As renegadas cartas de amor de T. S. Eliot
Emily Hale e T. S. Eliot, Vermont, 1946. Arquivo Biblioteca da Universidade de Princeton / Reprodução. |
Um manancial
para os estudiosos e curiosos sobre a vida de T. S. Eliot. Um arquivo com 1.131
cartas de amor trocadas entre o poeta e Emily Hale, a grande musa e fonte do “êxtase
sobrenatural” por mais de três décadas, foram divulgadas no dia 2 de janeiro de
2019 na elegante biblioteca Firestone no campus da Ivy League na
Universidade de Princeton.
Sim, o acontecimento se deu em meio a fortes especulações e alto aparato de segurança, tal como registra o jornal The Guardian.
Entre os interessados, figuras como Lyndall Gordon, professora em Oxford e autora da biografia T. S. Eliot, An Imperfect Life (em tradução livre T. S.
Eliot, uma vida imperfeita); o interesse dos que participaram desse momento não
era apenas pelo conteúdo inédito, mas a oportunidade de estar entre os
primeiros a acessarem o material produzido na febril relação assumida entre Eliot e a professora de teatro entre os anos de 1930 e 1957.
Os dois se
conheceram quando ainda eram estudantes na Universidade de Harvard em 1912. Foram
apresentados por uma prima de T. S. Eliot. Vinham do mesmo círculo de famílias
de Boston. Ele já havia publicado A canção de amor de J. Alfred Prufrock.
Ela, que havia crescido com seus tios, aspirava ser atriz ou dramaturga, interesse
que sua família não via com bons olhos. Juntos, ainda atuaram numa pequena encenação
para os amigos, na qual interpretaram fragmentos do romance de Jane Austen, Emma.
Pouco antes
de partir para a Europa, em 1914, com passagem primeiro na Alemanha e depois para a Inglaterra, onde continuaria seus estudos em Oxford, ele,
apesar de não apresentar uma proposta firme de casamento, se declarou para Emily; suspeita-se
que Eliot não acreditava na correspondência do amor. Ao menos foi o que pareceu
o andamento das situações: ela quis ganhar a vida e deixou o jovem em suspense;
começou a ensinar teatro. A partir daqui, multiplicam-se as distâncias e os desencontros os
dois. Isso terá durado algumas décadas.
Um ano
depois de se declarar para Hale, o jovem de 26 anos se casou com a britânica Vivienne
Haigh Wood, uma mulher sempre descrita como intensa, deslumbrante e instável. A
vida dela se passou entre entradas e saídas de sanatórios e por vários
relacionamentos fora do casamento, entre eles, o enlace com Bertrand Russell; situações
que transformaram a convivência entre Eliot e Wood numa tormenta e que terá contribuído
para uma retomada sua, anos mais tarde, no diálogo com a amante.
Era 1927. O
poeta havia começado a ser publicado pela casa editorial de Virginia Woolf, a
Hogarth Press, laço que mais tarde o levaria a trabalhar como editor na Faber
& Faber. Daí, o destino tratou de arrumar as situações. Cinco anos depois, Eliot
voltou aos Estados Unidos como professor visitante em Harvard, ocasião que
permitiu reencontrar Emily na Califórnia.
As viagens e
cartas entre o poeta e sua amada continuaram. Até o fim da década de 1930, os
dois passaram o verão juntos em Campden. Mas, todo esforço dele era para com
Vivienne, que morreu, em 1947. Essa morte talvez tenha reacendido as
expectativas de Hale para o pedido de casamento esquecido. E, outra vez, como
no passado, ele não veio. No ano seguinte, Eliot ganhou o Prêmio Nobel e logo
se casou, em razões desconhecidas, com uma jovem admiradora que havia sido sua
secretária na Faber, Valerie.
Numa carta
escrita por T. S. Eliot como uma declaração ao arquivo de Princeton, em 1960,
gesto que previa a possibilidade das cartas se tornarem públicas, ele explicou
brevemente o fato de não pedir Emily em casamento. A concretização da paixão
nascida em 1912 teria matado o poeta. “Quando Vivienne morreu, de repente
percebi que não estava apaixonado por Emily Hale. Gradualmente, entendi que
estava apaixonado apenas por uma lembrança, com a lembrança da experiência de
estar apaixonado por ela na minha juventude”, diz o poeta.
Ela, por sua
vez, num relato de três páginas oferecido antes ao bibliotecário de Princeton, relata
a cumplicidade vivida com Eliot: diz da grande surpresa que foi descobrir, uma
década depois de se conhecerem, do interesse dele por ela; da infelicidade do
casamento com Vivienne; da reaproximação definitiva na década de 1930; de que, raríssimos
amigos e familiares sabiam do envolvimento amigável dos dois. A decisão de Eliot
em se casar com sua secretária foi recebida, diz Hale, com tristeza. “É
possível que eu não pudesse ter sido a companheira de casamento que ele esperava...
É possível que a decisão tenha nos salvado de uma grande infelicidade – nunca poderei
saber” – registra.
Emily Hale
decidiu doar as cartas a Princeton em 1957, onde trabalhava o marido de um de
seus melhores amigos, Willard Thorp, o professor que também conseguiu os papéis
de F. Scott Fitzgerald. O material permaneceu preservado dos olhos dos
pesquisadores e curiosos durante todo esse tempo por decisão dela e do próprio
poeta que registraram o silêncio em torno das missivas até 2020. A reiteração
por parte de Eliot se deu pela sua suspeita de que a universidade não cumpriria
com o pedido de Hale.
A abertura
do arquivo tem fortes implicações: sabe-se, agora, melhor sobre uma lacuna na
biografia de um dos mais importantes poetas do modernismo inglês; confirma-se
que Hale foi mesmo a inspiração para alguns dos versos mais lembrados de Eliot,
com os primeiros dos seus Quatro quartetos; Lyndall Gordon, que escreveu
biografias de Virginia Woolf, Henry James e Emily Dickinson, entre outros, prepara
um novo livro sobre T. S. Eliot e mulheres, que será lançado em 2022 no mercado
anglo-saxão, coincidindo com o centenário da publicação de A terra desolada.
Mais que
tudo: sabe-se que esse amor existiu apenas no mundo das ideias. No mesmo texto
de T. S. Eliot, ele esclarece que os dois nunca se envolveram sexualmente e ele
próprio preferia ver queimada essas cartas, tal como o fez com as cartas de
Hale. O amor de tinta e papel registrado entre 1930 e 1957 certamente revelará
outros detalhes sobre Eliot – é o que se aposta ante um medo tão visível de que
este material viesse a público.
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