Boletim Letras 360º #368
DO EDITOR
1. Ao que se
avista de outros países, estamos apenas no princípio de um longo tempo de
dificuldades. E parece que, para nós tudo poderá se estender por mais tempo e com consequências dolorosas muito piores, devido ao empenho descoordenado entre governo e
população. Enquanto pudermos, cuidemos de nós e dos que estão próximos – é um
reforço ao pedido oferecido na edição anterior deste Boletim.
2. Nesse
tempo, é impossível segurar uma verdade: o mercado editorial brasileiro entrará
em colapso. Assim, na já longa lista de ajudas aos próximos, sempre que possível
devemos incluir, nas compras de livros (e divulgação) as editoras independentes
e as pequenas livrarias. Não é apenas o caso de, em grande parte, estas constituírem
a única fonte de renda de uma família, é o caso de não deixar perecer o
esforço, a dedicação e um trabalho que, em tempos de isolamento, se torna ainda
mais necessário.
3. A seguir
as boas notícias que nos chegaram nesta primeira semana de isolamento social.
Atentem para as dicas de leituras. Estar em casa é sempre uma oportunidade de
ouro para ler. O BO Letras 360º é uma publicação semanal que reúne informações
disponibilizadas (ou não) na página do Letras no Facebook. Obrigado pela
companhia e, boas leituras!
O poeta José Saramago. Revista recupera textos inéditos de quando o escritor português se exercitou no ofício do verso. |
LANÇAMENTOS
Nova
edição de Na colônia penal, de Franz Kafka.
Um aparelho
peculiar executa uma pena lenta e dolorosa em condenados que não sabem sua
infração nem a sentença. Essa é a justiça idealizada – e adorada – por um
comandante em uma longínqua colônia penal. Ao visitar o lugar, um viajante
estrangeiro fica impressionado com o método. Enquanto assiste à máquina em
atuação, se pergunta se poderia intervir na execução da lei naquela terra. Na
colônia penal, publicado por Franz Kafka em 1919, chocou seus primeiros
leitores e continua nos impactando até hoje. Qual é a verdadeira distância
entre a grande máquina imaginada pelo autor e a nossa realidade? A nova edição
da Antofágica traz um projeto gráfico inédito, com molduras a cada página e
mais 18 ilustrações feitas pelo artista Lourenço Mutarelli, além de
apresentação de Ivan Mizanzuk e textos inéditos dos professores Lênio Streck, Márcio
Seligmann-Silva e Celeste Ribeiro de Sousa.
Biografia
de Simone de Beauvoir escrita por Huguette Bouchardeau ganha tradução no Brasil.
Simone de
Beauvoir marcou o século XX, e particularmente as mulheres, com sua obra. O
desejo de ser uma grande escritora norteou sua vida desde a adolescência. Filha
de uma família burguesa decadente e religiosa ao extremo, rebelou-se para fugir
da estreiteza de seu ambiente e libertar-se dos tabus. Formou com Jean-Paul
Sartre um casal referência que adquiriu uma aura mítica no mundo literário.
Inconformada e autêntica, a filósofa viveu avidamente suas paixões: viagens e
descobertas de todos os tipos, e, é claro, livros, cinema, teatro, pintura e
música. Tudo isso aliado a outra paixão de Simone que pode parecer contraditória:
a de controlar tudo com absoluto rigor. Em Simone de Beauvoir. A biografia,
Huguette Bouchardeau torna mais tangível a complexidade da escritora francesa,
aproximando-nos de sua profunda humanidade e mostrando por que, décadas após
sua morte, ela continua atual e extremamente necessária, ícone da libertação
feminina. A obra conta com um texto de orelha assinado pela antropóloga Mirian
Goldenberg. A tradução de Kaio Liudvik sai pela Editora Nova Fronteira.
Livro
fruto da parceria entre Diamela Eltit e Paz Errázuriz é um documentário forte e
humano sobre a loucura e o amor.
Por anos, os
pacientes do hospital psiquiátrico da cidadezinha de Putaendo, a duas horas de
Santiago do Chile, foram registrados pelas lentes de Paz Errázuriz, com
especial atenção às dezenas de casais que lá se formaram. De uma visita em que
a escritora Diamela Eltit acompanhou a fotógrafa, nasceu este livro, uma obra
híbrida e de múltiplas vozes, na qual conflui uma ética política comum: um
poderoso levante contra o discurso dominante da razão, que, entre outras
coisas, atua no apagamento de pessoas desencaixadas da lógica mercantil.
Ensaio, ficção e imagem se juntam em nome da memória como resistência e daquilo
que reabilita os enfermos perante a existência, reintegrando-os, apesar de
todos os esforços estatais e medicinais contrários, à sua humanidade: o amor,
essa “necessidade atávica de amar”, como diz Eltit, que valida o ser no mundo.
O que esses asilados reafirmam, como rebeldes sem sintaxe numa sociedade que –
também por isso – os exclui, é uma tendência amorosa, a de “se fundir, se
confundir com o outro”, algo que, enfim, amor e loucura têm em comum. Na
narrativa única e profundamente humana deste que é o um dos grandes fotolivros
latino-americanos do século XX – publicado agora pela primeira vez no Brasil –,
as artistas chilenas unem todos nós, os de dentro e os de fora dos muros do
sanatório, numa mesma vertigem amorosa. O livro é publicado pelo Instituto
Moreira Salles.
Para
lembrar outros grandes textos da contística de Machado de Assis.
Com
frequência, as antologias realizam uma redução imprudente do universo
machadiano: os mais de duzentos contos escritos ao longo de cinco décadas de
exercício contínuo são congelados num universo de 20, talvez 30 contos. Pelo
contrário, esta nova antologia de Contos (Quase) Esquecidos esclarece a
obsessão com uma série de temas que estruturam a visão de mundo e moldam os
exercícios ficcionais de Machado de Assis. Nesta antologia – organizada
por João Cezar de Castro Rocha –, 4 eixos ou pares foram selecionados: Música e
Literatura; Política e Escravidão; Desrazão; Filosofia. Os contos aqui coligidos
elaboram esses tópicos a partir de perspectivas diversas. E, numa espécie de
olhar cubista avant la lettre, ora aprofundando análises, ora mudando
radicalmente o ponto de vista. O livro integra a coleção Filocalia, da É
Realizações.
REEDIÇÕES
Nova edição
de As cariocas, de Sérgio Porto.
"No Rio
há duas espécies de espetáculos que arrastam multidões para as arquibancadas
dos estádios: futebol e desfile de mulher bonita", escreve Sérgio Porto.
Nesta galeria protagonizada por seis mulheres, cada uma com seu poder de
atração, o leitor conhecerá a Grã-Fina de Copacabana, a Noiva do Catete, a
Donzela da Televisão, a Currada de Madureira, a Desquitada da Tijuca e a
Desinibida do Grajaú. Com estilo livre, sofisticado e extremamente divertido,
Sérgio Porto tece uma exuberante crônica de costumes que tem como cenário o
cartão-postal carioca na década de 1960. A sedução, a alegria, a fragilidade e
uma profunda melancolia ganham corpo nesses personagens que, nas palavras de
Jorge Amado no prefácio à primeira edição, estão “em busca de uma esperança, de
um porto seguro, de uma paz que parece impossível”. Publicado em 1967, este
livro que reúne seis novelas que recriam a fervilhante e sedutora vida no Rio
de Janeiro ganha reedição pela Companhia das Letras.
INÉDITO
Revista
apresenta poemas inéditos de José Saramago
A Revista
de Estudos Saramaguianos foi criada em 2014 por leitores pesquisadores da
obra do escritor Prêmio Nobel de Literatura. Com tiragem semestral e
eletrônica, o primeiro volume referente ao ano de 2020 trouxe alguns materiais
que, aos olhos de muitos leitores resultam desconhecidos, uma vez que ainda não
editado em livro e mostrado apenas em exposições. Para sublinhar o centenário
de Jorge de Sena, celebrado no ano anterior, o periódico reuniu uma resenha
escrita pelo amigo José Saramago sobre o livro Novas andanças do Demónio;
a leitura desse material amplia o arquivo que inclui texto do mesmo gênero
sobre O Delfim, de José Cardoso Pires (em 2018 foi o ano de duas décadas
sobre sua morte e cinquenta anos da publicação desse romance). Em tudo, o que
chama atenção são alguns dos poemas que Saramago compartilhou com Sena; alguns
apareceriam mais tarde no seu livro Os poemas possíveis, mas outros
ficaram por publicar. A revista é gratuita e pode ser lida – nesta e nas outras
dez edições – a partir daqui.
DICAS DE
LEITURA
Neste 27 de
março de 2020, celebramos outra vez o Dia Mundial do Teatro. E, para este
boletim, as três dicas de leitura são, portanto, livros para esta data,
incluindo edições e trabalhos primorosos recentes.
1. Praça
dos heróis, de Thomas Bernhard. É vasto o universo criativo do escritor
austríaco. E, agora, pela primeira vez um de seus trabalhos como dramaturgo
ganha tradução no Brasil. A autora desse trabalho é Christine Röhrig e o livro
sai pela editora Temporal, já referida entre outras edições do Boletim Letras
360º desde sua estreia com a edição da obra de Oduvaldo Vianna Filho. Escrita
em 1988 por encomenda de Claus Peymann, então diretor do Burgtheater de Viena,
por ocasião do centenário de abertura do teatro e, coincidentemente, pelos
cinquenta anos do Anchluss (anexação da Áustria pela Alemanha nazista), a
peça aqui recomendada é uma reflexão crítica sobre o nacionalismo e o
antissemitismo da Áustria moderna, além de uma denúncia da negação de seu
passado por parte do povo austríaco. Polêmica por sua assertividade, como
diversas outras obras de Bernhard, esta peça de linguagem límpida sensibiliza
os leitores não só pela delicadeza da situação que representa, como por sua
atualidade. A edição da Temporal ainda conta com fotografias e ficha técnica da
polêmica montagem de estreia de 1988 no Burgtheater e da montagem brasileira,
dirigida por Luciano Alabarse em 2006.
2. Shakespeare.
O que as peças contam, de Barbara Heliodora. O nome da foi crítica,
tradutora, ensaísta e professora se firmou como um dos mais importantes na
longa lista de estudiosos da obra do bardo inglês. Desse trabalho, está a
tradução das peças de Shakespeare e a escrita de vários livros como A expressão
dramática do homem político em Shakespeare, resultado de sua tese de
doutoramento e este aqui recomendado que foi publicado no ano do aniversário de
450 de Shakespeare. Trata-se de um livro que reúne, entre outros textos, o
comentário sobre cada uma das 37 obras do dramaturgo inglês. O livro publicado
pelas Edições Janeiro é uma excelente pedida para os que ainda não conhecem a
fundo o teatro shakespeariano, assim como para os que já se apaixonaram por
esse clássico do teatro universal. Uma nota biográfica abre a edição e cada
peça conta com uma sinopse, elenco de principais personagens e seleção de seus
melhores trechos.
3. Antologia
do teatro brasileiro, de Pedro Moritz Schwarcz, João Roberto Faria e
Elizabeth P. C. Ribeiro Azevedo. Desde o século XIX, quando a tradição teatral
começou a se consolidar no Brasil, um gênero em especial se destacou como
vocação maior da dramaturgia nacional: a comédia. Apesar de desdenhado por
críticos, intérpretes e até pelos próprios autores, o texto cômico se mostrou
uma tentação irresistível para muitos autores, até mesmo para os grandes nomes
do período romântico brasileiro. Nesta antologia, estão reunidas peças cômicas
dos mais diferentes estilos. A farsesca comédia de costumes de Martins Pena; o vaudeville
burlesco de Joaquim Manuel de Macedo; o humor bem comportado de José de
Alencar. E também a ironia elegante de Machado de Assis, a sátira implacável de
França Júnior e a comédia, a um só tempo, de entretenimento e crítica social de
Artur Azevedo. Por último, o texto inovador e iconoclasta de Qorpo-Santo. O
livro foi publicado pelo Penguin.
VÍDEOS,
VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. A nossa
galeria de vídeos no Facebook recebeu outra peça rara, o documentário Na
casa do Rio Vermelho, de Fernando Sabino. Realizado em 1974 o filme integra
o conjunto de perfis sobre o dia-a-dia de importantes nomes da literatura
brasileira. Neste, a câmera acompanha a vida do escritor Jorge Amado em sua
casa de Salvador.
BAÚ DE
LETRAS
Do nosso baú,
recordamos dois conjuntos de publicações e uma lista: no primeiro grupo, alguns
dos perfis de importantes dramaturgos que figuram na nossa galeria “Os
escritores”; e, no segundo, algumas resenhas sobre peças.
1. Há vários
textos no blog sobre Bertolt Brecht; e em 2008, seu nome entrou na galeria de
perfilados do Letras;
outro perfil que recomendamos é este sobre Arthur Miller;
este outro, sobre Harold Pinter;
e este, sobre Molière. Mas, não deixe de pesquisar sobre outros: William Shakespeare, Dario Fo, Samuel Beckett, Tchékhov;
2. Dos
comentários sobre obras do teatro, destacamos as leituras: sobre um texto clássico de Gil Vicente, Auto da barca do inferno; sobre Álbum de família, de Nelson Rodrigues;
e sobre A segunda vida de Francisco de Assis, de José Saramago. E há vários outros textos sobre peças de teatro; não se acanhe de revirar nosso baú.
3. Recordamos
esta lista com onze obras do teatro moderno e contemporâneo fundamentais a todo
leitor: de Samuel Beckett a Harold Pinter, de Bertolt Brecht a José Saramago,
de Oscar Wilde a Ibsen, de Tchékhov a Bernard Shaw, de Arthur Miller a Wole
Sonyinka.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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