Boletim Letras 360º #373
DO EDITOR
1. Estimado leitor, como está? A pergunta mais difícil para os dias de então inteira aqui uma maneira de reafirmar que, do lado de cá, partilho com vocês dos medos, das angústias, das expectativas sobre um momento tão terrível para a humanidade e, mais ainda para nós brasileiros, entregues nas mãos de gente facínora que nos joga à própria sorte e se ri de nossa tragédia. Partilho também da centelha de esperança, afinal é fundamental acreditar em alguma coisa. E, peço, o quanto puder ajudar os nossos semelhantes nessa hora, ajudemos. Reforço o pedido que se tornou universal: se puder, fique em casa. E estar em casa é sempre uma oportunidade de ouro para ler.
2. Este Boletim, já sabe, reúne as informações disponibilizadas (ou não) na página do Letras
no Facebook e traz uma variável de recomendações que podem servir de companhia para estes e dias vindouros. Obrigado pela companhia e, boas leituras!
Romance inédito de Simone de Beauvoir é publicado até o final de 2020. |
LANÇAMENTOS
Nova edição
de A maçã no escuro, de Clarice Lispector
Para Lúcio
Cardoso, em toda obra de Clarice Lispector alguma coisa íntima está queimando.
E este é o seu segredo de mulher e escritora. Em A maçã no escuro esta chama queima pacientemente enquanto se narra a trajetória de um homem. Um
homem, um crime, uma fuga. Como se fosse possível retroceder os ponteiros do
relógio, zerar o tempo marcado e, então, começar outra vez. Martim, um
fugitivo, começa a se reinventar, a manufaturar o próprio destino: "Ele se
tornou o centro do grande círculo e o começo arbitrário de um caminho."
A maçã no escuro é um romance dos anos 1950. Realizado durante o
tempo em que a autora viveu nos Estados Unidos, foi concluído em Washington, em
1956. Mas só seria publicado em 1961, um ano depois de Laços de
família, cujos contos primorosos conquistaram um expressivo público para
Clarice Lispector. Os dois livros foram escritos simultaneamente e selam o
amadurecimento da escritora. Situado entre obras decisivas do percurso
literário de Clarice, A maçã no escuro fulgura como um romance
denso e habitado por personagens comuns, mas que eleva o enredo a níveis
impensáveis de transcendência. Embrionárias estão as questões centrais que vão
eclodir em A paixão segundo G.H., depois do qual o romance
brasileiro jamais será o mesmo. Clarice inaugura uma outra linha de tradição
literária, porque desestabiliza as estruturas romanescas e cria parâmetros
totalmente inovadores de representação. (Lúcia Helena Vianna)
O humor
visto por Terry Eagleton
Por que
rimos? Como distinguir a infinita variedade de possibilidades do riso? O humor
é subversivo ou pode ajudar a amenizar as discordâncias? Este estudo reflete
sobre a natureza do humor e suas funções, examinando criticamente várias
teorias a respeito do tema. Baseando-se em uma ampla gama de fontes literárias
e filosóficas, Terry Eagleton passa de Aristóteles e Tomás de Aquino a Hobbes,
Freud e Bakhtin, observando em particular os mecanismos psicanalíticos
subjacentes ao humor e sua evolução social e política ao longo dos séculos. A
tradução de Alessandra Bonrruquer, Humor. O papel fundamental do riso na cultura, é publicada pela editora Record.
Romance
recria e reinventa figura histórica no sudeste profundo do Brasil.
Em 1842 uma
rebelião contra a política do ministério conservador de Pedro II, estourando na
Província de São Paulo, se irradiou para Minas Gerais onde, por cerca de
sessenta dias, os rebeldes enfrentaram o exército do barão de Caxias que veio a
derrotá-los, como já havia feito com os paulistas três meses antes. O movimento
ficaria conhecido como Revolução Liberal de 1842 e uma de suas figuras
principais em Minas foi Josefa Carneiro de Mendonça, de família influente,
dona de terras e de escravos, que assumiu a liderança da luta no Araxá e no
oeste da Província aos 62 anos de idade, planejando golpes, aliciando, armando
combatentes e dando todo o tipo de suporte aos revoltosos. Presa, passou quase
três meses em uma solitária úmida e escura, foi julgada e inocentada graças à
habilidade de seu defensor que fez convergir para um dos filhos – chefe
revolucionário também – todas as acusações atribuídas a ela. Sobre Josefa pouco
se conhece além das raízes familiares, da descendência numerosa e da mudança
para Petrópolis com a família depois da derrota liberal em Minas. É essa
história que o romance Dona Josefa, de Ana Luisa Escorel recria e
reinventa valendo-se de toda a liberdade que a imaginação literária permite. O
livro é publicado pela Ouro
sobre Azul.
Nova edição
de um dos romances mais conhecidos de Virginia Woolf
Mrs.
Dalloway caminha pelas ruas de Londres em busca de flores para decorar
sua festa, enquanto o ex-combatente Septimus Warren Smith é levado, a
contragosto, para seu passeio diário. Durante um dia inteiro, os pensamentos
desses personagens, e daqueles à sua volta, com seus sonhos, angústias e
paixões, são expostos ao leitor, que tem a experiência única de um vislumbre
íntimo da mente humana. Ao visitar o lugar, um viajante estrangeiro fica
impressionado com o método. Enquanto assiste à máquina em atuação, se pergunta
se poderia intervir na execução da lei naquela terra. Uma das obras-primas de
Virginia Woolf, Mrs. Dalloway foi publicado pela primeira vez em
1925 e se manteve relevante na literatura britânica e mundial ao tratar de
assuntos que abrangem desde as nuances dos relacionamentos em nosso dia a dia
até transtornos decorrentes de traumas de guerra. A nova edição da Antofágica,
com tradução inédita, conta com mais de 40 ilustrações da artista visual
Sabrina Gevaerd, além de apresentação de Mellory Ferraz e posfácios de Sabrina Gevaerd,
Ana Carolina Mesquita e Carola Saavedra.
OS LIVROS
POR VIR
Um romance
inédito de Simone de Beauvoir será publicado em outubro.
No Brasil, o
livro se chamará As inseparáveis. A obra é centrada na relação da
escritora francesa com Zaza, sua melhor amiga que morreu precocemente, aos 21
anos, em decorrência de uma encefalite. O livro foi concluído cinco anos depois
da publicação de O segundo sexo, obra pela qual a escritora ficou
reconhecida, mas nunca chegou a ser editado. Alguns bastidores da escrita desse
trabalho são descritos no livro de memórias A força das coisas (1963). Nele conta que Jean-Paul Sartre, seu primeiro leitor, não havia ficado
muito animado com o texto, uma avaliação que se parecia com aquilo que ela
própria pensava acabado a escrita. O livro vem a público agora por opção da
filha adotiva de Simone; Sylvie de Beauvoir disse que leu os originais em 1986,
logo após a morte da mãe e desde então se interessou por tornar o romance
público, mas então existiram sempre outras prioridades desde então. O livro
será publicado por aqui pela Record, informa o jornal O Globo.
Até o final
do ano deve ser publicada uma edição reunindo toda a correspondência de Clarice
Lispector.
Parte das
cartas da escritora são conhecidas em Correspondências e Minhas queridas, livros publicados em 2002 e 2007, respectivamente.
A edição de Todas as cartas reunirá além desse material já
conhecido, cerca de 100 missivas ainda inéditas para os leitores. O livro é
preparado por Teresa Montero, autora da biografia sobre Clarice Lispector Eu sou uma pergunta. Entre o material inédito estão as conversas
trocadas entre Clarice e o companheiro Maury Gurgel no período de separação. O
livro será publicado pela Editora Rocco.
MERCADO
EDITORIAL
A variável
do domínio público
Joseph Roth
morreu enclausurado num hospital para indigentes em Paris aos 44 anos, em 1939,
mas sua obra, incluindo romances como Marcha de Radzetky só agora,
oitenta anos depois, está disponível em domínio público na Espanha. O caso não
é excepcional. Nem todos os países signatários da Convenção de Berna seguem à
risca a lei de direitos do autor assinada a 9 de setembro de 1886. O documento
recomenda que as obras criativas devem estar livres pelo menos 50 anos a
contar do dia 1º de janeiro do ano seguinte após a morte do autor; isso no caso
de obras literárias. Mas faculta os países a estabelecer prazos mais extensos.
No México, por exemplo, se impõe um século. Além disso, questões jurídicas
também resultam em situações como a de Joseph Roth. Nos Estados Unidos, a
pressão de Disney levou o país a prolongar até 95 anos a proteção de certas
categorias de obras, incluindo Steamboat Willie, considerada a
primeira aparição em tela de Mickey Mouse; os casos de obras
cinematográficas também se incluem entre as obras com proteção de até meio
século segundo Berna. Outros importantes nomes da literatura europeia só
ganharão a alforria de seus herdeiros muitos anos depois das recomendações de
Berna. Se consideramos o intricado calendário espanhol, autores como James
Joyce e Virginia Woolf só ficam livres em janeiro e março, respectivamente;
Stefan Zweig, só em fevereiro de 2022. Todos esses autores são vastamente
traduzidos e publicados no Brasil há quase uma década. O domínio público sempre
atiça os interesses editoriais pela publicação por uma questão financeira e
jurídica práticas: só dever satisfações intelectuais para com a obra dos
autores livres.
DICAS DE
LEITURA
Ontem, 1º de
maio foi celebrado o Dia da Literatura Brasileira. A celebração convencionada para
este dia se deve ao nascimento de José de Alencar. O escritor cearense é um dos
principais primeiros nomes de uma literatura que até então era feita por criadores
luso-brasileiros. Sublinhamos a celebração no nosso Twitter recomendando dez
leituras sobre dez obras da nossa literatura situadas entre as produções mais recente
e as já consagradas. Nesta seção, seguimos com a recomendação de três livros
publicados por esses e que merece atenção dos leitores.
1. Marrom e amarelo, de Paulo Scott. O autor guarda algumas publicações das mais
interessantes da última década na literatura brasileira; em prosa e em poesia.
Este é o seu romance mais recente, editado meados de 2019; nele, Scott recupera
a figuração do duplo, através dos irmãos Federico e Lourenço, para evidenciar outra
vez os embates entre dois que conjugam e se distendem e aproveitar a situação
para explorar todo um complexo contexto social de um Brasil ainda por se
compreender. Basta dizer que a segunda personagem é constituída com o estigma
da discriminação racial e a primeira sob um contexto de violência recorrente nas
periferias – duas faces, percebam, que diz muito de nós. O livro foi publicado
pela editora Alfaguara.
2. A
morte do meteoro, de Joca Reiners Terron. Desde sempre, a prosa desse
escritor tem se demonstrado uma das mais inventivas e criativas da geração recente
no Brasil. Não é diferente com este livro, o seu mais recente trabalho publicado
em 2019 pela editora Todavia. Aqui assistimos a longa agonia do fim: uma tribo
isolada e misteriosa que se vê diante da sua própria extinção num mundo não
muito distante em que a Amazônia praticamente acabou. A narrativa acompanha o
duplo périplo, primeiro de Boaventura, um sertanista que, até onde se sabe, foi
o único a ter contato com a tribo, dedicando sua vida a protegê-la do homem
branco, depois um seu colega indigenista que lidam numa operação de transferir
os cinquenta kaajapukugi remanescentes para o México, onde serão recebidos como
refugiados políticos.
3. Todos
os santos, de Adriana Lisboa. Entre a prosa e a poesia, o trabalho criativo
dessa escritora se mostra entre os melhores publicados recentemente no Brasil. A
livro aqui recomendado é o seu romance publicado em 2019 pela editora
Alfaguara. Numa mescla de passado e presente, em meio a um Rio de Janeiro
mítico e uma Nova Zelândia misteriosa, trata-se de uma narrativa que lida com
os sentimentos de arrependimento e perda a partir da estreita ligação assumida
entre Vanessa e André assumidas desde a infância, num feriado à beira da
piscina.
VÍDEOS,
VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Assinalamos
o 1º de maio, Dia da Literatura Brasileira, com a reprodução em nossa galeria de
vídeos no Facebook desse minidocumentário assinado por Fernando Sabino e David
Neves acerca de Erico Verissimo. Um dos nomes mais significativos do grande
romance no Brasil, em Um contador de histórias o escritor se desloca
pelas cidades onde nasceu e viveu, Cruz Alta e Porto Alegre, respectivamente.
2. A
Companhia das Letras organizou entre os dias 24 e 26 de abril um evento virtual
através de suas redes sociais. O Festival Na Janela reuniu alguns dos nomes da
recente literatura realizada no Brasil e publicada por esta casa editorial. Chamamos
atenção para as duas mesas muitíssimo bem conduzidas pela Tamy, do canal LiteraTamy:
ela conversou no dia 25 com João Silvério Trevisan e Natalia Borges Polesso e
no dia 26 com Ana Paula Maia e Daniel Galera. Estas e as outras mesas estão
disponíveis no Youtube.
BAÚ DE
LETRAS
1. Fica aqui o endereço para acessar as recomendações sobre as quais falamos na seção “Dicas
de leitura”; foram publicadas no último dia 1º de maio em nosso Twitter e se
referem a dez textos sobre importantes obras da literatura brasileira.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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