De Balzac a Cortázar: escritores seduzidos pelos gatos
Por Pedro
Zuazua
Os gatos são
um material literário muito interessante. Poucos animais oferecem tantas
qualidades possíveis de servir à escrita. São elegantes, misteriosos,
independentes, curiosos, misteriosos e adoráveis ao mesmo tempo, amigáveis,
ágeis, teimosos, graciosos e, acima de tudo, gostam de ser os protagonistas.
O
relacionamento deles com os livros também foi marcado por escritores que
compartilharam suas vidas com eles: entre eles, estão muitos dos considerados “malditos”
ou de leitura complexa. Charles Bukowski? Gato. William Burroughs? Gato. Truman
Capote? Gato. Julio Cortázar? Gato. Ernest Hemingway? Gato. Acaso?
A literatura
abordou os felinos sob várias perspectivas. A fórmula mais complicada e ousada,
sem dúvida, é colocar o gato como narrador. Talvez o topo dessa corrente seja Eu
sou um gato (Estação Liberdade), do japonês Natsume Soseki. Um exemplo de
narrativa, ritmo e humor japonês. Com tudo o que isso implica. A receita para
comentar o mundo da perspectiva felina também foi usada pela E.T.A. Hoffman em Reflexões
do gato Murr (Estação Liberdade) e Gérard Vincent em Akenatón, a história
da humanidade contada por um gato (Siciliano). Todos têm em comum colocar em
seu entorno o ser humano. E todos os donos de gatos podem imaginar perfeitamente
os seus, com os pés apoiados na cabeça e criticando com displicência o que
fazem. Absolutamente tudo, é claro.
Há também
aqueles que se concentraram nos sentimentos do gato, sem entrar na valorização
(pelo menos não diretamente) da estupidez humana. Foi o que Balzac fez em suas Penas
de amor de uma gata inglesa (sem tradução no Brasil) e P.J. Stahl repetindo
a fórmula em Penas de amor de uma gata francesa (também inédito por aqui).
“O principal
é não cair no grande erro / e lembrar que um gato não é um cachorro”, escreveu
T. S. Eliot. Também existiram os poetas que os celebraram, como Pablo Neruda ou
Charles Baudelaire. Jorge Luis Borges dedicou alguns versos ao seu e Eliot poemas
inteiros – O livro dos gatos sensatos do Velho Gambá (Companhia
das Letras); este livro que mais tarde serviria de inspiração para o musical Cats.
Há
escritores que contaram o lado bom dos gatos (o que também existe). Antonio
Burgos, por exemplo, conta em Gatos sem fronteiras (tradução livre) a
chegada a sua casa de Remo e Rômulo. O livro obteve tanto sucesso que alcançou
um segundo volume, Alegações de gatos (t.l.), na qual os leitores
participaram de suas histórias.
Talvez a
história mais midiática (que até rendeu matéria para um filme) seja a de James
Bowen e seu livro Um gato de rua chamado Bob (Novo conceito). Bob
decidiu um dia que Bowen, um músico de rua com uma vida complicada, seria seu
dono. E isso o salvaria e o faria um milionário. Neste livro, há uma cena com a
qual toda pessoa que conviva com um gato se sentirá identificada.
Doris
Lessing coletou nos ilustres Sobre gatos (Atuêntica) a vida dos vários
gatos que conheceu – e teve – durante sua vida. Até a revista New Yorker
publicou várias edições de compilação com os melhores artigos e os melhores
desenhos animados com gatos.
E livros não
deixam de aparecer livros sobre gatos domésticos. O último, recém-chegado do
Japão, é Momoko e a gato (t.l.), de Mariko Koike. Uma mistura peculiar
de amor e suspense em que a gata Lala desempenha um papel de liderança. Terror
psicológico que nada tem a ver com o que os donos de gatos sentem quando os veem
permanecer com o olhar perdido em algum ponto indeterminado do além.
A escola francesa
do ensaio também entrou em matéria de gatos. Um dos melhores livros sobre o
assunto é Elogio do gato (t.l.), de Stéphanie Hochet. Uma
maravilha altamente recomendada que explica por que os gatos sempre querem
portas abertas. “Estudei muito filósofos e gatos. E a sabedoria dos gatos é
infinitamente superior”, diz Hippolyte Taine en Vida e opiniões filosóficas de
um gato (t.l.).
Vários
livros também foram escritos sobre a história do gato e sua relação com o ser
humano e seu lugar no mundo. Abigail Tucker fez em O leão na sala de estar
(t.l.) um tour pela biografia dos felinos como espécie e sua capacidade
de dominar o mundo. O tigre na casa (t.l.), de Carl Van Vechten, é outra
retrospectiva interessante da interação do gato com seu entorno (entenda-se o
homem como tal). Tem a particularidade de que foi escrito em 1920, antes dos
tempos do Instagram.
A maneira
curiosa de ser dos gatos também levou à sua presença no mundo dos quadrinhos.
Facilmente caricaturizáveis e amigáveis por natureza, eles aparecem em
desenhos como Garfield (L&PM
Editores) ou Simon’s cat (L&PM Editores), cujas HQs coletam muito
bem a alma da felinidade. Nesta seção, uma pequena recomendação ligeiramente
heterogênea: o livro Os gatos paradoxais (t.l.), de Pablo Amargo, que reúne
oitenta ilustrações e propõe a mesma quantidade de enigmas.
Agora, se os
títulos sugeridos forem muitos ou se pretender uma abordagem mais geral à
relação aos gatos e a literatura (ou vice-versa), O grande livro do gato
passou por uma revisão muito muito completa e interessante sobre a presença
felina no mundo das letras.
O porquê de
tanta tinta dedicada aos gatos se esconde em como eles conquistaram a internet
sem saber utilizar um computador ou telefone celular. Também sua evolução
espetacular, que os levou a serem considerados seres mágicos a algo muito mais
útil e especial: que os humanos recolham seus cocôs. E faça-o feliz. Isso sim é
que é dominar o mundo.
Ligações a esta post:
* Este texto é uma tradução livre de “De Balzac a
Cortázar: escritores seducidos por los gatos”, publicado aqui, no jornal El
País.
Comentários
Federico García Lorca
Mi Mefistófeles casero
está tumbado al sol.
Es un gato elegante con gesto de león,
bien educado y bueno,
si bien algo burlón.
Es muy músico, entiende
a Debussy, mas no
le gusta Beethoven.
Mi gato paseó
de noche en el teclado.
¡Oh qué satisfacción
de su alma! Debussy
fue un gato filarmónico en su vida anterior.
Este genial francés comprendió la belleza
del acorde gatuno sobre el teclado. Son
acordes modernos de agua turbia de sombra
(yo gato lo entiendo).
Irritan al burgués. ¡Admirable misión!
Francia admira a los gatos. Verlaine fue casi un gato
feo y semicatólico, huraño y juguetón,
que mayaba celeste a una luna invisible,
lamido por las moscas y quemado de alcohol.
Francia quiere a los gatos corno España al torero.
Como Rusia a la noche, como China al dragón.
El gato es inquietante, no es de este mundo. Tiene
el enorme prestigio de haber sido ya Dios.
¿Habéis notado cuando nos mira soñoliento?
Parece que nos dice: la vida es sucesión
de ritmos sexuales. Sexo tiene la luz,
sexo tiene la estrella, sexo tiene la flor.
Y mira derramando su alma verde en la sombra.
Nosotros vemos todos detrás al gran cabrón.
Su espíritu es andrógino de sexos ya marchitos,
languidez femenina y vibrar de varón,
un espíritu raro de inocencia y lujuria,
vejez y juventud casadas con amor.
Son Felipes segundos dogmáticos y altivos,
odian por fiel al perro, por servil al ratón,
admiten las caricias con gesto distinguido
y nos miran con aire sereno y superior.
Me parecen maestros de alta melancolía,
podrían curar tristezas de civilización.
La energía moderna, el tanque y el biplano
avivan en las almas el antiguo dolor.
La vida a cada paso refina las tristezas,
las almas cristalizan y la verdad voló,
un grano de amargura se entierra y da su espiga.
Saben esto los gatos más bien que el sembrador.
Tienen algo de búhos y de toscas serpientes,
debieron tener alas cuando su creación.
Y hablaron de seguro con aquellos engendros
satánicos que Antonio desde su cueva vio.
Un gato enfurecido es casi Schopenhauer.
Cascarrabias horrible con cara de bribón,
pero siempre los gatos están bien educados
y se dedican graves a tumbarse en el sol.
El hombre es despreciable (dicen ellos), la muerte
llega tarde o temprano. ¡Gocemos del calor!
Este gran gato mío, arzobispal y bello,
se duerme con la nana sepulcral del reloj.
¿Qué le importan los trenos del negro Eclesiastés,
ni los sabios consejos del viejo Salomón?
Duerme tú, gato mío, como un dios perezoso,
Mientra que yo suspiro por algo que voló.
El bello Pecopián se sonríe en mi espejo,
¡De calavera tiene su sonrisa expresión!
Duerme tú santamente mientras toco el piano,
este monstruo con dientes de nieve y de carbón.
Y tú, gato de rico, cumbre de la pereza,
entérate de que hay gatos vagabundos que son
mártires de los niños que a pedradas los matan
y mueren como Sócrates
dándoles su perdón.
¡Oh gatos estupendos, sed guasones y raros,
y tumbaos panza arriba bañándoos en el sol!