Erich Maria Remarque, um escritor superado por sua primeira obra de sucesso




Não existem muitas obras cujos títulos tenham transcendido o nome do autor a tal ponto que, na medida em que o título se tornaria quase em lugar-comum, o nome do autor se apagava. Este é o caso de Nada de novo no front, o título do romance de maior sucesso de Erich Maria Remarque, escritor nascido em 22 de junho de 1898, em Osnabrück, na Alemanha; Remarque morreu aos 72 anos de idade em uma casa de frente ao lago Maggiore, na Suíça.

O título (que em algumas traduções perdeu seu tom lacônico) se tornaria uma frase feita, um artefato irônico, útil para se referir à vida em geral e para ser usado entre colegas de trabalho durante um troca de turnos. Mas as imagens difundidas com seus muitos exemplares (10 milhões por volta de 1970), em 48 idiomas, também são uma herança pública.

Certamente, se alguém imaginar a Primeira Guerra Mundial como uma luta sórdida de trincheiras, na qual milhares de soldados se arrastavam entre a lama e o sangue, e se alguém identificar essa guerra com restos humanos pendurados no arame farpado e homens morrendo entre convulsões atrozes por gases venenosos, isto é, em grande parte, graças ao romance Im Westen nichts Neues.

Os partidos militares invariavelmente terminavam com essas palavras quando Remarque, nascido Paul Kramer Remark, estava precisamente na linha frente, onde se morria baleado, perfurado por estilhaços ou por uma baioneta, envenenado ou de horror, sem avançar nenhum metro por semanas. A terrível expressão nada de novo ocultava essa luta lenta, exasperante, que, além de mortos e mutilados, produzia loucos.

O romance de Remarque apareceu pela primeira vez em folhetim no jornal Vossische Zeitung em 1928. Era um alívio pessoal. E desde então se tornou um grande sucesso. Tornou-se o romance antibelicista por excelência. Remarque chegou a figurar nas listas para o Prêmio Nobel, que nunca ganhou. E depois do livro, continuou escrevendo. O caminho de volta e Três camaradas completam sua trilogia sobre a Primeira Guerra. Mas, outra estava se formando muito lentamente.

Remarque não era um alemão bem-visto em sua terra natal, onde crescia o calor do belicismo de Adolf Hitler. Alguns tentavam de desprestigiá-lo dizendo que as coisas não haviam acontecido como ele havia narrado. Impossível, contestaram alguns veteranos; aquilo só poderia ser contado por alguém que estivesse entre eles. Não tardou a perseguição. Em 1938, o próprio ditador Hitler emitiu um decreto que privava Remarque, que vivia na Suíça e na França, de sua nacionalidade alemã. Seus livros foram os primeiros jogados na fogueira que ardeu naquele ano em Berlim, juntamente com obras de outros autores considerados antialemães.

O homem, compositor de música religiosa que a guerra transformou em escritor, já era um autor próspero. Em 1940, se mudou para os Estados Unidos e, sete anos depois, tornou-se cidadão estadunidense. Em Hollywood colaborou como roteirista em vários filmes.

Foram atribuídos a ele amores com Greta Garbo e Marlenne Dietrich e se encantavam com sua imagem: ele é um homem alto, magro, de olhos azuis, voz suave e um estilo da velha Alemanha, assim o descreve em 1958 o jornalista Pierre Joffroy. Naquele ano, ele se casara com Paulette Goddard, a garota de Tempos modernos, ex-mulher de Chaplin. No estilo das atuais revistas de ricos e famosos, mas em uma versão mais modesta, a matéria de Joffroy foi publicada acompanhada por fotos onde o casal aparece nos jardins e na sala de estar da residência do escritor em Porto Ronco, na Suíça. Remarque tinha então 60 anos. Ela parecia ter pouco mais de 30 anos.

“Um dia estava triste. Tinha 30 anos. Comprei um vaso antigo que não estava quebrado e me parecia bonito. No mercado, também comprei um buquê de lilases e, no caminho para casa, coloquei no meu vaso. Olhei e depois de meia hora o tédio me deixou. Estávamos os três com as nossas idades: o vaso de 2.500 anos, os lilases que iam morrer dois dias depois e eu. Os lilases não reclamavam. Nem eu.” O jornalista diz que esta pequena história foi contada uma vez por Remarque. Muito para um escritor que foi considerado cronista, autor testemunhal.

Quisera saber qual é a culpa deles, diz com fúria e piedade o fazendeiro Detering no front quando vê os cavalos morrerem. É a mais horrenda infâmia que os animais precisem vir para guerra. Quanto de Ernest Hemingway e neorrealismo estava na sua literatura?

Remarque escreveu ainda muitos outros romances O obelisco negro, Arco do Triunfo, levado ao cinema com Ingrid Bergman e Charles Boyer, O céu não tem favoritos, Centelha de vida, são alguns deles , mas sempre foi o autor de Nada de novo no front, e assim foi chamado quando a sua morte foi anunciada em 1970. Seu livro havia sido guerra propriamente, sem adjetivos. Ainda é angustiante lê-lo hoje, depois de tantas imagens de massacres, tantas cenas do Holocausto (estas tão bem pintadas em Centelha de vida), do Vietnã ou de Sarajevo e tantos outros conflitos. Como lição, é evidente, não serviu. Talvez isso confirme que se trata de literatura em estado de pureza.

* Este texto é a tradução livre de “Un escritor superado por su primera e exitosa obra”, publicado no jornal Clarín

Comentários

Deus Carmo disse…
Verdade. Remarque, para muita gente é autor de livro só e seu título virou adjetivo para dizer que tudo está do mesmo jeito, sem nenhuma mudança. A banalização da vida e morte.
Anônimo disse…
O título não combina com o texto... Gostei desse artigo.
Luís Fagner disse…
Concordo com Deus Carmo e discordo do anônimo - ao que parece não leu direito o texto. O ponto central do argumento é como Remarque foi reduzido a autor de seu livro maior sucesso. E o que o texto procura expor é exatamente as razões disso no mesmo ponto que questiona essa redução.
Anônimo disse…
Eu terminei de ler o livro, gostei muito, embora seja um livro com muita tristeza .
Pelas as amizades e coragens dos personagens recomendo a leitura desse livro para qualquer cidadão de bom gosto.

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