O aprendiz secreto, de António Ramos Rosa


Por Maria Vaz



Tudo se inicia na contradição de dizer que “não é altura de dizer nada”. Nunca é altura de dizer alguma coisa quando nos possamos orientar pelo perfeccionismo inatingível, que é sempre caminho para melhorar qualquer coisa.

Depois percebemos que, afinal, é altura de dizer alguma coisa. Que é sempre altura de nos assumirmos eternos aprendizes da arte onde as palavras nos encontram, porque supostamente tudo carece de unanimidade, na pluralidade democrática que nos permite, como alude o poeta, mediar enigmas.

É da textura do silencio que nasce a palavra, é nele que brotam os sentidos e, muitas vezes, se constroem ideias ou se arejam os frutos da razão. E constatamos todos, tantas vezes, que o seu exercício, às vezes, também é uma fuga e uma força.

Todavia, de toda a sua fecundidade, e “supremo elemento de defesa”, tudo se constrói através do antagonismo com a palavra. Do contraste. Do atrito da forma com a sua ausência. Percebemos com esta obra de António Ramos Rosa que, afinal, o silêncio pode ser anulação.

Acho este livro especialmente interessante nesta pós-modernidade em que a verdade morreu pela variedade de fake news e das narrativas repetidas à la carte, consoante o auditório e as intenções do interlocutor. Do sujeito que fala. Poderia ser dos que cruzam narrativas opostas e, com isso, quebram o silêncio pela arte do debate, mas António Ramos Rosa diz que o equilíbrio entre ambas as formas, o silêncio e a palavra, está no corpo.

Veja-se este trecho, algures na página 72:

“Tudo se passa como se uma verdade oculta a cada momento ameaçasse a soberania da verdade aparente. (…) A verdade outra que ameaçava a verdade aparente das coisas torna-se, mediante o gesto construtivo, a verdade do ser na liberdade das energias insurrectas. Esta metamorfose equilibra as diversas e contrárias vertentes do ser e integra-as na temporalidade construtiva em que o instante é permanentemente renovado pela atenção criativa e pela fruição estética como instância da plenitude corporal.”

Além do corpo aborda outras temáticas que relaciona com a interioridade e que fazem com que não se afaste da ingenuidade e da solidariedade para com os amigos que cultiva.

Na minha subjetividade, essa particularidade inarredável da fenomenologia do conhecimento do real, fiquei encantada com esta frase retirada das últimas linhas do livro, que admito não ter a leveza dos dias mais superficiais e áridos, mas a profundidade que a abstração encontra em solo fértil pelas palavras que irromperam do silêncio criador deste grande poeta português do século XX:

“o espaço do corpo é a simbiose do sol e do mar”.

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