Boletim Letras 360º #382
DO EDITOR
1. Caros
leitores, abaixo estão as notícias divulgadas durante a semana na página no
Facebook (ou não) e a atualização das demais seções deste Boletim com as
recomendações de leitura, assuntos de arredores do campo de interesse do blog e
a sugestão de visita a algumas das publicações apresentadas aqui. Obrigado a
todos pela companhia ― sigamos juntos. Boas leituras!
Antonin Artaud, 1947. Foto: Denise Colomb. A Editora Moinhos inicia uma coleção que apresenta a obra do multiartista francês. |
LANÇAMENTOS
Novo
romance de Bernardo Kucinski conta a história de uma mulher que depois de
adulta descobriu ter sido roubada da mãe verdadeira.
Julia:
nos campos conflagrados do Senhor, o sétimo título de ficção do autor, é
uma aventura que se passa em um período obscuro da sociedade brasileira: a
ditadura civil militar. Dentre as personagens, o destaque é o de Júlia, uma
bióloga pesquisadora que, por um acaso, acaba mergulhando no passado de sua
família, que era até então desconhecido pela jovem. Após o falecimento de seus
pais, ela entra em conflito com seus irmãos, Beto e Jair, para não vender o
luxuoso apartamento da família, pois, para Júlia, as memórias ali presentes
eram valiosas demais para serem deixadas ao esquecimento. Durante reformas no
apartamento, descobre um estojo metálico no qual encontra-se um passado muito
caro a sua família e à sociedade brasileira, e é nesse momento que Kucinski,
com maestria, nos envolve em sua narrativa sobre as atrocidades do regime
militar instaurado no Brasil. O livro é publicado pela Alameda Casa Editorial.
Um dos
últimos textos de Virginia Woolf ganha tradução e edição no Brasil.
Um esboço
do passado é um dos últimos textos de Virginia Woolf. Com quase sessenta
anos, a autora tinha a intenção de escrever uma autobiografia e as lembranças
contidas na obra são um ensaio nesta direção. Em uma linguagem híbrida e
poética, mesclando a escrita autobiográfica com a prática diarística,
acompanhamos um movimento de rememoração. Woolf reflete sobre seu passado sob a
perspectiva do momento em que escreve. Entram em foco assuntos familiares,
acontecimentos marcantes e uma discussão acerca da própria linguagem de sua
escrita. Um esboço do passado foi traduzido por Ana Carolina Mesquita,
especialista na obra da autora, sendo a primeira obra de Virginia Woolf
publicada pela Editora Nós.
Histórias
que tomam como base o drama ambiental.
Em Nós
somos o clima, Jonathan Safran Foer nos conta histórias aparentemente
desconectadas. Todas, porém, têm um ponto em comum com a atual crise ambiental:
elas nos mostram que a diferença entre saber o que está acontecendo e agir a
tempo de evitar o pior sempre está em nossas mãos. Além de apresentar números,
estatísticas e projeções sobre a mudança climática através de um jogo de
perspectivas, o autor nos oferece diferentes maneiras de encarar as informações
das quais muitos de nós já dispomos sobre a crise planetária que nos afeta de
forma desigual e continua a se agravar. Sobretudo, Foer nos desafia a assumir
que ela é resultado direto da vida humana na Terra ― e cada vida significa um
conjunto de hábitos que precisam ser transformados. Hábitos são difíceis de
mudar, quanto mais aqueles construídos ao longo de gerações a fio; hábitos são
apoiados em edifícios culturais que transcendem as inclinações e emoções. Sem
perder de vista essa condição tão humana, Foer nos oferece mais do que
informações, projeções e anedotas com as quais nos identificamos. Com este
livro, ele coloca em nossas mãos uma proposta simples e prática para
enfrentarmos juntos a ameaça à nossa própria vida e, quem sabe, dar uma chance
às gerações futuras. Alternando estatísticas e prognósticos sobre a mudança
climática com anedotas retiradas da história da humanidade e de sua vida,
Jonathan Safran Foer nos oferece tanto um panorama quanto uma lente de aumento
para nos ajudar a enxergar e sentir de diferentes maneiras a transformação que
nossa casa, a Terra, está sofrendo. Se a crise planetária foi causada pela ação
humana ―
ou por nossa incapacidade de agir –, o autor oferece propostas práticas a fim
de lutarmos juntos por uma solução. A tradução de Maira Mendes é publicada pela
Editora Rocco.
A editora
Moinhos, que passa a publicar a obra de Antonin Artaud no Brasil, anuncia os
dois primeiros títulos.
1. Os
Tarahumaras. Em 1936 o escritor francês visitou o México com a intenção de
conhecer o povo tarahumara ― cujo nome significa os de pés velozes,
em referência à sua lendária capacidade de correr longas distâncias. Os textos
reunidos neste livro relatam as experiências dessa mítica e deslumbrante viagem
e formulam algumas das suas ideias que começam a tomar forma em sua obra mais
tardia.
2. Textos
Surrealistas. Do período em que o escritor francês, ainda jovem, colaborou
com os surrealistas franceses. Publicados em revistas e panfletos, de 1924 a
1928, estes textos constituem um trabalho de desconstrução de um espírito
europeu criticado por ser excessivamente racional, redutor em sua concepção da
realidade, mas também uma busca às vezes desesperada por um outro modo de
expressão do espírito, uma busca por suas profundezas inacessíveis. As duas
traduções são de Olivier Dravet Xavier.
A poesia
da portuguesa Rute Castro pela primeira vez no Brasil em O som cardíaco com
que me vive o silêncio.
Há séculos
perguntam-se aos poetas: para que serve a poesia? Muitos já responderam essa
questão em entrevistas e não atribuem à poesia noções de utilidade. Outros,
nunca a responderam, atendo-se ao seu ofício: escrever seus poemas sem se
preocuparem que “dizer” ou comunicar é um incidente ocasional do poema. Um
poeta não diz propriamente coisas; atribui uma luz nova no que a língua não ilumina.
A palavra no poema é uma iluminura. Mas a poesia também não é um lugar da
memória. É um corpo vivo que inventa a sua própria memória, agarra-se a um
próprio tempo, contado nos versos. O tempo no poema é a sua própria duração. De
certa maneira, não faz sentido falar “sobre” poesia. Não se responde uma
pergunta dessas para entender o porquê de alguém ser poeta, ou se só alguns
poderiam sê-lo. Rute Castro sabe que a poesia é “mais fiel aos sonhos, no
sentido da possibilidade da desordem, mas que essa aparente desordem é, afinal
de contas, outra linguagem feita do que se não mostra.” Para ela, não é o
“entendimento” o que nos torna mais próximos, talvez seja a poesia a
“respiração do que nos aproxima, quando derrubamos a aparente ordem das coisas
para criarmos formas íntimas de dar uma cor mais fiel ao nosso sangue,
desequilibrando as urgências da vida e percebermos a nós mesmos dentro dos
olhos do Outro”. O silêncio torna-se assim numa voz forte; células juntando um
novo corpo, traduzido no som que cresce na terra de cada poema. O livro é
publicado pelo Selo Demônio Negro.
Novo
livro de Daniel Francoy, O velho que não sente frio e outras histórias,
é publicado pela Jabuticaba Edições.
Daniel
Francoy foi reconhecido com o livro de poemas Identidade, com o qual
recebeu o Prêmio Jabuti na categoria poesia em 2017. Neste O velho que não
sente frio e outras histórias, que abre uma nova coleção da Jabuticaba
Edições a Ribeirão Preto do escritor, cervejas baratas, roupas de segunda mão e
livros jogados no lixo são matéria que impregna a existência. Em meio a essas
vidas invisíveis, o corpo de uma moradora de rua é incendiado. O gesto brutal e
anônimo repercute silenciosamente em diferentes trajetórias. Será o
acontecimento um sonho? O que será realidade ou ficção nesta cidade tão
concreta quanto evanescente? O próprio leitor será convidado a decidir. Tudo
isso sob a lente a um só tempo irônica e lírica de um autor que produz uma
prosa tão potente quanto inclassificável.
Vontade de
ferro, de Nikolai Leskov, é o segundo título da nova coleção com textos em
prosa editada pela Jabuticaba Edições.
De um lado,
um alemão de vontade férrea; de outro, russos crentes em sua capacidade de
invenção diante das situações mais adversas. Nesta novela de Nikolai Leskov,
que retoma a antiga querela entre russos e alemães, somos interpelados por um
estilo de escrita fluido e por uma ação intensa com toques de grotesco.
Contemporâneo de Turguêniev, Tolstói e Dostoiévski, Leskov estava entre os
preferidos de Anton Tchékhov, justamente pela sua capacidade de fazer um
retrato vivo da vida popular. No entanto, sua fama de artesão da palavra só se
espalhou pelo Ocidente muito depois, por meio do famoso ensaio “O Narrador”, de
Walter Benjamin. Agora, a narrativa de Leskov tem a oportunidade de circular
entre nós em traduções diretas do russo, de modo que o leitor brasileiro poderá
captar melhor um pouco do sabor da ancestral “arte de narrar” de que fala
Benjamin. A tradução da novela é de Francisco de Araújo.
Antologia
reúne alguns dos mais importantes contos de Maupassant.
A Guerra
Franco-Prussiana (1870-1871) deixou marcas profundas na história dos franceses.
Derrotada, a França teve seu território invadido e as humilhações impostas
pelos soldados prussianos ecoariam por muito tempo na cultura francesa. Não por
acaso, diversos dos contos que compõem esta coletânea trazem o episódio como
tema ou como pano de fundo: Guy de Maupassant fora voluntário na batalha, e contos
como “Srta. Fifi”, “Dois amigos” e o célebre “Bola de Sebo” acertariam
contas com o traumático conflito. Um dos grandes mestres do conto, Maupassant
também flertava com o grotesco e com o lado obscuro da mente humana, facetas
que se encontram em textos como “O Horla”, “História de um cão”, “A morta”, “A
mãe de monstros” e “Miss Harriet”, que completam esta coletânea. A tradução é
de Fabio Yasoshima e o livro é publicado pela Editora da Unesp.
REEDIÇÕES
Reedição
do segundo romance de Marcelo Rubens Paiva.
Ao voltar de
uma viagem, três jovens descobrem que são os únicos sobreviventes de uma
estranha catástrofe que atingiu São Paulo. A cidade está deserta: as pessoas
ficaram imóveis, como se tivessem sido congeladas no tempo. Os carros ocupam as
avenidas, os alimentos apodrecem nos supermercados, os telefones estão mudos. O
alcance do acidente é global, e o estranhamento inicial dá lugar à solidão.
Depois, aos desentendimentos, que podem levar à violência. Em Blecaute,
segundo romance de Marcelo Rubens Paiva, ele nos leva a um mundo estranho, numa
narrativa impactante, irresistível, sobre o fim dos tempos.
DICAS DE
LEITURA
1. A
leitora incomum, de Virginia Woolf. Desde quando a obra da escritora ganhou
o estatuto de domínio público, as publicações no Brasil ganharam outra projeção
―
muito embora as editoras continuem apostando sempre nos títulos mais comuns.
Uma parte desconhecida do trabalho da autora de Bloomsbury é a composta pelos
ensaios. A coleção mais completa de textos do gênero já editada no Brasil é
hoje objeto de raridade. E enquanto falta-nos um trabalho de fôlego e
interessado em nos mostrar a totalidade desta parte obra de Virginia tal qual é
conhecida em língua inglesa, publica-se aos farrapos esses textos com os traços
dos mais variados, às vezes, dando forma a livros que nunca fizeram parte do
imaginário da escritora. Um exemplo aparece neste livro agora recomendado. Nele
se reúne cinco ensaios escritos entre 1919 e 1929 e publicados em suplementos e
revistas literárias; o material foi recolhido do livro Granite and Rainbow
organizado por Leonard Woolf e publicado em 1958. Os textos mostram que além de
ser uma ficcionista, Woolf era uma leitora muito atenta, com perspicaz senso
crítico. A compreensão que ela tem do leitor, da leitura e do ofício de
escrever estabelecem o traço em comum da coletânea cujo título é uma
apropriação de outra antologia homônima de ensaios que a própria Virginia
organizou e publicou. Publicado pela editora Arte & Letra, com tradução de
Emanuela Siqueira, o livro faz parte de uma coleção artesanal chamada Coleção
Alfaiate; são costurados a mão e com capa em serigrafia sobre tecido montados
um a um. É também uma pequena joia.
2. Terra
e paz, de Yehuda Amichai. Autor de vasta obra que inclui prosa e poesia,
desta última sempre lido como um dos mais importantes nomes da literatura do
entre-séculos XX-XXI. Este livro organizado por Moacir Amâncio, quem também
trabalhou na tradução dos textos, reúne uma significativa amostra sobre uma das
mais ricas e diversificadas produções poéticas de seu tempo. “Nela, a cultura e
tradição judaicas ganham uma leitura renovada, e dividem espaço com os temas de
intimidade amorosa, da vida em Israel, da guerra e da paz.” ―
sublinha a apresentação da obra divulgada pela casa editorial responsável pela
publicação da antologia, a Bazar do Tempo. E acrescenta: “Yehuda Amichai não
deixa esquecer que escreveu num dos umbigos do planeta, partilhando conosco o
seu propósito de refazer o mundo a partir de sua casa e lançando mão de acento
próprio na busca do universal. Nele, convivem o diálogo com passado bíblico, as
vivências cotidianas e amorosas, a erudição transmitida de forma coloquial, a
mistura entre o humano e o divino, essa síntese de humanidade contemporânea que
ele busca em cada poema.”
3. Patriotismo,
de Yukio Mishima. Neste ano improvável passa-se meio século da morte do
escritor japonês, uma ocasião que tem sido subaproveitada pelas editoras. Extensa
parte da sua obra já traduzida e publicada por aqui perece pela falta de novos
leitores; em meio a isso tudo, o ponto de lucidez veio da Autêntica. A casa
edita pela primeira vez este curto texto, um dos últimos do escritor e que ele
próprio elegeu como a melhor obra de toda sua vasta produção literária. A
narrativa está no lado mundano da existência, mesclando beleza, intensidade e
paixão e relata acontecimentos que se desenrolam durante três dias; com
passagens de cunho autobiográfico, o escritor faz a descrição vívida de um
ritual de haraquiri. O leitor encontra o livro acompanhado de outro material, “Quem
são Mishimas?”, um perfil biográfico do autor escrito pelo especialista Victor
Kinjo e enriquecido com uma seleção de fotografias.
VÍDEOS,
VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Nesta
semana o nome de Grazia Deledda voltou ao blog, com a resenha sobre A cidade
do vento, livro publicado pela primeira vez no Brasil em 2019 pela Editora
Moinhos. E, na nossa galeria de vídeos no Facebook acrescentamos esse pequeno vídeo que mostra Grazia Deledda e seu companheiro, Palmiro Madesani. Os dois
estão em Estocolmo para a cerimônia de recepção do Prêmio Nobel realizada em
dezembro de 1927. O prêmio do ano anterior levado pela escritora italiana foi
entregue nesta ocasião.
2. No dia 4
de julho de 2020 passou-se quinze anos sobre a morte de Sophia de Mello Breyner
Andresen. Há uma variedade de textos sobre sua obra aqui no blog e outra
variedade de publicações nas nossas páginas em redes sociais. O leitor curioso
pode sempre buscar. No final de 2014, a revista 7faces publicou um
número dedicado exclusivamente à poeta e sua obra. O material está disponível gratuitamente online.
3. Dois
temas muito recorrentes nesses dias ― Machado de Assis, racismo ―
estão na base da leitura que Cristhiano Aguiar, professor e autor de Na
outra margem, o leviatã, comentado aqui no Letras, faz de uma
crônica escrita pelo Bruxo do Cosme Velho acerca dos complexos jogos entre
senhor e escravo na sociedade brasileira em vias da abolição. O texto está
publicado aqui na revista Pessoa, que celebra neste dia uma década de existência.
BAÚ DE
LETRAS
1. Por falar
sobre o retorno de Grazia Deledda ao blog na seção anterior, vale lembrar a
primeira vez que seu nome aparece por aqui. Foi nesta publicação de 2008 que
estabelece a possibilidade de um perfil sobre a escritora italiana.
2. Ontem, 3
de julho, foi aniversário de Franz Kafka. O escritor nasceu em 1883. Há vários
textos sobre ele e sua obra aqui no Letras. Registramos um dos mais recentes: a
tradução deste breve ensaio que manifesta as estreitas relações do judaísmo com
a literatura do tcheco.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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