Seis livros para entrar no universo de Toni Morrison
Toni Morrison. Foto: Nicolas Guerin / Getty Images |
O lugar ocupado
por Toni Morrison na cultura literária não se restringe ao de autora de uma
obra imprescindível no interior das grandes criações do século em língua
inglesa. Confunde-se, sua trajetória, com uma vivência do lugar político,
assinalado pela recusa de integração numa perspectiva, experiência ou ideologia
da cultura branca. Isto é, um respeito para com a memória de uma comunidade e a
manutenção de uma expressão centrada na dinamização da cultura negra. A
escritora estadunidense assume-se enquanto voz de / para o negro.
E esse gesto
não se inscreve apenas na sua obra; na vida, ela também atuou nesse sentido. Quando
assumiu uma cadeira na prestigiada editora Random House, poucos meses depois de
sua estreia literária, Morrison abriu as portas desta casa para muitas figuras
da literatura negra: Gayl Jones, Toni Cade Bambara, Angela Davis. Antes de
tudo, os primeiros livros que tiveram sua intervenção formavam uma coleção de
nomes da literatura africana como Wole Soyinka e Chinua Achebe.
Na
literatura, seu foco expandiu-se nesse universo para as idiossincrasias da
coletividade negra e repousou seu olhar sobre o drama das mulheres nesse
interior e nas relações estabelecidas com o entorno todo feito de determinações
forjadas pelo branco. Estas se tornaram as preocupações centrais de sua literatura.
Na seção "Dicas de leitura" da edição 335 do Boletim Letras 360º havíamos recomendado três livros de Toni Morrison; agora, ampliamos a lista e acrescentamos nesta ocasião outros quatro títulos fundamentais para se envolver nesse universo marcado por nuances ricas,
expressivas e inteligentes de uma autora que soube utilizar do literário para renovação
de suas fronteiras mas também como espaço de luta, inspiração e ensinamento contra
o racismo e o sexismo – legado fundamental na construção de um mundo mais
honesto para com todos. Sabe-se que Toni Morrison escreveu ensaios (e,
finalmente, alguns deles chegam ao português), teatro, literatura infantil e
romances, a parte principal das recomendações apresentadas a seguir.
1. O olho
mais azul
Este é o romance
de estreia de Toni Morrison; é uma ótima opção para quem procura uma introdução
ao seu trabalho por razões diversas – a principal delas, no entanto, é o fato
de ser uma poderosa reflexão sobre raça, classe social e gênero. A narrativa
acompanha Pecola Breedlove, uma jovem negra maltratada que dolorosamente deseja
olhos azuis, como suas bonecas de infância (um sentimento extremamente
relacionável e quase um direito deprimente na vida comum de uma menina
negra). Pecola reza para que seus olhos fiquem azuis e possa ser linda e
amada como todas as crianças loiras de olhos azuis do seu país; enquanto sua
vida oferece reviravoltas das mais inimaginadas essa personagem atravessa a
aprendizagem da autoaceitação por caminhos diversos.
2. Amada
Com este
romance Toni Morrison recebeu o Prêmio Pulitzer de Ficção de 1988; este é
também o livro mais famoso da escritora. Uma década depois, foi adaptado para o
cinema com Oprah Winfrey no papel principal e, em 2006, o título foi incluído pelo
New York Times entre as mais importantes obras da ficção estadunidense
nos últimos 25 anos. Nascido de um episódio histórico, sua narrativa é
centrada na emocionante e traumática vida pós-escravidão de uma ex-escrava e
sua filha. Aqui, Morrison se utiliza de toda sua expressão em prosa
poética, estilo que fará reconhecida nos trabalhos seguintes neste gênero.
Amada é um retrato lírico e cruel da condição do negro no fim do século
XIX nos Estados Unidos.
3. A canção
de Solomon
Uma tradução
mais direta acentuaria o título como A canção de Salomão. A tradução mais
recente encontrada no Brasil até o presente é a de 1977 editada pela extinta
editora Best Seller. Depois de Amada este é provavelmente o segundo
romance mais popular de Toni Morrison; com ele, a escritora venceu o National
Book Critics Award. A história segue o protagonista Macon, como ele desenrola
sua vida na América, como um jovem afro-americano. É um dos poucos
trabalhos de Toni Morrison que apresenta um protagonista masculino. É uma
grande história de amadurecimento, sobre independência e autorrealização.
4. Jazz
Este parece
ser o romance favorito entre os leitores de Toni Morrison. Situado no
Harlem, bairro negro de Nova York, nos anos 1920, um vendedor de meia-idade
mata sua jovem amante em um crime passional. No funeral, sua esposa ataca
o cadáver da rival. Uma tragédia que se mostra como prenúncio dos tempos difíceis
que virão na década seguinte. Aqui, a narrativa avança e recua no tempo,
projetando para o leitor emoções, esperanças e medos por através de uma obsessiva
história de amor. O resultado é uma exposição sobre a comunidade negra nos
Estados Unidos da primeira metade do século XX.
5. Pérola negra
Com este romance, Toni Morrison revisita o tradicional romance romântico, isto é, aquele constituído por uma história de amor impossível ao retratar um caso de amor entre Jadine e Son. Os dois negros, mas vivem
em mundos muito diferentes: ela é uma linda modelo graduada em Sorbonne,
custeada pela família Streets, brancos que empregam a tia e o tio como empregados domésticos; ele é um homem determinado que vive na propriedade
dos Streets numa ilha do Caribe. Os dois se conhecem nessa ilha e passam a
perceber as diferenças da vida e os relacionamentos de cada um. Na viagem de volta
pra os Estados Unidos buscam um lugar onde ambos possam se sentir em casa,
porém percebem que não é possível; a luta de Jadine e Son revela a dor, a luta
e a concessões necessárias dos afro-americanos na busca pelo
amor e pela vida íntegra.
6. A origem
dos outros
A pequena pérola
publicada recentemente no Brasil recupera seis textos que deram forma aos
discursos que Toni Morrison proferiu na universidade de Harvard. Trata-se de um
livro que busca respostas para questões históricas, políticas e literárias
sobre o racismo e a radicalização da identidade. A autora revisita nesse percursos
autores de sua formação – de Harriet Beecher Stowe até Ernest Hemingway e
William Faulkner para entender melhor o papel da narrativa no estabelecimento
dos padrões de pensamento racial.
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