Fim de semana em Cabo Frio
Por Paula
Luersen
José Pancetti. Cabo Frio. 1947. (Detalhe) |
Ocupei-me da tarefa: escrever a
partir do título de uma crônica de Paulo Mendes Campos, o meu próprio texto.
Este que lhes apresento. Porém, amigos, já advirto: nunca estive em Cabo Frio.
O que não impede, por certo, que eu me atreva aqui a uma crônica de memória.
Uma crônica-suspiro, à moda de Gilda Marinho, a moça que Luís Fernando
Veríssimo narrava sentar-se, ainda criança, na porta de casa em Pelotas, confessando
ao mundo: “Que saudades de Paris!”. Ela nunca havia estado no Arco do Triunfo,
na Champs-Elysées, ou mesmo na Torre Eiffel. Ainda assim, por lá já passeava
sua alma pueril, que suspirava sôfrega, do outro lado do mundo, a falta que
fazia ao espírito a sua Paris inventada.
Pois Paris, sem se conhecer,
conhece-se. Mas e o que dizer de Cabo Frio? Segundo Paulo Mendes Campos, que o
lugar ofertava os finais de semana mais alegres, de uma forma tão
excessivamente perfeita que chegava ao ponto da felicidade virar vazio. Em Cabo
Frio, o escritor era vagarosamente conduzido a uma comiseração sem fim. A minha
Cabo Frio fica no interior do Rio Grande do Sul. E o meu fim de semana em Cabo
Frio é a tia sentada na varanda com o chimarrão na mão e os olhos perdidos, a
voarem até o último campo de soja da paisagem rural. Eu lhe pergunto:
― Terminou o
chima?
Ela suspira.
Os olhos ainda suspensos em sei lá que horizonte de ideias. E então ela comenta
que nunca havia atingido tão plena felicidade como naqueles tempos. Tudo ia
realmente muito bem: tinha a casa que queria no lugar que escolhera morar; terminara
de saldar todas as prestações que lhe custaram o caminho até ali; sentia-se em
harmonia com aqueles que queria bem e os filhos estavam, finalmente, encaminhados.
Sorri. Era uma
mulher de curtas pretensões. Era como se me confessasse ter chegado ao ápice de
tudo aquilo que para ela já esteve reservado. Foi quando me entregou a cuia e desabafou:
― É tanta
felicidade, sabe, que começa a dar medo.
Pois sim. Minha
tia havia sido criada com o firme propósito de responder às exigências da
época. A exigência de todas as épocas, afinal Paulo Mendes Campos fazia uma
crônica para reclamar de Cabo Frio, justamente ao se ver preso na vã felicidade
dos destinos previsíveis. Destinos ditados e exigidos. Mas e depois das
exigências cumpridas, perguntava-se a minha tia, qual a direção a se tomar? De
que se ocupar quando está saciado o desejo comum, esse desejo de todos? O que
mais se tenta, o que mais se quer, depois de ser feliz?
A tia fitava
longe, mansamente desenganada. Quem sabe perguntasse à linha reta do horizonte para
onde seguir agora. Ou esperasse, secretamente, que a linha borrasse os
contornos, revelando outros campos e mostrasse um tanto mais longe, um pouco
mais fundo, um pouco mais rumo. Um pouco mais. Enquanto isso eu a observava com
aquela fé cravada na ideia de haver um limite.
Teria de
haver um limite. Até para a felicidade. É por isso que eu tranco o suspiro quando
chego a ter saudade dos finais de semana na minha Cabo Frio.
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