A sociedade do espetáculo e a origem do Big Brother
Por Antonio Alves
Ilustração: Suzanne Dias |
Não é de hoje que o ser humano adora espiar as mazelas de seus semelhantes.
Poucos séculos atrás, condenar um criminoso em praça pública ou em portas de
igrejas, não era só um modo de exercer a justiça, mas também um espetáculo e
tanto. Execuções públicas vultavam multidões para rirem e escracharem de
criminosos. Os modos eram bastante diversos: empalhamento, garrote, gaiola de
ratos, desmembramentos utilizando-se de cordas e cavalos, ou até mesmo modos
mais rápidos como a abertura do ventre para que o condenado pudesse ver suas
entranhas espalhadas no chão em seus segundos finais. Foi só por volta de 1790
que a guilhotina surgiu na França como uma excelente tecnologia para tornar o
trabalho dos carrascos mais prático, no entanto, os aplausos continuaram de um
jeito ou de outro, e é fato: sempre tivemos muito apresso por ver cabeças
rolando.
Outro exemplo muito latente o qual não se pode passar despercebido foi a
criação do Coliseu em Roma, por volta do ano 50 d.C. Ali, os prisioneiros tornavam-se gladiadores e faziam até “plano de
carreira”, pois no caso de conseguirem muitas vitórias, tornavam-se verdadeiros
heróis, e conquistavam muitos fãs fiéis que os ovacionavam e escreveriam seus
nomes em muros da cidade. Os gladiadores eram obrigados a lutar contra leões,
ursos, tigres e claro, entre si; e a regra era simples: manter-se vivo. Além
disso, essas batalhas eram importantes economicamente, pois estimulavam apostas
e movimentações turísticas; nos dias de lutas, não havia quem não se deslocasse
para assisti-las, era um evento imperdível até mesmo para as mulheres e
crianças.
Hoje a coisa ficou mais leve, o gigante coliseu se reduziu em pequenos ringues 3x4 e
as lutas não são mais até a morte, é o que poderia nos atestar qualquer fã de
MMA. E ainda há outras mudanças bastante visíveis: os grandes anfiteatros e
espaços de praças públicas que reuniam as pessoas para assistirem espetáculos
cruéis, passaram a ser as nossas próprias salas de estar onde encontram-se
pequenas caixas de luz que chamamos “televisão”, um desses espetáculos que
assistimos nessa caixa é o Big Brother — fenômeno cultural em muitos países,
inclusive no nosso.
Pouca gente
sabe, mas o Big Brother é uma clara analogia a obra 1984, de George Orwell.
Esta obra trata-se de um romance futurístico, lançado em 1949, e que visava
cutucar as feridas ainda abertas causadas pela Segunda Guerra Mundial que há pouco tempo havia terminado. No livro, o “Grande Irmão” é um ditador que assume
o poder depois de ter vencido uma guerra mundial. Ele e seu partido controlam
as atitudes das pessoas observando-as a partir de “teletelas” — uma espécie de
televisões-filmadoras espalhadas por todo o mundo, tanto nas ruas como nas
casas das pessoas. “O Grande Irmão está de olho em você”, é o slogan utilizado
pelo ditador da distopia de Orwell.
Enquanto na
obra 1984 a vigilância extrema e o controle das atitudes das pessoas possuem
tom de indignação e inadmissibilidade, no programa de TV da vida real, o Big
Brother Brasil, a vigilância toma um tom de total entretenimento e espetáculo.
O Grande Irmão da ficção de Orwell, na vida real é o telespectador, é o público
que assiste, avalia e analisa, e é assim que podemos ter um breve gostinho do
que é ser um ditador, onde cada um tira suas conclusões de acordo com as
atitudes dos participantes da “casa mais vigiada do Brasil”.
Em cada uma
das casas de brasileiros que assistem ao Big Brother, há uma pequena analogia a
Orwell, porque, se na obra 1984 o menor desvio de conduta sobre o mais
insignificante dos assuntos fosse filmado pelas “teletelas”, isso poderia se
tornar absolutamente intolerável pelo partido do Grande Irmão, sendo esses
desvios, motivos de perseguição e de punição de morte. Na vida real, uma
atitude indesejável de um dos participantes do BBB é condenada de forma
diferente em cada um dos lares dos brasileiros. Num exemplo simples podemos
perceber que um arroto ou um palavrão que escapa ao vivo, pode ser julgado com
risos em um lar, mas com indignação em outro, no fim, estamos e sempre
estivemos todos confinados e fazendo política em um único lugar, o mundo.
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