Boletim Letras 360º #394
DO EDITOR
1. Abro este boletim registrando a
continuidade de uma marca que foi até então alcançada sempre esporadicamente: o
número de visitas diárias ao Letras se manteve nas três últimas semanas
sempre acima dos dois mil acessos, chegando a três, quatro mil visitas por dia.
2. O motivo das chegadas é sempre
desconhecido sobretudo porque o blog deixou de divulgar as posts diárias no
Facebook, restando apenas ao pequeno público de quase dois mil leitores que acompanha
através do Twitter. Será o algoritmo dessa rede mais sadio que aquele? Pesquisar.
3. Este registro é para, além de entender
a solidão na grande multidão. É para reafirmar os agradecimentos pela sua
chegada, leitor. Sempre que possível interaja. É uma maneira de aliviar o
abismo intransponível aberto entre o lado de cá e o daí.
4. Esta é a nova edição do Boletim
Letras 360º, uma post semanal criada há 394 semanas, desde quando os algoritmos
do Facebook passaram a trair nós todos. Reúnem-se aqui todas as notícias que o
blog compila ao longo da semana naquela rede social. Boas leituras!
A editora Numa publica novo livro de Dag Solstad no Brasil. |
LANÇAMENTOS
Segundo livro do escritor Dag
Solstad chega ao Brasil.
Elias Rukla, um professor do
ensino médio da cidade de Oslo, aos cinquenta e poucos anos, lê e comenta em
uma aula O pato selvagem, de Ibsen. Desta vez um detalhe deixa-o
imensamente comovido. Sente, então, que tem algo importante para comunicar à
turma de adolescentes entediados para os quais dá aula. Não consegue e,
profundamente frustrado, Elias se descontrola. É assim que Dag Solstad inicia o
romance Pudor e dignidade, cuja narrativa se faz a partir daí num
monólogo interior do professor. Elias Rukla sabe que nada mais será como antes.
A tradução de Grete Skevik é publicada pela editora Numa.
A obra-prima de George Orwell
adaptada para os quadrinhos. Clássico moderno, 1984 ganha vida e
movimento na arte de Fido Nesti.
No traço magistral do artista
paulistano Fido Nesti, a obra mais poderosa de George Orwell ganha sua primeira
adaptação para os quadrinhos. 1984 conta a história do angustiado
Winston Smith, refém de um mundo feito de opressão absoluta. Em Oceânia, ter
uma mente livre é considerado crime gravíssimo. Numa sociedade em que a mentira
foi institucionalizada, Winston se rebela e, em seu anseio por verdade e
liberdade, arrisca a vida ao se apaixonar por uma colega, a bela Julia, e se
voltar contra o poder vigente. Publicada originalmente em 1949, a profecia de
Orwell encontra seu rosto neste romance gráfico extraordinário. A publicação é
do selo da Companhia das Letras, Quadrinhos na Cia.
Uma nova obra-prima da
escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura 2018.
Era uma vez um homem que
trabalhava muito e quase não prestava atenção no tempo que passava diante de
seus olhos. Não que sua vida fosse ruim. Ele apenas sentia que tudo ao seu
redor estava plano, como se estivesse se movendo na folha de um caderno de
matemática inteiramente coberta por quadradinhos iguais e onipresentes. Esta é
uma história que leva o leitor a buscar a si mesmo, conduzindo-o a um desenlace
maravilhoso e inesperado, como só os grandes contos de fadas são capazes de
fazer. Uma história que se abre para o futuro — sem respostas, mas com inúmeras
e fascinantes perguntas destinadas a todas as idades. Ilustrada por Joanna
Concejo, vencedora da Menção Especial do Prêmio Bologna Ragazzi 2018, A alma
perdida, selecionada no White Ravens 2019, é a nova obra-prima da escritora
polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura. Um livro que
encanta, enternece e faz pensar. A tradução de Gabriel Borowski é publicada
pela Todavia.
Livro finalista dos principais
prêmios literários da França e um dos maiores sucessos editoriais dos últimos
tempos ganha edição no Brasil. É O gueto interior, de Santiago H. Amigorena.
Buenos Aires, início da década de
1940. Vicente Rosenberg, que emigrou sozinho da Polônia em 1928, é dono de uma
loja de móveis, casado e tem filhos. Desfruta da grande cidade ao Sul:
frequenta os cafés, trocou a comida judaica pelas empanadas, lê os jornais
locais, sente-se perfeitamente em casa na língua castelhana. Não pratica a
religião de seus antepassados. É um homem do século XX, um habitante satisfeito
do Novo Mundo. Sua mãe, porém, permaneceu em Varsóvia. E em cartas esporádicas
que consegue escrever ao filho vai relatando sua situação, que piora
progressivamente quando os nazistas erguem o infame gueto para isolar a
população judaica. À medida que o tempo passa, as cartas descortinam uma
situação dramática. Pessoas abatidas à luz do dia. O sarcasmo assassino da
soldadesca alemã. A fome, a doença e a animalização a céu aberto. A mãe já não
tem esperanças: o fim de todos está próximo naquele lugar. É nesse ponto que
Vicente começa a ficar afetado. Ele, que até então pouco se lembrava de sua
condição judaica, percebe que, no tempo em que vive, tudo o que uma pessoa pode
ser desaparece quando se é apontado como judeu. Ele, que fala várias línguas e
não frequenta o templo, sente que tudo o que fizer vai ser inútil. Vicente
passa a falar menos, a preferir o silêncio, a dizer apenas o essencial. A culpa
— por deixar a mãe no gueto, por ser judeu, por estar vivo enquanto massacram
milhões dos seus — o rói por dentro, reduzindo o homem jovem a uma espécie de
carcaça ambulante. O mutismo avança e deixa família, amigos e funcionários
desnorteados, incapazes de definir o seu estado e de ajudá-lo. Esse gesto vai
impactar toda sua vida. E o futuro de seus descendentes. Com este romance
pungente e arrebatador, Amigorena foi finalista dos principais prêmios literários
da França e um dos maiores sucessos editoriais dos últimos tempos. A tradução
de Rosa Freire d’Aguiar é publicada pela Todavia.
Livro de uma das mais premiadas
escritoras de ficção científica ganha edição no Brasil.
O planeta Athshe era um verdadeiro
paraíso, coberto por densas e colossais florestas. Seus habitantes, humanoides
com pouco mais de um metro de altura e corpos cobertos por pelos verdes e
sedosos, viviam em paz. Então outros vieram. Muito mais altos e de pele lisa,
eles caíram do céu e começaram a desbravar o território ao seu redor,
enxergando os nativos como meros animais selvagens. Eles vieram de um mundo em
ruínas e superpovoado, faminto por matérias-primas, madeira e grãos, a Terra.
Sem precedentes culturais para tirania, escravidão ou guerra, os nativos
encontram-se à mercê de seus novos e brutais colonizadores. Quando o desespero
atinge níveis inimagináveis, uma revolução é inevitável. Cada golpe contra os
invasores será um golpe contra sua própria humanidade. Mas os conquistadores
alienígenas os ensinaram a odiar... e não há como voltar. Com Floresta é o
nome do mundo, Ursula K. Le Guin recebeu o Hugo Award. O livro é publicado
no Brasil pela editora Morro Branco.
Novo livro de Antonio Geraldo
Figueiredo Ferreira.
No livro Eu, morto, Antonio
Geraldo Figueiredo Ferreira, apontado pela crítica como um dos importantes
nomes da literatura atual, mergulha em si e na perversa realidade brasileira.
Em outras palavras, aprofunda-se na pandemia para respirar com redobrado vigor,
sopro de uma consciência que se quer plena, à tona do cotidiano e da história
do país. Vivo-morto, dramatiza a condição que Brás Cubas rejeitara de modo
singular: é somente um autor defunto, tanto quanto seriam antecipados defuntos
os brasileiros expulsos da vida cidadã. Para esse deslocado autor-personagem, o
isolamento não se dá nos dias contados da epidemia, senão como processo que
repete a quarentena de uma prisão limítrofe da pele, e, ainda, o confinamento a
céu aberto em país de graves desigualdades. O livro do autor de As visitas
que hoje estamos, entretanto, não é mero inventário de desgraças subjetivas
e sociais. Em cada poema, percebe-se a força gaiata e revolucionária que boa
parte do povo ― ou, mais precisamente, a parte boa do povo ―
carrega, impondo-se na voz de um Mano Brow que, aos poucos, pela força da
cultura popular, emudeceria o próprio Mozart. Em suma, o livro Eu, morto
é e não é obra de circunstância, porque moldada pela história, réquiem
inacabado de brasileiros vivinhos da Silva. O livro é publicado pela
Iluminuras.
REEDIÇÕES
Nova edição de Dom Casmurro amplia o catálogo da editora Antofágica.
Prometido para o seminário desde o
nascimento, o jovem carioca Bentinho precisa encontrar um jeito de fugir da vida
na Igreja e realizar seu verdadeiro sonho: casar-se com a vizinha Capitu. Uma
história de paixão, obsessão e ciúme se desenrola, em uma narrativa cheia de
reviravoltas, que aos poucos constrói um retrato da sociedade brasileira. Com
este romance publicado em 1899, o maior nome da literatura nacional, Machado de
Assis, torna-se também parte do cânone mundial. Dom Casmurro traz
contundentes reflexões sobre o Brasil de sua época, ainda muito relevantes para
os dias atuais, e faz isso com a narrativa repleta de ironia que é uma marca do
autor. A edição da Antofágica traz o texto integral de Machado com notas e
posfácio do especialista Rogério Fernandes dos Santos, além de ilustrações de
Paula Siebra e posfácio do escritor Geovani Martins.
MEMÓRIA
Vai a leilão o único registro
que mostra Paul Verlaine e Arthur Rimbaud juntos.
Um desenho dos poetas numa carta
será leiloado pela Christie's em Paris no início de novembro. Trata-se da obra
do pintor e ilustrador Félix Régamey (1844-1907), em carta a seu irmão em 1872.
Mostra os dois poetas caminhando por uma rua de Londres, passando por um
policial ao fundo. Este esboço é o único registro que mostra Verlaine e Rimbaud
juntos e mostra os dois poetas durante a famosa fuga entre 1872 e 1873, um dos
principais períodos criativos de Rimbaud. O desenho não é inédito; já foi
reproduzido muitas vezes em obras que datal de oitocentos para cá, mas o
original permaneceu na família Régamey por quase um século e meio.
DICAS DE LEITURA
Nesta seção ficam recomendados
três livros que acabaram de chegar às livrarias brasileiras e fortes candidatos
aos destaques em projetos editoriais do conturbado ano de 2020. Cada um deles
passaram pelas páginas de alguma das edições anteriores do Boletim Letras 360º seja
quando do anúncio de sua publicação ou a disponibilização da pré-venda. São
eles:
1. Batendo pasto, de Maria
Lúcia Alvim. Este livro estava pronto havia algumas décadas e quando dois leitores
que tiveram recente contato com outros títulos da poeta, sobretudo a antologia Vivenda,
publicada em meados da década de 1990 decidiram saber mais sobre o destino da
obra e da autora. A descoberta da poesia de Maria Lúcia leva esses dois aventureiros
da palavra a outro encontro: com a poeta mineira ainda viva e com um manuscrito
confiado por ela a um amigo com a recomendação de publicação apenas depois da
sua morte. Os dois leitores / aventureiros são os também poetas Guilherme
Gontijo Flores e Ricardo Domeneck, este que numa estadia no Brasil consegue
estabelecer uma ponte com a poeta e que ela se desfaça da ideia de colocar um
livro à espera para leitores do futuro. E o amigo é o poeta e tradutor Paulo
Henriques Britto, quem, não apenas carregava o manuscrito como chegou a
escrever sobre. Tudo isso chega aos leitores através da Relicário Edições. Só
por esse empenho coletivo e esse caminho é um livro que merece toda a nossa
atenção, além, é claro, da oportunidade de se descobrir uma das vozes sempre
apontadas como das mais originais da nossa poesia recente.
2. Todas as cartas, de
Clarice Lispector. João Cabral de Melo Neto comenta com a escritora de Perto
do coração selvagem sobre seu livro mais visceral, Psicologia da
composição, publicado em 1947 em Barcelona por uma pequena editora criada
por ele próprio ― O livro inconsútil. Clarice é convidada reiteradas vezes
para compor o catálogo mas o poeta pernambucano só consegue silêncio e o
insucesso. Esta e muitas outras notícias sobre um tempo feito de amizades e
discussões, troca de ideias sobre o mundo literário e as angústias pessoais, através
da atividade de tinta e papel podem agora ser redescobertas através dessa nova
antologia que reúne o aparato missivista de Clarice e seus intercâmbios. Na
edição agora publicada pela editora Rocco mostra-se mais de uma centena de
cartas inéditas constituindo um conjunto de 284 textos. O trabalho é resultado de
uma longa pesquisa conduzida pela jornalista Larissa Vaz.
3. Senhores do orvalho, de
Jacques Roumain. O romance é considerado um dos textos fundadores da literatura
moderna no Haiti; apareceu em 1944, pouco tempo depois da morte do autor e é o
seu terceiro livro de uma obra brevíssima, constituída por este e outros dois
romances. Sua primeira publicação no Brasil veio pelas mãos de um Jorge Amado
tradutor, num tempo-auge de uma literatura social por aqui. O livro
recebeu nova tradução e retorna às mãos de quase sete gerações depois. Publicado
pela editora Carambaia, o livro traz alguns materiais de apoio que acompanham
sempre suas edições; nesse caso, um posfácio da Professora Eurídice Figueiredo.
O projeto editorial da Casa 36 evoca o conteúdo simbólico da narrativa. Esta
foi a primeira vez que a editora publicou simultaneamente o livro impresso e o
eletrônico, ampliando o horizonte de contato dos leitores.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. A Fundação Calouste Gulbenkian
começou a disponibilizar online parte do seu acervo editorial, que inclui
textos fundamentais, clássicos e acadêmicos. Ficam disponíveis na primeira
parte do projeto de digitalização do acervo 52 títulos que incluem obras de Platão,
Thomas Morus e Edgar Allan Poe. No seguimento, a ideia é disponibilizar textos
fundamentais da cultura portuguesa e as novas publicações, sobretudo de
clássicos, devem seguir o modelo impresso-eletrônico, com preços mais
acessíveis aos leitores. Para acessar a primeira leva de livros basta ir aqui.
2. Foi nesta semana que se
encontraram online Paulo Henriques Britto, Ricardo Domeneck, Guilherme Gontijo
Flores e Juliana Veloso para uma conversa sobre a publicação do livro da poeta
Maria Lúcia Alvim, Batendo pasto. O registro está disponível no canal da
editora no YouTube ― acesse aqui.
3. Em 2020 passam-se os oitenta anos de
Adão Ventura. O Suplemento MG publica uma edição especial que reúne vasto
material com crítica, textos de arquivo, imagens em torno do poeta. “Adão
Ventura, 80 anos. A poesia à flor da pele” está disponível online ― acesse aqui.
BAÚ DE LETRAS
1. Esta semana estreou nos cinemas
em Portugal a primeira adaptação de O ano da morte de Ricardo Reis,
romance de José Saramago. O trabalho de João Botelho, cf. já esclarecido noutra
edição deste boletim, coloca a vida aos dias de perturbação na vida do poeta
para quem sábio era quem se contentava com o espetáculo do mundo. Aproveitamos
a ocasião para sublinhar este texto do escritor português sobre Fernando Pessoa, o homem que deu vida a Ricardo Reis e que também personagem no romance
agora lido pelo cinema.
2. Entre os dias 26 e 27 de
setembro de 1940, perseguido pelas forças nazistas, morreu Walter Benjamin. A morte
do ensaísta e escritor, autor de obras fundamentais para o pensamento sobre a
arte de narrar, é envolta em mistério. Sabe-se que estava numa tentativa de
fuga pelos Pirineus com um grupo de refugiados; parado pela polícia espanhola, teria
desconfiado dali que não sobraria mais lugar para ele no mundo. No hotel onde
com um grupo de judeus aguardava a deportação teria cometido suicídio. Recordamos
esta post sobre a face do poeta Benjamin.
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