Seduzida e abandonada, de Pietro Germi
Por Maria Louzada
Pietro Germi, o grande realizador italiano, volta a se encontrar
com a sua centelha de criatividade original que deriva nos anos 1960 neste
Sedotta e Abbandonata. Trata-se de uma comédia, mas o assunto é sério, muito
sério, e a visão do diretor italiano também, que ousa filmar uma comédia de
costumes sobre a obstinada hipocrisia humana nos lugares mais remotos.
Situações ao mesmo tempo hilariantes e que nos coloca cara a cara com a cruel
realidade das mulheres num vilarejo da Sicília. Sem voz, sem direito ao próprio
desejo ou às próprias escolhas, prisioneiras de pai, mãe, da sociedade
patriarcal, de todos ao redor.
Agnese (Stefania Sandrelli), uma siciliana de
dezesseis anos apenas, é seduzida por Peppino (Aldo Puglisi), noivo de sua irmã
mais velha. Ela acaba engravidando. Quando a mãe (Lola Braccini) descobre conta
logo para o marido don Vincenzo (Saro Urzì) que obriga o rapaz a se casar com
Agnese, mas ele foge. O pai se esforça então para, a qualquer custo, a qualquer
custo mesmo, salvar a honra da família.
A masculinidade, a honra siciliana, a capacidade de brutalidade
doméstica, a religião, tudo se insere no contexto da sacralidade da “família”.
Após os créditos iniciais – com as mulheres andando numa rua
siciliana com os habituais vestidos negros de um luto eterno do lugar, e uma
música cantante já com a história da família Ascalone –, vem logo nos primeiros
planos do filme, a representação do que virá a seguir brilhantemente
engendrado: a apreciação da crônica da família.
A câmera gira: pratos e pratos
e mais copos acumulados e sujos na cozinha da casa após a comilança de um farto
almoço de domingo; os pais no quarto fazendo a sesta com a mãe de combinação
preta coberta (até as combinações das mulheres são negras), e o pai sem camisa
com a barriga grande exibida como um troféu; o irmão (Lando Buzzanca) dormindo
no seu quarto em posição fetal com um furo numa meia do pé; outra filha,
Rosaura (Roberta Narbonne), dormindo de combinação preta também e bem coberta;
o avô, num quartinho onde se enxerga só a cama com ele todo vestido ressonando;
e aí na sala, dormindo no sofá, a irmã mais velha Matilde (Paola Biggio), de
quem o noivo tira a xícara da mão adormecida, e vai quieto, em seguida, seduzir
a cunhada, única pessoa acordada na casa, que, por sinal, está estudando à mesa
com seu caderno.
Daí por diante tudo acontece sob a exímia direção de Germi e um
excelente roteiro (história de: Luciano Vincenzoni e Pietro Germi – com roteiro
de: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Luciano Vincenzoni e Pietro Germi).
Somos conduzidos a uma farsa que não é farsa, a um riso solto por certas cenas
que não é bem riso, somos testemunhas vivas da hipocrisia e do preconceito, da violência e da insensatez, todos do gênero humano, infelizmente, e disseminados nas
mais variadas culturas e dissecados por inteligentes e criativos cineastas que
nos levam a reflexão lançando mão de diferentes provocações, como o humor, por
exemplo.
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