Boletim Letras 360º #398
DO EDITOR
1. Saudações, caro leitor! Esta é uma
post semanal criada desde quando os algoritmos do Facebook passaram a trair nós
todos. Reúnem-se aqui todas as notícias compiladas ao longo da semana naquela
rede social. Obrigado pela companhia por aqui e noutros canais do blog. Boas
leituras!
Dostoiévski. Um ano antes do bicentenário do escritor, sua obra ficcional é totalmente publicada no Brasil com tradução direta do russo. |
LANÇAMENTOS
Primeiro romance de uma das
principais vozes da poesia brasileira contemporânea.
O ausente, de Edimilson Pereira de Almeida, traz uma narrativa que
retrata os embates dos personagens entre as exigências do destino e a ânsia da
liberdade. A vida rural é o cenário vivo e atemporal onde se desenrola a trama,
cenário reconstruído também pela linguagem poética e potente do narrador. Como
nos diz Carolina Anglada em seu texto de orelha: “Inocêncio, Inoc, Esse de
Agora, antigo peregrino e morador da região do Ausente, é o narrador que às
vezes ocupa aposição de espectador, variando as perspectivas para espreitar de
diferentes ângulos os modos como nos tornamos aquilo que (nosso nome sustenta
que) somos. Em uma espécie de contínuo tempo presente, a convocar memória e
imaginação, o narrador questiona, ainda, o que advém de seu ofício de
curandeiro na palavra e na escuta; se a agudeza do verbo é mesmo uma faca de
dois gumes, na qual bendito e maldizer têm seus efeitos embaralhados. O que lhe
ensina Dejanira, a professora, a respeito da vocação da língua, tem a ver,
portanto, com essa tensão entre os extremos da experiência, a ser vivenciada no
imponderável dos atos de nomeação ou no emprego de palavras de sentido
indecidível.” O livro é publicado pela Relicário Edições.
Sair da sombra, ter voz.
A pequena outubrista,
de Linda Boström Knausgård, é o primeiro livro da premiada autora sueca
publicado no Brasil. Entre 2013 e 2017, a autora foi internada coercitivamente
numa enfermaria psiquiátrica, onde foi submetida a uma série de sessões de ECT
(eletroconvulsoterapia), na qual descargas elétricas são utilizadas para
desencadear algo parecido com uma convulsão epiléptica. É uma terapia
corriqueira e considerada estabelecida no tratamento de vários distúrbios
psíquicos, apesar de ainda não haver unanimidade entre os pesquisadores quanto
a sua eficácia e seus efeitos colaterais. No caso da autora, as vivências e
lembranças começaram a desaparecer já durante o tratamento que ela recebia na
“fábrica”. O terceiro romance de Linda Boström Knausgård é não apenas um acerto
de contas furioso com a psiquiatria, mas também uma esforço memorialístico
desesperado e uma luta iníqua com portas que se fecham definitivamente, na qual
a infância, a juventude, o casamento, a maternidade e o divórcio despontam como
vislumbres e cujos personagens e lugares despontam sob clarões de relâmpagos.
Um livro atormentado e totalmente desarmado, uma narrativa que ao fim e ao cabo
apenas quer existir. A tradução de Luciano Dutra é publicada pela Editora Rua
do Sabão.
Com Escritos da casa
morta, a Editora 34 conclui a publicação integral da prosa de ficção de Fiódor Dostoiévski no Brasil com tradução diretamente do russo.
Em 1849, Dostoiévski, então com 28
anos, foi preso e condenado à morte por sua participação no Círculo de
Pietrachévski, um grupo de intelectuais críticos ao regime tsarista. Instantes
antes do fuzilamento, sua pena foi comutada para quatro anos de trabalhos
forçados no presídio de Omsk, seguidos de mais quatro anos servindo como
soldado raso em Semipalátinsk. O período passado na Sibéria foi extremamente
marcante para o escritor, que viu cair por terra sua imagem idealizada do povo
russo, influenciada pelos socialistas utópicos, ao conviver com a dura
realidade dos prisioneiros comuns vindos de todas as regiões da Rússia. O
resultado dessa experiência-limite é este livro, Escritos da casa
morta (também conhecido como Recordações da casa dos mortos),
publicado entre 1860 e 1862, em que o autor, ao fazer um registro antropológico
da vida e dos costumes dos presos, acaba por empreender um verdadeiro mergulho
na psicologia do ser humano — algo que servirá de matéria-prima para todos os
seus romances de maturidade. A presente edição foi traduzida diretamente do
russo por Paulo Bezerra, que também assina a apresentação do volume, e inclui
três textos de época e um posfácio de Konstantin Motchulski, um dos principais
biógrafos de Dostoiévski — todos inéditos em português —, além da série
completa de 43 xilogravuras realizadas por Oswaldo Goeldi nos anos 1940. O
livro é publicado pela Editora 34.
Um livro fundamental à
reivindicação do papel feminino nos principais avanços da humanidade através da
biografia de suas protagonistas.
Grandes e célebres figuras estão
presentes, de Agatha Christie a Simone de Beauvoir. Mas não só. Mulheres menos
conhecidas também são retratadas, como Mary Anning, primeira paleontóloga da
História, e Juana Azurduy, que liderou exércitos contra os espanhóis. A
tradução de Nós, mulheres, de Rosa Montero, é Josely Vianna
Baptista e a edição da Todavia Livros.
Depois do caderno de desenhos de
Cornélio Penna e do livro Alma branca e outros escritos (falamos
aqui sobre a publicação), a Faria e Silva anuncia um clássico do escritor
brasileiro.
Um quadro — que retratava a morte
de uma menina, a sinhazinha querida, única alegria em um mundo lúgubre de injustiças — foi o que inspirou Cornélio Penna a desenvolver este romance. Vivido numa
próspera fazenda de café do interior fluminense em meados do século XIX, A menina morta, ao narrar o trágico declínio desse lugar cuja
grandeza se faz às custas do trabalho e da miséria dos escravos, é uma história
de morte e loucura, de decadência e sofrimento, de almas angustiadas e de
longos silêncios. A menina, na sua inocência, era
quem amenizava o sofrimento dos escravos, quem os protegia e os livrava dos
castigos. Depois da sua morte, só restou o horror da escravidão, o vazio e o
desespero de almas perdidas. Morre a menina e com ela morrem a alegria e a
esperança, e as infelicidades se sucedem num clima de densa tortura moral.
O primeiro romance de José Falero.
Com este seu primeiro romance,
José Falero já se apresenta como um dos nomes mais relevantes da nova
literatura brasileira. Ao criar um narrador culto e perspicaz — que contrasta
com o dialeto a um só tempo urbano e filosófico da periferia —, o autor mostra seu
talento incomum, fazendo uma verdadeira arqueologia da pobreza. Falero nos leva
direto ao supermercado Fênix, na região central de Porto Alegre. É ali que
trabalham Pedro e Marques, dupla que aos poucos veste a carapuça de um Dom
Quixote e de um Sancho Pança amotinados. Moradores de “vila” (a
favela no Sul), eles invertem o jogo mesmo que as consequências sejam graves. “Preciso dar um jeito de experimentar as coisa que faz a existência valer
a pena, e não vai ser trabalhando que eu vou conseguir isso.” Os dois
conhecem pessoas que traficam na periferia onde moram, por isso insistem em se
manter na legalidade. Mas, diante de uma “seca” de maconha devido ao
desinteresse dos traficantes em comercializá-la, e já cansados da exploração do
trabalho, os dois amigos decidem entrar para o tráfico. É a única opção para
melhorar de vida. E também uma recusa à desumanização do trabalho assalariado.
Uma recusa a todo o processo de exploração. Os supridores é
publicado pela Editora Todavia.
Duas edições para o mesmo clássico.
O Mágico de Oz encanta
jovens e adultos há mais de um século. O livro é tão parte do nosso acervo
cultural que até mesmo quem não leu ou viu o filme com Judy Garland conhece
Dorothy, o Espantalho, o Homem de Lata, o Leão Covarde, o Mágico de Oz, as
bruxas e, é claro, o cachorrinho Totó. Publicado em 1900, o livro de L. Frank
Baum narra as peripécias de Dorothy que, após ter sua casa transportada pelos
ares por um ciclone, aterrissa no encantado reino de Oz. Em busca de um caminho
de volta ao lar, Dorothy enfrentará muitos obstáculos, mas com a ajuda de
companheiros improváveis, encontrará sua própria força. Da atmosfera
melancólica da fazenda onde Dorothy mora com os tios ao esplendor da Cidade de
Esmeraldas, L. Frank Baum nos apresenta cenários e personagens inesquecíveis.
Sua escrita sensível enaltece a coragem das mulheres e sua protagonista,
considerada a primeira feminista da literatura infanto-juvenil, é também uma
homenagem a sua esposa e sua sogra ― ambas engajadas na causa dos direitos das
mulheres na alvorada do século XX. A Editora Darkside publica o livro em duas
edições: a primeira para os leituras que buscam a experiência clássica. A First
Edition (imagem) é inspirada na folha de rosto da primeira edição do livro,
publicada em 1900. A segunda uma edição renovada. A Emerald Edition, com suas
cores vibrantes, traz uma leitura moderna para o clássico. No miolo, ambas
contam com as ilustrações originais de William Wallace Denslow, famoso por ter
dado vida à Terra de Oz e seus habitantes. O livro é traduzido por Marcia
Heloisa.
Caderno de
entomologia, livro de contos de Humberto Ballesteros, ganha edição no
Brasil.
O que uma libélula, uma mariposa
ou um vaga-lume podem representar? O livro traz dez contos intitulados com
nomes de insetos. Ao mesmo tempo em que as histórias se unem pelos insetos,
elas são díspares entre si, cada trama tem sua peculiaridade e sua complexidade.
A beleza do mínimo é o que importa. Humberto Ballesteros é um romancista e
contista colombiano. Entre seus livros estão Razones para destruir una
ciudad (Prêmio de Novela Cidade de Bogotá), Juego de memoria (Finalista do Prêmio Biblioteca de Narrativa Colombiana), Diario de a
bordo de un niño astronauta. Publicado pela Editora Moinhos, o livro tem
tradução de Fernando Miranda.
Neste livro Woody Allen não se
poupa de nenhum assunto. Em um relato destemido, cômico e profundo, o diretor,
comediante, escritor e ator traz um olhar pessoal e completo sobre sua vida
repleta de polêmicas e conquistas.
Woody Allen: a
autobiografia parte de sua infância no Brooklyn passando pelo início da
carreira como roteirista-assistente de grandes nomes da comédia televisiva
norte-americana. O artista fala sobre as dificuldades desse processo, como
quando fazia apresentações de stand-up em clubes obscuros, e relembra como
migrou para o cinema com comédias pastelão que hoje se tornaram clássicos, como
Um assaltante bem trapalhão. Enquanto revisita seus sessenta anos de carreira e
suas produções que marcaram gerações, como Noivo neurótico, noiva nervosa,
Manhattan e Annie e suas irmãs, até suas produções mais recentes (Meia-noite em
Paris e Um dia de chuva em Nova York), Woody fala sobre seus casamentos,
romances, amigos, sua relação com o jazz, seus livros e suas peças. De forma
audaciosa, o cineasta não se poupa de nenhum assunto e avalia seus demônios,
erros, sucessos e aqueles a quem amou e com quem trabalhou. Ele esmiúça sua
conturbada relação com a ex-companheira Mia Farrow, estrela de vários de seus
filmes, incluindo as acusações de abuso sexual contra Dylan, a filha adotiva do
casal; o polêmico casamento com Soon-Yi; o rompimento da amizade com o
banqueiro brasileiro Jacqui Safra, financiador de vários de seus filmes e como
a política do cancelamento atingiu sua vida e obra. Traduzida por Santiago
Nazarian, a autobiografia é publicada pela Globo Livros.
O segundo volume da trilogia
Thomas Cromwell.
Estamos em 1535. Henrique VIII, o
volúvel monarca da Inglaterra, ainda não tem um filho para legar a Coroa. Reis
sem herdeiros jamais se sentem seguros em seus próprios tronos, e Henrique
acaba por projetar a culpa pela crise sucessória em sua segunda esposa, Ana
Bolena. O coração do monarca agora pertence a Jane Seymour. Ocorre que os
parentes e amigos de Ana estão espalhados por altos cargos do reino, e os
desejos do rei podem mergulhar a Inglaterra no caos político. Quem desataria
esse nó? Mais uma vez, os rumos da Inglaterra serão traçados por Thomas
Cromwell, ministro que arquitetou a separação entre a Inglaterra e a Igreja de
Roma. Também foi ele quem alçou Ana Bolena ao trono inglês — e agora terá de
levar sua antiga aliada ao cadafalso. Em Tragam os corpos — continuação
de Wolf Hall —, Hilary Mantel retrata o lado mais implacável de seu
fascinante protagonista, cujas contradições fazem deste livro uma
extraordinária reflexão sobre as ambiguidades do poder — e o terrível custo a
ser pago por aqueles que inscrevem seus nomes nas entrelinhas da História. A
tradução de Heloísa Mourão é publicada pela Editora Todavia.
Clássico de Herman Melville é o
novo título na coleção Arte da Novela, publicada pela Grua Livros.
Em 1797, em Nore, ocorreu uma
grave insurreição na armada britânica, que ficou conhecida como O Grande Motim.
Mesmo sufocada a revolta, uma atmosfera apreensiva tomou conta dos conveses
ingleses. É neste cenário que o navio H. M. S. Bellipotent, uma nau de guerra
de 74 bocas de canhão, recruta forçadamente da embarcação Rigths o marinheiro
Billy Budd, sob protestos de seu capitão: Tenente, o senhor vai levar o meu
melhor homem, a joia da tripulação. Billy Budd, o Marinheiro Bonito, tem vinte
e um anos, olhos azuis, e parece estar envolto em uma aura de pureza e paz que
toca a todos que o cercam. No Bellipotent, comandado pelo experiente e
respeitado capitão popularmente conhecido como Fulgurante Vere, ele entra na
mira de John Claggart, o mestre-darmas, cujo apelido é Jemmy Legs. A sorte dos
três homens do mar é decidida numa conversa entre eles, na cabine do capitão.
Toda grande obra literária é composta de várias camadas a história em si, seus
significados aparentes, as relações nem sempre claras entre as personagens, os
meandros daquilo que não foi escrito, apenas vislumbrado. Muitas vezes, o
leitor descobre camadas profundas e surpreendentes, mesmo depois de terminada
há tempos a leitura. Considerado uma obra-prima, esse texto aparentemente
simples de Melville é um convite a explorar as camadas de uma história que vem
sendo debatida há quase 100 anos. A tradução é de Bruno Gambarotto.
Novo título na tradução e nova
edição da obra de Salinger no Brasil.
Os leitores de J. D. Salinger
estão familiarizados com os Glass. Figurando em algumas das histórias mais conhecidas
do escritor, como “Um dia perfeito para peixes-banana” e Franny
& Zooey, eles são uma família de prodígios juvenis agora às voltas
com os dilemas e dissabores da vida adulta. Nessas duas histórias, narradas por
Buddy Glass, finalmente vamos conhecer mais sobre a vida de Seymour, o grande
mistério que paira sobre toda a família. Erguei bem alto a viga,
carpinteiros & Seymour ― uma introdução é publicado pela Editora
Todavia com tradução de Caetano W. Galindo.
Nove partes de um
coração, da indiana Janice Pariat ganha edição no Brasil.
Nove personagens relembram seu
relacionamento com uma jovem – a mesma mulher – que eles amaram ou que os amou.
Nós a juntamos, assim como fazemos com outras pessoas em nossas vidas, em
lascas incompletas, mas iluminadoras. Situado em cidades conhecidas e sem nome,
movendo-se entre o leste e o oeste, Nove partes de um coração é um compêndio de
perspectivas mutáveis que acompanham a vida de uma mulher, tornando-a
deslumbrantemente real em um momento e obscurecendo-a no momento seguinte. O
novo romance, primorosamente escrito, de Janice Pariat, é sobre a natureza
frágil e fragmentada da identidade – como os outros nos veem apenas em pedaços
e como às vezes tendemos a nos tornar o que os outros nos percebem ser. A tradução
de Camila Araujo é publicada pela Editora Moinhos.
Novos títulos integram “A
Colecção”, publicação de poesia portuguesa pelas edições Macondo.
O ano dois da coleção traz quatro
novos títulos de poetas portugueses contemporâneos, cada um com posfácios
assinados por escritores brasileiros. O primeiro volume, O kit de
sobrevivência do descobridor português no mundo anticolonial, de Patrícia
Lino, traz texto de José Luiz Passos; o segundo, Fisioterapia, de F. S.
Hill, assina o texto Carla Diacov. Esses dois títulos chegam aos leitores a
partir do mês de novembro. Os outros dois são: Žižek vai ao ginásio, com
posfácio de Anelise Freitas; e São Miguel da Desorientação, de Miguel
Martins, apresentado por Ricardo Domeneck. Estes saem em dezembro.
REEDIÇÕES
Nova edição, ilustrada e em capa
dura, de um clássico da poesia brasileira.
A matéria-prima da obra de
Vinicius de Moraes é a vida, “e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e
sublime”. O Livro de sonetos revela a naturalidade e o engenho com
que o poeta é capaz de transpor pequenos e grandes momentos — das alegrias e
asperezas mais cotidianas às emoções mais elevadas — para a forma metrificada e
rimada. Lançado originalmente em 1957, o volume passaria a incluir, nas décadas
seguintes, novas composições: aos 57 selecionados pelo próprio autor,
somaram-se dezesseis poemas esparsos. Para Eucanaã Ferraz, que assina a
organização e o prefácio desta edição, os sonetos de Vinicius “impressionam
pela carga emotiva que encerram, mas também pela maleabilidade que a forma fixa
adquire nas mãos do poeta”. Estão aqui verdadeiras joias da poesia brasileira,
como “Soneto de fidelidade” e “Soneto de separação”, que seguem conquistando
gerações de leitores com igual arrebatamento.
Nova edição de Um amor
anarquista, de Miguel Sanches Neto.
Em março de 1890, o engenheiro
agrônomo e médico veterinário Giovanni Rossi desembarca no porto de Paranaguá,
acompanhado de cinco companheiros de luta e ideal anarquista com algo mais do
que os simples sonhos de um imigrante italiano no Novo Mundo. Intelectual de
posição própria dentro dos duros debates entre socialistas e anarquistas
italianos acerca dos rumos da marcha revolucionária, Rossi chega ao Brasil com
o intuito de colocar radicalmente à prova não só os conhecimentos que havia
acumulado na organização de comunidades agrícolas autossustentadas, mas também
o horizonte utópico de seus contemporâneos. Seu objetivo: a fundação de uma
colônia rural guiada, de um lado, pela partilha igualitária do trabalho e dos
recursos materiais e, de outro, pela crítica radical aos paradigmas morais,
políticos e econômicos da sociedade liberal europeia. Valendo-se de
experimentalismo científico e empenho revolucionário, Rossi almeja demonstrar,
nos limites de um pequeno assentamento de imigrantes europeus em Palmeira (PR),
a viabilidade do surgimento de uma nova sociedade. Para tanto, encontrará os
obstáculos demasiado humanos do afeto e do desejo. Ficção histórica, Um
amor anarquista percorre os caminhos e descaminhos de uma comunidade de
indivíduos dispostos a abandonar as tradicionais concepções de amor, família,
religiosidade e posse e enfrentar os próprios limites íntimos em nome da
realização de um ideal de humanidade. A partir dos registros da curta
existência da Colônia Socialista Cecília (1890-1894) e de um uso esmerado da
técnica narrativa, Miguel Sanches Neto resgata a memória de uma experiência
histórica singular mediante o interesse no drama humano universal que ela
encerra. O livro é publicado pela Grua Livros.
EVENTOS
O DIA D 2020
Carlos Drummond de Andrade nasceu
no dia 31 de outubro de 1902. Para comemorar a data, que no Brasil é Dia
Nacional da Poesia, o Instituto Moreira Salles criou em 2011 o Dia D – Dia
Drummond. A data inspirada no reconhecido feriado literário irlandês (o 16 de
junho com o Bloomsday). Em 2020, as atividades presenciais oferecidas pelo IMS
são substituídas por programação inteiramente gratuita e online. São três
momentos: a disponibilização de um curso com três aulas, ministrado por José
Miguel Wisnik, “Drummond e a maquinação do mundo”; a publicação integral do
longa-metragem Vida e verso de Carlos Drummond de Andrade (2014) com roteiro
e direção de Eucanaã Ferraz; e do longa-metragem Consideração do poema (2012)
com direção de Flávio Moura, Gustavo Rosa Moura e Eucanaã Ferraz. Mais
informações e, claro, para acompanhar essas novidades basta visitar aqui.
DICAS DE LEITURA
Depois de algumas andanças por
longe das recomendações de livros aparecidos recentemente na nossa cena,
voltamos outra vez a olhá-los para indicar três leituras que se mostram
promissoras.
1. Desvio, de Juan
Francisco Moretti. O trabalho editorial da Ponto Edita começou com a publicação
de um livro de Willa Cather e desde então apenas o zelo com o leitor e com o
objeto que estabelece união entre ele e o escritor (passando pela própria
editora) tem sido um diferencial interessante nesse tempo de relações fátuas.
E, por falar nessas relações, outra experiência interessante será o contato
com este texto apresentado desde sua aparição em Buenos Aires como um abalo nas
fronteiras criativas da literatura argentina. O romance (será mesmo um?) explora
os vastos limites entre realidade e delírio e convoca um lirismo brutal outras
formas de leitores se apropriarem da leitura. Segundo a informação oferecida
pela editora, “Desvio surge como um remix de humor e drama que flerta
com a nostalgia dos anos 90 para contar a epopeia mais trivial de uma
geração em uma Buenos Aires que às vezes lembra uma versão industrializada,
superpopulosa e gentrificada da cruel São Geraldo de Clarice Lispector (A
cidade sitiada). É, acima de tudo, um romance de aventuras próprio de
nossos tempos.”
2. Tempos ásperos, de Mario
Vargas Llosa. O escritor peruano volta à sua melhor forma, contar uma
história que revela as reentrâncias do poder na América Latina. Este
livro tem sido recebido pelos leitores dentro e fora da literatura de
língua espanhola como dos melhores na extensa bibliografia de grandes romances
do escritor. Desta vez, o plano histórico redivivo é o da Guatemala nos anos de
1950; aqui, um narrador à maneira de A festa do bode, infiltrado entre
as disputas e os meandros da guerra fria relata como um golpe militar,
financiado pelos poderes capitais à base de disputas, traições e mentiras,
modificou o destino do país. Traduzido por Paulina Wacht e Ari Roitman, o romance
é publicado no Brasil pela editora Alfaguara.
3. A lua e as fogueiras, de
Cesare Pavese. Um dos romances mais bonitos da literatura italiana. Ao
narrar o retorno de um homem de meia-idade às terras onde viveu sua infância e
parte de sua juventude, no interior profundo da Itália, Pavese toca em várias
questões que perpassam o ideal de pertença e os impasses entre a memória com o
passado: a violência, a miséria e o prevalecimento dos resquícios mais danosos
da ideologia. A estes podemos acrescentar a subserviência do homem aos poderes
de mando, isto é, as explorações gratuitas do homem pelo homem, o fatalismo dos
fixados à terra e incapazes de olhar para fora dos seus limites ou na via
contrária dos que dela saem mas não encontram o desfazimento do fatalismo; o
valor inestimável da amizade, possivelmente a alternativa mais viva que nos
anima os sentimentos de à-vontade no mundo; o impasse entre o urbano e o rural,
este percebido com todo parte de um sistema de leis em embate com aquele; os
conflitos ideológicos que cindiram profundamente toda a Itália; e as
aprendizagens que continuamente nos modificam para com o lugar de pertença para
com os nossos convívios. A tradução de Liliana Laganá está publicada no Brasil pela Berlendis
& Vertecchia Editores.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Os leitores têm ao alcance de um
clique uma nova página para encontrar-se com o poeta do surrealismo português, Alexandre O'Neill.
O “Site do O'Neill”, disponível a partir do portal da Biblioteca Nacional de
Portugal reúne informações variadas, pelo ponto de vista do poeta lembrado e
por outros; o leitor encontra detalhes sobre múltiplos aspectos da sua vida, do
seu humor e da sua literatura. Há muito de material de espólio de O'Neill, como
os autorretratos do poeta, a sua correspondência, um texto de Maria Antónia
Oliveira, em que descreve o processo de escrever a biografia de O'Neill a
partir dos testemunhos orais dos seus amigos, e um resumo desse arquivo do
autor, escrito por Joana Meirim, sob o título “uma coisa assim em forma de
espólio”, fotografias, poemas, manuscritos. O projeto coordenado por Joana
Meirim é uma das linhas de trabalho de uma ideia maior intitulada “Lugares de
O'Neill”, que se desenvolveu entre 2018-2019, com o apoio da Fundação Calouste
Gulbenkian, integrado no Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da
Universidade Católica Portuguesa. Para ver o site, basta visitar aqui.
2. Um beabá nas redes sociais durante a semana envolveu o novo título atribuído pela nova tradução de Paulo Henriques Britto para o conhecido A revolução dos bichos, de George Orwell; sem se desfazer da edição com o título celebrizado por aqui, muita gente não conseguiu engolir calado uma A fazenda dos animais. Mas, tudo tem uma justificativa, não é mesmo? No Nexo Jornal se explica. Leia aqui.
BAÚ DE LETRAS
1. Pelo que desperta as seções anteriores... recordamos um breve perfil de Alexandre O'Neill publicado no blog, com direito a um pequeno catálogo com poemas do poeta português.
2. Ainda não falamos sobre A fazenda dos animais / Revolução dos bichos por aqui, mas sobre vários outros livros de George Orwell, sim. Nesta semana, por exemplo, saiu texto de Pedro Fernandes sobre a reunião de passagens da obra do escritor britânico com um dos temas mais caros à sua literatura: a verdade.
3. Você pode ler mais sobre A festa do bode, de Mario Vargas Llosa neste texto de Rafael Kafka. Sobre o escritor peruano também poderá encontrar uma variedade de entradas; na semana que finda chegamos a publicar uma lista com recomendação de alguns romances lidos e comentados por ele.
Comentários