Boletim Letras 360º #386
DO EDITOR
1. Amigo
leitor, em nossa página no Facebook, até agora nosso lugar no espaço virtual,
depois deste blog, de maior trânsito, iniciamos uma campanha em busca do leitor
80 mil.
2. Ora, este
é um dos desafios quase impossíveis de se alcançar pensando na queda de usuários
desta rede e na situação das segmentações algorítmicas e o comércio desbragado.
Mas, não é pago para se sonhar.
3. Por isso,
deixo dois convites a você que agora se prepara para ler este boletim: se tem
presença naquele espaço e tem interesse pelo universo literário mas ainda não acompanha
a gente por lá, faça-nos uma visita, curta e siga nossa página. Basta ir aqui.
4. Abaixo registra-se
as notícias que passaram, ou não, pelo mural de nossa página no Facebook. Além
delas, as demais seções com novos conteúdos, sempre com o interesse de
enriquecer e ampliar sua experiência cultural e literária. Fique bem. Boas
leituras!
José Luís Peixoto. Livro de poesia do escritor português ganha edição no Brasil. |
LANÇAMENTOS
Pela
primeira vez em 40 anos, os leitores brasileiros poderão ter em mãos uma edição
de poemas inéditos de Maria Lúcia Alvim.
Batendo
pasto é o sexto livro de poemas de Maria Lúcia Alvim (Araxá, MG, 1932) após 40
anos sem publicar inéditos. A chegada deste livro em 2020 se mostra como um
verdadeiro acontecimento, pois é fruto de um trabalho conjunto que envolve
descobertas, recuperação crítica e encontros fortuitos. Guilherme Gontijo
Flores e Ricardo Domeneck foram os responsáveis por esse périplo em busca das
publicações e informações sobre a poeta e, dentre algumas curiosidades,
descobriram que ela compõe a tríade dos Alvins, uma vez que é irmã de outros
dois grandes poetas: Francisco Alvim e Maria Ângela Alvim. Mas a grande
surpresa seria mesmo esta: Maria Lúcia Alvim confiara ao poeta Paulo Henriques
Britto, há algumas décadas, o manuscrito de Batendo pasto, de 1982, com a
instrução de que fosse publicado apenas após a sua morte. Para nossa alegria, e
através de um esforço de convencimento e reconhecimento em vida, temos este
livro finalmente entre nós. Maria Lúcia Alvim vive hoje em Juiz de
Fora e completará seus 88 anos no dia 4 de outubro de 2020.
Um clássico
da literatura haitiana volta meio-século depois às mãos dos leitores
brasileiros pela Carambaia.
Senhores
do orvalho, de Jacques Roumain (1907-1944), uma das obras fundadoras da
literatura haitiana, é uma história de valorização da cultura negra do Haiti,
de sua língua, sua paisagem, sua tradição e religião, o vodu. Mas é também uma
história de amor e de luta, de discussão sobre tradição e modernidade, opressão
e solidariedade. O romance, traduzido em dezenas de línguas, tem como
protagonista Manuel, que volta para seu povoado no Haiti depois de quinze anos
vivendo em Cuba como cortador de cana. Ao retornar, a paisagem que encontra em
Fonds Rouge não é a mesma: após décadas de desmatamento, a terra está seca, as
fontes de água desapareceram, e a população padece da miséria e da fome. Além
disso, uma briga entre famílias locais criou uma rivalidade incontornável, e os
moradores, que sempre trabalharam a terra coletivamente, com a tradicional
coumbite, estavam desunidos. É nesse contexto que Manuel surge como uma espécie
de herói, para, entre a experiência adquirida com os trabalhadores cubanos e um
mergulho nas tradições ancestrais, tentar unir sua gente e encontrar uma solução
para a miséria. Exemplar máximo do movimento artístico Indigenista, do qual
Jacques Roumain foi um dos fundadores, o livro, que adota o francês crioulizado
como linguagem, é emblemático ao ir além do programa estético indigenista.
Roumain, nesta que é a sua obra-prima, usa a literatura não apenas para exaltar
paisagem e cultura haitianas, valorizando suas raízes africanas, mas agrega a
isso uma análise dessas práticas ancestrais e suas contradições. Na figura de
Manuel, o romance discute a necessidade da adesão de sociedades como a haitiana
a uma forma de organização política e social que lute pela liberação contra a
exploração colonial e capitalista. O livro, que só tinha tido uma edição no
Brasil em 1954, em uma coleção coordenada pelo escritor Jorge Amado, ganhou
nova tradução, por Monica Stahel, e vem acompanhado de um posfácio escrito por
Eurídice Figueiredo, professora da Universidade Federal Fluminense e
especialista em literatura haitiana. Com projeto gráfico da Casa 36, dos
designers Camila Lisbôa e Fernando Iervolino, o livro é encadernado em capa
dura, tem impressão em serigrafia e será publicado com diferentes capas, nas
quais a ilustração, uma mancha vermelha sobre o papel kraft, varia. A edição
impressa tem tiragem limitada a 1.000 exemplares, todos numerados a mão, e será
lançada simultaneamente em versão eletrônica.
Boa
literatura para ler e ajudar.
A hoje
editora Vacatussa foi criada em maio de 2019 do desmembramento de uma série de
atividades começadas por um grupo de discussão formado por ex-alunos da oficina
literária do escritor Raimundo Carrero, em Recife. Seu projeto mais recente é
publicação da Coleção Solidária: uma ação social em parceria com os autores que
dela participam a fim de arrecadar dinheiro com as vendas dos livros para
assistir pessoas em situação de rua, na tentativa de amenizar as consequências
da pandemia de Covid-19, na distribuição de quentinhas, roupas e utensílios de
higiene pessoal. O trabalho mais recente é o do escritor Cristhiano Aguiar que
disponibilizou seu novo livro de contos, Trilogia da febre; os três textos
que dão forma ao livro foram escritos entre 2018 e 2020. Embora sejam situadas
em períodos históricos distintos, as narrativas dialogam com a profunda crise
dos tempos atuais, servindo como uma alegoria das incertezas e desafios que
vivemos hoje. O livro está à venda na Amazon, em formato digital.
Livro
inédito de J. G. Ballard ganha edição no Brasil.
Em
consequência de uma gravíssima crise de energia que atingiu o mundo no final do
século XX, os Estados Unidos da América foram abandonados. Agora, cem anos mais
tarde, um pequeno grupo de exploradores europeus retorna ao continente. Mas a
América está irreconhecível: a União Soviética, no final da década de 1980,
decidiu represar o Estreito de Bering, engatilhando mudanças climáticas
profundas que transformaram a paisagem de forma radical: a maior parte do país
tornou-se um imenso deserto, inclusive Nova Iorque, cujos arranha-céus estão
cobertos por montanhas de areia dourada, local povoado por grupos isolados de
nativos que vivem entre resquícios bizarros de uma cultura desintegrada. Los
Angeles tornou-se uma floresta tropical, no meio da qual grupos de
macacos-aranha imitam aspectos fragmentados da vida urbana. A expedição sai de
Manhattan com o objetivo de cruzar o país e passa por Holiday-Inns e parques de
diversão abandonados, encontrando até mesmo sobreviventes de uma expedição
anterior. Um deles é conhecido como “Presidente Charles Manson”, mas nenhum dos
tripulantes da expedição consegue entender a referência histórica. Manson é o
principal membro de uma nova e inquietante forma de poder que se instalou no
coração de Las Vegas. Hello America ganha tradução de Luisa Geisler
pela Rádio Londres.
Livro do
escritor argentino Tom Maver ganha edição no Brasil.
Sara
Luna, de Tom Maver, é muito mais do que um livro de poesia. É uma
história. É uma pessoa, uma mulher, uma senhora de idade, uma avó. É também um
caminho que o sujeito lírico busca encontrar porque precisa saber de suas
raízes, por quais veredas sua ancestralidade andou e de onde vieram aqueles que
lhes puseram no mundo. Em tudo, há um ponto de partida, sabemos que nem sempre
de chegada, mas aqui, em Sara Luna, ou em Sara Luna, há um fim, ou
um fim possível. A voz que nos conta as histórias, por meio dos poemas que Tom
Maver escreveu, nos faz ficar de cócoras, ao lado do fogo sob o céu estrelado,
ouvindo histórias de alguém antigo, que fala uma língua que já não se escuta,
já não se conhece. Com tradução de Fernando Miranda o livro é publicado pela
Editora Moinhos.
O
mundo é redondo é um segundo dos brinquedos de Gertrude Stein publicado
pela Iluminuras.
Flávio de
Souza escreve para a orelha do livro que “Gertrude já era adulta quando
escreveu este livro sobre uma menina chamada Rosa que gostava mesmo era de azul
como se fosse criança: foi colocando palavras uma depois da outra como se
estivesse fazendo bolinhos de areia na praia, fazendo um colar de conchinhas.
Ela brincou de escrever uma história para crianças como uma criança brinca: sem
querer saber se tinha um jeito certo de fazer um livro. Repetindo as palavras e
frases quantas vezes a Rosa quis. Contando como se estivesse cantando e
inventando a melodia e a letra na hora. Dá para ver que ela se divertiu e acho
que você também pode se divertir divertir divertir com esta história para
crianças de todas as idades.” Antes desse, a editora Iluminuras havia
publicado Para fazer um livro de alfabetos e aniversários; a
tradução de O mundo redondo é também de Dirce Waltrick do Amarante
e Luci Collin. As ilustrações são de Sérgio Medeiros.
Visões sobre
Carmen, de Prosper Mérimée.
Desde a
estreia da ópera Carmen, em 1875, a imagem convencional de sua
protagonista é a de uma cigana sedutora, libertária, perigosa e autodestrutiva.
Desafiando esse imaginário, Susan McClary apresenta sua pesquisa sobre a ópera
de Bizet, seus personagens, sua dramaturgia e sua música, para então discutir
questões de classe, gênero e raça. Com base em um repertório que abrange libretos,
partituras, artigos de jornal, cartas e filmes, entre outras fontes, a autora
aborda a gênese da ópera e as divergências entre Bizet e os libretistas;
discute as visões oitocentistas sobre a mulher e os ciganos; explora as
influências musicais do compositor, da música de cabaré aos aportes
wagnerianos; analisa diretamente a partitura e seus grandes blocos musicais; e
percorre a recepção da ópera ao longo do tempo. O volume traz, ainda, a análise
de Peter Robinson sobre a novela Carmen de Prosper Mérimée,
publicada em 1845, na qual Bizet se baseou. O livro de Susantrad Mcclary, Carmen de Georges Bizet tem
tradução de Alberto Cunha e é publicado pela Edusp.
Joseph Roth
numa sedutora e espirituosa incursão pelo romance noir.
Em um dos
restaurantes parisienses preferidos pelos exilados da Revolução Russa de 1917,
Golubtchik, um cliente de hábitos soturnos, brinda os últimos frequentadores da
noite com uma história mirabolante de desdém, espionagem, traição, amor,
despeito e, claro, assassinato. Roth faz uma sedutora e espirituosa incursão no
romance noir sem abdicar de elementos tão característicos de sua prosa: o
espaço literário no Leste Europeu, os tipos irremediavelmente desajustados, a
riqueza de detalhes narrativos e a vulnerabilidade de suas personagens perante
a história, a estrutura social e a ameaça do mal. A tradução de Confissão
de um assassino narrada em uma noite é de Marcus Tulius Franco Morais e o
livro é publicado pela Editora Mundaréu.
Novo livro
de poesia de José Luís Peixoto publicado no Brasil.
Aqui José
Luís Peixoto nos fala das quatro paredes de uma casa — e de todas as suas
recordações. Evoca a solidão, o isolamento, as portas fechadas, mas também a
solidariedade das recordações: a mãe, o pai, os aromas, a família, a aldeia, o
amor. Há espaço para a recordação da infância como para a peregrinação pelo
mundo inteiro, como um Ulisses em viagem perpétua, rodeado de objetos próximos
e voltado para dentro, para o lugar onde se regressa sempre: a casa. Regresso à casa é publicado pela editora Dublinense.
O novo livro do poeta Fernando Moreira Salles.
Sobre este
livro, diz Samuel Titan Jr.: “Velas, marés, horizontes, sargaços,
sextantes e sereias — essas imagens estão conosco desde que a poesia é poesia.
Épicas na origem, elas ressurgem neste Diário de Porto Pim em outro registro
— lírico, rememorativo e reflexivo, mais que narrativo. Não por amor à citação,
mas porque os poemas de Fernando Moreira Salles são habitados pela dúvida sobre
o sentido e a mera possibilidade da ação. Se as águas não tardam a apagar as
pegadas na areia, se os sonhos se devoram (e “a noite / faz o resto”), se
amar é ferir e se viver é profanar-se “na vertigem / de cada dia”, então esta
deverá ser, em primeiro lugar, uma poesia da perda. Perda constatada sem dó,
mas com uma sobriedade que, quando já não parecia haver lugar para mais nada,
abre espaço para, “no tempo / que resta”, na justa medida do humano e do
imanente, ainda sonhar com um lugar, Pasárgada ou Porto Pim, “onde sou / amigo
de mim”, onde “um dia / quem sabe / meu destino / morre sem mim”. Nessa
clareira exígua, essa poesia do desencanto corre o risco feliz de se converter
no seu contrário, numa poesia do reencontro consigo, com o mundo e, quem diria,
com a ação. Tudo passa – e por isso mesmo é preciso dar um passo a mais. The
song is in the step.” O novo livro do poeta Fernando Moreira Salles é
publicado pela Iluminuras.
Nova edição
de Fedra.
Eis uma
tragédia cujo tema foi retirado de Eurípides. Mesmo tendo trilhado um caminho
distinto do que o autor seguiu para reger a ação, procurei enriquecer minha
peça com o que me parecia mais fascinante na sua. A ele devo as nuances do
caráter de Fedra, posso dizer que dele utilizei o que há de mais plausível no
teatro. Não me surpreende que tal caráter tenha granjeado venturoso sucesso na
época de Eurípides, que seja tão bem acolhido em nosso século, pois possui
todas as qualidades que Aristóteles exige ao herói da tragédia, características
que estimulam à compaixão e o terror. Com efeito, Fedra não é totalmente
culpada, nem inocente. Fora induzida, pelo seu destino e a cólera dos deuses, a
uma paixão ilegítima que a aterroriza desde o princípio. Ela usa toda sua
diligência para suplantar isso. Opta pela morte a confessar sua paixão por
alguém. Ao ser compelida a se revelar, se expressa com embaraço, revelando que
o seu delito é mais um castigo dos deuses do que um movimento da sua vontade.
Tive a cautela de transformá-la menos execrável do que é nas tragédias antigas,
quando decide acusar Hipólito. A tradução brasileira é de Jorge Henrique
Bastos. Publicada pelo selo Demônio Negro, a tragédia traz texto iluminador de
Roland Barthes.
REEDIÇÃO
A poesia de
Sylvia Plath.
Uma das
imagens mais frequentes da mítica contemporânea é a do artista morto no auge de
sua carreira e criatividade. A morte assumindo aí o emblema da perfeição, do
pacto sereno, experiência-limite. Esse culto do gênio trágico e suicida, do
mártir precoce, forma uma galeria bem conhecida na história da literatura do
século XX, expressa nas figuras de Cesare Pavese, Ernest Hemingway, Virginia
Woolf, Maiakóvski, Anne Sexton, Hart Crane, Mishima. Ao valorizar os aspectos
da personalidade desses escritores, muitas vezes a crítica eclipsou o valor de
suas intervenções estéticas. No caso de Sylvia Plath, depois de seu suicídio em
Londres, em fevereiro de 1963, as circunstâncias que precederam sua morte foram
exploradas e espetacularizadas ao máximo pela mídia e pela academia. O “cânon”
plathiano fabricado desde então resultou incapaz de desvendar o interior de seu
processo criativo. A publicação de seu romance autobiográfico The Bell
Jar — um best-seller nos Estados Unidos com 80 mil exemplares vendidos em
um ano — contribuiu ainda mais para consolidá-la como um mito literário, quase
nos fazendo esquecer que Sylvia Plath é uma poeta. Essa mitificação foi
responsável pelas leituras estreitas e pela recepção equivocada que seu livro
póstumo, Ariel, recebeu da crítica da época — o que se observa, por
exemplo, no livro The art of Sylvia Plath, editado por Charles
Newman, em 1970. O destaque é dado ao “problema” de Plath, e não a seus poemas.
O boom de estudos críticos seguido de meia dúzia de biografias em menos de três
décadas, apenas aprofundou a distância entre a autora e seus leitores. Até
recentemente, as críticas a respeito de Plath não buscavam entender com mais
profundidade as características de seu discurso poético, de seu “artifício”. A
crítica norte-americana Marjorie Perloff, numa perspectiva atual, faz uma
leitura mais interessante de Sylvia Plath e de sua obra. Ela diz que, embora
com uma produção interrompida precocemente — e com uma poesia de imagens e
ritmos que considera limitados e até clássicos —, Plath conseguiu o principal e
mais difícil para qualquer poeta surgido no período imediatamente após Eliot,
Stevens, Frost e Auden: como inovar dentro do convencional e transcender o
“cânon” pesadíssimo. O dilema de Plath foi o de qualquer poeta: como conseguir,
por meio da prática textual, uma voz inconfundível e inovadora, posicionamento
teórico que julgamos mais pertinente. (Rodrigo Garcia Lopes) Poemas tem tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça. O livro é publicado
pela editora Iluminuras.
Romance que
não tem nada de romanesco, de Samuel Beckett, ganha reedição.
A
impossibilidade de determinação é talvez o que melhor caracteriza a (anti)obra Como é de Samuel Beckett. Romance que não tem nada de romanesco — a
não a referência ao anti-herói picaresco —, drama apocalíptico irrepresentável
em mais de um sentido e fim enfático de qualquer possibilidade de “Eu” lírico,
trata-se, enfim, de uma obra “como (ela) é”: o mínimo possível, aridez
narrativa e anímica, que de tanta “falta” pode ser também quase tudo. A desconstrução da
narração segue uma estratégia de mise en abyme: o tempo pontual do presente da
narrativa torna-se mais concentrado na medida em que é sugerido que tudo não
passa de uma “citação”. O leitor tem
como material escritural uma sequência de blocos sem pontuação e separados por
espaços brancos. A leitura se dá via ritmo da prosa (porosa). O texto tem algo
de corpóreo, performático. A tentação de ler de modo randômico é grande e não
deve ser contida, pois no texto, a rigor, não há tempo, assim como praticamente
não há deslocamento espacial. Podemos
dizer que a escritura de Como é reatualiza Babel e sua confusão e
nos lança no pós-simbólico abjeto pelas portas dos fundos. Não só (o inferno
de) Dante e Kafka são referências aqui, a Bíblia também ecoa em Como
é: este texto é uma espécie de “Eclesiastes” pós religião, assim como o
seu universo fechado constitui um paradoxal e aporético gnosticismo ateu.(Márcio Seligmann-Silva). Como
é é traduzido por Ana Helena Souza e publicado pela Editora Iluminuras.
A Editora
Alfaguara reimprimiu As benevolentes, de Jonathan Littell.
Um ex-oficial
nazista se reinventa anos após a guerra. Um intelectual versado em literatura e
filosofia esconde um passado sombrio e monstruoso. As benevolentes coloca um
espelho frente à humanidade, e o leitor não consegue se desviar de seu reflexo.
Neste épico histórico, Eichmann, Himmler, Heydrich — até o próprio Hitler —
desempenham papel fundamental. Considerado pela crítica o “novo Guerra e
Paz”, As benevolentes tornou-se fenômeno de vendas e já é
visto como um clássico da literatura contemporânea. Para se ter ideia da
repercussão da obra na França, Jonathan Littell chegou a ser comparado a
Tolstói pelo jornal Le Monde. Profundo e arrebatador, As
Benevolentes trata dos horrores da Segunda Guerra Mundial sob a ótica do
carrasco. São as memórias de Maximilien Aue, jovem alemão de origem francesa
que, como oficial nazista, participa de momentos sombrios da recente história
mundial: da execução dos judeus, as batalhas no front de Stalingrado, a
organização dos campos de concentração, até a derrocada final da Alemanha. Aue,
no entanto, não tem somente lembranças de guerra. Vivendo anonimamente na
França, onde administra uma tecelagem, ele se recorda também de sua deturpada
relação com a família. Seu relato compõe um livro impressionante, assombrado
tanto por sua fria meticulosidade quanto por seu delírio insano. Através dos
olhos de Aue, o leitor é levado a vislumbrar o mal de uma forma jamais
imaginada. O livro recebeu o Prêmio da Academia Francesa e o Prêmio Goncourt
2006. A tradução brasileira é de André Telles. Há muito esgotado, o livro volta
às livrarias.
Walter
Benjamin pela mão de seu mais fino conhecedor.
Pierre
Missac não apenas conheceu ― por intermédio de Georges Bataille ― Walter
Benjamin na Paris dos fatídicos anos finais da década de trinta, mas também,
assim como outros dois eminentes amigos de Benjamin, Gershom Scholem e Theodor
Adorno, dedicou-se no pós-guerra à tarefa urgente de publicar as obras daquele
genial filósofo, crítico e ensaísta. Além de auxiliar da publicação das suas
Obras completas ele também redigiu ensaios sobre o seu amigo e um único livro ―
publicação póstuma que faz parte do seleto círculo das melhores obras que já
foram dedicadas ao pensamento de Benjamin. Esta obra tem como uma das suas
grandes qualidades o equilíbrio delicado entre o rigor filológico e a tendência
para o ensaio guiado pela livre-associação. Reconhece-se tradicionalmente em
Missac a capacidade de levar os seus leitores ao cerne das principais questões
que a obra de Benjamin encerra. Como não poderia deixar de ser, a filosofia da
história, a saber, a tentativa benjaminiana de descrever uma nova forma da
temporalidade que seria mais adequada ao mundo da Modernidade, constitui o
leitmotiv do presente ensaio. Ele é desdobrado com maestria em outros subtemas.
Missac faz com que o leitor descubra essa filosofia da história em todo o
corpus benjaminiano; assim, a própria escrita de Benjamin expressaria a
tentativa de fundar uma nova temporalidade vinculada ao ato de expressão, na
qual o presente, ou seja, o efêmero agora, tem um peso que poucos autores
tinham lhe atribuído até então. Essa escrita que incorpora o agora como seu
princípio estruturador é uma escrita que se apresenta na forma do aforismo, de
fragmentos, de ruínas. Mais ainda: Benjamin, como Missac demonstra, através do
gestus da sua escrita do desastre, deixa para trás toda uma tradição da
filosofia e da historiografia fundada no registro da mímesis e da
representação. Em vez da crença na divisão estanque entre o passado (que
deveria ser documentado) e um presente puro, marcado pela atividade de um
indivíduo totalmente presente a si mesmo, Benjamin explode tanto a noção de
linearidade temporal como também o modo de escrita tradicional que estava
ligado umbilicalmente a esse modelo. Missac foi o primeiro a notar com
profundidade a enorme dívida dessa escrita de Benjamin para com o cinema. Ele
afirma de modo ao mesmo notar tempo ousado e correto: o cinema é a realização
concreta da dialética. Essa arte é a arte por excelência da fragmentação, do
corte, da interrupção, da reviravolta ― em uma palavra: da catástrofe. Pierre
Missac tem credenciais mais do que suficientes para não se “limitar” a ser um
dos maiores e mais seguros comentadores de Benjamin. Não contente com esse
fato, ele parte, sobretudo nos dois últimos capítulos, para um desdobramento e
para uma “adaptação aos tempos pós-modernos” de algumas ideias seminais de
Benjamin, sobretudo com relação à arquitetura. O leitor descobre, entre muitos
outros insights memoráveis, por que o átrio deve ser visto como o herdeiro das
passagens do século XIX. O autor descreve ainda o flaneur pós-moderno entre os
lobbies dos aeroportos e os átrios dos hotéis e museus do mundo ― espaços estes
que ambiguamente exploram a dialética entre o interior e o exterior ―,
discutindo com autoridade as concepções de teóricos da arquitetura mais
recentes, que ele confronta com a teoria benjaminiana da “boa barbárie”.
(Márcio Seligmann-Silva) Passagem de Walter Benjamin é traduzido
por Lílian Escorel e reeditado pela Editora Iluminuras.
DICAS DE
LEITURA
Algumas pesquisas
que têm sido apresentadas nas últimas semanas reanimam o pobre perfil do leitor
brasileiro. Não faltam trabalhos dessa natureza a reparar o óbvio num país em
que se preocupa mais em encontrar o dado que buscar alternativas contra o mal
ou mesmo valorizar os projetos que apostam em tornar esses dados menos
vergonhosos. O Letras, por exemplo, não é apenas um espaço para se falar
sobre literatura e temas de seu entorno, mas um lugar interessado em modificar
para melhor a formação leitora. Todos aqui estão em processo ─ mais adiantados ou não ─ e buscam contribuir à
sua maneira para sairmos do óbvio, do lugar-comum e buscar os livros que nos
desafiem enquanto leitor e cidadãos do /para o mundo. Se as pesquisas
demonstram um descaso do leitor brasileiro para com a prosa de ficção, o que então
dizer da poesia, que sim, tem seus leitores seletos, mas sempre almeja sair um
tanto da redoma a que foi destinada. Por isso, mesmo sem sublinhar qualquer efeméride,
mas motivados pelas excelentes publicações deste gênero no corrente ano,
citamos nessas dicas quatro livros de poesia dos publicados no primeiro semestre
de 2020 que você deve buscar a leitura. Obviamente que as notícias sobre lançamentos
são também uma oportunidade de o leitor encontrar dicas de leitura como as que se
seguem.
1. O
morse desse corpo. Este blog acompanha a trajetória do poeta Ricardo
Domeneck desde sua descoberta na coleção Ás de Colete publicada pela Cosac
Naify e Editora 7Letras. Do autor, comentamos e recomendamos neste espaço sobre
dois de seus trabalhos recentes, Doze cartas e Odes a Maximin;
este último resenhado por aqui. E é pelo reconhecimento do trabalho sério e
empenhado do poeta com a palavra, que voltamos a citá-lo numa lista de recomendações.
Este livro é editado pela Editora 7Letras. Na breve descrição oferecida, se diz
que os poemas aqui reunidos se valem da palavra, do som e do ritmo para
transmitir um SOS poético para o mundo. Este é, certamente, um dos livros que
deverá figurar na lista das melhores publicações do gênero neste inusitado ano
que corre.
2. No
reino da Dinamarca. Se o livro de Ricardo Domeneck não fugirá das listas de
melhores de poesia publicada em 2020, seria uma injustiça não encontrar entre os projetos editoriais de destaque o esforço
pioneiro da Editora Moinhos em trazer ao Brasil um dos nomes mais
significativos da poesia portuguesa na segunda metade do século XX: Alexandre O’Neill.
O leitor assíduo destes boletins ou que acompanha diariamente as publicações na
página do blog no Facebook sabe da notícia dessa chegada com este livro e com Tempos
de fantasmas. Com o livro aqui recomendado, o poeta não apenas conseguiu
uma guinada na sua carreira iniciada muito próxima do núcleo surrealista
português como demonstrar o alto valor criativo de sua poesia. E é, assim, um
dos títulos mais importantes da sua carreira.
3. Não
pararei de gritar. É possível que só depois da visibilidade alcançada pelo
simples fato de Carlos Assumpção entrar para uma grande casa editorial que
muitos leitores descubram a existência do poeta. Não é apenas o episódio de
estar na Companhia das Letras que se confunde nesse reconhecimento, mas toda
uma necessária política de enfrentamento aos silenciamentos impostos pelas
vozes dominantes que só agora alcança alguma expressão num país que sempre
lidou de maneira hipócrita com algumas das questões mais caras à sua formação. A
antologia, organizada pelo também poeta Alberto Pucheu, reacende a voz de revolta
que tão bem se ajusta à poesia. No caso de Carlos de Assumpção, seus versos “reescrevem
a diáspora africana e denunciam um Brasil que traz na origem as marcas da injustiça,
da desigualdade e da discriminação racial.”
4. A mulher
submersa. A editora Urutau é senhora de um rico catálogo para boas
descobertas sobre as múltiplas sonoridades das vozes poéticas que formam a
literatura de língua portuguesa na contemporaneidade. Este é outro livro que,
juntamente com o primeiro dessa pequena lista de recomendações deve figurar entre
os melhores desse ano. Mar Becker reanima, em nossa literatura as feições fêmeas
da poesia. “Por intermédio de rastros e vestígios se compõe esta obra feita de muitas
mulheres, ora diáfanas, ora de carne mais suscetível e real em suas grossas
varizes.” O destacado é da escritora Micheliny Verunschk quem apresenta o
livro.
VÍDEOS,
VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. É sabido
pela apuração de Daniel Dago para o jornal Plural que a obra de Lúcio Cardoso há
anos editada pela Civilização Brasileira passará a ser publicada pela Companhia
das Letras que adquiriu os direitos de livros como A crônica da casa
assassinada, dos diários completos e uma coletânea de contos. Recordamos o
escritor neste videodocumentário dirigido e roteirizado por Eliane Terra e
Karla Holanda faz um percurso pela vida e literatura do escritor mineiro com
depoimentos de Rachel de Queiroz, Lêdo Ivo, Antonio Carlos Villaça, Maria Alice
Barroso, Paulo César Saraceni, Luiz Carlos Lacerda, Maria Helena Cardoso e
Nelson Dantas.
2. Falando
sobre poesia, desde o início do longo período de reclusão social que atravessamos
desde março, Pedro Fernandes iniciou a leitura de poemas que ficam registrados numa conta na Sound Cloud. É projeto sem grandes pretensões, sem seguir um roteiro
pré-determinado, mas sempre interessado em materializar sonoramente alguns poemas
de poetas variados. Nesses quatro meses foram disponibilizadas três faixas com
leituras de textos dos poetas Vinicius de Moraes, Maria Azenha e Tiago D.
Oliveira.
3. Unindo os
dois primeiros pontos, recordamos que a face poética de Lúcio Cardoso foi
lembrada numa das edições da revista 7faces. Foi a de número 7,
referente ao primeiro semestre de 2013. O material está disponível gratuitamente online.
BAÚ DE LETRAS
1. Noticiamos
sobre a chegada de um novo título da obra de Joseph Roth ao Brasil. Pois,
aproveitamos para convidá-los a saber um pouco mais desse escritor pelas letras
de Antonio Muñoz Molina neste texto traduzido para o blog. O autor ressalta a
estreita relação entre a vida em fuga assumida por Roth desde quando a Europa
virou pelo avesso com o estopim da Primeira Guerra Mundial e a composição de uma
obra objetiva e centrada na efemeridade do jornal.
2. E para
justapor aniversários e poesia, nesta semana passaram-se os dias de nascimento
de Mário Quintana (30 de julho de 1906) e Emily Brontë (30 de julho de 1818).
Desta poeta, relembramos o texto com comentário acerca da antologia O vento da
noite, então traduzida, por quem, por Lúcio Cardoso e reeditada em 2016 pela Civilização Brasileira. Do poeta
passarinho, recordamos este perfil publicado pela extinta revista Entrelivros
copiado aqui em 2008.
.........................
* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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