrões que muitas vezes não percebemos como o algoz. O outro: julgar, romantizar, amuar. De quando em quando o verdadeiro algoz de nós é um nós singular que criamos enquanto fechamos os olhos no gozo calmo das horas passando. A literatura possibilita a representação veros

Paul Celan: poeta e personagem de ficção

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Por José Aníbal Campos Paul Celan. Foto: Michael Wolgensinger   Não é incomum que um escritor famoso se torne personagem de um romance. Mas o fato de se tornar parte de uma obra de ficção quando ainda é um desconhecido do grande público e um punhado de seus poemas circulam apenas entre um pequeno grupo de amigos e pequenos editores, é um indício do fascínio que, independentemente de sua obra, emana de sua personalidade.   Este é o caso de Paul Celan, considerado por alguns o poeta de língua alemã mais influente do século XX. Sobre essa personalidade cativante, especialmente em seus primeiros anos como poeta na Romênia, o crítico literário romeno Ovid nos deu um primeiro testemunho. Crohmălniceanu, conta que Celan fez sua aparição na cena literária de Bucareste como um beau ténébreux . Uma figura luminosa e sombria, que incita a paixão e, por vezes, mergulha em abismos aterradores, que seduz e ao mesmo tempo assusta.   Com Celan, há um caso singular: sua obra e sua figura foram monopoli

Leonardo Sciascia queria saber a verdade

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  Por Rafael Gamucio   Leonardo Sciascia. Foto: Angelo Pitroni O tempo se confunde nas ilhas. As civilizações chegam por meio de naufrágios, as mudanças no ritmo das ondas. Assim, na Sicília o século XX teve seu maior expoente bem entrado no século XVIII. A ética e, portanto, a estética de Sciascia ― autor de nada menos que uma versão siciliana do Candido de Voltaire ― é a do século das luzes. Sua paixão por Stendhal, ao qual devotou uma infinidade de artigos e um livro inteiro de ensaios, origina-se de sua ancoragem comum naquele mundo mais feliz e menos temeroso, o de Diderot, Voltaire e Sterne. Um mundo em que o leitor era cúmplice e em que o humor era uma arma de combate. Um mundo que acreditou justamente na possibilidade de se compreender. A psicologia e a melancolia nunca interessaram muito a Sciascia, autor de romances cada vez mais breves, mas cada vez mais complexos. O que importava para Sciascia era a clareza, a geometria da trama e como esta poderia de alguma forma reflet