Boletim Letras 360º #366
DO EDITOR
1. Durante a
semana confirmamos outros dois nomes que integram agora o grupo de
colaboradores do Letras in.verso e re.verso: Felipe de Moraes, selecionado da
última chamada realizada em janeiro de 2020; e Antonio Alves, autor que se
propôs a escrever esporadicamente para o blog textos de matriz
crítico-reflexiva entre a filosofia e a literatura sobre temas variados.
2. O gesto
de Antonio Alves pode ser o de todo leitor do Letras interessado em colaborar
com este projeto. A participação no blog, volto a lembrar, é aberta aquele que
guarde bons textos e queira compartilhar com novos leitores. Para saber como
enviar seu trabalho basta visitar aqui; encontrará todas as informações e normas
para adequação dos textos.
3. Este Boletim,
notarão, está recheado de notícias sobre novos livros. Trata-se de um
volume simplesmente maravilhoso de boas novidades numa semana atípica para as
editoras. Afinal, algo de bom deve se notar entre tantas circunstâncias
negativas e agravadas pela mediocridade dos nossos governantes.
4. O BO
Letras 360º é uma publicação semanal que reúne informações disponibilizadas (ou
não) na página do Letras no Facebook. Obrigado pela companhia e, boas leituras!
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LANÇAMENTOS
Segundo
volume com textos sobre a recepção de Machado de Assis.
Complementando
o primeiro volume do livro, publicado pela Imprensa Oficial de São Paulo em
2019, que abrangeu o período de 1908 a 1939, o volume 2 de Machado de Assis
segundo seus pares acompanha a recepção crítica de sua obra até o
centenário da morte do escritor em 2008. Organizado por Hélio de Seixas
Guimarães e Ieda Lebensztayn, o livro reúne impressões de grandes vultos
literários, tais como Ariano Suassuna, Oswald de Andrade, Rachel de Queiroz,
Graciliano Ramos, Ferreira Gullar, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade,
Lygia Fagundes Telles, entre outros. Algumas
das polêmicas em torno de Machado são igualmente debatidas, como o seu silêncio
em relação à infância, o suposto posicionamento abstencionista aos grandes
movimentos sociais e políticos do seu tempo, até a clássica e perpétua dúvida
de se Capitu teria realmente traído Bentinho. A seleção de escritos apresentada
na edição compreende mais de 70 autores e é resultado da abrangente pesquisa
realizada na Fundação Casa de Rui Barbosa, Biblioteca Nacional, Biblioteca
Brasiliana Guita e José Mindlin, Instituto de Estudos Brasileiros e Biblioteca
Florestan Fernandes, tendo como guia os cadernos de recortes de Plinio Doyle;
além de textos extraídos de livros.
A casa na
Rua Mango, de Sandra Cisneros, é o novo título no catálogo da editora
Dublinense.
Esperanza
tem um nome mexicano, origens mexicanas, aparência mexicana, mas nasceu nos
Estados Unidos e mora num decadente bairro de Chicago. Nesse contraste
cultural, ela observa a vida dos vizinhos e das amigas para aprender a
construir sua própria identidade. Em fragmentos do cotidiano, a autora de A
casa na Rua Mango nos apresenta um panorama do universo de Esperanza e
costura uma linha que vai da infância envergonhada da menina à tomada de
consciência e início do amadurecimento. Um romance ao mesmo tempo leve e
intenso, no qual as vozes latinas reverberam com a força da prosa singular de
Sandra Cisneros. A tradução do livro é de Natalia Borges Polesso.
Terceira coletânea
de poemas da vencedora do prêmio Nobel e um dos nomes mais cultuados da
literatura polonesa.
Depois dos
festejados Poemas (2011) e Um amor feliz (2016), Para o meu
coração num domingo reúne 85 poemas da voz que encantou o mundo com seus
versos afiados, que misturam rigor formal, pitadas de ironia e tom levemente
coloquial. No poema que dá título ao livro, Wislawa Szymborska anuncia: “Você
tem setenta méritos por minuto./ Cada contração tua/ é como o lançar de uma
canoa/ no mar aberto/ numa viagem ao redor do mundo”. Com organização e
tradução de Regina Przybycien e Gabriel Borowski, este conjunto de poemas trata
de experiências cotidianas, amor, sonhos, morte, filosofia, mitologia, história
e antropologia, sempre com o olhar curioso, generoso e bem-humorado de uma das
poetas mais extraordinárias do século XX.
Nova
edição de Ressurreição, de Liev Tolstói.
Lançado em
1899, o último livro de Tolstói aborda a tensão social, os privilégios da
Justiça e a situação carcerária da Rússia às vésperas da Revolução. No tribunal
para compor o júri que vai definir o futuro de Máslova ― prostituta acusada de
roubar e envenenar um cliente ―, o príncipe Nekhliúdov reconhece os olhos da
serva por quem, no passado, se apaixonou. Depois de seduzi-la e abandoná-la,
ele agora se vê às voltas com a difícil decisão de incriminá-la ou salvá-la da
sentença. Para Natalia Ginzburg, que assina o prefácio desta edição, “nos
romances de Tolstói, descoberta e compreensão se desenvolvem e crescem quase
sob nossos olhos, num ritmo de festa solene; e cada romance, cada destino de
cada personagem se encerra numa festiva e solene celebração da realidade”. A
tradução de Rubens Figueiredo havia sido publicada pela extinta Cosac Naify e
sai agora pela Companhia das Letras.
Dois
projetos do organizador de Cartas extraordinárias
1. Um volume
de trinta cartas excepcionais escritas por, para ou sobre mães que evocam as
alegrias e tristezas que a maternidade traz para pais e filhos.
Aos quinze
anos, Winston Churchill recebeu uma carta em que sua mãe demonstrava estar
decepcionada com seu boletim escolar. “Fui preguiçoso”, ele responde. Neste
livro, Shaun Usher reúne essas e outras correspondências inesquecíveis que têm
as mães como protagonistas. Amáveis, espirituosos ou doloridos ― às vezes mais
de uma coisa ao mesmo tempo ―, os escritos oferecem um retrato tão emocionante
quanto complexo dessa relação intrínseca à nossa existência. O livro reúne
cartas de Otto Lara Resende, Caitlin Moran, Sylvia Plath, Martin Luther King
Jr., George Bernard Shaw, Laura Dern, Louisa May Alcott, Bette Davis, Richard
Wagner e muitos outros.
2. E outro
com cartas de amor
Neste volume
estarrecedor, Shaun Usher se debruça sobre um dos temas que mais move a
existência humana: o amor. Revelando os desejos mais profundos do coração
através das palavras de famosos e anônimos, essas trinta cartas ― passionais,
doloridas, ternas ou raivosas ― reconstituem esse sentimento universal em todas
as suas formas e oferecem um retrato emocionante do que significa amar e ser
amado. Com cartas de Machado de Assis, Paulo Mendes Campos, John Steinbeck,
Simone de Beauvoir, Ludwig van Beethoven, Frida Kahlo, Johnny Cash, Nelson
Mandela e muitos outros. A tradução das duas coletâneas é de Mariana Delfini e
os livros são publicados pela Companhia das Letras.
Chão
Editora revisita o Brasil agrário sob a perspectiva de suas personagens em duas
edições com diários.
1. Brazilia
Oliveira de Lacerda nasceu um ano antes da abolição da escravatura. Bisneta de
visconde (do Rio Claro), neta de barão (de Arary) e nora de conde (do Pinhal),
foi não apenas uma legítima representante da elite agrária paulista, mas
também, revela-se agora, uma de suas raras cronistas. Quando morreu, em 1966,
aos 79 anos, deixou na gaveta diversas recordações de vida, preservadas em
pequenos cadernos pautados, preenchidos de próprio punho. Os manuscritos
presentes nesta edição cobrem treze desses anos. O primeiro caderno tem como
ponto de partida a chegada da família à fazenda Paraizo, em São Carlos do
Pinhal, e retraça as experiências vividas por Brazilia dos seis aos dez anos. O
segundo caderno vai até seu 16º aniversário. O terceiro tem início no dia em que
Brazilia completa dezessete anos, em 24 de maio de 1904, e termina logo depois
de seu casamento com o primo Carlos Amadeu de Arruda Botelho, ocorrido cerca de
dois anos mais tarde. Os principais cenários de suas recordações são a fazenda
Paraizo, onde vivia com seus pais e irmãos, e São Paulo, onde a família passava
dois meses por ano na casa que mantinham na capital. Nos dois cenários,
sobressaem costumes ditados pela tradição e pela temporalidade dos cafezais.
Com seu olhar atento e minucioso, Brazilia recorda as brincadeiras com os
irmãos e primos, as aulas em casa com preceptoras europeias, a relação com os
empregados da fazenda, as festas no terreiro, as receitas de doces, a lida
diária nos cafezais, o trabalho de costura e de contabilidade da fazenda, as
touradas na praça da República e o convívio com a alta sociedade paulistana nas
temporadas na capital. Com descrições pormenorizadas do cotidiano, os registros
aqui publicados reforçam a dimensão histórica da economia cafeeira na transição
do século XIX para o século XX e jogam luz sobre a atuação feminina em domínios
historicamente tratados como exclusivos dos “barões do café”. Preparada para
desempenhar o único papel que cabia às mulheres da época, Brazilia terminou
legando para a posteridade um ponto precioso para entender a história do
Brasil. Dias ensolarados no Paraizo é publicado com com posfácio de
Jorge Caldeira.
2. Nascida
em Rio Claro, no interior do estado de São Paulo, em 1874, Floriza Barboza
Ferraz fazia parte de uma tradicional família da elite rural paulista. Até o
início da adolescência, teve ao lado dos treze irmãos uma vida idílica em meio
à natureza, na fazenda do “Pitanga”, propriedade dos pais ainda mantida pelo
trabalho escravo. Com a Abolição, contudo, o pai de Floriza não se adaptou às
novas relações de trabalho e vendeu a propriedade para viver com a família em
Piracicaba. Num primeiro momento, a mudança não significou muito para a
adolescente, que tinha planos de tornar-se freira. Aos dezenove anos, no
entanto, por insistência da família, casou-se por arranjo com Antônio Silveira
Corrêa, cunhado de um de seus irmãos. O matrimônio foi uma ruptura radical na
vida a que estava acostumada. Três anos mais tarde, Floriza e o marido deixaram
o conforto da cidade e embarcaram em um vapor da Companhia Fluvial de
Navegação, numa viagem longa e difícil rumo ao então inóspito Oeste paulista.
Levavam consigo os dois primeiros filhos (um tinha menos de dois meses e outro,
pouco mais de um ano) e uma “menina como pajem”. A missão do casal era plantar
café na terça parte que lhes cabia de uma propriedade comprada pelo sogro de
Floriza. Floriza descreve o lento e árduo trabalho de constituição de sua
fazenda do Engenho, no município de Lençóis Paulista — então praticamente uma
terra de ninguém —, processo do qual participou ativamente. Com riqueza de
detalhes e numa linguagem simples e direta, Floriza relata as dificuldades do
desbravamento daquela região na virada do século XIX para o XX, com escassez de
médicos e ameaças constantes de incêndios, bandoleiros, cobras venenosas e
saúvas; a convivência com as famílias de colonos italianos e espanhóis; o
nascimento dos filhos, em casa, em condições muito precárias; a luta, até mesmo
física, para manter o lugar social de sua família de origem. Escritas em 1947,
aos 73 anos, como simples remédio “para desabafar o coração”, sem nenhuma
intenção de publicação, estas Páginas de recordações revelam-se um documento
histórico ímpar ao registrar, entre outros aspectos, a importância do trabalho
feminino na implantação das fazendas de café no sertão paulista. Uma prova de
como, no fio do tempo, todo registro particular se torna parte da memória
coletiva de um país. Páginas de recordações é publicado com posfácio de
Marina de Mello e Souza.
O novo
livro do poeta Fabiano Calixto é editado pela Corsário Satã.
FLIPERAMA
é o oitavo livro do poeta brasileiro e conta com poemas compostos na última
década, solidificando uma trajetória inquieta, iniciada nos anos 1990. Os
poemas do conjunto perscrutam, através de uma multiplicidade de timbres e
registros, a vida e suas tensões, as flores e os horrores das ruínas do nosso
convulsivo tempo. Como bem observa, no prefácio do livro, o poeta e crítico
Rodrigo Lobo Damasceno: “FLIPERAMA é um jogo, diverte ao mesmo
tempo em que cavuca as melhores memórias de tempos inocentes e os mais intensos
instantes de alegria dentro da amizade e do amor – mas é, também, uma espécie
de bomba disposta a abdicar de apegos passadistas que facilmente pendem para o
conservadorismo. daí, por exemplo, que a bomba atue contra a própria ideia da
arte, contra a forma do poema, que às vezes surge esburacado, às vezes aparece
ao revés – e, outras tantas, aposta numa conversa radical com a tradição
radical do concretismo e suas apostas contra o verso (afinal, o poema ou o
decassílabo mais perfeito, de cara com o fatal ano de 2012, tornam-se o mesmo
que as unhas, os talheres da família, o pensamento ou tarkovsky: areia). não há
inocência neste fliperama – o jogador conhece o jogo, e sabe que o jogo é sujo,
tanto que, diante da escultura luxuosa e de traços perfeitos, não hesita em
fechar a resenha lembrando que a fortuna é resultado de sangrentos saques
coloniais. vital privilégio dos desprivilegiados: intrusos que são numa
tradição aristocrática e que só quer, a qualquer custo, se conservar (e que só
pode se conservar mantendo longe os intrusos), estão pouco se fodendo para
esses alicerces – sempre que podem, explodem a fundação da casa onde só
poderiam entrar para servir. e este fliperama não serve a ninguém: debaixo dos
céus rústicos dos subúrbios, só quer estar com os da sua laia, os tantos
severinos de mesmas águas de pias, os membros da akademia dos párias,
aqueles formados nas esquinas de aula da universidade desconhecida.”
Dois
novos títulos da Âyiné editora para ampliar o debate sobre assuntos do contemporâneo
dão forma a nova coleção.
1. Das três
ideologias dominantes do século XX – fascismo, comunismo e liberalismo –,
apenas o liberalismo resiste. Isso criou uma situação peculiar: os proponentes
do liberalismo tendem a esquecer que este é uma ideologia, e não o estado final
natural da evolução política. Como defende Patrick J. Deneen neste livro
provocador, o liberalismo fundamenta-se em uma série de contradições: advoga
igualdade de direitos enquanto promove uma desigualdade material sem
precedentes; a sua legitimidade baseia-se no consenso e, no entanto,
desencoraja os compromissos cívicos em prol do privatismo; defende a autonomia
individual, mas deu origem ao sistema estatal mais abrangente da história
humana. Neste livro o autor adverte: as forças centrípetas que se fazem sentir
na nossa cultura política não são falhas superficiais, mas características
inerentes de um sistema cujo sucesso está gerando seu próprio fracasso. “O
liberalismo fracassou – não por não ter sido capaz de atingir suas metas, mas
por ter sido fiel a si mesmo. Fracassou por ter sido bem-sucedido. À medida que
o liberalismo “se tornou mais plenamente o que é”, à medida que sua lógica
interna se tornou mais evidente e que suas contradições internas ficaram mais
manifestas, geraram-se patologias que são a um só tempo deformações de seu
discurso e realizações da ideologia liberal.” Por que o liberalismo fracassou?
foi traduzido por Rogerio W. Galindo.
2. Racismo,
fanatismo, sentimento antidemocrático. Em um espaço público cada vez mais
polarizado, impõe-se um pensamento que só permite duvidar das opiniões dos
outros, nunca das próprias. Carolin Emcke – uma das intelectuais europeias mais
interessantes de sua geração – opõe a essa homologação a riqueza de uma
sociedade aberta a diferentes vozes: uma democracia se realiza plenamente apenas
com a vontade de defender o pluralismo e a coragem de se opor ao ódio. Com
esses anticorpos, podemos derrotar os fanáticos religiosos e nacionalistas, que
fabricam consenso, mas têm medo da diversidade e do conhecimento, as armas mais
poderosas que temos. A tradução de Contra o ódio é de Mauricio Liesen.
Coletânea
de todos os escritos de Epicuro, um dos filósofos antigos mais influentes na
modernidade, Cartas e máximas é uma introdução para a filosofia do bem
viver.
Os
ensinamentos do filósofo grego Epicuro atraíram legiões de adeptos em todo o
mundo antigo e influenciaram profundamente o pensamento europeu moderno. Embora
tenha enfrentado oposição hostil por séculos após sua morte, Epicuro tem Thomas
Hobbes, Thomas Jefferson, Karl Marx e Isaac Newton entre seus muitos admiradores.
Dentre os pensadores antigos, ele seria o verdadeiro pai de ideias e tendências
filosófico-científicas, como a base materialista do marxismo, o princípio de
incerteza da física quântica, a ideia de seleção natural, o problema da vontade
livre, a doutrina da vida em comunidade afastada da política e, por fim e não
menos importante, o repúdio à crença em castigos após a morte. Talvez ele seja
o autor mais antigo no gênero do “manual de autoajuda”. Neste volume, que
inclui todos os escritos existentes de Epicuro, o leitor encontrará as três
cartas dedicadas aos discípulos do filósofo, bem como o conjunto de sentenças e
aforismos que sobreviveu até nossa época. Sistema filosófico de importantes
desdobramentos tanto no período helenístico como no romano, o epicurismo
continua atual. A tradução do grego, apresentação e notas é de Maria Cecília
Gomes dos Reis; o livro sai pela Penguin / Companhia.
Ao
retratar o Brasil através da degradação de sua elite econômica, Marcelo
Vicintin constrói um livro singular, com altíssimo poder de capturar o leitor.
Uma estreia surpreendente.
“Dizem que o
dinheiro não muda ninguém, apenas desmascara; e é num mundo sem máscaras que as
predileções humanas ficam mais claras.” Esta é a síntese de um romance em que
dois narradores privilegiados se alternam para contar cada um a sua história.
Um deles é Egydio, herdeiro de uma empresa de navegação, que cumpre pena em
prisão domiciliar após ser flagrado por uma força-tarefa da Polícia Federal; a
outra é Marilu, espécie de arrivista em busca da imagem perfeita, mergulhada
num presente frenético e incerto. São personagens que não buscam a simpatia do
leitor, pelo contrário. Mas seu encanto está justamente no que neles há de
corrompido. É necessário considerar as nuances da escrita ― a meio caminho
entre a paródia e a crítica, procurando abarcar um contexto muito mais amplo, o
do Brasil desse início de anos 2020 ― para que se possa adentrar no coração
desta que, sem dúvida, é uma das estreias literárias mais corrosivas e
corajosas dos últimos anos. As sombras de ontem sai pela Companhia das
Letras.
O novo
livro na coleção da Numa Editora.
Ingênuo.
Super é um livro perturbador e comovente. De modo simples e direto, narra a
história de um homem que, ao fazer vinte e cinco anos, se vê desiludido e
confuso, então abandona a faculdade, vende quase todos os seus pertences e se
muda para o apartamento do irmão, que está viajando. Através da contemplação e
da brincadeira, ele faz listas, classificando os significados da vida, tenta
obter uma perspectiva do mundo e fica obcecado com o conceito de tempo. O modo
como o narrador percebe o mundo e elabora suas percepções é ingênuo, ao mesmo
tempo que muito interessante e particular. É fácil incorporar suas questões,
rir e se emocionar com ele. O livro foi lançado na Noruega em 1996 e logo se
tornou muito popular, sendo comparado a O apanhador no campo de centeio,
de J. D. Salinger. Traduzido em mais de vinte idiomas, o livro recebe agora,
pela primeira vez, uma tradução feita direta do norueguês, por Guilherme da
Silva Mendes. Erlend Loe é escritor e roteirista, vive em Oslo.
Peça reconta
o colapso financeiro de 2008 do Lehman Brothers como metáfora sobre o modelo econômico
que nos rege.
Em 15 de
setembro de 2008, o banco de investimento estadunidense Lehman Brothers foi à
falência, marcando o início da maior e mais recente crise financeira mundial. A
fim de entendê-la, o National Theatre de Londres encomendou ao dramaturgo
britânico David Hare uma peça sobre o assunto, e assim surgiu O poder do sim.
Fazendo-se personagem de sua própria obra, o autor imiscui-se entre
figuras-chave do mercado financeiro – banqueiros, economistas, acadêmicos,
jornalistas etc. – a fim de examinar, em detalhes, as causas que levaram o
sistema capitalista a colapsar naquela data. Se o tema a princípio parece
complexo e distante do universo de grande parte dos leitores, a dinamicidade
dos diálogos e a desfaçatez dos personagens nos envolvem, num crescendo, ao
longo dos nove quadros que constituem este drama. Estreia de David Hare para o
público brasileiro, O poder do sim: um dramaturgo procura entender a
crise financeira, reitera sua fama de grande dramaturgo social da atualidade,
além de questionar quão catastróficas podem ser as consequências da
permissividade ao capital financeiro. Esta edição traz prefácio assinado pela
pesquisadora e professora Anna Stegh Camati e posfácio de autoria da
pesquisadora, economista, e também professora, Leda Maria Paulani, além da
seção “Anexos”, que inclui a Ficha técnica da estreia, Notas biográficas sobre
os personagens e um Glossário de termos, personalidades e instituições
financeiras, a fim de contextualizar o leitor brasileiro e aprofundar seus
conhecimentos tanto sobre os vocábulos citados na obra como em relação ao
universo financeiro em si. A tradução é de Clara Carvalho, que também é
diretora e atriz integrante do núcleo artístico do Grupo Tapa. O livro é
publicado pela editora Temporal.
Peça
dentre as mais importantes de Thomas Bernhard ganha edição no Brasil.
No
apartamento do falecido prof. Schuster, a governanta sra. Zittel e a empregada
Herta preparam o jantar funerário para a família, rememorando a vida do patrão
e lamentando a morte trágica que acabara de acontecer. Enquanto isso, as filhas
de Schuster, Anna e Olga, tentam convencer seu tio a assinar uma petição em
defesa de um território onde a família possui uma propriedade e a tratar de
outros pormenores cotidianos. Entre lembranças e tentativas de compreensão das
condições que levaram o professor a cometer suicídio, os personagens apresentam
um panorama político da Áustria no fim da década de 1980, traçando um paralelo
direto com o episódio de invasão de Hitler na Praça dos Heróis, que marcara não
só o âmago da família protagonista, como toda a história ocidental. Escrita em
1988 por encomenda de Claus Peymann, então diretor do Burgtheater de Viena, por
ocasião do centenário de abertura do teatro e, coincidentemente, pelos
cinquenta anos do Anchluss (anexação da Áustria pela Alemanha nazista), Praça dos heróis é uma reflexão crítica sobre o nacionalismo e o
antissemitismo da Áustria moderna, além de uma denúncia da negação de seu
passado por parte do povo austríaco. Polêmica por sua assertividade, como
diversas outras obras de Bernhard, esta peça de linguagem límpida sensibiliza
os leitores não só pela delicadeza da situação que representa, como por sua
atualidade. Em prefácio à edição brasileira, Alexandre Villibor Flory, doutor
em literatura alemã pela USP e especialista na obra de Bernhard, aborda o contexto
e a relevância da publicação de Praça dos heróis, até então inédita
no Brasil, bem como disserta sobre a estética da peça e os ganhos desta
tradução para o português, de autoria de Christine Röhrig. A edição da Temporal
ainda conta com fotografias e ficha técnica da polêmica montagem de estreia de
1988 no Burgtheater e da montagem brasileira, dirigida por Luciano Alabarse em
2006.
Leitores
brasileiros têm dois títulos de Edward Albee.
1. Quem
tem medo de Virginia Woolf? Martha, 52, filha do reitor de uma
universidade, na Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, é casada com um professor
do departamento de história, George, seis anos mais novo do que ela. Na volta
de uma festa da casa do pai de Martha, já madrugada, eles recebem o jovem
professor de biologia Nick e sua esposa Honey. A noite avança e bebe-se muito. Neste
livro, Edward Albee propõe, sob a forma de um ritual selvagem de expurgo,
iluminar os caminhos sinuosos das paixões e desilusões que constroem um
relacionamento. Neste texto dilacerante, George e Martha expõem a seus
convidados tensões psicológicas que forjaram sua união e vida concretas, num
percurso demoníaco de desagravos, covardias e perversidades no qual a realidade
e verdade revelam-se, por fim, feitas de um material diverso do consagrado pela
moral e pela tradição. Encenada pela primeira vez em 1962, a peça causou
polêmica e tornou-se um clássico instantâneo da dramaturgia norte-americana.
Vencedora do Pulitzer de Melhor Drama em 1963 na votação do júri, teve seu prêmio
cassado antes da outorga pela própria organização do prêmio, que temeu
concedê-lo a uma obra tão controversa. Levado ao cinema em 1966, colocou lado a
lado Richard Burton e Elizabeth Taylor, um dos casais mais icônicos e trágicos
da história de Hollywood, em uma produção que dominou os prêmios de melhor
atuação do Oscar do ano seguinte. A tradução de Bruno Gambarotto sai pela Grua
Livros.
2. Três
mulheres altas. No luxuoso quarto de A, descrita como “Uma mulher muito
velha; magra, autocrática, orgulhosa, tão calma quanto as calamidades do tempo
o permitirão”, estão B, 52 anos, e C, 26 anos. As três são mulheres altas, que
se parecem. Neste drama em dois atos, a frágil e senil A se recorda de seu
marido com quem tinha uma relação fria, do filho que foi embora faz muitos anos
e que ela não vê, de cenas por vezes nítidas, por vezes nebulosas, que lhe
marcaram a história. B e C ouvem o relato e intervém com as certezas e dúvidas
de suas idades. O segundo ato traz surpresas ao leitor, uma descontinuidade
aparente. As transformações do ser humano, nas diferentes etapas da vida, nos
comportamentos, no corpo, na maneira de enxergar a vida vivida – momentos de um
colorido próprio que se encadeiam e, assim, confirmam a linearidade do
percurso, ainda que sinuoso –, a vida em seu auge na maturidade, a vida ainda
por acontecer na juventude, três mulheres em sua busca por uma só mulher e uma
só experiência capaz de manter coeso o fio de atos e pensamentos que se eleva à
condição de uma identidade. Baseada na relação difícil de Albee com sua mãe
adotiva e elaborada sob a atmosfera do Teatro do Absurdo e de autores como
Samuel Beckett e Luigi Pirandello, Três mulheres altas representou um
dos pontos altos da produção de Edward Albee. Levada a público em 1991, a peça
rendeu ao dramaturgo norte-americano o Pulitzer de Melhor Drama em 1994, o
terceiro de sua obra, uma das obras mais consistentes e aclamadas da
dramaturgia norte-americana. A tradução de Bruno Gambarotto sai pela Grua
Livros.
A Ilíada
traduzida por Trajano Vieira.
Composta no
século VIII a.C., a Ilíada é considerada o marco inaugural da literatura
ocidental. Tradicionalmente atribuída a Homero, a obra aborda o período de
algumas semanas no último ano da Guerra de Troia, durante o cerco final dos
contingentes gregos à cidadela do rei Príamo, na Ásia Menor. Com seus mais de
15 mil versos, o poema ganha agora uma nova tradução ― das mãos de Trajano
Vieira, professor livre-docente da Unicamp e premiado tradutor da Odisseia
―, rigorosamente metrificada, que busca recriar em nossa língua a excelência do
original, com seus símiles e invenções vocabulares. A presente edição,
bilíngue, traz ainda uma série de aparatos, como um índice onomástico completo,
um posfácio do tradutor, excertos da crítica, e o célebre ensaio de Simone
Weil, “A Ilíada ou o poema da força”. O livro sai pela Editora 34.
Uma
eclética, provocativa e instigante compilação de quatro trabalhos que refletem
a diversidade da imaginação de Tolkien.
Apesar de
ser universalmente conhecido pelo seu magnum opus, O Senhor dos Anéis,
J.R.R. Tolkien deixou um legado literário que vai muito além da Terra-média. Árvore
e folha é uma eclética, provocativa e instigante compilação de quatro
trabalhos que refletem a diversidade da imaginação de Tolkien, seu profundo
conhecimento da história inglesa e a amplitude de seu talento como criador de
ficções modernas. A obra une de maneira mágica uma palestra, um conto, um poema
mítico e outro de cunho histórico e reflexivo. O livro inicia-se com o ensaio “Sobre
Estórias de Fadas”, fruto da pauta de uma palestra ministrada pelo Professor em
1938, ainda com o cheiro da tinta de O Hobbit nas mãos. O texto discorre
brilhantemente sobre o Reino Perigoso das Fadas (Elfos), suas características e
o mais importante: sua importância para os adultos. Em o conto “Folha de Cisco”
vemos Tolkien pintando um autorretrato de sua vida como escritor e artista na
busca inatingível pela perfeição em seus trabalhos. O tom, inicialmente suave,
vai ganhando cores mais fortes com o aprofundamento psicológico e biográfico da
narrativa. Na onírica poesia “Mitopeia”, sua paixão pelos mitos mistura
realidade e fantasia ao ecoar uma famosa conversa com C.S. Lewis, que acabou
por levar o amigo de volta ao Cristianismo. “O Retorno de Beorhtnoth” traz a
faceta mais acadêmica e erudita do Tolkien. O poema faz uma brilhante conexão
histórica com o antigo evento inglês de a Batalha de Maldon. Uma reflexão sobre
soberba e heroísmo contada a partir de um diálogo dramático entre dois homens
em um cenário de guerra. Árvore e folha deixará os leitores ávidos por
absorver tudo aquilo que as palavras desenham a cada nova paisagem, passagem,
imagem e viagem. A tradução de Reinaldo José Lopes sai pela HarperCollins
Brasil.
Novo
romance de Marcelo Mirisola.
Em Quanto
custa um elefante?, novo romance de Marcelo Mirisola, o alter-ego do
escritor dá novamente as caras, dando sequência a seus romances anteriores,
dedicados à mulher que fez gato-e-sapato de suas ilusões amorosas,
carinhosamente apelidada de “Ruína”. Aqui, Marcelo faz um verdadeiro pacto com
o diabo, que inclui os préstimos de uma mãe de santo, para reconquistar sua
desencanada paixão, em meio a outras mulheres que aparecem e desaparecem para
complicar sua vida. Autoficção de primeira, o livro entrega tudo o que promete,
e mais um pouco: mais ou menos como um passeio de Harley-Davidson pela orla do
Rio de Janeiro. A edição é da Editora 34.
A
história de Tristão e Isolda, de origem celta, incendiou a imaginação de
poetas, músicos, ficcionistas e dramaturgos por vários séculos, tendo inspirado
a célebre ópera de Wagner.
O romance
de Tristão, do misterioso Béroul, uma narrativa em versos rimados e
metrificados composta entre 1150 e 1190, integra o ciclo de histórias do rei
Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, e marca o surgimento do romance
moderno no Ocidente. A presente edição bilíngue, apresentada e traduzida por
Jacyntho Lins Brandão, professor emérito da Universidade Federal de Minas
Gerais, foi vertida diretamente do francês arcaico e recupera, em nossa língua,
todo o brilho, o frescor, a inventividade e o colorido dos 4.485 versos dessa
indiscutível obra-prima da literatura medieval. A edição é da Editora 34.
É difícil
ser Deus, de Arkádi & Boris Strugátski.
Disfarçado
de aristocrata arrogante e arruaceiro, Don Rumata é um dos duzentos e cinquenta
observadores do planeta Terra enviados sob falsa identidade para Arkanar, um
reino extraterrestre preso numa época histórica muito parecida com o período
medieval, com o objetivo de observar e influenciar os eventos e a população
locais, mas com instruções expressas de nunca interferir de forma direta em
suas vidas. Arkanar é mergulhado em um clima de ignorância e em um pântano
sanguinolento, dominado por conspirações, avidez e opressão: basta demonstrar
inteligência, questionar qualquer coisa ou ter um espírito anticonformista para
se tornar alvo das milícias imperiais e ser tratado como traidor. Enquanto
isso, no planeta Terra a vida continua feliz e idílica, em um clima de paz e
harmonia, conhecimento e criatividade. Alguns dos observadores, inclusive Don
Rumata, são tentados a intervir e salvar o povo de Arkenar da tirania e da
ignorância; outros não acreditam em sua salvação e são convencidos de que
qualquer tipo de intervenção seria inútil e eticamente discutível. No entanto,
para Rumata, dominado por dúvidas e dotado de compaixão humana, aceitar esse
papel de “historiador fora da história” é algo cada vez mais complicado,
inclusive por causa de seus sentimentos por Kira, uma garota local. Arkady e
Boris Strugatsky são conhecidos como os maiores escritores de ficção cientifica
russos da época soviética. É difícil ser Deus, escrito em 1964, é considerado
um dos mais importantes de seus romances. O livro inspirou um RPG eletrônico e
dois filmes, entre eles, em 2013, a última obra do grande diretor russo Aleksei
German. A tradução de Tatiana Larkina sai pela Rádio Londres.
Artigo 353
do Código Penal, o primeiro livro de Tanguy Viel no Brasil.
Em uma
cidadezinha da Bretanha, no litoral do norte da França, mergulhada numa séria
crise econômica e em pleno declínio industrial, um homem chamado Martial
Kermeur é preso pelo homicídio do incorporador imobiliário Antoine Lazenec,
depois de atirá-lo ao mar enquanto faziam um passeio de barco. Durante um longo
encontro com o magistrado responsável pela investigação de seu caso, Kermeur
conta sua história, ou seja, a sequência de eventos dramáticos que o levaram
até esse gesto irreparável: o divórcio, o surto do filho adolescente, que vai
parar na prisão, a perda do emprego, mas, sobretudo, o que houve com Lazenec,
que, mediante a promessa de um lindo apartamento com vista para o mar, consegue
convencer uma parte significativa dos trabalhadores da cidade a investir a
própria indenização trabalhista em seu projeto imobiliário, projeto que logo se
revela uma miragem… Um romance sutil que, com uma linguagem precisa e elegante,
mistura os elementos clássicos do noir à análise social e mergulha o
leitor numa atmosfera sufocante, digna de Simenon. Uma obra que foi um dos
eventos literários dos últimos anos na França, escrita por um autor celebrado
como o Camus de nossa era. A tradução de Maria de Fátima Oliva do Coutto sai
pela editora Rádio Londres.
Cineasta
Anna Muylaert lança livro de contos que explora o universo feminino.
A diretora
de cinema e roteirista Anna Muylaert apresenta seu primeiro livro de contos,
Quando o sangue sobe à cabeça. O livro é publicado pela Lote 42. Quando o
sangue sobe à cabeça traz seis narrativas curtas, sempre protagonizadas por
personagens mulheres. De uma depiladora falastrona a uma grávida desconfiada
com seu médico, a escritora constrói relatos envolventes sob a perspectiva de
personagens diversas e cativantes. A artista escreveu as histórias nos anos
1990 como uma forma de construir sua voz autoral, com desenvolvimento de tramas
e personagens. Em 2002 ela lançaria seu primeiro longa-metragem, Durval
Discos. Dirigiu outros quatro filmes, entre eles o multipremiado Que
horas ela volta?. Do livro, uma das narrativas deu origem ao curta-metragem
A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti. O livro tem capa impressa em
serigrafia branca. Uma sobrecapa com dobras irregulares forma um pôster com
detalhes do corpo humano. A dedicatória, “Para Celina e Celina”, foi carimbada
manualmente em tinta vermelha. O projeto gráfico é de Gustavo Piqueira e Samia
Jacintho, sócios do multipremiado estúdio Casa Rex. Muylaert lançou seu
primeiro livro em 1988. Vai!, publicado pela Massao Ohno Editora, trazia
poemas com marcante expressividade visual.
REEDIÇÕES
Livro de
estreia de um dos principais nomes da poesia contemporânea, agora reeditado
pela Companhia das Letras.
Publicado
pela primeira vez em 2009, A vida submarina combina rara sensibilidade e
excepcional talento para a observação de tudo o que nos rodeia ― xícaras,
cortinas, camas, fotografias. O poema, Ana Martins Marques conclui, é lugar
para pensar. O fazer poético, a mobília doméstica, o desejo amoroso, a noite
silenciosa, os hotéis em baixa temporada, o tempo que corre: tudo pode ser
formulado no espaço do verso. Lançados ao mundo “com a coragem suicida/ dos
barcos de papel”, Ana revela que os poemas aprendem com o mar “a colocar os
corpos em perigo”.
Há muito
fora de catálogo, volta às livrarias Os moedeiros falsos, de André Gide.
Tarefa
difícil dar conta da magnitude desse romance. Romance sobre a construção do
romance, é ao mesmo tempo romance de formação, flerta com o estilo
folhetinesco, com o romance policial, o romance de ideias... Bernard, Olivier e
Édouard são os rapazes que formam a tríade central de personagens. Bernard, o
filho que deixa o lar em busca de identidade, um bastardo na pele do filho
pródigo; Olivier, seu grande amigo, intelectual como ele, mas sempre no limiar
entre a vaidade e a insegurança. Tio de Olivier, algo mais velho que os dois,
Édouard fecha o núcleo que norteará o leitor em meio ao sistema caleidoscópico
e polifônico de Os moedeiros falsos. Em especial este último: é por meio
do diário de Édouard (escritor, ele planeja escrever um romance chamado Os
moedeiros falsos) que o leitor é tragado pela estrutura abismal – mise
en abyme, segundo Gide – da obra dentro da obra, onde os limites entre o
ficcional e o real se atenuam e vêm à tona a metalinguagem e a reflexão sobre
as possibilidades e os limites de um romance. Anterior ao esquema de
falsificação armado por Victor Strouvilhou, quiçá esteja outro tipo de “moeda
falsa”. Se nos Porões do Vaticano o elemento diabólico encontra seu
totem na figura de Lafcadio, aqui ele se dissemina. Há como que uma brisa
funesta a perpassar todo o enredo, o qual, no entanto, encontra seu equilíbrio
na juventude e na pureza de alguns de seus cativantes personagens: um erotismo
sutil, combinado com a causalidade e a inconsequência. A tradução de Mário
Laranjeira ganha segunda edição pela Editora Estação Liberdade.
A
Companhia das Letras reedita A língua absolvida, coletânea de ensaios -
traduzida diretamente do húngaro por Paulo Schiller – do vencedor do Prêmio
Nobel de Literatura, Imre Kertész e que discute o impacto da Segunda Guerra
Mundial e do Holocausto, do qual ele foi um sobrevivente, em toda a cultura do
século XX.
"Uma
escrita que sustenta a vivência frágil do indivíduo contra a arbitrariedade
bárbara da história." Foi com essas palavras que a Academia Sueca
apresentou a obra de Imre Kertész, ao anunciá-lo vencedor do Prêmio Nobel de
Literatura de 2002. Entre as narrativas marcantes da segunda metade do século
XX figuram os relatos e as reflexões dos sobreviventes dos campos de extermínio
nazistas. Como Primo Levi e Paul Célan, Imre Kertész transforma a experiência
da deportação em reflexão sobre os valores éticos e morais da nossa sociedade -
assim, o testemunho da degradação humana pode enriquecer o conhecimento e criar
as bases de uma nova cultura. "A língua exilada" é uma coleção de
ensaios permeados pela ideia de que o Holocausto não é um acontecimento
restrito aos nazistas e aos judeus: é uma experiência de cunho universal. Se o
filósofo alemão Adorno dizia ser impossível escrever versos após Auschwitz,
Kertész afirma que o campo de concentração é um marco zero e que, portanto,
nada mais poderia ser escrito sem fazer menção a ele. Segundo o autor, em todas
as produções artísticas pós-Segunda Guerra Mundial estão evidentes as marcas da
aniquilação dos valores que sustentavam a civilização antes do Holocausto.
Passada a euforia inicial da queda do Muro de Berlim, em 1989, renasceram os
velhos nacionalismos e, com eles, a sombra do anti-semitismo. O acerto de
contas de Kertész jamais poupa o totalitarismo stalinista. Em um estilo marcado
pelo humor amargo da Europa Central, Kertész relembra também os intelectuais
que escolheram o exílio à vida sob a opressão soviética.
Dois
livros iniciam a reedição da obra de João Antônio pela Editora 34.
1. Malagueta,
Perus e Bacanaço foi lançado em 1963 e tornou-se de imediato um clássico,
na mesma linhagem de autores como Antonio de Alcântara Machado e Lima Barreto.
Seus nove contos concisos e diretos, de tintas autobiográficas mas isentos de
sentimentalismo, recriavam saborosamente o ritmo e o léxico da língua popular
de uma São Paulo praticamente desconhecida pelos leitores ― a língua do
pé-de-chinelo que chuta tampinhas pela rua e joga sinuca nos botecos.
Ambientado na capital paulista no final dos anos 1950 e início dos 60, por este
livro desfilam pequenos funcionários, soldados rasos, camelôs, malandros e
desocupados que, pelas mãos de João Antônio, entraram finalmente pela porta da
frente de nossa literatura.
2. “Um
soco”, já disse o crítico Leo Gilson Ribeiro sobre o vigor estilístico de Leão
de chácara, comparando seu autor a Céline e Jean Genet, escritores que
viveram no universo dos marginalizados e o transformaram em literatura.
Publicado em 1975, é o segundo livro de João Antônio (1937-1996). Entre Malagueta,
Perus e Bacanaço e este, o golpe de 1964 e a mudança do escritor para o Rio
de Janeiro. Talvez por isso, nos três primeiros contos, ambientados na capital
carioca, o estilo é mais incisivo, as gírias multiplicam-se e o enredo carrega
mais violência. Com o mesmo espírito, e de forma ainda mais intensa, no famoso
conto “Paulinho Perna Torta”, que fecha o volume, o próprio personagem narra
sua trajetória, de engraxate a rei da Boca do Lixo paulistana.
Nova
edição de Pilatos, de Carlos Heitor Cony.
Nono romance
de Carlos Heitor Cony, publicado pela primeira vez em 1974 e considerado pelo
próprio autor o seu favorito, Pilatos narra a história de um homem que
sofre uma série de infortúnios. É atropelado, descobre que seus órgãos sexuais
foram mutilados, foge do hospital em que fora internado e passa a perambular
pelo submundo carioca, carregando Herodes, seu membro amputado, num vidro de
compota. Aparentemente sem propósito, o périplo desse anti-herói risível de
destino trágico nos apresenta um contundente retrato da sociedade brasileira da
década de 1970, fazendo uma crítica ácida aos violentos e castradores anos da
ditadura. O livro é publicado pela Editora Nova Fronteira.
OS LIVROS
POR VIR
Romance
inédito de Mario Vargas Llosa é publicado no Brasil pela Alfaguara no segundo
semestre de 2020. O escritor peruano publicou Tiempos recios no final do
ano anterior. Situado na Guatemala de 1954, o romance reconta o golpe militar
perpetrado por Carlos Castillo Armas e financiado pelos Estados Unidos através
da CIA que derruba o governo de Jacobo Árbenz. Por trás desse episódio se
encontra uma mentira que se passou por verdade e mudou o futuro da América
Latina: a acusação por parte do governo de Eisenhower de que Árbenz alentava a
entrada do comunismo soviético no continente. O livro cujo título traduzido no
Brasil se chamará Tempos ásperos é uma história de conspirações
internacionais e interesses comuns, nos anos da Guerra Fria, cujas marcas
ressoam até os dias de hoje. A tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht será
publicada pela Alfaguara Brasil.
DICAS DE
LEITURA
No momento
em que redigimos as recomendações de leitura apresentadas nesta seção, trabalhamos,
motivados pelo COVID-19, na construção de uma lista a ser publicada por aqui na
semana seguinte com livros que tratam sobre a peste. A ideia nasceu aqui e tomou,
como vírus, proporções maiores que nos levou a pensar em outras dicas. E são os
títulos que se seguem:
1. Marcas
de nascença, de Arnon Grunberg. Este é um livro sobre o qual guardamos uma
imensa curiosidade para lê-lo; todo leitor que tiver passado por algum título
do escritor alemão entenderá o motivo. Publicado pela Rádio Londres, o romance traz
como protagonista Otto Kadoke, um psiquiatra especializado em prevenção de
suicídios. Seu papel é manter vivas as pessoas que têm o desejo de morrer. Ele
é um homem de meia-idade, sem filhos, não muito atraente, mas que tem um
histórico de sedutor com várias médicas residentes. Embora muito ocupado, Otto
não deixa de visitar com regularidade sua mãe idosa e carente, que mora numa
casa aos cuidados de duas garotas nepalesas, Rose e June. Um dia, entretanto, o
delicado equilíbrio familiar se rompe quando Otto, enquanto está visitando a
mãe, abre a porta do banheiro e encontra Rose enrolada em uma toalha. Otto,
interpretando mal o episódio, deixa-se levar pelas emoções e pelos sentimentos
de amor por ela. Rose, então, resolve pedir demissão, e June faz o mesmo,
açulando toda a comunidade nepalesa contra o médico. Enquanto está em busca de
uma nova cuidadora, Otto é obrigado a lidar sozinho com a mãe e passa por uma
profunda crise pessoal, quando, então, acaba por questionar a própria
existência, caindo em uma sequência tragicômica e hilariante de equívocos
grotescos. Como sempre, com seu estilo afiadíssimo e único, Grunberg faz o
leitor rir e chorar ao mesmo tempo. E, como sempre, no final, mesmo quando tudo
parece perdido, há um lampejo de esperança na trágica e grotesca vida de
Kadoke. A tradução publicada no Brasil é da Mariângela Guimarães.
2. Vamos
comprar um poeta, de Afonso Cruz. A editora que publica o livro do escritor
português no Brasil cuida de uma coleção que alguns dos títulos nela incluídos já
foram outras vezes recomendados por aqui. Trata-se da coleção Gira. No livro
agora recomendado Afonso Cruz imagina que numa sociedade dominada pelo
materialismo, as famílias têm artistas em vez de animais de estimação. E nesse
cenário, onde cada espaço tem um patrocinador, cada passo é medido com
exatidão, e até a troca dos afetos é contabilizada, que uma menina pede ao pai
um poeta. Com humor e leveza, o autor constrói uma obra que nos faz pensar
sobre o utilitarismo e o papel da arte em um mundo onde tudo precisa ser
mensurado.
3. O sino
e o relógio. Uma antologia do conto romântico brasileiro,
organizada por Hélio de Seixas Guimarães e Vagner Camilo. O livro publicado
pela Carambaia é fruto de um trabalho de pesquisa e coleta minuciosa que durou
mais de dez anos. Com ênfase em material raro, publicado apenas na imprensa da
época, a coletânea abrange autores hoje esquecidos, porém relevantes no século
XIX, e traz obras assinadas por nomes geralmente associados a outros gêneros e
atividades, como os poetas Fagundes Varela e Casimiro de Abreu, o editor Francisco
de Paula Brito e o dramaturgo Martins Pena. Entre as raridades da coletânea
estão histórias escritas por mulheres, algumas pouco conhecidas hoje, como
Corina Coaracy e Escolástica P. de L, ao lado de Nísia Floresta e Maria Firmina
dos Reis. Outro aspecto interessante e incomum de O sino e o relógio é a
inclusão de dois contos anônimos de boa qualidade. Ao todo são 25 narrativas
publicadas entre 1836 e 1879 divididas em quatro grandes conjuntos temáticos –
fantástico, histórico, cotidiano e intriga. São classificações que levam em
conta a trama central dos contos, embora muitas vezes suas características se
misturem. Essa disposição permite revelar que o Romantismo, tal como praticado
no Brasil, abrangeu mais temas do que os tradicionalmente reconhecidos, como o
indianismo ou a exaltação da natureza.
VÍDEOS,
VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Chegou na
galeria de vídeos do Letras no Facebook três vídeos que constituem um conjunto
de excertos de um mesmo filme; trata-se de uma entrevista realizada por Michel
Polac e Michel Vianey a Witold Gombrowicz. No primeiro excerto, com detalhes
sobre a biografia do escritor polonês, ele descreve seus não-gostos literários;
no segundo, explica sua predileção pela leitura de Montaigne, da literatura
russa (citada por Dostoiévski), a literatura alemã (Thomas Mann) e alguns nomes
da cultura e da literatura polonesa; e no terceiro, retoma a partir de suas
reservas à cozinha francesa porque sua literatura está implicada a outro modelo
que repudia o modelo intelectual sempre recorrente, preso à forma e expressão
racional.
BAÚ DE
LETRAS
1. Depois de
recomendarmos o novo romance de Arnon Grunberg no Brasil, recordamos dois
textos publicados no Letras que são leituras de outros dois títulos
desse escritor publicados por aqui também pela Rádio Londres: o primeiro, com
leitura sobre O homem sem doença; e o segundo sobre Tirza.
.........................
* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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