Kholstomer – história de um cavalo
Por Davi Lopes Villaça Lendo Tolstói parecemos escutar duas vozes que se contradizem sem jamais atentar à existência uma da outra. Pois esse autor, que tão severamente investe contra os vícios humanos, é também o maior admirador da vida desregrada, guiada apenas pelos ímpetos do corpo e dos instintos. Ele nos fala às vezes como um velho cristão, sinceramente arrependido dos pecados da juventude; mas eis que, no momento seguinte, parece esquecer-se de sua conversão para recordar aqueles dias felizes de entrega, quando a consciência do pecado não havia e, por isso, tampouco o próprio pecado. Thomas Mann o descreveu como um “filho da natureza”, marcado por “tentativas imensamente desajeitadas e jamais bem-sucedidas de espiritualização moral de sua corporalidade pagã”. É tentador imaginá-lo assim como um símbolo da própria Rússia do século XIX, esse país, como o viam muitos russos, ainda mal civilizado pela cultura europeia e que vivia na nostalgia de sua antiga barbárie. Um bo