Boletim Letras 360º #376



DO EDITOR

1. Falei na edição passada deste Boletim sobre uma série de mensagens de ódio atiradas contra o escritor Sérgio Sant’Anna numa publicação no Instagram do Letras. Depois de receber várias respostas – às denúncias dos mantenedores e seguidores do blog nesta rede social – de que os ataques dos fascistas não feriam os princípios políticos do Instagram, fui informado que os comentários foram removidos.

2. As cobranças foram reiteradas fora do Instagram, através deste Boletim e através da minha conta no Twitter e nesta mesma rede do Letras. Não me chegou nenhum tipo de mensagem por parte do Instagram informando sobre a retirada dos comentários. De toda maneira, a não existência deles é alguma maneira de reparação.

3. Isso, no entanto, não fará com que repense a redução da presença do Letras no Instagram. No domingo, 17, foi noticiado por lá que não mais será publicada a chamada para as publicações que dão forma a este blog durante a semana. E assim continuará. A rede será utilizada apenas para postagens sobre livros recomendados pelo blog, como sempre foi feito. E só. Durante um bom tempo.

4. Desde o início do ano, devido a selvagem política de segmentação de conteúdo praticada pelo Facebook ficou decidido transformar um boletim que era publicado entre sábado e domingo (com baixa resposta pelos leitores) com resumo das atividades desenvolvidas durante a semana no Letras numa sequência de históricos publicados no Instagram.

5. Enquanto isso, o Twitter @Letrasinverso continuará respondendo pela cobertura sobre as publicações diárias ou a retomada constante de outros textos aqui publicados blog e, esporadicamente, em nossos lugares no Facebook na página e no grupo.

6. Quero, em nome do Letras, agradecer aos leitores que se preocupam conosco, que nos ajudam em quaisquer frentes comentando, criticando, apontando, com as denúncias a criminosos, com as partilhas, enfim, demonstrando afetos de variada forma. Isso não tem preço. Muito obrigado pela companhia!

Clarice Lispector. A obra da escritora continua a ser reeditada.


LANÇAMENTOS

A editora Kalinka amplia a coleção Contos russos modernos (1900-1930).

De traços autobiográficos, A cidade Ene traz uma narrativa do ponto de vista de uma criança do começo do século XX. Desvelam-se reminiscências de uma Rússia pré-revolucionária, e sua burguesia decadente e provinciana. Leonid Dobýtchin (1894-1936), genial modernista russo, criou uma obra com detalhes que se imprimem no texto como manchas de uma pintura pontilhista, “criando um panorama complexo e harmônico”, como escreve Richard Borden. Este é o terceiro volume da coleção Contos russos modernos (1900-1930): os dois primeiros foram Encontros com Liz e outras histórias, de Leonid Dobýtchin e Os sonhos teus vão acabar contigo, de Daniil Kharms. O livro de Leonid Dobýtchin foi traduzido por Moissei Mountian e tem prefácio de Valéri Sájin.

Romance do escritor argentino José María Brindisi ganha edição no Brasil.

Placebo é um procedimento falso, que apresenta efeitos terapêuticos devido a causas psicológicas do paciente que será tratado: é algo que alcança seu efeito máximo na subjetividade. José María Brindisi leva a subjetividade até o esgotamento, seja na linguagem sem fôlego, na asfixia de Becerra, o protagonista, ou na trama vertiginosa. Placebo é um romance que fala sobre a decadência do corpo, da mente, sobre o tempo que passa e destrói tudo ao nosso redor: dos casamentos e das amizades. Construída entre o abismo da existência e um personagem prestes a implodir, a prosa de José María Brindisi é um ar quente na literatura argentina contemporânea: uma experiência inquietante e imperdível. A tradução de Bruno Ribeiro é publicada pela Editora Moinhos.

Portugal assinala o centenário do poeta Cruzeiro Seixas com uma nova edição de sua obra completa.

Um dos precursores do movimento Surrealista português, ao lado de Mário Cesariny, Carlos Calvet ou António Maria Lisboa, Cruzeiro Seixas é autor de uma vasta obra no campo do desenho, pintura e escultura, mas também da poesia. O artista completa 100 anos no dia 9 de dezembro. Para assinalar a data, os três volumes que compõem a Obra Poética de Cruzeiro Seixas publicados no início dos anos 2000 pela já desaparecida editora Quasi ganham reedição. Farão agora parte da coleção “elogio da sombra”, que editou no ano passado a poesia de Fernando Lemos, artista português com ligações ao movimento surrealista que morreu a 17 de dezembro, aos 93 anos, no Brasil, onde vivia exilado desde 1953. O livro sai em junho.

Um modo de olhar a literatura como trabalho sobre a língua e a criação de formas novas que a cristalizam em arte.

Neste seu novo livro de ensaios, Teresa Cristina Cerdeira oferece-nos a argúcia habitual das suas formas de ler. Leitora atenta da Literatura Portuguesa Contemporânea, Teresa Cerdeira procede à revisitação de alguns dos seus autores diletos, de Saramago a Mário Cláudio, passando por Jorge de Sena ou Helder Macedo, colocando-os não raro em diálogo com os clássicos da Língua Portuguesa, sejam eles Camões ou Machado de Assis – a biblioteca –, mas também com o tempo e o corpo. Formas de ler é um modo de olhar a literatura como trabalho sobre a língua e a criação de formas novas que a cristalizam em arte. E é também um “pronunciamento” em defesa da literatura e do seu estudo, ameaçado de extinção nos tempos de cólera economicista que vivemos. É enfim um grito pela “liberdade de gestão da língua” e das formas que ela adquire na literatura quando “inaugura imagens, cria conceitos, dessemantiza outros, age frequentemente na contramão do senso comum, da norma, da lei”. É utopia e resistência. O livro é publicado pela Editora Moinhos.

O trabalho e o pensamento de Luiz Gama em livro.

Escritor, jornalista e advogado, Luiz Gama ocupa um lugar proeminente entre os raros ativistas negros que se destacaram no Brasil antes de 1888. Tendo sido o único abolicionista autodidata – também o único a ter sofrido a escravidão –, foi um hábil comunicador de amplo público: dos negros aos brancos, dos escravizados aos homens livres, dirigiu-se a todas as camadas da população e escapou, por meio da atividade jornalística, do silêncio e da ignorância impostos aos negros e escravizados. Os artigos reunidos neste livro revelam as facetas e o pensamento desse homem plural, que fez do domínio da palavra a arma para a defesa das liberdades. Organizado por Ligia Fonseca Ferreira Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro sai pela SESC Edições.

REEDIÇÕES

Laços de família é o novo título na reedição da obra de Clarice Lispector.

O texto de Clarice Lispector costuma apresentar ilusória facilidade. Seu vocabulário é simples, as imagens voltam-se para animais e plantas, quando não para objetos domésticos e situações da vida diária, com frequência numa voltagem de intenso lirismo. Mas que não se engane o leitor. Em poucas linhas, será posto em contato com um mundo em que o insólito acontece e invade o cotidiano mais costumeiro, minando e corroendo a repetição monótona do universo de homens e mulheres de classe média ou mesmo o de seres marginais. Desse modo, o leitor defronta-se com a experiência de Laura com as rosas e o impacto de Ana ao ver o cego no Jardim Botânico. Pequenos detalhes do cotidiano deflagram o entrechoque de mundos e fronteiras que se tornam fluidos e erradios, como o que é dado ao leitor a compreender acerca da relação de Ana, seu fogão e seus filhos, ou das peregrinações de uma galinha no domingo de uma família com fome, ou do assalto noturno de misteriosos mascarados num jardim de São Cristóvão. E, como se pouco a pouco se desnudasse uma estratégia, o cotidiano dos personagens de Laços de família, cuja primeira edição data de 1960, vai-se desnudando como um ambiente falsamente estável, em que vidas aparentemente sólidas se desestabilizam de súbito, justo quando o dia a dia parecia estar sendo marcado pela ameaça de nada acontecer. Nesta coletânea de contos, os personagens – sejam adultos ou adolescentes – debatem-se nas cadeias de violência latente que podem emanar do círculo doméstico. Homens ou mulheres, os laços que os unem são, em sua maioria, elos familiares ao mesmo tempo de afeto e de aprisionamento. (Lucia Helena)

OBITUÁRIO

Morreu Olga Savary.

“No Brasil, poeta morre de fome. Mas sou apaixonada por este malandro chamado Literatura e não viveria sem ele”, disse certa vez a mulher que está entre as primeiras escritoras a publicar literatura erótica no Brasil. Olga Savary nasceu em Belém a 21 de maio de 1933. Além desta cidade, viveu em Fortaleza, Rio de Janeiro e em Teresópolis, onde residia. Escreveu prosa e poesia, além de traduzir para o português mais de meia centena de obras de nomes da literatura hispano-americana como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Federico García Lorca, Pablo Neruda, Octavio Paz, José Lezama Lima, Laura Esquivel, Jorge Semprún e Mário Vargas Llosa, e também os mestres japoneses do haicai Bashō, Buson e Issa. Publicou mais de uma dúzia de títulos, entre os quais, Espelho provisório, o de estreia na poesia em 1970, Sumidouro (1977, poemas), Magma (1982, poemas), Berço esplendido (1987, poemas), Rudá (1994, poemas) e O olhar dourado do abismo (contos, 1997). Organizou importantes antologias, como Carne viva (1984), Antologia da nova poesia brasileira (1992) e Poesia do Grão-Pará (2001). A escritora acumulou vários dos principais prêmios nacionais de literatura, entre eles o Prêmio Jabuti de Autor Revelação (1971), duas vezes o APCA de Poesia – pelo livro Sumidouro (1977) e pelo livro Anima Animalis (2008). Olga Savary morreu no dia 15 de maio de 2020 por complicações da COVID19.

Morreu Fernando Py.

Fernando Py nasceu no Rio de Janeiro a 13 de junho de 1935. Foi poeta, crítico literário e tradutor. Formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 1960, nunca advogou. Das várias profissões que exerceu, além do trabalho com a escrita, estão as atividades como funcionário da CAPES, órgão do Ministério da Educação, no final dos anos 1950, as atividades na Procuradoria do Estado do Rio Grande do Sul no início dos anos 1960 e as de meteorologista previsor do tempo no Instituto Nacional de Meteorologia, do Ministério da Agricultura, de 1962 até 1994, quando se aposentou. Colaborou em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, principalmente O Globo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Estado de Minas e Correio do Povo. Traduziu obras de autores importantes, como Marcel Proust (incluindo a monumental Em busca do tempo perdido), romances de Alexandre Dumas, Marguerite Duras, Balzac, Saul Bellow entre outros. Pesquisador da obra de Carlos Drummond de Andrade, publicou Bibliografia comentada de Carlos Drummond de Andrade (reeditada pela Fundação Casa de Rui Barbosa, em 2002) e preparou a antologia Autorretrato e outras crônicas (Record, 2018). Estreou na poesia em 1962 com o livro Aurora de vidro (Livraria São José); a este se seguiram títulos como A construção e a crise (Simões Edições, 1969), Vozes do corpo (Fontana, 1981), Antiuniverso (Sette Letras / Editora Firmo, 1994) e Sol nenhum (UAPÊ, 1998). Parte da sua obra literária foi reunida em Confissão geral. Poemas reunidos (1959-2009) (Ibis Libris, 2010). Fernando Py morreu neste 21 de maio de 2020, em Petrópolis, Rio de Janeiro.

DICAS DE LEITURA

1. Torto arado, de Itamar Vieira Junior. Com este livro, o escritor ganhou em Portugal o Prêmio LeYa 2018. Publicado no mesmo ano por esta casa editorial, a edição brasileira só veio recentemente pela editora Todavia. Este é um romance que fala sobre um Brasil profundo, este que foi registrado pela prosa de escritores como Graciliano Ramos e Jorge Amado, para citar dois nomes que constituíram uma literatura que nos mostrou as contradições seculares do nosso país. Duas irmãs, filhas de trabalhadores de uma fazenda no sertão da Bahia, descendentes de escravos, dão com um objeto de pertença da avó; a partir daqui se desenvolve todo um rosário de histórias que revelam por aproximações e por distanciamentos os segredos em torno da família e uma vida de injustiça e servidão, luta e emancipação que é um retrato bastante vivo de um país que ainda não acertou as contas devidas com o seu povo e sua história.

2. A gaiola, de José Revueltas. Este título é agora parte da Coleção Fábula, publicada pela Editora 34. A tradução de Samuel Titan Jr. Confinados a uma cela de castigo, à mercê da espera, do poder e do acaso, três prisioneiros seguem os menores movimentos do pavilhão penal, espreitando a chegada providencial das três mulheres que contrabandeiam a droga, “anjo branco e sem rosto”, e os libertam da “sufocante massa de desejo” que os tortura. Este livro é descrito como uma das obras fundamentais da ficção latino-americana. Escrita escrita em 1969, na prisão de Lecumberri, na Cidade do México, onde José Revueltas pagava caro por seu papel de líder do movimento estudantil de 1968. Um dos grandes textos da literatura penitenciária, na vizinhança de Graciliano Ramos e Jean Genet, é um livro brutal e lírico, subverte as relações de força e se transforma numa poderosa parábola sobre a condição humana.

3. Caça, de María Teresa Andruetto. Com este livro, a escritora argentina recebeu o Prêmio Hans Christian Andersen em 2012. Este é um livro de contos escritos ao longo de vinte anos, entremeados a outros projetos de escrita. Há dez anos, alguns deles foram editados com o título Todo movimento es cacería. Na edição ora publicada pela Arte e Letra foi incluído novas e velhas histórias de caçadoras, traidoras ou vítimas que, culpadas, resignadas ou sarcásticas, constroem à sua maneira e para elas mesmas um destino. Sufocadas por torturas, culpas ou perversões, conduzidas pelo desejo ou pela determinação social, se destroem, reincidem ou se libertam. Ironia, ingenuidade ou tragédia. Essas vidas imaginárias estão circundadas por uma dupla exploração de gêneros: o feminino e o conto. Somente em duas ocasiões foco recai sobre homens; nas demais, são mulheres que nasceram de uma cena, de uma imagem ou de uma frase que pareciam resumir um jeito de estar no mundo. “Cada conto é, de algum modo, uma biografia e contém em parte a minha biografia”, diz a escritora. A tradução brasileira é de Nylcéa Pedra.

VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS

No início da tarde de sábado, soubemos da morte da poeta Olga Savary, registrada acima. E, próximo a este final de semana, a morte do poeta Fernando Py. A sucessão de registros lutuosos assinala, claramente, o fim de uma geração de ouro da nossa literatura; lembrá-los é nossa maneira de reiterar sua contribuição valiosa para o pensamento e a cultura brasileiras.

1. Em nossa galeria de vídeos no Facebook, reproduzimos um excerto do documentário O amor natural (1996), no qual a poeta Olga Savary oferece uma intervenção com a leitura de um poema de Carlos Drummond de Andrade publicado num livro de mesmo título do filme de Heddy Honigmann.

2. Em 1993, o diretor Luís Rocha Melo realizou um documentário sobre Fernando Py. O vídeo que conduz uma passagem pela vida e pela obra do poeta e intelectual brasileiro está disponível em duas partes no Youtube: a primeira parte está aqui; e a segunda, aqui.

3. No blog da revista 7faces, é possível encontrar poemas dos dois poetas. De Olga Savary, três poemas, editados no blog em maio de 2014; e, três poemas de Fernando Py, editados em maio de 2020.

BAÚ DE LETRAS

1. No blog, publicamos algumas notas para um perfil sobre Olga Savary. Publicado na segunda-feira, 18 de maio, nele, se ressalta a vivência da poeta para o poético e sua relação com o erotismo e erótico enquanto temário e exercício do fazer escritural.


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