Boletim Letras 360º #399
DO EDITOR
1. Saudações, caro leitor! Coincidiu
desta edição do Boletim Letras 360º cair numa data especial demais para a
literatura brasileira ― hoje é Dia D. Foi neste 31 de outubro, em 1902, que
nasceu Carlos Drummond de Andrade. Desde 2011, esta data ficou marcada no nosso
calendário cultural, numa iniciativa do Instituto Moreira Salles, como um dia
celebrativo sobre o nosso poeta maior.
2. Além do Dia D, celebramos nesta data o Dia Nacional da Poesia! Pois, façamos
de hoje com tantos encontros especiais um momento para lermos e inundar nossos
mais próximos com poesia. Estamos muito precisados nesses tempos difíceis que
correm.
3. Abaixo copiamos as notícias
divulgadas durante a semana em nossa página no Facebook. E, claro, as seções
correntes com dicas de leitura para alguns títulos da nossa literatura. Obrigado
pela companhia por aqui e noutros canais do blog. Boas leituras!
J. M. Coetzee. Foto: Ulla Montan |
LANÇAMENTOS
Duas coletâneas com ensaios
inéditos de J. M. Coetzee.
Coletânea de ensaios reúne a
produção crítica mais recente do premiado escritor sul-africano J. M. Coetzee.
Com 23 textos, ela compõe um panorama crítico da literatura mundial, feito por
um dos mais renomados autores contemporâneos. Da análise de obras célebres de
autores europeus e russos à crítica detalhada de obras produzidas na Argentina,
Austrália ou Namíbia, passando por escritores de períodos mais remotos. Ao
conceder o Nobel de Literatura a J. M. Coetzee, em 2003, a Academia Sueca
elogiou “a composição habilidosa, os diálogos férteis e o brilho analítico” dos
romances do escritor sul-africano. Esse rigor que o autor, que completou 80
anos em 2020, aplica a sua obra ficcional está presente nestes ensaios sobre
literatura. Neles, o romancista e professor universitário recorre a dados
biográficos, correspondências e parentescos literários como instrumentos de
análise. Lançado simultaneamente a Mecanismos internos, que contém
artigos publicados entre os anos 2000 e 2005, Ensaios recentes reúne sua
produção crítica escrita entre 2006 e 2017. Nos 23 textos, destacam-se artigos
iluminadores sobre obras que poderiam ser consideradas exauridas de tão
célebres, como Madame Bovary, de Gustave Flaubert, A morte de Ivan
Ilitch, de Liev Tolstói, e Os sofrimentos do jovem Werther, de J. W.
Goethe, ou a obra de escritores de épocas mais remotas, como Daniel Defoe.
Neste segundo volume, Coetzee amplia a análise sobre autores que abordou no
primeiro, como Robert Walser, Philip Roth e Samuel Beckett. Do último, que foi
objeto da pesquisa de doutorado de Coetzee, o volume traz quatro ensaios,
dedicados a seus romances. Outro autor estudado pelo escritor no início da
carreira e retomado neste livro é Ford Madox Ford, tema de sua dissertação de
mestrado no Reino Unido. A seleção conta ainda com um belo ensaio sobre Zama,
do argentino Antonio Di Benedetto, traz textos sobre os australianos Patrick
White e Les Murray, além de um artigo sobre o interessante diário de Hendrik
Witbooi, chefe de um dos grupos Khoisan, povos originários da Namíbia, no qual
comenta o processo da ocupação europeia pelo interior do continente africano e
seu projeto de genocídio. As capas dos dois volumes, baseadas em composições
tipográficas, são de autoria do Estúdio Campo. Os livros saem pelo selo
Ilimitada, cujo projeto gráfico é do Bloco Gráfico. A tradução é de Sergio
Flaksman e os textos de apresentação são do jornalista Márcio Ferrari. Ambos os
volumes trazem índices remissivos com a relação dos autores e obras citados.
Publica-se no Brasil, pela
primeira vez, a poesia completa de Emily Dickinson (1830-1886).
Ela é talvez a mais importante voz
feminina da poesia de língua inglesa. Menos reclusa que compenetrada, e dotada
de extraordinária erudição científica e literária para uma mulher do seu tempo,
ela escreveu, ao longo de trinta e poucos anos de atividade literária, cerca de
1.800 poemas e travou correspondência intensa com diversos amigos, escritores e
intelectuais. Contudo, sua obra apenas começou a ser publicada depois da sua
morte. A partir de 1890, o sucesso de sua poesia passa a ser proporcional às
dificuldades da transcrição e organização de seus manuscritos. Por isso mesmo
ainda hoje circulam nos Estados Unidos três edições bem diferentes de suas
obras: a de Johnson (1956), a de Franklin (1995) e a de Miller (2016). A
tradução que apresentamos aqui segue a edição de Miller, que preserva a forma
como a própria Dickinson deixou organizados os seus manuscritos. Apesar de ser
conhecida do leitor brasileiro desde que foi traduzida por Manuel Bandeira (já
no final dos anos 1920), a obra de Dickinson aqui sempre foi publicada na forma
de antologias, as quais, em que pese a qualidade da tradução, muitas vezes
impedem a leitura contextualizada de seus poemas. Nossa tradução se move, ao
contrário, em dois eixos: costura e sutura. A costura corresponde ao respeito à
integridade da obra, ao trabalho crítico-textual de trazer um texto íntegro e
completo. A sutura, por outro lado, aponta para o que não se quer fechar na
poesia de Dickinson, em termos de sentido, ou para o seu mais-valor literário,
que é sempre uma meta e, por ser meta, melhor se traduz ao modo da metáfora.
Sendo assim, qualquer ideia de fidelidade absoluta (ao ritmo, à imagem e ao
pensamento) permanece apenas como ideal paradisíaco, do qual só os leitores, no
confronto entre o original e a tradução, poderão realmente usufruir. Com
tradução de Adalberto Müller, a obra organizada em dois volumes bilíngues é
publicada pela Editora UnB e Editora Unicamp.
Quatro novos títulos de
escritores portugueses chegam ao Brasil pela Coleção Trás-os-mares
1. A noite não é eterna, de
Ana Cristina Silva. A Romênia, sob o jugo do ditador Nicolae Ceausescu,
atravessa um dos piores períodos da sua história, com a população a enfrentar a
fome e dominada pelo terror. Seguindo as orientações do Presidente para a
criação de um exército do povo no qual os soldados seriam treinados desde
crianças, Paul, um ambicioso funcionário do partido, decide levar de casa o
filho de três anos e entregá-lo aos cuidados do Estado. Quando a mãe se
apercebe do desaparecimento do pequeno Drago, o desespero já não a abandonará,
bem como o firme desejo de acabar com a vida do marido. Correndo riscos
tremendos, Nadia não desistirá, porém, de procurar o menino, ainda que para
isso tenha de forjar uma nova identidade, de fazer falsas denúncias, de correr
os orfanatos cujas imagens terríveis chocaram o mundo e até de integrar uma
rede que transporta clandestinamente crianças romenas soropositivas para o
Ocidente. Mas será que o seu sofrimento pode ser apaziguado enquanto Paul for
vivo? Enquanto o ditador for vivo?
2. Asas de saturno, de
Maria João Cantinho. A intensidade da narrativa prende desde a primeira linha.
Densa, mas fluente, misto de poesia, filosofia, biografia imaginária,
compensadora na intertextualidade que convoca outras leituras. Começa com a
história de Gabriel, Clara e Florimundo, o filho. E não por acaso, o espaço
inicial é o de um mundo fechado, onde Gabriel escreve uma obra literária sem
fim.
3. Impunidade, de H. G.
Cancela. Uma estranha beleza, melancólica, nimba de luz estas personagens. Não
é exagero se dissermos, como o autor o diz, no final do livro, que ela irradia
do “esplendor das coisas ameaçadas”, como a beleza dos condenados, nos romances
de Kafka. Essa é a linhagem de H. G. Cancela, o negrume de Dostoiévski ou de
Thomas Bernard. O mundo em que a escrita tem o poder de dar a ver o lado mais
obscuro do humano, sem ilusões falseadoras, gesto ético e de fidelidade última.
4. Quartos alugados, de
Alexandre Andrade. Nove contos sobre espaços que são nossos durante um período
limitado para depois regressarem ao domínio público, ou serem tomados por um
novo ocupante temporário. O leitor pode esperar uma profusão de gestos,
manobras, frases e movimentações de mobília destinados a tornar quartos e
apartamentos menos anônimos. Os exageros (reescrever na íntegra um clássico da
teoria da religião comparada, defender que um quarto no Campo de Santa Clara
deu outrora guarida a um poeta russo prestes a cair em desgraça, celebrar a
memória de suicidas parisienses) são, nestas circunstâncias, desculpáveis.
Novo livro de Sidney Rocha.
Quanto de imaginação e desejo
compõe a memória de uma pessoa? A vida real de Castilho Hernandez oferece
muitas respostas a esta pergunta. Como uma composição em caleidoscópio e profundamente
sugestivo, este romance do escritor Sidney Rocha põe a nu a alma do seu
cantor. E de todas as figuras que gravitam em torno dos fantasmas viventes da
ilha que ele inventa, habita e é-e-não-é, hamletiano em essência e existência,
em sua complexa urdidura. Tão expressionista quanto impressionista. E com tal
intensidade que pode servir de espelho ao leitor cada um dos flashes dos
prazeres e desditas, das verdades e ilusões desta história plena de poesia, em
alguém que luta para proteger seu “coração invertido”. Impossível não sentir
simpatia e empatia pelos personagens que, de tão autênticos, parecem nossos
vizinhos, amigos próximos, gente conhecida, que mora conosco, ou cada um de
nós. Romance sobre a solidão, a sinceridade e, principalmente, a liberdade de
ser e agir. Nas suas ambiguidades e multiplicidades, o músico tem algo de
Apolo-Dioniso e de Tirésias-Afrodite, ao partilhar suas epifanias, seus
lampejos. Num misto de diário íntimo e autobiografia póstuma. Os românticos
vão se identificar com o protagonista. Os realistas ecoarão as palavras do
antagonista. De um jeito ou de outro, ninguém ficará indiferente às suas
peripécias e verbalizações, tocadas muitas vezes de ironia, de cinismo, alguma
doçura e uma pitada de gin e de angostura bitters. Quem é sentimentalista
encontrará seu momento nesta história; um teimoso racional e pragmático,
também. Em Flashes predomina quê de opera buffa sobre outros tons –
sonoros e visuais. Palco de sonhos, ruelas de passeios, becos onde sempre
existem saídas, este romance esmerila as asas livres prosa para alcançar o voo
bem calculado da poesia. Ficção do mais alto nível há neste Flashes, nos
flashes sanguíneos do coração e do pulso das cenas. O romance é publicado pela
editora Iluminuras.
A história envolvente de duas
famílias, uma branca e outra negra, da década de 1950 aos dias de hoje. Os
viajantes, um romance sobre amor e memória, preconceito e identidade, trauma
e destino.
James Samuel Vincent, um rico
advogado, tenta se afastar de sua origem humilde de descendente de imigrantes
irlandeses em Nova York. Seu filho, Rufus, se casa com Claudia Christie, uma
mulher de família negra cujo pai tem uma vida atravessada pela guerra do Vietnã
e pelas tensões raciais que tomam conta dos Estados Unidos nos anos 1960.
Histórias se alternam, se cruzam. E assim somos levados por Regina Porter neste
seu extraordinário romance de estreia. Através da perspectiva de diversos
homens e mulheres, numa trama que avança e volta no tempo, o que vemos desenrolar
é um panorama rico e variado da vida na América entre os anos 1950 e a eleição
de Barack Obama. Porter justapõe uma série de breves episódios, vozes e
fotografias ―
num recurso que ecoa o mestre W. G. Sebald ―, criando um efeito único. A
tradução de Juliana Cunha é publicada pela Companhia das Letras.
Novo título de Scholastique
Mukasonga chega aos leitores brasileiros.
Como salvar uma filha de uma morte
certa? Talvez, como crê o pai de Scholastique Mukasonga, confiando-a à escola,
a fim de que ela obtenha um “belo diploma”. Assim, ela não será mais nem tutsi
nem hutu. Ela atingirá o status inviolável de “evoluída”. É justamente para
obter um diploma, que a menina será obrigada a tomar o caminho do exílio. Ela
passará de país em país, do Burindi à Djibouti, até chegar à França. Ao longo
da travessia, às vezes, as chances prometidas por este papel parecem uma
certeza. Noutras, desaparecem como uma miragem. Mas ao fim, como lhe havia dito
seu pai, este “belo diploma” será um talismã, para sempre uma fonte de energia,
que permitirá a ela superar a desesperança, a desilusão e a desventura. Em Um
belo diploma, Scholastique Mukasonga volta à sua veia autobiográfica, com
seu estilo fluido, pleno de humor e de fantasia, que resulta em apaixonantes
relatos de suas memórias ― dolorosas sim, mas também belas e inspiradoras. O livro é
publicado pela Editora Nós.
Cidadã: uma lírica americana,
de Claudia Rankine ganha edição no Brasil.
Este é um livro investiga as
relações raciais nos Estados Unidos de agora. Sua lírica americana, publicada
originalmente em 2014, reflete sobre a dificuldade de existir em constante
contraste com o fundo demasiadamente branco da supremacia racial. Gradações
variadas de violência contra pessoas negras são exploradas; não sem,
entretanto, indagar sobre a própria imaginação branca que as produz. Poesia,
ensaio e arte visual são habilmente costurados por Rankine em seu livro mais
premiado. Claudia Rankine nasceu em Kingston, Jamaica. É poeta, ensaísta e
dramaturga, além de ser professora de literatura na Universidade de Yale e
chanceler da Academy of American Poets. Após seu lançamento nos Estados Unidos,
Cidadã levou mais de 10 prêmios de crítica e foi eleito o melhor livro
do ano por uma série de periódicos. Rankine ganhou o Jackson Poetry Prize em
2014 e recebeu, em 2016, um MacArthur Fellowship. A tradução é de Stephanie
Borges e é publicada pelas Edições Jabuticaba.
Antologia reúne onze livros que
William Blake publicou de 1789 a 1795.
Talvez o poeta mais original da
literatura inglesa, William Blake foi uma espécie de símbolo das manifestações
socioculturais dos anos 1960 e 1970. Ao lado da psicologia de Carl Jung e
Sigmund Freud, da filosofia e da religião orientais, das experiências da
geração beat e do flower-power, via-se em sua poesia a expressão de uma nova
era de Aquário, a rejeição de uma ordem mundial fundada no materialismo em
detrimento da espiritualidade. Passado meio século, aquelas manifestações são
história, ou adquiriram outras formas, mas a ordem mundial permanece, de
ponta-cabeça, mais materialista e mais bruta. E a poesia de Blake continua
instigante expressão dos valores humanos, ainda mais relevante. Visões
assinala essa relevância: reúne onze livros que Blake publicou de 1789 a 1795,
com os quais procura evidenciar a coerência do essencial da obra e afastar a
distorcida percepção de insanidade do autor. Os poemas testemunham a formação e
o amadurecimento de sua visão de mundo, num fértil período de quase sete anos, quando
na casa dos trinta: aqui o leitor encontra dos poemas líricos das Canções de
inocência e Experiência até o que se convencionou chamar de
“profecias menores”. O Livro de Thel é o primeiro livro profético menor
iluminado, seguido de Canções de inocência, ambos de 1789. Entre 1790 e
1793, Blake escreveu, gravou e imprimiu O matrimônio do Céu e do Inferno
e Canções de experiência (posteriormente, combinou as duas Canções
num único volume, com o subtítulo “Mostrando os dois estados contrários da
alma”). Visões das filhas de Álbion, de 1793, é em geral considerado um
“estado contrário” de Thel, em que a inocência convive com o desejo sexual. No
mesmo ano, Blake publicou América, uma profecia, tido como seu poema
político mais importante. A partir de 1794, Blake embarcou na sequência dos
poemas-profecias menores, que o prepararam para os maiores (Milton e Jerusalém,
escritos e gravados quase ao mesmo tempo entre 1804 e 1820). O primeiro deles é
Europa, uma profecia, uma narrativa política, seguido de O livro de
Urizen. A canção de Los, O livro de Ahania e O livro de
Los, todos de 1795, compõem a Bíblia do Inferno prometida em O
matrimônio do Céu e do Inferno. Na Bíblia... estão os personagens
mitológicos Urizen e Los, cruciais para a mensagem de Blake: Los representa o
Poeta e a Imaginação humana; Urizen, a encarnação da razão, o criador de leis
tirânicas; ambos em constante conflito. Na terminologia blakeana, alcança-se a
plenitude espiritual através da imaginação. Pouco lido e ignorado por seus
contemporâneos, Blake foi “descoberto” vinte anos após sua morte, em 1827,
quando impressões tipográficas dos poemas começaram a aparecer. Mas jamais foi
popular, sempre foi controverso, mesmo entre outros poetas. A tradução de José
Antonio Arantes é publicada pela Editora Iluminuras.
Dois novos títulos acrescentam
a coleção de ensaios do escritor Prêmio Nobel de Literatura Peter Handke.
1. Em Ensaio sobre o dia
exitoso, de 1991, Handke lida com o problema da vida cotidiana de uma forma
existencial e filosófica. O Ensaio não é um manual de instruções para uma vida
melhor, mas uma forma de autoquestionamento e reflexão sobre a própria prática
de vida e a ideia do que seria um dia “de êxito”. Nesta obra também é possível
encontrar aquilo pelo qual recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 2019:
“Trabalho influente que, com criatividade linguística, explorou a periferia e a
especificidade da experiência humana.”
2. Publicado em 1989, Ensaio
sobre o cansaço é primeiro da série de experimentos autoficcionais de
Handke. As obras exploram uma nova forma literária, unindo narrativa pessoal,
ficção e contemplação ensaística. Neste Ensaio, Handke explora a serenidade do
cansaço. Esse estado com o qual todos nós temos nos relacionado, e normalmente
visto como algo negativo, se tornará um diálogo narrativo do autor consigo
mesmo, uma experiência de vida universalizante a partir de formas e imagens que
dele emanam e que o transformam numa premissa fundamental de uma vida poética:
“O que o cansaço inspira diz menos sobre o que é para se fazer do que aquilo que
pode ser deixado para trás.” Os dois livros têm tradução de Simone Homem de
Mello e são publicados pela Estação Liberdade.
Nova edição do primeiro livro
de Frantz Fanon.
Este é um dos textos mais
influentes dos movimentos de luta antirracista desde sua publicação, em 1952, Pele
negra, máscaras brancas. Logo de início, se apresenta como uma
interpretação psicanalítica da questão negra, tendo como motivação explícita
desalienar pessoas negras do complexo de inferioridade que a sociedade branca
lhes incute desde a infância. Assim, descortina os mecanismos pelos quais a
sociedade colonialista instaura, para além da disparidade econômica e social, a
interiorização de uma inferioridade associada à cor da pele – o que o autor
chama de “epidermização da inferioridade”. Não se compreende a questão negra
fora da relação negro-branco. Com erudição, Fanon articula conceitos da
filosofia, psicanálise, psiquiatria e antropologia, e autores como Hegel,
Sartre, Lacan, Freud e Aimé Cesaire (referência literária, intelectual e
política que perpassa toda a obra), numa notável linguagem poética, que nos
conduz a uma reflexão sobre sua relação com o tema. Um dos principais efeitos
da leitura da obra ― diz o professor e pesquisador Deivison Faustino no
posfácio a esta edição ― é fazer leitores e leitoras se descobrirem, seja em sua
vulnerabilidade e desamparo, seja angustiados sob a consciência de seus
pecados, ou ainda como demônios que impõem sofrimento e dominação a outros,
mesmo que a princípio se vejam como anjos. Em um momento de ampliação da luta antirracista
e conscientização e incorporação de brancas e brancos a essa luta, este livro
continua sendo transformador, em busca de uma sociedade realmente livre e
igualitária. A edição da Ubu conta com prefácio de Grada Kilomba e posfácio do
especialista em Fanon Deivison Faustino, textos escritos especialmente para a
ocasião. O livro traz ainda textos do intelectual e ativista Francis Jeanson,
do filósofo e professor de Harvard Homi K. Bhabha e do historiador Paul Gilroy.
A tradução de Sebastião Nascimento, com colaboração de Raquel Camargo é
publicada pela Ubu.
PRÊMIO LITERÁRIO
O Prêmio Camões 2020 distingue
Vítor Aguiar e Silva.
É possível que grande parte dos
estudantes nos cursos de Letras no Brasil tenha consultado ou lido textos fundamentais
da teoria da literatura e da crítica à obra de Camões escritos por Vítor Aguiar
e Silva, agora distinguido com o Prêmio Camões 2020. A justificativa do júri
destaca que este reconhecimento assinala “a importância transversal da sua obra
ensaística e seu papel ativo relativamente às questões da política da língua
portuguesa e ao cânone das literaturas de língua portuguesa”. Aguiar e Silva
nasceu a 15 de setembro de 1939 em Real; concluiu o curso de Letras / Filologia
Românica na Universidade de Coimbra, onde continuou seus estudos e foi
professor. Sua obra é vasta e se concentra no âmbito dos estudos literários,
como Teoria da Literatura e A estrutura do romance. Camonista
reconhecido, é autor, dentre outros, de Camões: labirintos e fascínios e
da organização do Dicionário de Luís Camões.
OS LIVROS POR VIR
A obra de Louise Glück começa a
ser publicada no Brasil em 2021.
Sairá pela Companhia das Letras. A
notícia foi divulgada no início da tarde da quinta-feira, 29 out. '20, pelo
jornal O Globo. A poeta estadunidense ganhou o Prêmio Nobel de
Literatura 2020. Ainda inédita por aqui, a obra de Louise Glück inclui títulos
em poesia (gênero no qual se destaca) e em prosa. Do primeiro gênero, os mais
recentes são a antologia Poems, que reúne sua obra de 1962 a 2012 e Faithful
and Virtuous Night (2014); e na prosa, Proofs and Theories (1994) se
tornou referência obrigatória em todos os cursos de escrita em seu país. A
editora planeja quatro volumes para reunir nove livros da poeta americana. O
primeiro deles, com previsão de publicação para o primeiro semestre, reúne três
de suas obras mais recentes: Faithful and virtuous night (2014), A
village life (2009) e Averno (2007).
REEDIÇÕES
Outra edição para uma das
sátiras políticas mais sagazes de todos os tempos chega ao Brasil em nova
edição, com tradução de Paulo Henriques Britto.
Cansados dos maus-tratos e abusos
dos humanos, os animais da Fazenda do Solar decidem tomar o poder das mãos do
sr. Jones. Com um idealismo inflamado e repleto de frases de ordem, eles tentam
criar um paraíso de progresso, justiça e igualdade, mas são impedidos por uma
coisa: a ambição do poder. Esse é o palco para uma das fábulas satíricas mais
importantes da modernidade, um conto de fadas para adultos que registra a
transformação de uma revolução popular em totalitarismo. Contudo, a narrativa é
complexa o suficiente para evocar a rivalidade entre Stálin e Trótski, bem como
o conflito entre “o socialismo num só país” e a revolução mundial. Publicado
pela primeira vez em 1945 depois de ser rejeitado por diversas editoras, A
fazenda dos animais é uma crítica ferrenha à ditadura stalinista e mostra
como um movimento pode ir se degenerando gradualmente, caindo em contradição,
formando hierarquias e, por fim, estabelecendo uma ditadura. Edição da Penguin
/Companhia.
A distopia que deu origem a
diversos conceitos atuais chega à Penguin-Companhia com texto introdutório de
Thomas Pynchon.
Winston Smith vive na Faixa Aérea
Um (anteriormente conhecida como Grã-Bretanha), uma província do superestado da
Oceânia. O mundo se encontra em guerra, e todos estão aprisionados na
engrenagem de uma sociedade dominada pelo Estado, onde tudo é feito
coletivamente, mas cada um vive sozinho. Ninguém escapa à vigilância do Grande Irmão,
a mais famosa personificação literária de um poder absoluto. Em Oceânia, ter
uma mente livre é considerado crime gravíssimo. Winston, então, se rebela
contra o regime e, em seu anseio por verdade e liberdade, arrisca a vida ao se
envolver amorosamente com uma colega de trabalho, Julia, e com uma organização
revolucionária secreta. Publicado originalmente em 1949, este é um dos romances
mais influentes do século XX, uma das mais importantes distopias da literatura
e um inquestionável clássico moderno. Lançada poucos meses antes da morte do
autor, 1984 é uma obra magistral que ainda se impõe como uma poderosa
reflexão ficcional sobre a essência nefasta de qualquer forma de poder. A
tradução é de Alexandre Hubner e Heloisa Jahn.
Nova edição de Bufo & Spallanzani,
de Rubem Fonseca.
A morte de Delfina Delamare causou
comoção na alta sociedade do Rio de Janeiro. O caso foi notícia em jornais e
revistas, que especularam sobre as circunstâncias do acontecimento. A traição
ao marido poderia ser um dos motivos, e Guedes, policial encarregado da
investigação, terá pela frente um dos casos mais difíceis de sua carreira. A
reedição é da Nova Fronteira.
Há muito fora de catálogo, Endurance
volta às livrarias com mais de 140 fotografias inéditas.
Em 1914 o fotógrafo Frank Hurley
embarcou no Endurance com a missão de registrar a primeira travessia a pé da
Antártica. A expedição não alcançou o objetivo. Hurley, entretanto, produziu um
registro sem paralelo na história da fotografia. Dias terríveis, dias deslumbrantes.
O gelo e o mar do Pólo Sul lentamente o tragaram. Depois de perambular meses e
meses, toda a tripulação regressou sã e salva à terra firme. As imagens de
Frank Hurley, fotógrafo da expedição, revivem essa história extraordinária de
resistência e companheirismo. A tradução é de Sergio Flaksman.
A editora Nova Fronteira organiza
uma caixa com dois dos principais romances de Marguerite Yourcenar já
reeditados recentemente na coleção Clássicos de Ouro.
A obra em negro é descrita como um
dos textos mais elaborados e instigantes de Marguerite Yourcenar. O livro
ilustra a vida de Zênon, que, renegando sua formação religiosa, abre mão de um
futuro estável como membro da Igreja para se dedicar à descoberta das
profundezas do ser humano em todas as esferas, tornando-se médico, alquimista e
filósofo. A obra conta com a tradução excepcional do poeta Ivan Junqueira. E Memórias
de Adriano é a obra-prima da escritora francesa. Publicado pela primeira
vez em 1951, após um intenso processo de pesquisa, escrita e reescrita que
durou cerca de trinta anos, o livro obteve enorme sucesso e converteu-se
imediatamente em um clássico da literatura moderna. Nesta espécie de
autobiografia imaginária, a “grande dama da literatura francesa” recria a
notável vida do imperador Adriano, com seus triunfos e reveses, e dá forma a um
romance histórico, mas também poético e filosófico, que se tornaria uma das
mais fascinantes obras de ficção do século XX. Além da tradução de Martha
Calderaro e da apresentação de Victor Burton, esta edição especial conta ainda
com o prefácio inédito da historiadora Mary Del Priore.
Nova edição de um dos romances
mais conhecidos de Rachel de Queiroz.
Dôra, Doralina narra a história de
Maria das Dores, viúva recente de um casamento de conveniência, que sai da
sombra da mãe e de uma vida de submissão para viver em Fortaleza. Na capital do
Ceará, Dôra torna-se atriz e passa a viajar pelo Brasil como integrante da
trupe de uma Cia de teatro mambembe. Em determinada viagem conhece o
Comandante, homem que desperta seu amor mais profundo e com quem se muda para
Rio de Janeiro, abandonando o teatro. Após sua experiência com o amor que
poucos têm coragem de viver, Dôra retorna para sua cidade natal, fechando o
ciclo de vivências que a transformaram em outra mulher. Dôra, Doralina,
obra que marca a retomada de Rachel de Queiroz ao gênero romance, pode ser lido
como expressão da emancipação feminina, na qual Dôra sai da condição de mulher
submissa para conquistar a liberdade de ser o que desejar e levar a vida que
quiser. Personagem fascinante, ela é um dos perfis femininos mais intensos da
literatura brasileira. Após a publicação dessa obra, Rachel de Queiroz foi
convidada a assumir a cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras,
tornando-se assim a primeira mulher a fazer parte da instituição. Em 1993,
recebeu o prêmio Camões. O livro é reeditado pela José Olympio.
DICAS DE LEITURA
Por ocasião do Dia Nacional da Poesia,
esta seção copia a recomendação de três livros da nossa literatura entre os publicados
recentemente para ampliarmos nosso repertório de leitura neste gênero. A leitura
de um poema é sempre desafiadora, mas devemos sempre lidar com o texto como uma
sedução, quando não, como uma boa brincadeira, um campo minado, constituído de
boas descobertas se, claro, nos colocarmos disponíveis para tanto.
1. Poesia completa, de Cacaso.
Este é um livro que atravessou algumas dificuldades até chegar aos leitores; foi
anunciada pré-venda há dois anos e disponibilizado agora. É parte de um amplo
projeto iniciado pela Companhia das Letras que tratou de repaginar a obra de
toda uma geração que começou reconhecida como marginal ou mimeógrafo. Ou seja,
está ao lado da obra de Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar, Wally Salomão...
Nesta edição é possível encontrar variantes da criatividade de Cacaso seja no
poema, seja na integração desta forma literária a outras expressões, combinando
sempre um trabalho com acurada sensibilidade e olhar crítico, simplicidade e
fina ironia.
2. Bichos contra a vontade,
de Frederico Klumb. Os livros anteriores do poeta estiveram sempre integrados
ao tratamento inventivo e interessados em fundir e apresentar novas linguagens (verbal
e visual) ou formas de expressão. Neste, colocado entre os finalistas do
Prêmio Jabuti 2020, tais experiências se ampliam, alcançando agora os efeitos
de estranhamento pelo estreitamento entre forças nem sempre dialogantes, como o
urbano e o selvagem. Publicado pela editora 7Letras.
3. O método da exaustão, de
Manoel Ricardo de Lima. Na apresentação da Editora Garupa, se destaca uma
passagem do crítico literário português João Barrento que explica haver na
poética deste livro um misto de sabotagem e saque com uma imaginação extremamente
densa e inventiva, “fora dos trilhos mais habituais da poesia, recusando a fala
de um eu para escutar as vozes do mundo, num registro progressivamente menos
metafórico e mais cru e direto, e acrescentando a todos esses ecos os que lhe
chegam de uma tradição (poética, científica, filosófica, artística em geral,
dos Gregos à atualidade)”.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. A presença de Carlos de
Drummond em nossa galeria de vídeos no Facebook é constante. Para esta ocasião,
selecionamos cinco vídeos com leituras de poemas: a) neste, é o próprio poeta quem lê um de
seus poemas mais famosos, “José”; b) neste outro, é a amiga de longa data Lygia
Fagundes Telles quem recita “Procura da poesia”; c) o maravilhoso Chico Buarque lê “Os
inocentes do Leblon”, aqui; d) a poeta Olga Savary lê neste vídeo “Era manhã de
setembro”; e) findamos com Caetano Veloso, quem lê “Elegia 1938”, aqui.
BAÚ DE LETRAS
1. No blog, essa presença de
Carlos Drummond de Andrade também não é mínima. Recordamos nesta ocasião, cinco
dos textos mais recentes que dedicamos à sua obra e que podem ser vias de acesso para outras publicações realizadas por aqui: a) neste, Pedro Fernandes
escreve sobre o trabalho de disfarce assumido pelo poeta; b) aqui, a
tradução de um texto que mira no projeto humanizador do poeta mineiro;
c) as relações de Drummond com Machado de Assis, motivo da antologia Amor
nenhum dispensa uma gota de ácido, estão comentadas neste texto; d) notas sobre os últimos registros pessoais do poeta; e) entre artes plásticas e literatura,
a relação da pintura de Candido Portinari com a poesia do poeta mineiro, aqui.
* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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