Boletim Letras 360º #370
DO EDITOR
1. Nesses
dias de confinamento social, os que acompanham muito de perto o universo dos
livros, terá encontrado uma programação quase inalcançável de conversas virtuais
desenvolvidas por editoras. Particularmente, não acompanhei nenhuma – exceto uma
entrada ou outra nas transmissões. Isso porque os assuntos quase sempre estão
restritos aos bastidores de trabalho dos profissionais da edição, assunto pelo
qual não guardo qualquer interesse, e porque o trabalho aqui segue em alta. Mas, é uma oportunidade de ouro para que os
leitores possam compreender a dinâmica de realização de um livro, além, é claro,
sobre a extensão do mercado editorial e como os segmentos são afetados pelas imposições
de novos hábitos, o que, por sua vez, permite rever aquela compreensão que falta a alguns
de pensar fora do seu próprio conforto e bem-estar na aquisição do livro, quando escolhe vias duvidosas ou ainda de menor custo para se ter sempre mais. E é, para quem
procura, uma alternativa de distração.
2. Fora as
transmissões ao vivo pelas redes sociais, muitas editoras têm oferecido conteúdo
diferenciado. Uma alternativa bastante produtiva (e feita com o capricho característico
da editora) é disponibilização de contos através do histórico no Instagram; a
ideia da @Carambaia acontece há duas semanas, sempre à sexta-feira. A Companhia
das Letras criou o que tem chamado de Diários do Isolamento. Os microtextos que
se publicam não são grande coisa, mas a ampliação da atuação desta casa editorial
com o conteúdo por e-mail, a Newsletter #LeiaEmCasa traz conteúdo de boa
qualidade. Para fazer parte, basta se inscrever através do site da editora. Já
a @mugangaedicoes tem disponibilizado semanalmente conteúdo digital de bom gosto; já publicaram, por exemplo, Um passeio pela literatura, com inéditos de Roberto Bolaño, e Poesia
como mágica, de Jack Spicer.
3. Aqui seguimos.
Com o conteúdo diário tradicional do blog e nas redes sociais. Reforçamos o
pedido que se tornou universal: se puder, fique em casa. E estar em casa é
sempre uma oportunidade de ouro para ler. Este BO Letras 360º é uma publicação
semanal que reúne informações disponibilizadas (ou não) na página do Letras no
Facebook. Obrigado pela companhia e, boas leituras!
Liev Tolstói. Uma caixa reúne as novelas do escritor russo traduzidas no Brasil por Boris Schnaiderman. |
LANÇAMENTOS
Uma
coleção sistematiza as narrativas sobre o horror da escravidão. “Narrativas da escravidão”
é publicada pela Hedra e inicia com três títulos.
1. Narrativa
de William Wells Brown, escravo fugitivo: escrita por ele mesmo
Romancista,
dramaturgo, historiador e militante abolicionista, William Wells Brown tem em
sua narrativa autobiográfica um dos mais importantes romances afro-americanos
da história. A obra reconta os horrores da escravidão, percorrendo o tráfico
interno de escravos nos Estados Unidos e a relação de Brown com seus donos e
familiares, destacando assim a individualidade e que se desenvolveu sob uma instituição
totalizante e desumanizadora. A tradução de Francisco Araújo da Costa traz
prefácio de Calvin Schermerhorn.
2. Incidentes
da vida de uma escrava: escritos por ela mesma
Nascida na
Carolina do Norte, por volta do outono de 1813, Harriet Ann Jacobs viveu
intensamente a tragédia da escravidão, e dela resulta este relato cru, de prosa
vívida e dramática que, sem deixar de se inserir no corpus dos relatos da
escravidão norte-americana, é pioneiro e inspirador das autobiografias
femininas, e joga luz no perverso sistema de assédio e coação que era
partilhado apenas entre as mulheres. O livro traduzido por Francisco Araújo da Costa
tem prefácio de Kellie Carter Jackson.
3. Nascidos
na escravidão
Este livro resulta
de um amplo esforço de tomar depoimentos de ex-escravos dos Estados Unidos,
totalizando 2400 narrativas inéditas, das quais esta edição reúne 204, em uma
curadoria por tema que permite entrever a memória das milhares de pessoas
sobreviventes do trauma do cativeiro, em sua complexidade, e desmontar certos
mitos correntes sobre a escravidão através de depoimentos em primeira mão.
Organizado por Paul D. Escott, autor do prefácio da obra, a tradução é de
Francisco Araújo da Costa.
O retorno
da Teresa – revista de literatura brasileira da USP
O vigésimo
número do periódico sai com um dossiê dedicado a Otto Maria Carpeaux.
Organizada por Augusto Massi, André Luis Rodrigues, Erwin Torralbo Gimenez e
Guilherme Mazzafera S. Vilhena, com edição técnica de Guilherme Tauil e design
de André Stefanini, a revista conta com um amplo leque de artigos que se
propõem a pensar e discutir a atuação política e literária do crítico, além de
recuperar alguns textos fundamentais de seu percurso, incluindo dois artigos
inéditos publicados em Viena na década de 1930. Ilustrada por um amplo leque de
fotos e dedicatórias, a edição apresenta ainda um pouco da troca epistolar de
Carpeaux com Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Milliet e Gilberto Freyre, um
rodapé esquecido e um saboroso depoimento de Antonio Candido sobre o crítico
homenageado. Na edição, chamamos atenção para as intervenções de três dos
nossos colunistas: Guilherme Mazzafera e Davi Villaça cada um com um artigo e
Rafa Ireno com uma resenha sobre Pequenas ficções de memória, de Zainne
Lima da Silva (editora Patuá, 2018). Tudo está disponível ao acesso livre aqui.
REEDIÇÕES
A Editora
34 em parceria com a Livraria da Vila prepararam uma caixa que reúne quatro
novelas de Liev Tolstói
Poucos
escritores viveram e escreveram tão intensamente quanto Liev Tolstói, que
nasceu no seio da nobreza russa em 1828 e morreu praticamente como um indigente
na estação ferroviária de Astápovo em 1910. As quatro novelas aqui reunidas dão
conta não só de seu imenso talento e sua invejável versatilidade narrativa, mas
também dos temas que o obcecaram ao longo de toda a sua trajetória: o
amor, a sexualidade, a morte, a impostura das convenções sociais, a rebeldia e
a história. Das delicadas sutilezas de Felicidade conjugal (1859) ao
andamento vertiginoso de A Sonata a Kreutzer (1891), do exemplar A
morte de Ivan Ilitch (1886) ao magnífico painel de Khadji-Murát
(publicado postumamente em 1912), o leitor tem acesso, nesta coleção exclusiva,
a quatro obras-primas de um dos maiores nomes da literatura mundial. A caixa
com os quatro volumes com tradução direta do russo por Boris Schnaiderman é uma
publicação exclusiva da Editora 34 em parceria com a Livraria da Vila.
DICAS DE
LEITURA
1. O
artista inconfessável, de João Cabral de Melo Neto. Esta é uma antologia
preparada para desconstruir a ideia segundo a qual o poeta pernambucano foi um avesso
a intimismos. Há poemas que tratam de sua infância, no interior de Pernambuco,
convivendo com trabalhadores dos canaviais no engenho da família, em São
Lourenço da Mata; suas férias com os primos e o dia em que nasceu, com sua mãe
tendo de se deslocar da fazenda para Recife; há relatos de juventude, poemas
sobre a descoberta da literatura e sobre viagens mundo afora, feitas como
diplomata pelo Itamaraty. Esta antologia reúne também poemas escritos na
Espanha, principalmente em Sevilha e Barcelona, cidades nas quais viveu em
diversos períodos da vida. Juntos, esses fragmentos de memória, descrições
profundas, esculpidas com beleza e rigor, nos remetem a figuras consagradas na
poesia de João Cabral – o engenho, a cana, o rio Capibaribe, as paisagens
catalãs –, formando um rico mosaico da vida desse que é considerado um dos
maiores escritores brasileiros do século XX. O material publicado pela Editora Alfaguara
se completa com um conjunto de fotografias do poeta.
2. Por
dois mil anos, de Mihail Sebastian. O romances de tintas autobiográficas e
em registro de diário, tem como protagonista um jovem judeu cujo nome jamais é
mencionado, registrando seu contato com diferentes facetas da sociedade romena
ao longo dos anos, naquilo que chama de “um tempo de espasmo” o período
entreguerras que testemunhou a ascensão do fascismo e colocou em xeque a
intelectualidade europeia. Da universidade, onde tentava passar despercebido
pelos grupos de agressores antissemitas, à vida profissional adulta, o
protagonista convive e conversa com reacionários, revolucionários, fanáticos e
libertinos, sem jamais se identificar com nenhum grupo particular. Mas isso não
o impede de perceber que nem amizades de longa data nem um esforço de
assimilação o protegem de ser visto como um pária. A tradução de Flavian Eugenia
foi publicada pela editora Amarilys.
3. Firmina,
de Renata Py. Se você procurar Firmina no mapa, certamente não vai achar. São
poucos os que a conhecem e podem enxergar a cidadezinha; apenas os de alma
genuína como a personagem; ou seu Guinga, o senhor que nunca morre; ou Zeca
Sapatilha, o dançarino das estrelas; ou o doce de caju de Adelaide, que faz as
pessoas enxergarem somente o que precisam; ou a alegria de Jesus, melhor drible
do time da cidade. E, finalmente, como cada um de seus habitantes que ali
vive e um dia desaparece misteriosamente. Não existe a morte da forma que a
conhecemos. Sua incógnita nunca foi decifrada e o fato é que essas singelas
personagens podem vir a morar dentro de cada leitor. O livro foi publicado pela
editora Laranja Original.
VÍDEOS,
VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Os
leitores que acompanham o blog, já sabem do José Saramago poeta. O escritor
português publicou três livros e deixou vários textos do gênero inéditos. Os
livros são Os poemas possíveis (1966), Provavelmente alegria (1970)
e O ano de 1993 (1975). No âmbito das atividades virtuais realizadas
pela Fundação José Saramago para o período de reclusão, o editor do Letras,
leu “Na ilha por vezes habitada”, um poema do segundo livro. O vídeo está
partilhado em todas as redes da Fundação e do Letras. E pode ser visto aqui.
2. A Tamy do
canal LiteraTamy, no Youtube, ofereceu uma leitura atenta sobre o romance de
Deborah Dornellas, Por cima do mar (Editora Patuá). O livro foi recomendado
por este blog numa das seções das Dicas de Leitura deste Boletim e está entre os
Melhores do Ano de 2019 segundo o Letras. Veja o vídeo aqui.
3. A incursão de Toni Morrison pela poesia foi rara: em 2002, numa campanha para o Instituto
Carol C. Harter, com a qual contribuíram outros nomes como Salman Rushdie,
Joyce Carol Oates, Kenzaburo Oë e Wole Soyikka, a escritora compôs cinco poemas
que deram forma à plaquete Five Poems ilustrada por Kara Walker com
tiragem limitada a 399 cópias numeradas, 26 delas com assinatura das autoras. No blog da revista 7faces se publicou dois desses poemas.
BAÚ DE
LETRAS
1. Neste
tempo necessário de isolamento, qual tem sido suas leituras? As nossas, muitas.
Se por acaso busca por alguma sugestão, nós temos mais de mil. Neste link, estão
reunidos a maior parte das resenhas e comentários sobre os livros lidos pelos
colaboradores do Letras.
2. Pela
recomendação acima do livro O artista inconfessável, de João Cabral de
Melo Neto, recomendamos dois textos publicados recentemente no blog sobre a
relação do poeta com alguns lugares que se tornaram referência para sua obra:
a) nos campos tristes de Málaga; b) JCMN em Barcelona.
3. Felicidade
conjugal, A Sonata a Kreutzer, A morte de Ivan Ilitch, Khadji-Murát
e outros textos breves de Liev Tolstói foram motivo deste texto do nosso
saudoso Alfredo Monte, publicado aqui setembro de 2015.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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