Boletim Letras 360º #391
DO EDITOR
1. Virou (ou começou, depende da
perspectiva de cada um) mais uma dezena de edições deste boletim. Desde 2012, a
página do blog no Facebook passou a veicular informações variadas em torno do
nosso universo de interesse. Mas, meses depois, a baixa visibilidade de conteúdo
pela segmentação nesta rede social favoreceu a criação de um espaço aqui capaz
de guardar o registro e oportunizar um (re) encontro com o material divulgado.
2. Eis, pois, a edição 391. Com
algumas seções que foram integradas muito depois da existência do boletim: as
dicas de leitura, destaque de outros materiais nas redes do Letras ou em
espaços vizinhos e a recordação de algumas publicações do blog.
3. Em nome do Letras, agradeço
sempre a companhia do fiel leitor e deixo o pedido de trazer aqui os seus mais
achegados que admiram os livros e a literatura. Fique bem. Boas leituras!
Clarice Lispector e Alzira Vargas, filha de Getúlio. Washington, por volta de 1955. |
LANÇAMENTOS
Um livro inédito, que apresenta
pela primeira vez o conjunto de ensaios do crítico literário, filólogo,
professor e tradutor Paulo Rónai sobre Guimarães Rosa, escritos ao longo de
mais de três décadas.
“Você sabe que também sou
escritor?”, perguntou Guimarães Rosa ao entregar um exemplar de Sagarana
a Paulo Rónai, pedindo uma opinião. Os dois haviam se conhecido naquele mesmo
ano de 1946, quando Paulo Rónai, chegado ao Brasil cerca de cinco anos antes,
buscava incansavelmente trazer de Budapeste os membros da família que haviam
sobrevivido ao tenebroso período da Segunda Guerra Mundial. O encontro entre um
refugiado húngaro e um diplomata mineiro, resultou em uma amizade próxima,
pautada na admiração mútua, e em uma produção crítica literária sem par. Ao
longo de mais de três décadas, o crítico literário, tradutor, filólogo e
professor Paulo Rónai acompanhou de muito perto a produção literária de João
Guimarães Rosa e foi assim construindo de forma simultânea, a partir de ensaios
publicados em jornais, estudos, palestras e notas, um incomparável conjunto de
crítica literária sobre a obra do grande ficcionista mineiro, publicado pela
primeira vez neste livro, organizado por Ana Cecilia Impellizieri Martins e
Zsuzsanna Spiry. A capacidade de decifrar os segredos e sentidos recônditos nos
livros do autor de obras-primas como Grande sertão: veredas e Corpo
de baile, fez com que os textos de Rónai passassem a integrar a maior parte
das edições de Rosa, por escolha do próprio escritor, sempre surpreso e grato
com as leituras desbravadoras do amigo. Tamanha era a afinidade entre esses
dois homens das letras, que após a morte repentina de Rosa, em 1967, Paulo
Rónai foi designado administrador de suas edições, organizando as suas obras
póstumas, onde novos textos de sua autoria apoiavam a leitura ―
estes também aqui incluídos. Dispersos em jornais, edições avulsas, livros e
inéditos, esses ensaios, reunidos nesta edição, confirmam Paulo Rónai como
grande leitor e crítico de Guimarães Rosa e oferecem um verdadeiro roteiro
dessa obra de encantamento infinito da literatura brasileira e mundial. O livro
é publicado pela Bazar do Tempo.
Nova tradução para um dos
romances significativos na obra de Flaubert e da literatura francesa.
Uma aventura épica que alia
exotismo a reconstrução histórica, sensualidade a violência, universo mítico a
paixões impossíveis. Ambientada na Cartago do século III a.C., durante a
primeira Guerra Púnica, Salammbô foi escrita por um dos maiores nomes das
letras francesas, Gustave Flaubert (1821-1880). Às vésperas do bicentenário do
autor, esta que foi uma de suas principais obras ganha nova tradução e edição
luxuosa em tiragem limitada, pela Carambaia. A história começa durante um
banquete, nos jardins da casa do líder militar cartaginês general Amílcar
Barca, para comemorar o aniversário da batalha de Monte Érice, na Sicília, que
opôs os exércitos arregimentados por Amílcar contra os romanos, durante a
primeira das guerras púnicas (264-241 a.C.). É ali, durante o festim, que o
mercenário líbio Mâthos avista Salammbô, filha do general e sacerdotisa de
Tanit, a deusa da Lua e protetora de Cartago. Essa aparição sensual de Salammbô
não sairá da memória do soldado, que no entanto será um dos principais líderes
da revolta dos mercenários contra Amílcar, depois que este reconhece não ter
recursos para pagar o soldo devido aos estrangeiros que estiveram sob suas
ordens lutando contra os romanos. Obcecado pela ideia de voltar a encontrá-la,
decide roubar um véu sagrado dos aposentos de Salammbô na companhia do escravo
liberto Espêndio, seu braço direito. Mais tarde, o sumo sacerdote de Cartago
ordena que Salammbô vá resgatar o véu. Dessa forma, a disputa pela posse do
objeto sagrado e pelo coração de sua dona (prometida pelo pai ao vilão, o rei
númida Narr’Havas) se misturam aos embates em campo de batalha até um final
digno de todas as peripécias que o precederam. Salammbô foi o romance
que Flaubert escreveu imediatamente depois do abalo estético e moral provocado
por Madame Bovary (1856). Do retrato realista de uma mulher insatisfeita
na província francesa no século XIX, o escritor saltou para essa aventura
épica, ambientada no norte da África no século III a.C. O “romance cartaginês”,
como ele o chamava, foi uma de suas principais empreitadas literárias. Para
escrevê-lo, o Flaubert dedicou cinco anos de sua vida, municiou-se de
documentos, fez longas viagens para o Oriente Médio e leu mais de 200 obras,
sobretudo estudos clássicos de historiadores como Políbio, Plínio ou Plutarco.
Tudo para reconstruir minuciosamente a antiga Cartago, inserindo no enredo
personagens e episódios fictícios. Amílcar é presença notória nos livros de
história, mas a própria Salammbô nunca existiu. Já Aníbal, o filho verdadeiro
de Amílcar e tão célebre quanto ele, participa da trama quando ainda criança,
num episódio comovente. Flaubert reveste de cores fortes o material histórico,
e o romance todo transpira um exotismo que evoca a Salomé bíblica e os contos
das Mil e uma noites. A nova tradução desse épico ficou a cargo de Ivone
Benedetti, e a edição conta com um posfácio inédito de Samuel Titan Jr.,
professor de literatura da Universidade de São Paulo, tradutor e especialista
na obra de Flaubert. O projeto gráfico da edição de Salammbô pela Carambaia,
criado por Cristina Gu, explora visualmente a tensão do romance entre o mítico,
o imaginário e o histórico. Numa referência à presença de uma divindade lunar
na trama, o volume contém imagens dos fenômenos naturais relacionados ao
satélite da Terra, produzidas pelos cientistas James Nasmyth e James Carpenter
no século XIX.
Doze narrativas de viagem
ganham edição inédita em livro.
Ingleses no Brasil reúne
doze narrativas de viagem, de diversos autores, todas inéditas em livro.
Traduzidos diretamente de originais ingleses publicados nos séculos XVI e XVII,
os relatos aqui reunidos são variados no conteúdo e na forma, e trazem à luz
uma faceta fascinante de nossa história. Navegadores, corsários, geógrafos,
marinheiros, soldados, náufragos, cirurgiões-barbeiros e, principalmente, mercadores
narram suas experiências e aventuras, em diferentes gêneros: cartas, notícias,
relatórios, obras de geografia, diários de bordo, relatos de viagem,
depoimentos à Justiça. As viagens inglesas ao Brasil durante o século XVI são
menos conhecidas do que as viagens de franceses e holandeses, e permaneceram
praticamente à margem da historiografia brasileira. Ocorridas em uma época de
grandes transformações geopolíticas, revelam o interesse que a Inglaterra
nutriu pela colônia portuguesa ao longo do primeiro século de ocupação, assim
como as diferentes fases das relações entre Brasil e Inglaterra — de um
primeiro período de exploração marítima e descobrimento e de tentativas de
estabelecer relações comerciais, até as últimas décadas de hostilidade aberta e
ataques de corsários. Os relatos reunidos em Ingleses no Brasil,
contextualizados por um posfácio e notas explicativas, refletem a diversidade
cultural e social de seus autores, e trazem um olhar múltiplo sobre esse
período e sobre aspectos pouco conhecidos da Colônia. A tradução é de Vivien
Kogut Lessa de Sá e o livro é publicado pela Chão Editora.
O romance de estreia de Melina
Galete é o 17º título da coleção Lusofonia editada pela Jaguatirica Edições.
De que formas uma viagem pode
transformar a nossa vida? Da verdadeira Índia não é apenas um diário
autobiográfico desse processo, mas antes a partilha com os leitores da obra de
uma importante mutação interior. De Niterói para Aveiro, para onde se mudou com
sua filha, Melina Galete já havia atravessado uma mudança cultural, onde se
obrigou a desconstruir padrões normativos do seu local de origem. É
precisamente em Portugal que a autora conhece a indiana Sridevi (nome fictício,
para proteger a respetiva identidade), colega de apartamento, que anos depois a
convida para o seu casamento, uma união arranjada, como é comum no país
asiático. Embora seja inicialmente resistente à ideia de ver a amiga casar-se
com um desconhecido, Melina embarca numa das maiores aventuras de sua vida,
para se fazer presente na festa e conhecer um novo país do qual tinha já tantas
imagens pré-concebidas. Depois de uma intensa preparação com elementos
considerados no ocidente como típicos da cultura indiana, entre tentativas de
meditação e muita prática de yoga, a autora descobre-se num novo mundo tão
arrebatador quanto surpreendente, longe do que imaginava em Portugal e no
Brasil sobre aquela cultura que é tão distinta da sua e ao mesmo tempo tão
igual. O desafio do etnocentrismo, a redescoberta de si num lugar novo e os
impactos que ficam gravados na alma humana, como tatuagens, são temas centrais
de Da verdadeira Índia, uma obra sensível e um convite à reflexão sobre
o que definimos como norma.
O sétimo livro de poemas de
Rodrigo Garcia Lopes.
Rodrigo Garcia Lopes traduziu Epigramas,
de Marcial, O navegante (anônimo anglo-saxão), Rimbaud, Whitman,
Apollinaire, tendo apresentado as obras de Laura Riding e Sylvia Plath ao
leitor brasileiro. Também lançou um livro de entrevistas com personalidades da
arte e cultura estadunidense, um romance policial, dois álbuns de canções e
coeditou por doze anos a revista Coyote, publicando poetas e prosadores
brasileiros e do exterior. Este O enigma das ondas revela um poeta em
plena maturidade, que reacende a força e a relevância da poesia, mostrando que
ela pode explorar em profundidade, e em registros múltiplos, a realidade
contemporânea e a existência. Em 91 peças, o volume traz poemas líricos,
políticos, críticos, satíricos e reflexivos. O livro é publicado pela editora
Iluminuras.
Goliarda Sapienza pela primeira
vez fora do seu país.
“Subir de novo deves/ o rio do teu
sangue”. Assim começa um dos poemas de Ancestral, livro que revela o ato
de nascença da escrita de Goliarda Sapienza (1924-1996), cuja prosa não
existiria sem a poesia. Composto na década de 1950, o livro foi publicado na
Itália apenas em 2013 e encontra, nesta edição, a sua primeira tradução para
outra língua. Mulher versátil e curiosa, profundamente envolvida na arte, como
também nas questões políticas e sociais, Sapienza sempre buscou, em seus gestos
e em sua escrita, um contato direto com a realidade, alimentada pelo desejo da
descoberta, do conhecimento feito de erros e de experiência. Ancestral
fala de um passado individual cronologicamente datado — o da autora —, que
remete à memória da infância, aos afetos, à paisagem da Sicília, mas, ao mesmo
tempo, é o registro de uma atemporalidade coletiva: Sapienza mergulha nas
profundezas do verso, escancarando pulsões e conflitos, e se entrega à
percepção, sem julgá-la. Este livro ilumina um capítulo ainda pouco explorado
da literatura italiana do Novecentos, e, à distância de quase setenta anos de
sua composição, não é apenas um texto atual, mas necessário e inovador. A
tradução é de Valentina Cantori e é publicada pela Editora Âyinè.
O novo livro de Raimundo
Carrero.
Não posso silenciar diante deste
revoltante genocídio que se abate sobre o Brasil, com o assassinato de meninos
e meninas, diariamente, em cidades e localidades onde são realizadas operações
policiais em combate com traficantes e bandidos de toda ordem, dizem eles,
atingindo, em geral, crianças que vão ou voltam das escolas. Enquanto trocam
tiros, não poupando rifles ou metralhadoras, esses grupos sacrificam gerações
inteiras, sobretudo os mais pobres e miseráveis, que derramam o sangue nesta
guerra desproporcional. Possuído de uma dor crescente e cada vez mais
dilacerante, resolvi escrever estas histórias que, em sua maioria, me chegam
através do choro de pais e parentes, debruçados sobre corpos dilacerados.
Muitas vezes ainda marcados pela ironia e pelo riso de pessoas que se
consideram acima da lei e, espantoso, acima do humano. Escrever estas histórias
talvez tenha sido a atitude mais dolorosa que enfrentei nesses meus setenta
anos de vida. E, é claro, na minha carreira literária. Estou cansado, mas ainda
assim acredito que minha obra, de alguma maneira, contribuirá para o fim desta
guerra de bandidos, que só mata crianças e dizima uma geração de brasileiros.
Neste livro dou continuidade às Cartas ao Mundo, iniciadas no livro As
sombrias ruínas da alma, ganhador do Prêmio Jabuti, onde aparecem as três
primeiras, que explicitam a minha determinação de denunciar sempre as
crescentes injustiças e agressões sociais no Brasil. Estão matando os
meninos é publicado pela editora Iluminuras.
Livro reúne textos inéditos de
Clarice Lispector.
Organizado pelas professoras
Teresa Montero, biógrafa de Clarice Lispector e Lícia Manzo, Outros escritos
é o complemento indispensável à obra completa de Clarice Lispector. Isso por
reunir textos inéditos, dispersos ou de acesso restrito de importância capital
para o entendimento da obra clariceana, como sua única peça teatral, “A
pecadora queimada e os anjos harmoniosos”, escrita no começo de sua carreira e
testemunho do seu interesse pela dramaturgia, que a levou a traduzir peças de
autores consagrados como Ibsen, Lillian Hellman, Mishima e García Lorca.
Encontram-se aqui textos produzidos em seus tempos de faculdade de Direito
(debatendo questões cruciais, como o direito de punir), suas primeiras
incursões no jornalismo (como repórter da Agência Nacional) e anotações íntimas
extraídas de cadernos de notas. Assim como sua única incursão no terreno dos
estudos literários, a tão falada (mas pouquíssimo conhecida) conferência
“Literatura de vanguarda no Brasil”, cujo sucesso da primeira apresentação na
Universidade do Texas em 1963 motivou reapresentações em instituições
brasileiras. Texto que demonstra inequivocamente que Clarice não era uma
escritora preocupada apenas com a própria obra e encastelada em torre de
marfim, e sim uma autora sintonizada com as preocupações da literatura de seu
tempo e dotada de real capacidade de pensamento crítico, muito embora alegasse
não se interessar por questões teóricas e históricas. Fecha o conjunto um
documento incontornável: a transcrição da entrevista por ela concedida (em 20
de outubro de 1976) ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, com a
participação dos amigos Affonso Romano de Sant’Anna e Marina Colasanti e do
diretor do MIS, João Salgueiro. Trata-se da primeira vez em que Clarice
discorreu livremente acerca de sua vida e da sua literatura.
Os múltiplos de uma perturbada
relação pai e filha.
Neste romance autobiográfico,
vencedor dos prestigiados prêmios italianos Strega Giovani e Elsa Morante de
2016, Rossana Campo investiga memórias de infância e a construção de sua
identidade a partir da figura carismática, mas difícil, de seu pai. À medida
que traça um retrato de Renato, resgatando seu jeito de falar e humor, sua
ancestralidade e episódios de passeios cheios de cumplicidade, assim como as
ausências dolorosas do pai, a escritora se debate com as ambiguidades dele
e com a dificuldade em costurar essa complexa narrativa. Campo passeia pela
história e por questões sociais italianas, ao mesmo tempo que indaga a
psicanálise e a própria literatura neste romance afetuoso, comovente e pontuado
pelo humor característico de Renato e Rossana. Onde você vai encontrar um
outro pai como o meu foi traduzido por Cezar Tridapalli e é publicado
pela editora Âyinè.
Toda correspondência escrita
por Clarice Lispector ao longo de sua vida reunida numa edição que inclui cerca
de meia centena de textos inéditos para o público.
Ponto alto de Todas as cartas,
o conjunto de correspondências inéditas endereçadas aos amigos escritores tem
entre os destinatários João Cabral de Melo Neto, Rubem Braga, Lêdo Ivo, Otto
Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles,
Natércia Freire e Mário de Andrade. As correspondências foram organizadas por
décadas ―
dos anos 1940 a 1970 ― e contam com notas da biógrafa Teresa Montero, que
contextualizam o material no tempo, no espaço e nas inúmeras citações a
personalidades e referências culturais. Com grande material inédito, o volume
resultou de longa pesquisa realizada pela jornalista Larissa Vaz, sob orientação
de biógrafos e da família, para trazer uma visão integral da pessoa e da
escritora. A publicação da correspondência de grandes escritores constitui-se
em importante acontecimento literário, pois o autor mantém a inspiração, o
lirismo e o humor ao escrever cartas, que chegam a ser tão ou mais fascinantes
e criativas quanto seus próprios livros. Clarice viveu quase duas décadas no
exterior e se correspondeu sempre para cultivar o afeto da família e dos amigos
e para tratar da publicação dos seus livros. Apesar de afirmar que “não sabia
escrever cartas”, suas cartas são tão interessantes quanto seus romances,
contos e crônicas. Neste livro foram selecionadas as cartas consideradas
relevantes, que servem ao objetivo de ampliar o entendimento literário ou
biográfico da vida e obra da autora, não sendo incluídas missivas comerciais,
bilhetes e recados sem interesse. A Editora estima que o seu lançamento
provavelmente suscitará novas descobertas e manterá futuras edições abertas à
inclusão de textos que possam surgir a partir da publicação desta obra. O livro
é publicado pela Editora Rocco.
O novo trabalho do escritor
cubano Leonardo Padura é uma celebração dos elementos que fazem de sua voz uma
das mais proeminentes da literatura latino-americana nos últimos anos.
Água por todos os lados
apresenta ao leitor algumas das grandes paixões e inspirações de Padura, como a
literatura, o beisebol, a cultura local e, de forma geral, sua terra natal: “Sou
um escritor cubano que vive e escreve em Cuba porque não posso e não quero ser
outra coisa, porque (e sempre posso dizer que apesar dos mais diversos
pesares) preciso de Cuba para viver e escrever.” Nas páginas dessa obra
singular, o escritor nos apresenta um lado pessoal de seu processo de criação,
revelando locais e tramas em que os personagens ganham vida, seus instrumentos
de trabalho e suas inspirações: “Entre uma obsessão abstrata, quase filosófica,
e o complicado processo de escrever um romance, há um longo período, cheio de
obstáculos e desafios.” Trata-se, então, de um relato brilhante de como
transformar em material narrativo aquilo que no início se mostra apenas uma luz
tênue na mente do autor e de como habilmente tecer isso com o vínculo de
pertencimento mantido em relação a seu país. “Quando me perguntam por que vivo
e escrevo em Cuba, tenho diversas respostas possíveis a oferecer. Prefiro,
porém, a mais simples: porque sou cubano e tenho um alto senso do que esse
pertencimento significa.” A tradução de Monica Stahel sai pela editora
Boitempo.
O anexo que não poderia faltar
às memórias de Caetano Veloso.
Na madrugada do dia 27 de dezembro
de 1968, duas semanas depois de o governo decretar o AI-5, Caetano Veloso e
Gilberto Gil foram retirados dos apartamentos onde moravam, no centro de São
Paulo, e levados em uma caminhonete ao Rio de Janeiro. Conduzidos por policiais
à paisana, eles foram presos sem nenhuma justificativa. Em Narciso em férias,
volume avulso do capítulo homônimo de Verdade tropical, Caetano Veloso
relata o impacto brutal que os 54 dias vividos no cárcere deixariam em sua vida
― não apenas pela dimensão política, mas também pela perspectiva psicológica e
artística. Esta edição inclui uma seção com registros do processo aberto pela
ditadura militar contra o cantor e compositor. Esses documentos ficaram
guardados no Arquivo Nacional e seriam revelados ao artista pela primeira vez
cinquenta anos mais tarde, em 2018. No texto inédito de apresentação, Caetano
Veloso anuncia: “este, que é meu escrito a que atribuo maior valor, entra na
cena atual da vida política brasileira de modo abrasivo”. O livro é publicado
pela Companhia das Letras.
REEDIÇÕES
Nova edição de Uma
aprendizagem ou o livro dos prazeres.
A experiência da protagonista
desta aprendizagem mostra afinidades tanto com as provações da bela Psiquê, do
mito grego, quanto com a mística aventura da alma, ao atravessar a noite escura
no Cântico Espiritual de São João da Cruz. Como um quadro cujas linhas mestras
o recortassem do grande mistério que tudo contém, este livro, que “se pediu uma
liberdade maior”, é a narrativa de uma iniciação e um extraordinário
hino ao amor. Lóri, a mulher, faz uma longa viagem ao mais profundo de si
mesma e chega à consciência total de ser. Diz: eu é; o homem, Ulisses, um
professor de filosofia, que possui fórmulas para explicar o mundo,
transforma-se em algo mais simples, um simples homem. Ambos serão iniciados:
Ulisses fecha os ouvidos para as outras sereias porque só está disponível para
Lóri, cujo verdadeiro nome é Loreley, como a personagem de Heine e de Apollinaire,
uma ondina ou sereia que costumava atrair para os rochedos os barqueiros do
Reno. Na verdade, cada um vai encontrar-se consigo mesmo em face do outro. Por
ser trabalho, ascese, viagem, o amor de Lóri e Ulisses vence a diferença, o
estranhamento, vence até mesmo a morte, ou o medo da morte. E a entrega
finalmente física dos personagens se realiza com força tântrica de êxtase, de
epifania. Para Lóri, “a atmosfera era de milagre”; Ulisses “estava sofrendo de
vida e de amor”. Nada termina, porém, o momento anuncia uma nova aurora: “Ambos
estavam pálidos e ambos se acharam belos.” Clarice, que se insere sabiamente no
possível, fecha com dois pontos a narrativa que começara com uma vírgula. —
Rachel Gutiérrez
OBITUÁRIO
Morreu o poeta E. M. de Melo e
Castro.
E. M. de Melo e Castro nasceu na
Covilhã em 1932. Chegou a frequentar a Faculdade de Medicina, em Lisboa, mas em
1953 partiu para Bradford, Inglaterra, onde anos mais tarde, em 1956, se formou
em Engenharia Têxtil. Enquanto trabalhava como tecnólogo têxtil tinha uma
carreira paralela de criação poética e artística e de reflexão crítica,
publicando livros de poesia e de crítica literária, domínios a que se dedicou
inteiramente a partir de 1996. Com a sua escritora Maria Alberta Menéres
(1930- 2019), com quem foi casado, editou Antologia da novíssima poesia
portuguesa (1959). Foi um dos pioneiros da Poesia Visual concreta. Viveu
entre Portugal e Brasil, onde morava, em definitivo desde o fim dos anos 1990.
Em 1998 obtém o seu doutoramento em Letras, na Universidade de São Paulo,
defendendo a tese Poesia dos países africanos de língua portuguesa:
percursos comparatistas com as poesias portuguesa e brasileira. Da vasta
obra, se destacam títulos como Entre o som e o sul (1960), Ideogramas
(1962), Poligonia do soneto (1963), Resistência das palavras
(1975), Re-Camões (1980), Finitos mais finitos (1996), Quatro
cantos do caos (2009). Em junho de 2017 recebeu a condecoração da Ordem do
Infante Dom Henrique. O poeta morreu em São Paulo no dia 29 de agosto de 2020.
DICAS DE LEITURA
As celebrações para o bicentenário
de Fiódor Dostoiévski não é mais novidade entre os amantes da sua obra. No Brasil,
as primeiras demonstrações para marcar a efeméride vieram da Academia de Letras com a realização de uma mesa redonda sobre a obra do escritor (veja seção seguinte).
Pois bem, a fim de prepararmo-nos para este 2021, quando muito se falará sobre
a literatura de Dostoiévski, fizemos estas três recomendações que são pequenas
janelas para o universo dostoiévskiano; estamos bem servidos dos seus livros
entre nós. A Editora 34 resta publicar apenas a nova tradução do que até agora
é conhecido como Memórias da casa dos mortos, tudo o mais está feito a
partir da língua original. O leitor que chegar aqui logo ainda poderá
aproveitar para adquirir os livros recomendados na 3ª Feira Virtual da Editora
34 que acontece entre os dias 14 e 16 de setembro, no site da casa, e com desconto de 50% em todo seu catálogo. Deixamos à parte os cinco grandes romances, indispensáveis a
qualquer leitor amante da grande literatura.
1. Memórias do subsolo. O
homem do subsolo foi o protótipo ideal para que Freud desenhasse com melhor
clareza as ideias do inconsciente. A personagem e também narrador dessas memórias
passa à limpo seu entorno perscrutando os distintivos da civilização com uma
profunda amargura, que não apenas ressalta sua condição de homem apartado da
coletividade, mas vislumbra uma leitura singular sobre esse entorno. Sua luta é
contra tudo e todos, mas é uma tentativa de chamar os de fora da caverna à
sanidade perdida. Aqui, o leitor entra em contato com um tratamento dos jogos
de consciência que foram fundamentais para a obra do escritor e para uma
revolução da literatura cujas marcas ficaram para todo sempre. Também se
encontra vários dos temas que serão mais bem elaborados nos últimos de seus grandes
romances. A tradução da Editora 34, direta do russo, é de Boris Schnairderman.
2. Bobók. Na sinopse
oferecida pela Editora 34, se descreve que este livro foi sempre o que
melhor despertou reações inflamadas da crítica. Aqui, Dostoiévski já era o
autor consagrado com a publicação de Gente pobre e o autor
incompreendido com romances como O duplo e Os demônios. O texto
foi escrito como a estreia do escritor numa seção do jornal Grajdanin,
onde assumiu as funções de redator-chefe. Este é um conto que é ao mesmo tempo
uma resposta bastante singular aos seus críticos e uma das suas criações que
reúne a maior parte de suas principais aspirações criativas. A edição aqui
recomendada traz um texto de Mikhail Bakhtin, um dos seus mais completos
leitores. A tradução é de Paulo Bezerra, o responsável por trazer a nós a parte
mais importante da obra de Dostoiévski.
3. Niétotchka Niezvânova.
A ideia original do escritor com este romance era
construir um amplo painel sobre a vida de uma personagem da sua infância à maturidade,
espécie, portanto de um romance de formação. Os planos se modificaram.
Dostoiévski foi mandado para a Sibéria e quando de lá retornou, uma década
depois, decidiu não levar adiante o plano original. Ficou, assim, um romance
que se circunscreve um drama ético da adolescência: a ambiguidade de
sentimentos em relação aos pais, o desamparo, as escolhas afetivas que
definirão seu destino e a sublimação dos desejos impossíveis. André Gide
compreendeu que neste trabalho, a literatura deu a conhecer o nascimento
dos sentimentos. A tradução é também de Boris Schnaiderman e traz um posfácio amplia
a experiência de leitura sobre outro dos trabalhos do escritor russo que
favoreceram as descobertas mais adiante da psicanálise.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Falamos acima sobre o trabalho
da Academia Brasileira de Letras em torno do bicentenário de Fiódor Dostoiévski.
Então, a mesa redonda organizada por esta casa está disponível online em
formato de podcast. Reuniu Fátima Bianchi, tradutora de algumas obras do
escritor russo, Jimmy Sudário, Bruno Gomide e apresentação de Marco Lucchesi.
Mais detalhes a partir deste endereço.
BAÚ DE LETRAS
1. No blog, encontrará disponível vários
textos sobre a obra de Dostoiévski. Dentre eles, sobre alguns dos livros recomendados
na seção “Dicas de leitura”; este, de Joaquim Serra, sobre Bobók; e este, de
Pedro Fernandes, sobre Memórias do subsolo. Ainda sobre este último, um texto de Alfredo Monte escrito por ocasião dos 150 anos livro examina-o como o
trabalho decisivo na obra do escritor russo.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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