Velhos amigos, de Ecléa Bosi
Das vizinhas
ao meio,
Sobre a
escada a fiar, uma velhinha,
Naquele
ponto onde se perde o dia;
E recordando
vai do seu bom tempo
Quando em
dias de festa se adornava
E ainda
fresca e esbelta
Costumava
dançar entre os que foram
Seus
companheiros da idade mais bela.
– Giacomo Leopardi,
“O sábado da aldeia”, tradução de Ecléa Bosi
Desde muito
antes a literatura servir à ciência como repositório para a compreensão sobre determinadas
circunstâncias sociais e humanas, se formou um movimento criativo ao contrário.
Isto é, pensadores de campos diversos do saber experimentaram suas ideias
através do literário. Os nomes que talvez logo nos saltam da lembrança são os
de Albert Camus, Jean-Paul Sartre ou Simone de Beauvoir, pensadores e autores
de ficções que animavam os conceitos por ele pensados. Mas, eles não foram
precursores desse recurso; se formos aos primeiros livros que se propõem oferecer
alguma resposta para inquietações de ordem diversa e uma explicação sobre o
mundo e as coisas, encontraremos títulos como A República, de Platão, Émile ou
De l’éducation, de Jean-Jacques Rousseau, Diálogo sobre a Religião Natural, de
David Hume, La Religieuse, de Denis Diderot, Assim falou Zaratustra, de
Friedrich Nietzsche, apenas para citar alguns dos textos formadores do que é
possível denominar como uma linha criativa no âmbito do literário. A rápida
referência aos três primeiros escritores é pela proximidade com o nosso tempo. E
porque não apenas fizeram da literatura um campo de experimentação sobre ideias;
embora concebessem a literatura como esse repositório do qual se beneficiaram
nomes diversos da filosofia, da psicanálise e das ciências sociais, para citar
alguns dos campos principais nessa relação, esses pensadores construíram uma
obra sem transformar o literário em objeto submetido ao regime do seu
pensamento. Sabiam que os discursos que modulam a ciência não são literatura,
mesmo que nela se manifestem.
Foi o
conjunto de textos Velhos amigos (Ateliê Editorial, 2019) que deu acesso a Ecléa
Bosi nesse seleto grupo de criadores que se utilizaram do seu pensamento na experimentação
do literário. Quando este título veio ao público, Memória e sociedade.
Lembranças de velhos, certamente seu trabalho mais conhecido, chegava aos 25
anos. Sua reedição, em quase duas décadas sobre esse tempo chega em boa hora.
Para uns poderá ser uma descoberta, como foi para todos em 2003. Mas, essa
descoberta, entretanto, não será puro acaso. Os que mantinham ou mantêm um
simples contato com a obra teórica de Ecléa Bosi sabem do cuidado com que a
autora lida com a linguagem, situando-se sempre numa zona de fronteiras quase desfeitas
entre o discurso objetivo da academia e o de inclinação ficcional-subjetiva
encontrado com maior reiteração na literatura. Estamos diante de uma autora filha
de uma geração que interviu continuamente no rigor acadêmico interceptando-o
pelo despojamento do comum, num claro esforço de estabelecimento de diálogo com
grupos sociais fora das margens da língua e dos espaços intelectuais sem se
descuidar da seriedade e do rigor necessários a qualquer pesquisa.
Uma maneira
possível de observar os estreitamentos de um trabalho com a linguagem e o zelo
pelos afetos, força ideológica, formal e estilística de sua obra são os laços
que a obra acadêmica de Ecléa Bosi mantiveram com os universos criativos do
artísticos, permitindo que outros criadores traduzissem essas textualidades em
expressões variadas, como o espetáculo Doces Lembranças, produzido pelo
Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo a partir de Memória de velhos ou a função iluminadora de Cultura
de massa e cultura popular. Leituras de operárias nas criações do teatrólogo
Timochenco Wehbi.
A
aproximação com modos de tratamento comuns à literatura não finda no trabalho de
manipulação da linguagem científica; Ecléa Bosi foi leitora assídua de ficção e
poesia. Só isso pode garantir ao pensador acadêmico modulações fora do tom
sisudo recorrente no discurso de seu meio. Herança do trabalho da pensadora que
se dedicou a trabalhos de tradução de poesia – Federico García Lorca, Giacomo
Leopardi ou Rosalía de Castro numa antologia já escassa entre nós (Editora Nós,
1966) – e mesmo à escrita de poesia, como soubemos com a publicação de A casa e
outros poemas (Com-Arte, 2018). Velhos amigos nos coloca ante seu trabalho
criativo com a ficção e não é apenas um experimento no literário – nele intervêm
uma quantidade variada de referências de dentro e fora da nossa literatura que
nos coloca em contato com outros nomes formadores, certamente, do vasto
repertório de leitura da autora: Manuel Bandeira, Monteiro Lobato, Carlos
Drummond de Andrade, Vicente de Carvalho, Cecília Meireles, Guimarães Rosa, Fernão
de Magalhães, Lamartine, Máksim Górki, Carlo Collodi, Hans Christian Andersen, entre
outros – nomes pinçados numa visita planar pelos textos reunidos na antologia
ora em análise. Essa presença se nota ainda no intertexto, isto é, na retomada
de textos diversos citados diretamente ou incorporados ao discurso narrativo.
Mas, por que
Velhos amigos é produto de uma experiência do pensamento teórico da autora pelo
literário? A resposta a essa pergunta não é tão simples. Não estamos diante de
um mero trabalho de transposição de ideias do campo teórico para o literário,
mas de um exercício criativo que deixa o leitor entrever resquícios de um no
outro. As possibilidades são muitas: é a reiteração de questões, preocupações, temas
e espectros ideológicos; é a atmosfera das narrativas, situações, modulações
discursivas; é maneira das descrições; é o itinerário, os afetos e as geografias
recuperadas. O leitor nota precisamente um paciente, minucioso e recatado
trabalho de tessitura quando percebe nos textos esses variados tons que os determinam:
ora como se a própria memória da escritora, vivida, ouvida e imaginada, ora pelas
aproximações com o imaginário popular e erudito, ora as concepções muito
articuladas com certo apelo pedagógico. Ainda que assuma tons variados, como é
esperado no modo narrativo, não deixamos de reparar um continuum vocal, muito bem
definido como o tom do ensinamento, à maneira de um narrador antigo que nos
coloca outra vez em contato a magia de dizer as coisas envoltas em situações que
nos impele ao movimento de aprender pela decifração, pelo exemplo e pela
reflexão.
Os fios desse
tecido, alguns mostrados acima, formam um conjunto de narrativas que recuperam
um tempo imemorial, um passado continuamente revisitado pelos narradores desses
textos; suas vozes estão tomadas por um saudosismo mesmo quando as situações
recuperadas são difíceis e trágicas. Isso porque toda memória é condicionada
por afetos toda vez que interpelada. E as múltiplas vozes recuperadas pela
escritora são determináveis pelos resquícios de suas vivências e das vidas com
as quais cruzou nos seus itinerários de pesquisa. Velhos amigos é um
agradabilíssimo reencontro com as memórias daquelas personagens de seu
principal trabalho acadêmico; é o demonstrativo de que o distanciamento
objetivo reiterado pelo discurso acadêmico é moeda ultrapassada: os nossos
objetos de pesquisa são constituídos pela força da paixão com a qual nutrimos
nossos interesses e depois de longo tempo de convivência conosco se nos infiltram
e tornam parte de nossa existência, respiram do mesmo ar que respiramos, nos
determinam, influenciam na compreensão e organização do nosso mundo.
Se no território
acadêmico esse distanciamento fora colocado em xeque, aqui, Ecléa Bosi se
permite à liberdade só possível no literário. Vale recuperar o primeiro texto
dessa antologia, “Ao alcance da mão”. Este título situa o leitor que os
episódios recuperados passam da memória e alcançam à ponta dos dedos e da
caneta que os recriam como literatura. É uma narrativa com cariz introdutório –
o que significa dizer que, embora diversas, as histórias ocupam certa ordem e estão
alinhavadas por um único fio: tenta responder uma pergunta que, uma vez
colocada no interior da própria narração, logo transforma o texto em metatexto.
A pergunta é “de onde vêm as histórias” e a resposta é dada contando uma história:
“Uma jovem certa vez perguntou ao educador Paulo Freire como ele havia conseguido
entender gente de tantos países e ser admirado por povos de línguas e culturas
tão diferentes. Ele revelou um segredo. Quando menino, nas ruas e pontes da sua
cidade do Recife, vivia conversando com velhos, mendigos, vendedores
ambulantes.” Essa constatação parece servir ao itinerário que se segue. “Se
conto histórias”, diz na continuação o mesmo texto, “é porque em longas
caminhadas precisava distrair meus amiguinhos”; e acrescenta: “O que está
escrito neste livro sempre esteve ao alcance da mão, e, se lhe alegra saber,
tudo é verdadeiro.”
As vozes que
falam em Velhos amigos são as da experiência. De um narrador que durou muito
tempo em sua própria terra e uma vez em terras alheias se aventurou em ouvir as
personagens com raízes das mais profundas com o lugar onde viviam. Podemos,
assim, dizer que a Ecléa Bosi desses textos é a pesquisadora, muito tempo depois
de seu interesse pelas histórias de velhos, transformada ela própria em velha
contadora de histórias. Assume-se então em pelo menos dupla persona, a que reinventa
o acontecido consigo, o vivido, e a que revive as histórias de outros. Esse narrador
assume posições diversas: preocupa-se com a degeneração da memória, com o papel
da experiência na formação dos laços interpessoais, com o registro de vivências
situadas num tempo não contaminado pelo imediatismo e com o trabalho contínuo
da tradição de fazer permanecer no outro os eventos da história, não só os
agradáveis mas os traumáticos. Ou seja, o fio único que alinhava as narrativas
dessa antologia é o que compreende a história não como um tempo estanque e
irrepetível e sim continuação e passível de repetição.
É por isso que
se preocupa em revisitar episódios dos mais terríveis, como os campos de
concentração levantados pelo nazismo ou o ataque dos Estados Unidos a Hiroshima;
contados pela voz do sobrevivente, esses relatos ressaltam em desencanto o peso
do horror na história e o papel dos habitantes do presente em não deixá-lo cair
no esquecimento sob ameaça de retorno à barbárie. Com o mesmo sentido, agora
para ressaltar os exemplos positivos, faz de figuras históricas em personagens
importantes; é o caso da presença já citada dos escritores da literatura nossa
e estrangeira, de Paulo Freire, de Dom Helder Câmara, Câmara Cascudo,
Aleijadinho ou Santos Dummont. Se imiscui claramente certo propósito educativo,
como dissemos, visível este no tom moralizante de algumas narrativas. A
pedagogia do exemplo não é uma puramente pedagogia; perfaz a cor mais natural
do fabular, que é, como se sabe, o espírito mais original da literatura. Podemos
ampliar essa perspectiva observando que as narrativas reunidas nessa antologia
buscam catar o perdido ou em vias de se perder como se conseguir isso seria devolver
ao leitor parte de sua identidade, afinal, o que nos define passa pelo vivido e
o seu reconhecimento enquanto elemento participativo na transformação das coisas
e mesmo das outras vidas posteriores. Prevalece, assim, certo traço de uma
coletividade constituída pelo entrecruzamento de uma rede saberes, algo que não
deixa de se mostrar em crise pela maneira como algumas narrativas reiteram certa
modificação da natureza e dos ambientes urbanos ou ainda a falha da memória.
O impacto do
falso progresso, este que nega a natureza enquanto continuidade do homem, se
apresenta de diversas formas nessas narrativas: da destruição da natureza
naqueles textos de forte apelo ambiental ao descarte de vidas nos asilos como
se fôssemos em velhos o refugo de uma sociedade cegamente guiada pelos princípios
da produção, dos distanciamentos nas relações entre jovens e velhos à nossa
relação com a nossa e a memória alheia. Essas, algumas das preocupações
entrevistas ora pela maneira como se é recorrente nas sociedades do alto capitalismo
ora pela via contrária, isto é, quando personagens atuam na contramão dos novos
paradoxais costumes são outras das questões que formam o conteúdo de Velhos
amigos. Todos esses textos se revestem de um lívido frescor, por vezes se
oferecem como se uma crônica, outras de um triz autobiográfico, outras de uma
ironia sobre nossas obsessões, outras de certo cariz antropológico saudado por
Adélia Prado no breve texto colocado na abertura do livro. A poeta mineira
reconhece-se na sensibilidade de Ecléa Bosi para o miúdo e a capacidade de presentificá-lo
através da escrita – na certa está atenta ao traço de poesia que ilumina sensivelmente
a prosa nos momentos que o leitor não deixará de se mostrar tocado pelas
descrições, revelações, ou fulguração dos sentidos sobre o mundo, seus
habitantes, os gestos e as coisas. Isso porque essas infiltrações poéticas
assumem também um valor exemplar, o de nos propiciar uma visita aos meandros da
existência ao mesmo tempo que nos colocam em contato como uma metafísica do
homem. Há nisso uma clara aproximação com a poesia de Rosalía de Castro, pela
maneira como Ecléa Bosi fabula o particular e o transitório, sempre atenta ao simples
e porque nele repousa o sublime, o que atinge o cerne da natureza humana e a
revela enquanto a beleza terrível de existir.
Não é apenas
a memória de velhos que se mostra nos textos de Velhos amigos. O olhar da
autora se debruça para um cotidiano atulhado de coisas em vias de esquecimento,
para solidão das coisas carregadas de afetos por contar ou ainda vivas portas
de acesso a esse mundo outro fundamental às nossas existências: o fabular – um
quadro, um retrato, a casca de uma árvore, uma estrela de tecido de Auschwitz, uma
bengala, o livro antigo. Esse trabalho singular com o resíduo se assemelha ao
do próprio poeta na contemporaneidade, uma vez que, sua função num mundo
desatento para a memória das coisas porque seduzido pelo valor do novo e da
novidade tem sido a de refigurar a existência daquilo que sem-valia e descarte;
sua tarefa, se antes era a de oxigenação da linguagem, para reiterar um termo
de Umberto Eco, é, agora, também a de retransmissão dos sentidos. Em “As
crianças de Parma”, é o contato da criança com uma litogravura que favorece a
transmutação da cena pictural em realidade; em “Objetos e pé”, para recuperar mais
um exemplo, as lembranças de menino ativadas por uma fotografia de coqueiros impele
o velho Teófilo à obsessão pelo sonho de infância de uma ilha, espécie de paraíso
outro, que é, no fim de tudo, ele próprio.
Se antes
dizíamos que a escritora não perde o tom professoral ao nos propor uma
reabilitação da memória biográfica e histórica para o não esquecimento do
passado, também para a compreensão do presente e, consequentemente, uma revisão
sobre o futuro e que isso guarda certo interesse de restauro de uma
coletividade em decomposição, aqui podemos ampliar esta leitura. É sua
preocupação uma reaprendizagem dos sentidos, uma reeducação pela sensibilidade,
a única possibilidade de acesso ao que o cotidiano da pressa, do refugo e do entulho
não nos deixa ver. Tal reeducação só pode ser oferecida pelo artístico, como
referido em Velhos amigos e não somente pela literatura, como citado, mas por
outras expressões como a música, a pintura, o teatro, a dança e as
manifestações populares. Tudo isso tem um desígnio muito claro: são os objetos
artísticos que nos colocam em contato com a dimensão humana de nós próprios, esse
que nos diferencia do animal em sua forma não-domesticada, além de constituir
em elemento fundamental às nossas memórias. Um povo sem arte é um povo sem
memória. E o apagamento da memória pode significar o endurecimento dos afetos, a
banalização do mal e a condenação de uma sociedade à barbárie – talvez já não
precisemos ir muito longe no tempo para saber disso, mesmo assim, há situações
num passado igualmente não-distante fundamentais de mantê-las redivivas e isso
só é possível pela memória.
A grande
imagem que nos é oferecida pelo diálogo entre peças muitas vezes tão diversas
(a crônica de costumes, social e histórica, a anedota popular, o episódico, o
autobiográfico, o conto de exemplo, a fábula, o registro antropológico) compreende
um instante entre um passado e um presente que se habilita negá-lo. Essa
observação pode ser compreendida na imagem simbólica oferecida em textos como
“Em Ouro Preto”, em que o tom autoconfessional descreve por entre sendas de um
breve relato de viagem o contato com os prédios de Belo Horizonte que taparam o
horizonte, o trânsito que expulsou de suas ruas as crianças, os oleiros e as
cirandas. A cidade do interior mineiro é que fará a viajante não só corroborar
com os versos de Carlos Drummond de Andrade – “Minas não há mais”, como reexperimentar
seu avesso, pelos sentidos do passado; Ouro Preto é vista como a cidade que resistiu
o mal do progresso por baixo dos cobertores de serra e a resistência dos
moradores que se ofendem com o olho interesseiro do turista enquanto pulula com
o frevo dos jovens estudantes, estes que são vistos como a vida da cidade à
noite e numa cena tanto bucólica quanto revestida de uma nostalgia de um
ajuntamento deles ao redor da estátua de Tiradentes reflete a narradora: “Bem
que eu gostaria de sentar-me com eles, mas os degraus eram alto demais”. O
recorte desse episódio no final destas breves notas é para observar que as
narrativas de Velhos amigos estão profundamente marcadas pelos sentidos de uma
palavra citada logo acima: nostalgia. A sensação de saudade idealizada associada
a um desejo sentimental de regresso define “Em Ouro Preto”, que pode ser lido
como uma síntese da atmosfera que envolve as circunstâncias que formam este
livro sobre memória-vivido, memória-sonho, memória-trabalho, ou apenas o tempo paralaxe
da memória.
Para Ecléa
Bosi a sociedade se constitui das vivências dos velhos (o título da antologia
reafirma essa tese), do trabalhador comum. É dela a afirmativa de que: “Os
feitos abstratos, as palavras dos homens importantes só se revestem de significado
para o velho e para a criança quando traduzidos por alguma grandeza da vida cotidiana”.
E é o que se mostra nessa antologia. Permita o leitor, apenas um exemplo a mais
que justifique isso. Em “Aventura nos confins do mar”, outro texto dos mais
bonitos de Velhos amigos, o leitor encontra a seguinte situação: os avós, muito
simples, que modificam sua rotina de trabalho levando o neto para passear; pela
viagem, compram-lhe uma bola; uma vez na praia, o objeto é arrastado pelas
ondas, o que demanda um esforço hercúleo do frágil avô na tentativa de
recuperá-lo. Fique apenas com esses episódios, sem o desfecho – são suficientes
para perceber no literário o desenvolvimento da ideia da pensadora. Na mesma
linha, o leitor não pode deixar de perceber que o trabalho da escritora se
reveste do mesmo princípio aqui definido: só alcançamos seu grande feito pelo
enredamento do cotidiano.
Este mapa de
afetos, reafirmamos, volta em boa hora; seus lugares nos retiram do bulício
corriqueiro para um mundo não-visto e um tempo cada vez mais escasso em
decorrência de uma abjeta ditadura da informação produto do apelo radical de um
modelo social que se impõe cada vez mais ignorando a dimensão humana que nos define.
Depois da travessia por esses territórios, podemos reaprender os sentidos – não
é esta outra das principais dimensões da literatura, patente desde os gregos, nos
proporcionar um acesso ao negado pela realidade imediata? Comecemos, então, por
Velhos amigos. É nossa vez de ouvir o que tem a dizer aquela que durante toda
uma vida nos propôs ouvir os negados de falar. Uma reeducação dos sentidos
passa pela revisão e ainda reaudição. O círculo se abre (nunca se fecha, aliás,
porque continuidade) – quem nos chama é Ecléa Bosi.
* Este texto foi publicado inicialmente aqui, no Blog da Ateliê Editorial.
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