Rebecca West, o clássico da literatura britânica ainda por se descobrir
Por Ana
Marcos
Rebecca West, 1980. Foto: David Montgomery / Getty Images |
Rebecca West
conseguiu percorrer parte do século XX desfazendo qualquer possibilidade de que
seu nome e obra fossem associados com algum rótulo ou uma ideologia. Conseguiu
isso com um olhar particular sobre a história da Iugoslávia, os julgamentos de
Nuremberg do regime nazista e sua maneira de entender o feminismo – então concebidos
como ódio aos homens. “Eu nunca fui capaz de descobrir exatamente o que é
feminismo; só sei que as pessoas me chamam de feminista toda vez que expresso
sentimentos que me diferenciam da condição de um capacho”, disse ela. Foi assim,
até se tornar uma das figuras mais relevantes da literatura do último milênio.
West nasceu
em 1892 em Londres com o nome Cecily Isabel Fairfield que rapidamente mudou
para Rebecca West em homenagem à heroína rebelde da obra A Casa de Rosmer,
de Henrik Ibsen. Aos 16 anos, ela deixou a escola para se tratar de uma
tuberculose e desde então se tornou uma autodidata. Seu pai, jornalista de
origem irlandesa, já havia abandonado a família. Como na trilogia A família
Aubrey, uma de suas obras de ficção, West e sua irmã ficaram sob o cargo de
sua mãe, uma pianista escocesa.
Aos 26 anos,
West já estava assinando o semanário feminista The Freewoman. Pouco
tempo depois, ela publicou seu primeiro romance, O retorno do soldado
(tradução livre de The Return of the Soldier). Desde 1918, não parou
mais de escrever, embora as críticas de então nunca tenham sido tão generosas
com ela como com suas colegas Virginia Woolf e Doris Lessing. Numa entrevista ao
jornal The New York Times, antes de morrer, West reconheceu o talento de
Woolf enquanto desenhava sua relação particular com a literatura da escritora.
“Ela escreveu que tinha braços peludos. Perguntei ao meu advogado se ele
poderia denunciar uma pessoa morta e ele me disse que não poderia denunciar
alguém, mesmo que ainda estivesse vivo, por uma frase assim”, lembrou.
Seus
primeiros artigos de jornal reuniram sua experiência nos movimentos pelo
direito ao voto das mulheres – naqueles que haviam começado na adolescência com
sua irmã – enquanto lidavam com a sexualidade feminina. A escritora afirmou em
seus textos a necessidade das mulheres para o sexo, amar e o desejo com “a
mesma força” que os homens.
A
sexualidade e suas primeiras dissertações – que sempre o acompanhavam – sobre o
relacionamento entre homens e mulheres traçavam seu caminho até H.G. Wells. Ela
tinha 20 anos e o autor de A guerra dos mundos 46, quando se conheceram
depois que West o chamou de “a solteirona entre romancistas” em uma crítica ao
seu romance Casamento. O escritor a convidou para jantar, apesar das
críticas. E logo depois do segundo encontro, West ficou grávida. “Eu nunca conheci
alguém igual a ela e duvido que houvesse alguém assim antes dela”, disse ele.
Wells,
casado na época, comprou uma casa no campo para West e seu filho Anthony. O
relacionamento durou 10 complicados anos. “Não sei explicar por que o amor que
você me professou apenas três meses atrás se esgotou. Mas é algo que me escapa
completamente, algo que faz minhas tripas se mexerem. E o fato de você ser
exatamente quem mexe no meu estômago me tira ainda mais da cabeça, porque você
é o único obstáculo que me separa da paz. Você está claramente certo: não tenho
nada para lhe oferecer. Você é atraído apenas por fortes emoções e conforto”,
escreveu ela numa carta, uma das muitas guardadas no arquivo da Universidade de
Yale.
Apesar da
experiência tortuosa que culminou com um filho renegando a mãe, as biografias
sobre a escritora lembram uma de suas frases sobre H. G. Wells: “Ele é um dos
homens mais interessantes que já conheci. Ele não era forte, escreveu muito e foi
pai e mãe da ficção científica.” A maneira de Wells entender a guerra permeou o
trabalho de West, que, no entanto, sempre citava Mark Twain e Henry James entre
suas referências.
“Reportagens
no nível da literatura”
Cordeiro
negro, falcão gris (tradução livre de Black Lamb, Gray Falcon, 1941)
permanece fixo como uma de suas grandes obras. Mil páginas sobre os Bálcãs
resultantes de sua viagem à região com o marido Henry Maxwell Andrews, um
banqueiro bilionário. Naquela época, West já havia destilado seu ódio contra o
capitalismo em alguns de seus textos. Sua militância nunca esteve perto de
religião ou ideologia.
Em Um
rastro de pólvora no oeste, reuniu seis reportagens sobre questões
judiciais, incluindo os três artigos sobre os julgamentos de Nuremberg que a
revista americana The New Yorker lhe encomendou em 1946, 1949 e 1954,
originalmente intitulada Greenhouse with cyclamen. Uma grande produção
que, até certo ponto, lhe trouxe certa melancolia.
Ela sempre
alegou ter deixado de incluir mais ficção em seus 20 títulos. “É como comparar como
soa a música e um discurso: oferece melhores matizes emocionais”, confessou numa
ocasião, sem renegar seu trabalho como jornalista para várias mídias estadunidenses.
Os críticos sempre consideraram que suas reportagens estavam “no nível da
literatura”.
West viveu
como escreveu. Com irreverência e inteligência. Como evidenciado nas cartas do
arquivo de Yale. Em 1953, ela escreveu a Ingrid Bergman para dizer: “Tenho
certeza de que ama muito o seu marido, mas mais cedo ou mais tarde terá que
assumir que não possui mais o menor talento. Você tem habilidades únicas e
personalidade avassaladora. Parece-me absurdo sacrificar esses dons em favor da
sua vida sentimental”. Contraditoriamente, assim se despediu de H.G. Wells:
“Nos próximos dias, não terei escolha a não ser arrancar a proteção de meu
cérebro ou cometer um ato ainda mais devastador do que o próprio suicídio. Seja
como for, não tolerarei que outros se apossem do meu fim.” Quase um epitáfio.
*
Este texto é uma tradução de “Rebecca West, el clásico de la literatura británica
todavía por descobrir”, publicado aqui, no jornal El País.
Comentários