Boletim Letras 360º #389
DO EDITOR
1. Continuamos na busca do leitor
80 mil. Será que chega até o final deste ano de proporções inusitadas? Falamos sobre
a chamada por novos companheiros que ampliem as fronteiras para o literário na web,
falamos sobre nossa página no Facebook.
2. É nesta página, por exemplo,
que se registram as notícias copiadas abaixo. Além delas, uma variedade
incrível de conteúdos relacionados aos escritores e obras do nosso interesse.
3. Agradecemos a companhia do fiel
leitor e deixamos o pedido de trazer para nós seus mais achegados que admiram
os livros e a literatura. Fique bem. Boas leituras!
Mestre supremo na arte de narrar, Liev Tosltói também é o autor de quatro novelas esplêndidas que ganharam nova tradução direta do russo e nova edição no Brasil. |
LANÇAMENTOS
A editora Antofágica publica
nova tradução de O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald.
Anfitrião das festas mais luxuosas
de Nova York, Jay Gatsby é um jovem milionário que encarna o sonho americano
dos anos 1920; admirado por todos e conhecido por ninguém, pouco se sabe sobre
a origem da fortuna que fez com as próprias mãos. É através dos olhos de Nick
Carraway, seu vizinho e confidente, que nos aproximamos desse misterioso self-made-man,
e enxergamos o rastro de poeira imunda deixado pelo glamour e materialismo
desenfreados. Publicado pela primeira vez em 1925 e desde então adaptado
diversas vezes para o cinema, esse clássico de F. Scott Fitzgerald capta o
espírito de uma época ao mesmo tempo que faz uma crítica contundente e ainda
atual à sociedade estadunidense. A nova edição da Antofágica foi traduzida por
Rogerio W. Galindo e traz ilustrações de Virgílio Dias, além de textos
complementares de Maria Elisa Cevasco, Facundo Guerra e Sergio Rizzo e
apresentação de Rita von Hunty.
Peça que recobra os 70 anos da
bomba sobre Hiroshima, ganha edição.
Em 1939, o presidente
estadunidense Franklin D. Roosevelt e seu conselheiro para assuntos
científicos, Vannevar Bush, debatem os desafios do país perante o andamento da
Segunda Guerra Mundial. O dirigente da nação e seu assessor temem a recente
expansão do adversário alemão Hitler no conflito, e as conquistas da então
União Soviética na corrida nuclear. Enquanto isso, no Japão, a menina Akimitsu,
que vive com seus tios na pacífica Hiroshima, troca cartas afetuosas com seu
irmão Yoshi, jovem aprendiz de sapateiro que continua em Tóquio, apesar dos
constantes bombardeios à região. Narrada por Ota, personificação feminina do
rio que corta a cidade de Hiroshima, esta história reconstitui os episódios que
antecederam o fatídico 6 de agosto de 1945, quando, pela primeira vez na
história, uma bomba atômica foi lançada sobre civis. Ao nos conduzir pelo curso
de suas águas, Ota oferece ao público um testemunho sob novo olhar, um ponto de
vista sobre o episódio ainda não registrado: o da natureza. Eu, Ota, rio de
Hiroshima, escrito em 2015, ano em que se relembrava os 70 anos do
lançamento da bomba, marca a estreia de Jean-Paul Alègre no Brasil e pode ser
considerado um verdadeiro manifesto pacifista. De maneira poética, o texto
incita o leitor à reflexão sobre a proliferação inconsequente de armas e
programas nucleares, que se revela especialmente preocupante num contexto
global de fragilidade dos acordos de paz. Em Posfácio a esta edição, a
escritora, atriz e diretora Rita Carelli, que assina, entre outros trabalhos,
as edições da coleção “Um dia na aldeia” (Cosac Naify, 2013/14; SESI-SP
editora, 2018) e o recentemente premiado pela Associação de Escritores e
Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil, Minha família Enauenê
(FTD), destaca a relevância desta publicação no contexto brasileiro, país
marcado pela exploração predatória dos recursos naturais e das populações de
seus territórios, cujas consequências não param de ressoar até os dias de hoje.
Os acontecimentos políticos recentes, especialmente aqueles relacionados às
políticas ambientais, encontram lugar nas reflexões propostas pelo autor e pela
posfaciadora convidada. A tradução é de Flavia Lago; ilustrações de Andre E.
Stefanini. O livro é publicado pela Temporal Editora.
Importante conjunto de estudos
sobre a obra de João Cabral de Melo Neto ganha edição revista e ampliada.
João Cabral de ponta a ponta,
de Antonio Carlos Secchin é fruto de mais de três décadas de leitura da obra do
poeta pernambucano. Concebido em 1985 e reeditado duas vezes, em 1999 e 2014, o
livro chega à forma definitiva pela editora Cepe. Entre os materiais da nova
edição estão uma importante entrevista de Cabral concedida a Secchin em 1980, a
última palestra do poeta em ambiente acadêmico (na Faculdade de Letras da UFRJ,
em 1993) e valiosas imagens com reprodução de dedicatórias importantes e de
capas raríssimas de obras do autor. O livro conta ainda com todo o material
analítico dos 20 títulos de João Cabral, expostos cronologicamente de acordo
com as datas das publicações. Sem falar nos cinco ensaios sobre temas
transversais da poesia do autor e de suas relações com outros escritores. O
livro está entre as raras e singulares homenagens ao poeta neste ano do seu
centenário.
Importante obra de David Diop,
escritor conhecido por sua contribuição ao movimento literário de Négritude,
ganha edição no Brasil.
Certa manhã da Grande Guerra, o
capitão Armand determinou o ataque contra o inimigo alemão. Os soldados
avançam. Em suas fileiras, Alfa Ndiaye e Mademba Diop, dois escaramuçadores
senegaleses, entre todos aqueles que lutavam sob a bandeira francesa. Poucos
metros depois de ter saltado da trincheira, Mademba cai, ferido de morte, sob
os olhos de Alfa, seu amigo de infância, seu mais que irmão. Alfa se encontra
sozinho na loucura do grande massacre, sua razão foge. Ele, o camponês
africano, distribuirá a morte nesta terra sem nome. Desapegado de tudo,
inclusive de si mesmo, ele espalha sua própria violência, semeia o medo, a
ponto de assustar seus companheiros. Sua evacuação para a retaguarda é o
prelúdio para uma lembrança de seu passado na África, um mundo inteiro perdido
e ressuscitado, cuja convocação é a resistência final e esplêndida à primeira
carnificina da era moderna. A tradução de Irmão de alma é de Raquel Camargo e é publicada pela
Editora Nós.
Trilogia do confinamento, de
Aldri Anunciação.
Com sua pena ágil, inteligência,
intensidade dramática e humor, Aldri Anunciação enfrenta as questões do
racismo, da negritude e da diáspora negra em profundidade, com um texto
extremamente bem costurado e acessível, oferecendo a leitores de idades diferentes,
do jovem ao adulto, inúmeras camadas de entendimento e debate. Vencedor do
Jabuti, o dramaturgo, ator e apresentador seu trabalho que, pelo uso do espaço
segregado como metáfora da opressão e por sua dimensão psicológica, dialoga com
os tempos sombrios do distanciamento social e isolamento compulsório trazidos
pela crise sanitária do Coronavírus, o que termina por nos envolver por
completo em sua luta identitária e antirracista. A trilogia reúne “Namíbia,
Não!”, “Embarque imediato” e “Campo de batalha”. O livro publicado pela Editora
Perspectiva tem ilustrações de Rodrigo Chedid / Bicho Coletivo, prefácio de
Leda Maria Martins e apresentações: Lázaro Ramos, Cleise Mendes, Dione Carlos e
Luiz Marfuz.
Obra reúne as novelas de Liev
Tolstói.
Liev Tolstói não se satisfez
apenas em escrever Guerra e paz e Anna Kariênina, caudalosos e
imortais romances da literatura universal. Com apenas um desses livros seu
lugar já estaria garantido na posteridade. Mas o autor russo também foi um dos
grandes praticantes da novela, esse gênero de ficção breve, a meio caminho
entre o conto e o romance. As quatro novelas aqui reunidas, com tradução e
textos de apresentação de Rubens Figueiredo, são o melhor exemplo dessa arte
rigorosa e fascinante. Estão entre os mais formidáveis capítulos da literatura
de todos os tempos, pois apresentam, com profundidade e inteligência raras, a
vida de seres humanos em sua totalidade. Publicada quando Tolstói tinha 31
anos, Felicidade conjugal se concentra no casamento de uma adolescente
com um amigo da família. Foi, para o escritor, um verdadeiro tour de force: a
história é narrada pela jovem personagem Máchenka, algo que naquela época não
era nada trivial. Suprema meditação sobre a finitude, A morte de Ivan Ilitch
foi escrita quando o autor tinha 58 anos, era pai de treze e filhos e se
encontrava numa profunda crise pessoal. Trata-se da história de um juiz cuja
vida é atravessada sem maiores reflexões, e interrompida pela perspectiva de
uma doença terminal. Sonata a Kreutzer, baseada em uma história real,
foi motivo de controvérsia quando publicada, em 1890, chegando a ser banida de
alguns países. O texto expõe, com riqueza de detalhes e longas descrições, um
adultério e um crime passional. Por fim, Padre Siérgui, cuja publicação
só veio a lume depois da morte do autor, mostra o gosto de Tolstói pelas
narrativas de vidas de santos. O protagonista, um nobre e militar, homem
bem-sucedido também na vida sentimental, abandona tudo para se dedicar à vida
monástica. O livro é publicado pela Editora Todavia.
Novo romance de Giovana
Madalosso.
É uma manhã qualquer quando Maju
atravessa a praça ao lado de Cora. Puxando a garota pelo braço, ela passa
sorrateiramente pelo exército branco, sobe a avenida, pega um ônibus e
desaparece. Exército branco foi o nome que Fernanda, mãe de Cora, deu às babás
que todos os dias lotam a praça daquele bairro de classe alta com as crianças
de seus patrões. Nos últimos tempos, no entanto, a babá e a filha parecem tão
anônimas para Fernanda quanto as outras. Afundada numa crise pessoal, ela
demora a perceber que Maju e Cora sumiram sem dar notícias. Ao longo do dia,
tudo vai desabando. De um lado, Fernanda lida com o fracasso de seu casamento.
Apaixonada por uma diretora com quem trabalhou num projeto cinematográfico, ela
deixa a relação com o marido definhar. Quer distância de Cacá, mas conforme os
primeiros telefonemas aflitos para a babá vão se transformando em desespero, se
vê de novo afundando naquele universo. Enquanto isso, Maju vai até a rodoviária
e desaparece num ônibus com Cora. Em meio a motéis imundos e paradas insólitas,
põe em ação seu plano, que imediatamente sai do controle. Neste romance pé na
estrada, Giovana Madalosso coloca para girar, com força e fluidez, a vida
dessas personagens que parecem eternamente em busca — de ternura, redenção,
sexo, qualquer coisa que possa movê-las de onde estão. O sequestro de Cora
abala as engrenagens do passado e do presente, do desejo e do ressentimento, e
a procura desesperada que se segue é também um doloroso acerto de contas com a
vida e as expectativas que construímos. Suíte Tóquio, publicado pela
editora Todavia, é um romance vertiginoso e tragicômico que fala daquele lugar
tênue entre o que as pessoas querem ser e o que de fato são.
Nova edição de um clássico da
obra de Nathaniel Hawthorne.
Numa cidadezinha dos Estados
Unidos está situada a velha casa da família Pyncheon, com sete torres pontudas
e, entre elas, uma chaminé. A mansão decrépita, porém, não foi construída sobre
bons alicerces: sob aquele chão, jaz a sepultura de uma alma inquieta, que
amaldiçoa e atormenta a vida dos moradores geração após geração. A casa parece
viva ao carregar o peso de assassinatos, injustiças e bruxarias. Entretanto,
quando Phoebe Pyncheon chega do interior para viver com os atuais
proprietários, traz consigo novos ares — e as culpas, então, podem ser
expiadas. Nathaniel Hawthorne narra em A casa das sete torres um intenso
drama familiar envolto em maldade, vingança e perdão ao inspirar-se em seus
próprios antepassados, que fizeram parte de uma Salem corrompida por orgulho e
ganância no período da caça às bruxas, no século XVII. Adaptada para o cinema e
a TV, a obra de Hawthorne é considerada um marco da literatura norte-americana,
tendo exercido forte influência sobre o trabalho de H.P. Lovecraft. Este
clássico da literatura gótica foi traduzido por David Jardim Júnior e é um
prato cheio para amantes de obras como O fantasma da ópera, de Gaston
Leroux, e A volta do parafuso, de Henry James. O livro é publicado pela
Nova Fronteira.
Novo livro de João Anzanello
Carrascoza.
Com estes contos-utensílios,
Carrascoza inicia uma nova aventura pelas veredas do conto, depois de se
consagrar como autor de narrativas breves de dimensão canônica (que reluzem na
escrita solitária ou acompanhadas por fotografias), histórias curtas, mini-contos
e até relatos de uma linha só. Agora, oferece ao leitor contos nos quais as
palavras compostas, para além da hifenização, atuam como forças motrizes das
tramas e desafiam as divisas do gênero. O engenho metafísico de alguns enredos
se soma à conhecida ficção comovente do autor — lá estão os pais, os filhos, os
avós, os amores perdidos, os seres humanos, enfim, arremessados com seus sonhos
na sólida realidade —, sublinhando um novo traço estilístico em sua obra. Utensílios-para-a-dor
nos mostra, assim, o quanto o conto, aberto a experimentações, é fecundo e
fascinante quando encontra, como nas páginas desta obra, alta voltagem
literária. Livro-surpreendente de um dos mais-líricos
escritores-brasileiros-contemporâneos. O livro é publicado pela Faria e Silva Editora.
Um retrato vivo do autor de 1984.
Orwell: um homem do nosso tempo
torna evidente o caráter premonitório dos livros do autor, traçando paralelos
entre sua obra e os tempos atuais Para um autor cujo trabalho foi considerado o
mais importante durante os anos turbulentos de meados do século XX e que rompeu
as fronteiras entre literatura, jornalismo e comentário político, houve
relativamente poucas tentativas de apresentar George Orwell, o homem por trás
dos escritos. Desde o início dos anos 1930, Orwell foi astuto em
identificar aspectos nossos que resistiriam ao tempo e ressurgiriam muitas
décadas depois: o antissemitismo, a tolerância do mundo livre aos regimes
autoritários, o duplipensar como o motor do discurso político e até mesmo o
Brexit. Por meio dessa lente contemporânea, Bradford constrói um retrato vívido
do autor e o coloca, juntamente com sua obra, no centro de algumas das
principais questões atuais, procurando responder a uma pergunta fundamental: se
Orwell pudesse se juntar a nós, o que ele pensaria dos anos em que vivemos? O
livro é publicado pela editora Tordesilhas. A tradução é de Renato Marques de Oliveira.
Romance de uma das maiores
escritoras negras do século XX ganha tradução e edição no Brasil.
Clare está “passando-se”: leva a
vida de uma branca, embora seja, na dicotomia racial norte-americana, uma
negra. Com a pele clara, linda e ambiciosa, casou-se por interesse com um rico
homem branco, racista, que não sabe da origem afro-americana da esposa. Sua
amiga de infância, Irene, também negra de pele clara, escolheu permanecer na
sociedade negra e é casada com um médico, também negro, que sonha em
mudar-se para o Brasil (que, ele acredita, seria uma democracia social). Irene
sente ao mesmo tempo repulsa e fascínio por Clare, por sua beleza e ousadia de
“passar-se” por branca. Quando, por intermédio de Irene, Clare se aproxima da
festiva elite intelectual do Harlem e quer resgatar sua identidade negra, a
tensão, racial e sexual, entre elas vai crescendo até o fatídico final. Um
romance avançado e contestador, hoje reconhecido como marco do “colorismo
negro”, por uma das maiores escritoras negras do século 20. Passando-se,
de Nella Larsen é traduzido por Julio Silveira e editado pela Imã Editorial.
OBITUÁRIO
Morreu a companheira de Gabriel
García Márquez, Mercedes Barcha.
A notícia foi divulgada neste
sábado, 15 de agosto de 2020, pelo jornal El Universal de Cartagena.
Descendente de emigrantes egípcios, nasceu e viveu boa parte de sua vida em
Magangué, onde seu pai, Demetrio Barcha, tinha uma farmácia. García Márquez a
conheceu ainda quando criança quando viajava com o pai de povoado em povoado
oferecendo medicamentos. Ele própria conta que desde sempre esteve apaixonado
por ela e que lhe propôs casamento quando tinha apenas 13 anos. Gabo e Mercedes
se casaram em 1958, depois de um longo noivado. Os dois viveram juntos até à
morte do escritor, ocorrida a 17 de abril de 2014. Mercedes Barcha, conhecida
como “La Gaba”, tinha 87 anos e vivia na Cidade do México.
DICAS DE LEITURA
Recentemente sublinhamos nesta seção
alguns títulos de poesia brasileira em destaque no primeiro semestre de 2020;
agora, resolvemos destacar alguns romances aparecidos neste mesmo tempo e de
leitura recomendada. Caso você já tenha lido, deixa abaixo seu comentário
sobre, ou mesmo com a indicação de outros livros do gênero que não foram
citados nesta lista.
1. O que ela sussurra. Este
é, indubitavelmente, um dos melhores romances da nossa literatura entre os publicados
neste ano improvável. Noemi Jaffe aposta todo um empenho para invenção
permitida pelo tratamento criativo da prosa para imaginar a vida de uma
personagem dessas que ocupam um lugar à parte na cena literária: Nadejda
Mandelstam. Ela foi casada com o poeta de mesmo sobrenome, Óssip. O poeta,
sabe-se, morreu prisioneiro num gulag na Sibéria; mas, é dela a missão de
guardar os poemas deixados pelo companheiro. E, para que não caia na mesma
desgraça e permita a eternização da obra dele, Nadejda converte-se em espécie
de biblioteca viva, gravando a memória seus poemas. É evidente que trabalhos como
estes da escritora brasileira se constituem pela imensa dedicação à pesquisa
histórica. Acontece que, ante figuras cujas notícias quase não existem ou rareiam, é o tratamento fabular o grande mérito do trabalho. Aí está. O romance foi
publicado pela Companhia das Letras.
2. Maria Altamira. Este é
um dos trabalhos mais compromissados de Maria José Silveira. A escritora bebe numa
fonte em curso na atual literatura e oferece-nos uma narrativa bem conseguida,
sem deslizar para o fatal precipício de certo panfletismo responsável por muita
obra de gosto duvidoso nas produções vigentes. O que se narra neste livro
editado pela Instante é trajetória de mãe e filha, duas testemunhas da miséria,
injustiça e devastação do meio ambiente. O cenário desta trama é, em parte o de
sua origem peruana, o das obras que assinalam os tempos modernos de
fúria para o domínio da natureza sempre feitos de crimes inomináveis, no caso a
construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no norte do Brasil; é ainda a vida
urbana na periferia da maior metrópole da América Latina, este outro
gigante que nunca conseguimos dominar. Este romance parece dizer muito de
nossas próprias dores e dos horrores da danação que habitar um país em tudo
feito de espanto de monstruosidades.
3. Diário da catástrofe.
Ricardo Lísias, o autor deste romance publicado pela Editora Record, nada deixa
a dever aos mestres de uma linhagem da literatura brasileira que principia por Tomás
Antônio Gonzaga e inclui criadores interessados em transformar a história imediata
em megafone para denunciar seu absurdo, além de compreender, quais caminhos nos
arrastarão os loucos dessa nau. Quer dizer, é parte nossa, o retorno, de tempos
em tempos, ao desvario da insensatez ou a tomada do poder pelo simplista medíocre,
interessado apenas em ampliar seu império de sandices, não sem roubar muito do
nosso patrimônio em benefício de manutenção de seu próprio poder. Neste romance,
o escritor revista os desdobramentos de um desses retornos à áurea ilusão da
salvação da pátria e põe a nu, como só a ficção é capaz de fazer, os
desmantelamentos que agora assistimos passivamente cegados pelo brilho das
telas, entre memes e fraca indignação. Todo leitor, principalmente o que se
vincula ao sectarismo vergonhoso das ideologias, deve visitar essa matriz de
criação da nossa literatura; só assim será capaz de compreender que as coisas
neste seu país nunca se explicam apenas pelas reduções gratuitas que lhe são
oferecidas.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. No site feito para marcar o centenário de Ray Bradbury, celebrado neste 22 de agosto de 2020, citado noutra edição deste boletim um grupo de leitores leem sua obra mais conhecida. Você pode acompanhar aqui a leitura de Fahrenheit 451 por Neil Gaiman, Marlon Jones, Carla Hayden, Charles Bolden Jr. Susan Orlean, William Shatner, Ann Druyan e Marjorie Liu.
BAÚ DE LETRAS
1. “Mercedes gastava metade do
orçamento doméstico em pirâmides de resmas de papel que não duravam uma
semana.” Nossos leitores lembraram o indispensável papel de Mercedes Barcha no
trabalho de Gabriel García Márquez que resultou em Cem anos de solidão.
Recorde o depoimento do próprio escritor — de onde pinçamos a frase que abre este tópico.
2. É neste sábado que celebramos o
primeiro centenário de Ray Bradbury. Iniciamos esta semana aqui no blog uma
série de leituras sobre a obra do escritor estadunidense. A ideia é até o final
do ano apresentarmos comentários sobre os livros mais recentes publicados ou reeditados
no Brasil. Começamos com o seu mais conhecido — Fahrenheit 451. O texto
está disponível aqui. Na sequência deve sair notas sobre Prazer em queimar
e Zen na arte da escrita.
3. 4. Além de Fahrenheit 451,
outros livros de Ray Bradbury foram comentados neste blog: A cidade inteira
dorme — aqui; e As crônicas marcianas — aqui.
4. A edição 387 do Boletim Letras
360º sublinhou o centenário de Ray Bradbury com a publicação de um conjunto de
dicas de leitura para entrar no universo criativo deste escritor. Vale recordar
esta ocasião aqui. Nesta mesma ocasião, falamos sobre a atividade de poeta de
Bradbury recomendando um texto seu neste gênero publicado na web
brasileira.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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